Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00056/10.8BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/31/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RESPONSABILIDADE. ACIDENTE. GRAVILHA. CONDENAÇÃO PARA ALÉM DO PEDIDO.
Sumário:
I) – Se os pressupostos cumulativos de responsabilidade se encontram reunidos, gera-se dever de indemnizar.
II) – Pressupostos, no caso, presentes, em que ocorreu acidente de viação por causa de gravilha espalhada na via, sem adequada sinalética de aviso.
III) – A proibição de condenação para além do pedido afirma-se quanto ao valor global e não quanto ao parcial, correspondente a cada uma das várias parcelas em que o quantum de pedido se possa decompor. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrido 1:SCE & S…, Ldª
Recorrido 2:Município de L...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Julgar totalmente improcedente o recurso da autora e julgar parcialmente procedente o recurso do réu
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

SCE & S…, Ldª e Município de L..., inconformados com decisão do TAF de Penafiel, interpõem, recurso jurisdicional - cada parte o seu -, no âmbito de acção administrativa comum ordinária, que aquela primeira intentou para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, julgada parcialmente procedente.
*
O recurso do réu:
→ oferece este em conclusões:
I) Resulta da prova gravada matéria mais do que suficiente para que seja posta em causa a forma como se produziu o acidente - designadamente quanto à existência de sinalização -, os danos dele resultantes e o valor da sua reparação, a falta de nexo de causalidade entre o facto e o dano e, ainda, o facto de o Recorrido ter sido condenado ultra petitum;
II) Na verdade, não tem correspondência com a realidade parte da matéria constante do ponto 4. dos factos dados como provados, mais concretamente que naquela data não existia no local
“4. (…) qualquer sinalização indicativa da existência de obras, de redução de velocidade ou proibição de circulação de trânsito naquele troço onde ocorreu o acidente”.
Nem ter-se dado como provado no ponto 26. Daquela mesma matéria que:
“12. Em toda a extensão da via não existia um único sinal vertical, horizontal ou luminoso, que indicasse a existência de obras na estrada ou de redução de velocidade, quer a montante quer a jusante do local onde ocorreu o acidente.”;
III) De facto, ao ter-se dado como provada aquela factualidade, contradiz os factos dados como provados sob os números 26 e 27 da mesma matéria:
“26. A obra supra foi sinalizada com um sinal vertical com os dizeres “areia”.”;
“27. Foi mantido um sinal vertical onde constava o aviso “areia.”;
IV) Por outro lado, resultou do depoimento de diversas testemunhas e até mesmo do depoimento de parte prestado pelo legal representante da R., Freguesia de B... - Santo E…, na audiência de julgamento que teve lugar no dia 18 de Janeiro de 2013, que aquele troço da via se encontrava sinalizado à data do acidente;
V) O aludido representante daquela R., a título de depoimento de parte e a instâncias da Meritíssima Juíza a quo, esclareceu, entre outras coisas, que a obra é sinalizada no seu início e no seu fim, com diversos sinais e por um período de cerca de 6 meses, mas após isso fica sempre um sinal nos extremos do troço intervencionado, que, neste caso, eram umas placas com os dizeres “areia”;
VI) Na audiência de julgamento do dia 25 de Janeiro de 2013, pela testemunha da R. Freguesia de B... - St.º E..., FRC, à data do acidente jornaleiro daquela, igualmente esclareceu a existência de sinalização na via, tanto durante a realização da pavimentação, como após esta e, ainda, depois de ter desaparecido a gravilha/areia do piso;
VII) Outra testemunha da mesma R., AJF, à data do sinistro também jornaleiro daquela autarquia, que prestou o seu testemunho na mesma audiência de julgamento, clarificou a instâncias do mandatário dos RR., que se lembra da execução da obra, que a Câmara sinalizou a mesma com vários sinais de areia, de perigo e de limite de velocidade e, ainda, que, após cerca de um mês da conclusão da mesma ficaram nos limites do troço intervencionado duas placas com os dizeres “areias”.
VIII) E neste mesmo sentido foram as declarações da testemunha do aqui Recorrente, Eng.º JCSN, Director do Departamento de Obras e do Ambiente da Câmara Municipal de L..., que prestou o seu depoimento na mesma audiência de julgamento, ao explicar que a obra é sempre sinalizada, como a lei impõe, e que essa sinalização fica no local cerca de um mês, ou seja, até desaparecer a gravilha/areia do piso;
IX) E, por fim, a outra testemunha arrolada pelo Município de L..., o Eng.º Mecânico JMM, ouvido nesse dia, respondeu a instâncias do mandatário das RR., que se encontra ligado à parte da sinalização das obras e que é mesmo ele que procede à entrega das placas de sinalização e que informa como devem ser colocadas;
X) Em face do teor destes depoimentos, dúvidas não subsistem que no troço de estrada objecto de repavimentação, existiam, à data do acidente, pelo menos duas placas de sinalização com os dizeres “areia”;
XI) E se naquela altura não se encontrava no local outro tipo de sinalização, é porque a mesma não se tornava necessária, atento o facto da gravilha/areia ainda existente se encontrar, essencialmente, nas bermas da estrada e talvez, de forma muito residual, no leito da via;
XII) Aliás, constam dos autos fotografias do local, que corroboram o teor destes depoimentos, mas que, ao arrepio do que seria expectável, não foram tomadas em consideração atempadamente juntas pelos RR., que documentam isso mesmo;
XIII) Atenta a factualidade transcrita, embora de forma sintética, e da credibilidade que as testemunhas que os prestaram mereceram por parte do Tribunal entendemos que matéria de facto provada no ponto 4. não é a correcta, pelo menos na parte em que considerou não existir,
(…) qualquer sinalização indicativa da existência de obras (…),naquele troço onde ocorreu o acidente”,
assim como não podia ter sido dado como provado, também em virtude da prova produzida, que
“12. Em toda a extensão da via não existia um único sinal vertical, horizontal ou luminoso, que indicasse a existência de obras na estrada ou de redução de velocidade, quer a montante quer a jusante do local onde ocorreu o acidente.”;
XIV) Mas mesmo que não existisse qualquer sinalização naquele troço de estrada, nem por isso pode ser assacada ao aqui Recorrente qualquer acção ou omissão que, de alguma forma, o responsabilize pela produção do acidente;
XV) Quanto a este particular aspecto, ver-se-á que não foi por falta de sinalização, nem tão pouco pela eventual existência de gravilha ou areia no piso, nem mesma o eventual tamanho da mesma, que esteve na origem do acidente, mas sim a conduta inepta e imperita do condutor do veículo sinistrado;
XVI) Aliás, é esclarecedor o depoimento de parte prestado pelo A. ECPR, na audiência de julgamento que teve lugar em 18 de janeiro de 2013, quando afirma a instâncias da Meritíssima Juíza a quo, que andou cerca de 400 metros com o piso, uniformemente coberto por gravilha e também que não era possível ter feito qualquer derrapagem;
XVII) Contudo, esta comprometida versão dos factos foi totalmente desacreditada pelo depoimento de outras testemunhas, até mesmo por aquelas que foram arroladas pelos próprios Recorridos, como é o caso do JMGA, soldado da GNR, que esteve no local e elaborou o croqui do acidente e que depôs na audiência de 18 de Janeiro, esclareceu a Meritíssima Juíza e os mandatários das partes, ao clarificar que o estado da via intervencionada era igual em toda a sua extensão, mas que não teve qualquer acidente, tendo sido peremptório em dizer que as marcas que fez no croqui do acidente se referem a uma travagem;.
XVIII) Mais disse que tais marcas não se confundem com aquelas que são deixadas pelo rodado das viaturas, pois são profundas, e insusceptíveis de serem deixadas no solo por um veículo que, alegadamente, circulava a menos de 35Km/h;
XIX) Outra testemunha dos Recorridos, de nome DMFM, ouvido na mesma audiência de julgamento, disse a instâncias dos mandatários das partes, que circulou a uma velocidade a cerca de 20 a 30 Km/h, durante toda a extensão do troço da via intervencionada, porque não dava para andar mais depressa, atento o estado do piso;
XX) Referiu, também, que se apercebeu da existência da gravilha logo no início daquele troço de estrada e que não precisou de nenhum sinal para se aperceber da mesma, acabando por afirmar que se viu na necessidade de ajustar a velocidade que imprimia ao seu veículo ao estado da via;
XXI) Também a testemunha dos AA., PNRMP, cunhado do A. ECPR e ouvido na mesma audiência, deixou fugir a boca para a verdade, quando afiançou que era necessário ter cuidado para circular numa estrada naquelas condições;
XXII) A já identificada testemunha do aqui Recorrente, JCN, esclareceu quanto aos aspectos aqui em causa e a instâncias do mandatário das RR, que atenta a sua experiência de muitos anos de condução, era impossível um veículo deixar uma marca de travagem profunda no piso, com cerca de 20 metros, se não circulasse a uma velocidade superior a 50 Km/h, ou seja, a velocidade legalmente permitida no local;
XXIII) Acrescentou que seria impossível existir gravilha no piso aquando da ocorrência do acidente dos autos, pois se tal acontecesse a viatura iria de zorro sobre a mesma, não deixando marcas visíveis no solo;
XXIV) Dizendo por fim, que após mais de 30 anos de experiência na área, muito estranhou a história narrada na participação que os Recorridos fizeram do sinistro à Câmara Municipal de L...;
XXV) Também nesse mesmo dia, a outra testemunha do Município de L..., Eng.º JMMRB, corroborou por inteiro o facto da impossibilidade de existência de gravilha no piso, atenta às profundas marcas de travagem aí deixadas, bem como a impossibilidade de o condutor circular, como diz, a menos de 35Km/h;
XXVI) Também foi peremptório ao afirmar que, após o acidente se deslocou ao local e não viu qualquer gravilha ou areia no piso;
XXVII) Já o AJSF, arrolado pela Contra-Interessada, respondeu, nesse mesmo dia, ao Ilustre mandatário daquela, dizendo que o que viu foi simples areia na estrada, onde passam inúmeros carros.
XXVIII) Igualmente, a testemunha da Contra-Interessada, CFSS, perito averiguador de sinistros, que a instâncias do Ilustre mandatário da, assegurou nesse mesmo dia, que se existisse gravilha no piso nunca poderiam ficar marcas do pneu agarrado ao solo;
XXIX) Por outro lado, foi claro ao dizer que a existir no local a gravilha que algumas das testemunhas dizem ter visto, não só não necessitava de qualquer placa para se aperceber da existência da mesma, como também reduziria a velocidade do veículo por forma que a que esta fosse adequada ao estado do piso;
XXX) A parte dos depoimentos acabada de transcrever, infirma de forma indelével os argumentos que serviram de base para que se desse como provada a seguinte matéria de facto:
“3. O 1.º A. ao entrar na estrada municipal São M… - L..., vindo da estrada nacional Santa E… - B..., deparou-se com gravilha/brita, na via -Resposta dada ao ponto 2º da BI.”;
“4. No entanto, o 1.º A., uma vez que já havia iniciado a circulação naquela via e atendendo ao facto de não existir qualquer sinalização naquele local que obstaculizasse a circulação de veículos automóveis no local onde ocorreu o acidente, não existindo à data qualquer sinalização indicativa da existência de obras, de redução de velocidade ou proibição de circulação de trânsito naquele troço onde ocorreu o acidente, continuou o seu trajecto - Resposta dada ao ponto 3º da BI.”;
“6. O A. ao descrever a referida curva confrontou-se com aglomerados de gravilha/brita, espalhada em toda a extensão da estrada - Resposta dada ao ponto 5º da BI.”;
“9. O veículo, acusando falta de aderência ao solo, saiu da faixa de rodagem e caiu numa ribanceira - Resposta dada ao ponto 7º da BI.”; e
“11. Tal acidente, despiste e subsequente queda, ocorreu em local onde, também, existia gravilha/brita - Resposta dada ao ponto 9º da BI.”;
XXXI) Na verdade, a Meritíssima Juíza a quo, fez observações pertinentes quanto à credibilidade das testemunhas que defenderam a existência de gravilha no piso, designadamente quanto à testemunha dos Recorridos e agente da GNR, JMGA, que defendeu existência de gravilha em toda a extensão da via, mas que ao mesmo tempo “(…) não se recordava de pormenores do acidente, até ter falado com as demais testemunhas e o A. E…”.
XXXII) Do mesmo modo, considerou que o depoimento de outras duas testemunhas dos AA. que referiram a existência de gravilha na, DMFRM e PNRMP, foi “(…) parcimoniosamente valorado” o “primeiro, por amigo de longa data e, o segundo, por ser cunhado e compadre do A.”;
XXXIII) Em contraponto, credibilizou os depoimentos prestados, nomeadamente, pelo legal representante da R. Freguesia de B... - St.º E... e pela testemunha do Recorrente Eng.º JCSN - “No que concerne à testemunha Eng. JCSN, mesmo considerando as relações profissionais que o ligam ao R. Município, o Tribunal apreciou o seu depoimento como isento, coerente e esclarecedor, tendo sido valorado quanto à matéria sobre que depôs sempre que pertinente.” - o que reforça o nosso entendimento de que a matéria de facto atrás transcrita, não devia, nem podia, ter sido dada como provada;
XXXIV) Por outro lado, os depoimentos atrás transcritos, são esclarecedores quanto ao facto de ao Recorrente não poder ser imputada uma conduta omissiva quanto a dever objectivo de cuidado que sobre si impende, uma vez que entendemos ter sido produzida prova bastante de que a obra de pavimentação da via foi convenientemente sinalizada pelos competentes serviços do Município de L..., durante a sua execução e após o seu terminus; que essa sinalização só foi retirada após o momento em que não existia areia/gravilha no piso - em 18 de Outubro de 2007, ou seja, mais de um mês depois da conclusão da obra -, e que após essa retirada e apenas tendo ficado areia/gravilha nas bermas da estrada, foram colocadas placas de sinalização nos limites do troço intervencionado, com os dizeres “areia”;
XXXV) Mas mesmo que admitisse a existência de gravilha no solo, a culpa na produção do acidente nunca poderia ser assacada ao Município de L..., desde logo porque o próprio EPR confessou ter circulado cerca de 400 metros sobre a mesma e com as mesmas condições de pavimentação, até se despistar, como, aliás, resulta do ponto 33. da matéria de facto dada como provada;
XXXVI) E se assim foi, violou de forma grosseira o disposto no n.º 1, do artigo 24.º do Código da Estrada que estatui que “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características da via e do veículo, `carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições dessegurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”, pelo que o acidente dos autos só pode ser imputado ao condutor do veículo;
XXXVII) Além disso, resulta dos depoimentos vindos de transcrever, que não era necessária sinalização para que qualquer condutor se apercebesse de imediato da existência da mesma no piso;
XXXVIII) E que em face da presença da mesma, era imprescindível adequar a velocidade do veículo a essa circunstância;
XXXIX) Mas esta teoria insustentada da presença de gravilha no solo, cai por terra, quando temos um croqui do acidente, elaborado pelo agente que esteve no local, onde figura uma marca de travagem profunda no solo e com 20 metros de extensão, como melhor flui do ponto 31. da matéria de facto dada como provada;
XL) E isto não só prova a inexistência de gravilha, como também que o condutor imprimia ao veículo uma velocidade muito superior à permitida no local, que é de 50 Km/h;
XLI) À data dos factos, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, regia-se pelo disposto no Decreto-Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967, correspondendo, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e que tem consagração legal no n.° l, do artigo 483.° do Código Civil;
XLII) A Jurisprudência maioritária tem entendido que a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito das pessoas colectivas públicas, incluindo as autarquias, resulta da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade, apurado segundo a teoria da causalidade adequada;
XLIII) Como se pôde constatar, não se verificou por parte do Município de L... qualquer omissão de dever objectivo de cuidado, no que respeita à prática de actos de conservação e sinalização das vias rodoviárias, uma vez que a sua omissão só é censurável, quando se tem conhecimento da sua necessidade e nada se faz ou então quando nada se faz para se saber dessa necessidade, o que não sucedeu;
XLIV) Deste modo, não lhe poderá ser imputada qualquer responsabilidade pela produção do acidente aqui sub judice, uma vez que nada mais poderia ter feito, nem outro comportamento lhe podia ser exigido, no sentido de prevenir a sua produção.
XLV) Mas mesmo admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que houvesse culpa por omissão do aqui Recorrente - o que em abono da verdade se diga: não aconteceu -, inexiste nexo de causalidade adequado entre essa hipotética omissão e o dano em si;
XLVI) Além do que, independentemente da existência da sinalização ou de areia/ gravilha sobre o pavimento, o que não acontecia e que apenas por mera hipótese de raciocínio se equaciona, esta era perfeitamente visível, face ao trajecto percorrido em pleno dia e, como tal, insusceptível de causar o acidente, não fosse a condução imperita e inepta perpetrada pelo Recorrido ECPR, aliada à velocidade, muito acima da permitida no local, que imprimia ao veículo.
XLVII) Prova irrefutável deste circunstancialismo, é - como se viu - o facto de ter deixado no local um rasto de travagem profundo, com um comprimento de 20 metros, o que - repita-se - seria impossível de acontecer se existisse gravilha no solo;
XLVIII) Em face disto, é forçoso concluir que a única causa do acidente de que tratam os autos, apenas se pode atribuir à velocidade que o dito ER imprimia ao veículo por si tripulado, não lhe permitindo controlar o mesmo e, muito menos, imobiliza-lo no espaço livre e visível à sua frente;
XLIX) Conforme supra se disse, para que exista responsabilidade civil extra-contratual, torna-se necessário que se verifique um nexo de causalidade entre o facto e o dano;
L) Em termos Jurisprudenciais, os Tribunais Superiores têm vindo a entender que em matéria de nexo de causalidade, o artigo 563.º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada, e que, na falta de opção legislativa explícita por qualquer das suas formulações, os Tribunais gozam de liberdade interpretativa, no exercício da qual se deve optar pela formulação negativa, correspondente aos ensinamentos de Ennecerus-Lehman;
LI) De acordo com esta formulação, a condição deixará de ser causa do dano, sempre que “segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano.”- cfr. Prof. Antunes
Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 6.ª edição, página 861, nota 2;
LII) Com efeito, constata-se que a factualidade em que os aqui Recorridos se estribam para assacar responsabilidades ao Município aqui Recorrente, carecem de fundamento sério, uma vez que não constituem “conditio sine que non” do dano, pelo que será forçoso excluir a responsabilidade deste ente público;
LIII) Pelo que a mesma será de imputar, a uma negligência grosseira e manifesta falta de precaução, exigidas pela mais elementar prudência a que o condutor do veículo se encontra adstrito, enquanto utente das vias rodoviárias, pois que não basta ao condutor saber manejar bem o seu veículo e conhecer as regras e os sinais, sendo imprescindível que saiba interpretar as circunstâncias de circulação, de modo a evitar os obstáculos e as situações que surjam, mesmo que inesperadamente;
LIV) O que não foi o caso, uma vez que - repita-se -, o Recorrido ER circulava nos últimos 10 metros do troço intervencionado, tendo já percorrido 390 metros do mesmo, precisamente nas mesmas condições;
LV) Em face de todo este circunstancialismo, não impende sobre o Recorrente qualquer obrigação de indemnizar os Recorridos, seja a que título for, pois o mesmo em nada contribuiu e, muito menos, foi responsável pelos danos, alegadamente, sofrido pelos Recorridos, quer de ordem material, quer de natureza não patrimonial;
LVI) Porém, caso assim não se entendesse, o que não se concede nem concebe, nunca o Recorrente poderia ser obrigado a liquidar aos Recorrentes a quantia de € 14 334,87 (catorze mil trezentos e trinta e quatro euros e oitenta e sete cêntimos), a título de danos patrimoniais e tal sucede por duas ordens de razão:
a) Não foi dado como provado a existência de danos patrimoniais que ascendam a esse montante;
b) A condenação ao pagamento de tal quantia, violaria o princípio da proibição da condenação ultra petitum;
LVII) Acontece que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, apenas deu como provado, no ponto 17. da matéria de facto, que a viatura sofreu danos “(…) na parte da frente, na parte mecânica - bateria, radiador, embraiagem da ventoinha radiador e fusíveis -, capôt, guarda-lamas, vidro do pára-brisas, tejadilho e nas partes laterais esquerda e direita - Resposta dada ao ponto 20º da BI.”, mas, por manifesto lapso, acabou por condenar, indevidamente, o Município de L... no pagamento da dita quantia de € 14 334,87;
LVIII) Isto é, identificou as peças danificadas e a substituir, mas nem directamente ou por remissão para os respectivos documentos de suporte, quantificou o valor da reparação a liquidar pelo Recorrente;
LIX) Ora, o que ficou dado como provado nos pontos 16. e 17. da matéria de facto, é que o veículo sinistrado foi levado para a “(…) “Sb... - Sociedade de Braga, SA”, com sede na Rua P…, Braga” e que esta firma orçou a reparação da mesma nos já referidos € 14 334,87;
LX) De facto, os então AA. alegaram e peticionaram, a título de reparação do veículo, a quantia global de € 10 908,13 (€4 009,62 para a reparação da mecânica + € 6 898,51 para as restantes reparações). Contudo, a verdade incontornável é que o aqui Recorrente não foi condenado a liquidar aos Recorridos nenhuma dessas quantias, mas sim o valor do orçamento apresentado pela dita Sb...;
LXI) Por essa razão, e no que toca aos danos materiais, pretensamente, sofridos pelo veículo sinistrado, não pode deixar de se considerar que foi alvo de uma condenação ultra petitum, motivo bastante para que, a tal título, nada deve aos Recorridos por força da douta sentença aqui em crise;
LXII) Todavia, mesmo que assim se não entendesse, o que não se concede e, muito menos, se concebe, também nunca o Município de L... poderia ser condenado o valor global de € 10 908,13, alegadamente, gasto na reparação do veículo, e, esse sim, peticionado pelos Recorridos;
LXIII) Desde logo, e como se viu, o Tribunal a quo identificou de modo concreto no ponto 17. da matéria de facto dado como provada, as exatas peças mecânicas que entendeu deverem ser alvo de substituição: “(…) na parte mecânica - bateria, radiador, embraiagem da ventoinha radiador e fusíveis”;
LXIV) A isto acresce, que em sede de audiência de julgamento foi produzida inequívoca pela testemunha do Recorrido JMMRB - Eng.º mecânico -, quanto á impossibilidade técnica de, num sinistro desta natureza, se tornar necessária substituição de algumas das peças constantes da factura relativa à reparação mecânica, a saber:
a) Pistões e segmentos, no valor de € 549,56;
b) Bielas, no valor de € 590,31;
c) Jogo de bronzes completo, no valor de € 146,72; e
d) Jogo de juntas e vedantes, no valor de € 217,41
tudo acrescido do respectivo IVA à então taxa de 20%, perfazendo a quantia global de € 1 804,80;
LXV) Tudo para se concluir, que se o Recorrido tivesse sido condenado no pagamento da reparação da viatura - que, repita-se, não foi - nunca poderia, a nível de reparação mecânica, ver-se condenado a liquidar uma quantia que ultrapassasse € 2 204,82 (€ 4 009,62 - € 1 804,80);
LXVI) Na verdade, aquele Eng. Mecânico, bem explicou em juízo que a substituição das peças referidas nas diversas alíneas da antecedente conclusão LXIV, não podia resultar do acidente dos autos, mas sim quando o motor de um veículo “gripa”;
LXVII) Destarte, não podemos deixar de defender que em sede de audiência de julgamento, não foi produzida prova bastante para que se conseguisse determinar com a indispensável clareza, as peças da viatura, efectivamente, danificadas por força do sinistro;
LXVIII) Por fim, não se poderá deixar de pôr em causa a eventual obrigatoriedade de o Recorrente proceder ao pagamento do valor, alegadamente, despendido na reparação da viatura, o que, atento o vindo de alegar, também não se concede nem concebe;
LXIX) Estatui o artigo 3.º, da Lei n.º 67/2007, sob a epígrafe “Obrigação de indemnizar”, que:
“1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.
3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.”- (negrito e sublinhado nossos);
LXX) Sucede que, no caso que aqui nos ocupa, foi solicitada pelo Tribunal a quo uma avaliação do veículo a uma entidade especializada na matéria, denominada “Et...”, a qual procedeu a essa avaliação, tudo conforme melhor consta de fls. 286, dos autos;
LXXI) E corroborando a credibilidade dos valores encontrados pela aquela empresa de avaliação, afirmou a já identificada testemunha da Contra Interessada, CFSS, perito avaliador que a dita “Et...” era merecedora de uma credibilidade que avaliou em 98% e que os valores pela mesma indicados não eram susceptíveis de qualquer crítica;
LXXII) Mais defendeu que em face dos valores fornecidos por aquela empresa, a reparação da viatura sinistrada era inviável, por excessivamente onerosa;
LXXIII) Ora, da avaliação da denominada “Et...”, resultou o seguinte:
a) O valor de € 4 133,00, como valor de compra do veículo;
a) O valor de € 4 133,00, como valor de venda do veículo;
b) O valor de € 00,00, para o interesse demonstrado pelo mercado na sua aquisição; e
c) O valor de compra proposto de € 2 869,00;
LXXIV) Isto posto, e compaginado com o n.º 2, do artigo 3.º do da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro, que estatuí “A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.”, leva-nos à irremediável conclusão de que o Município de L..., nunca poderia ser condenado a pagar o preço inerente à reparação do veículo sinistrado, uma vez que a mesma é excessivamente onerosa, em face do real valor do mesmo;
LXXV) Na verdade, se assim não se entendesse, gerar-se-ia na esfera do credor um verdadeiro e infundado enriquecimento sem causa, à custa do aqui Recorrente.
LXXVI) Por tudo o exposto, deve a douta sentença recorrida ser substituída por outra que absolva o Município de L... de efectuar qualquer pagamento aos Recorridos.
LXXVIII) Até porque a mesma violou, sempre salvo o devido respeito, pelo menos, o artigo 563.º do Código Civil, o n.º 1.º do artigo 609.º do Código de Processo Civil , o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro.
*
→ Contra-alegado, com as seguintes conclusões:
1 - ENTENDE A ORA RECORRIDA QUE PARA PROVA DOS FACTOS, OS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS E OS DEPOIMENTOS DE PARTE DEVERÃO SER OUVIDOS INTEGRALMENTE, POIS SÓ OUVINDO, TODO O DEPOIMENTO QUER QUANDO É INQUIRIDO PELA PARTE QUE A OFERECE QUER QUANDO É CONTRADITADO PELA CONTRAPARTE, APÓS O QUE DEVERÃO TAIS DECLARAÇÕES SER INTEGRADOS E ANALISADOS CONJUNTAMENTE COM OS RESTANTES ELEMENTOS DE PROVA EXISTENTES NO PROCESSO, E, OS DEPOIMENTOS DE PARTE, APENAS VALEM ENQUANTO CONFISSÃO E APENAS APROVEITAM À PARTE CONTRÁRIA, PELO QUE NÃO SE PODE RETIAR DAS DECLARAÇÔES DO AUTOR ECPR E DO LEGAL REPRESENTAÇÃO LEGAL DA RÉ FRANCISCO MANUEL MOURA MENDES, MAIS DO QUE A LEI ADMITE.
DO CONTEÚDO DOS DEPOIMENTOS TRANSCRITOS DAS TESTEMUNHAS, A RECORRIDA NÃO VÊ NA RESPOSTA DADA AOS QUESITOS INDICADOS, FUNDAMENTO PARA ALTERAR A RESPOSTA DE TAIS QUESITOS, POR ENTENDER NÃO EXISTIR QUALQUER CONTRADIÇÃO.
2- QUANTO A DIREITO - E NO QUE RESPEITA À EXISTÊNCIA DE SINALIZAÇÃO ADEQUADA, E AO ESTADO DA VIA, E QUANDO AO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FACTO E O DANO, A CONDENAÇÃO DA RÉ FUNDAMENTOU-SE ESSENCIALMENTE NA OMISSÃO DOS DEVERES, DE NÃO SINALIZAR DE FORMA ADEQUADA E DE ACORDO COM OS REQUISITOS LEGAIS, A EXISTÊCIA DE GRAVILHA E A FALTA DE REMOÇÃO DESSA GRAVILHA.
QUANTO AO NEXO DE CAUSALIDADE VIGORA O PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE ADEQUADA, CABIA À RÉ PROVAR QUE ACIDENTE OCORRERIA, INDEPENDENTEMENTE DAS CONDIÇÕES DA VIA, O QUE NÃO FEZ, TENDO A AUTORA A SEU FAVOR A INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA.
3 - QUANTO AOS DANOS DO VEICULO - TAL COMO FOI PEDIDO PELA AUTORA NA RÉPLICA NO ARTIGO 34, O VALOR ORÇAMENTADO DE CONDENAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS PARA REPARAÇÃO DO VEÍCULO DEVERÁ SER SUBSTITUIDO PELOS VALORES DE REPARAÇÃO DE CHAPARIA E MECÂNICA SUPORTADOS PELO AUTOR, ALTERANDO-SE A RESPOSTA PARA PROVADO DADAS AOS QUESITOS 26,27 E 30 AL. C) E D) DA BASE INSTRUTÓRJA.
4 - QUANTO AO VALOR VENAL DO VEÍCULO - A RECORRIDA NÃO ACEITA A AVALIAÇÃO EFECTUADA PELA ET..., TENDO-A IMPUGNADO QUANDO FOI APRESENTADA, NEM ESTA FOI VALORIZADA ENQUANTO ELEMENTO PROBATÓRIO.
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O recurso da autora:
→ oferece esta em conclusões:
1 - Alteração da resposta para provado, dos quesitos 22, 23, 24, 25 e 30 al. a) e b), por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 607° n.° 4 e 5 do CPC, declarando serem devidas a título de danos patrimoniais as quantias de € 4.002,68 (quatro mil e dois euros e sessenta e oito cêntimos) - aparcamento da viatura (soma de € 1.331,00 + € 2.671,68) e € 19.521,79 (dezanove mil, quinhentos e vinte e um euros e setenta e nove cêntimos) - aluguer de veículo de mercadorias, condenando-se a R - Município de L... no seu pagamento;
2 - Subsidiariamente, arbitrar de forma equitativa, valores quer para o aparcamento quer para o veículo de substituição, pois existem tabelas públicas, com valores de aparcamento e de aluguer ao dia de veículo similar ao acidentado, que permitem encontrar valores totais e, que se encontram já juntos ao processo pois a meritíssima juiz a quo, no uso dos seus poderes oficiosos, requereu a junção aos autos de tais elementos.
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→ contra-alegado, com as seguintes conclusões:
I) O presente recurso, além de não merecer provimento, deve ser objecto de rejeição, porque os Apelantes não cumprem com o ónus que lhes é imposto pelo disposto no n.º 1, do artigo 640.º do Código de Processo Civil;
II) Para que o recurso pudesse ser admitido, cumpria-lhes, além de indicarem os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, a obrigação de explicitar quais os concretos meios probatórios que, na sua óptica, impunham ao Tribunal a quo uma resposta diferente daquela que deu a essas questões;
III) Todavia, os Recorrentes, ao arrepio daquilo que legalmente lhes era imposto, limitaram-se a tecer considerações ao longo do mesmo, mas sem porem directa e adequadamente em causa a matéria de facto que entendem ter sido mal julgada, como se pode constar de uma leitura, ainda que perfunctória, das suas alegações;
IV) Além de não identificarem os pontos concretos da matéria de facto controvertida que os Recorrentes consideram incorrectamente julgados, também não precisam os concretos meios probatórios constantes do processo que, na sua opinião, impunham decisão diversa da proferida;
V) Igualmente, não precisam com clareza a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida quanto à factualidade em questão;
VI) Os Recorrentes limitaram-se a discordar da resposta dada a alguma da matéria de facto e a remeter, genericamente, para as facturas que juntaram aos autos - aliás, oportunamente impugnadas - e para o teor do depoimento prestado pela testemunha PNRMP que, segundo defendem, tem conhecimento directo dos factos;
VII) De facto, não indicam as passagens da gravação em que estribam o seu recurso, por forma a justificarem o motivo pelo qual se deveria ter dado como provado que os Apelantes suportaram despesas com o aparcamento da viatura e com o aluguer de um veículo de substituição;
VIII) Por outro lado, as facturas a que fazem referência, não têm a virtualidade de per si, fazer prova plena dos danos sofridos pelos Apelantes, por força do aparcamento da viatura e do aluguer de um veículo de substituição.
IX) Aliás, isto mesmo é corroborado pelo douto Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04/02/2010, proferido no âmbito do processo 224338/08.7, disponível in www.dgsi.pt, onde se lê que “a força probatória dos documentos particulares é limitada à materialidade das declarações documentadas, i. é, á existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas.
Mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se, tão só, às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondem à realidade dos respectivos factos materiais”;
X) No tocante ao depoimento prestado pelo referido PNRMP, não podemos esquecer que o mesmo além de contraditório denotava um cariz comprometido, como a Meritíssima Juíza a quo se apercebeu em sede própria, como bem resulta da fundamentação usada a este respeito, em sede de resposta à matéria de facto, quando a dado ponto refere que “As testemunhas (…) PNRMP, pelas relações de amizade e família, que mantêm com o A. E…, não se afiguram, na presente lide, como totalmente isentas, acrescendo que no caso do segundo, este apenas tinha um conhecimento indirecto dos factos.”;
XI) Com efeito, não restaram dúvidas ao Tribunal a quo quanto à pouca credibilidade do depoimento prestado pela testemunha PNRMP, apenas pontualmente valorado, quando corroborado por outros;
XII) Os Recorrentes ao não carrearem para os autos qualquer factualidade idónea a pôr em causa o já decidido, não podem pretender que a decisão proferida seja alterada a seu contento;
XIII) Assim, e sempre salvo o muito e devido respeito por diverso entendimento, deverá o presente recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, ou, quando assim se não entenda - o que não se concebe nem concede - julgado improcedente;
XIV) Também a decisão aqui em análise não enferma de omissão de pronúncia quanto aos factos postos em causa pelos Apelantes, na medida em que a mesma tomou em consideração e fundamentou todas as questões sobre as quais tinha de tomar posição em relação aos mesmos;
XV) Estatui o n.º 2, do actual artigo 608.º do Código de Processo Civil, que “O Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”;
XVI) Porém, como ensinava o insigne Professor Alberto dos Reis, não se deve, nem pode, confundir-se questões suscitadas pelas partes com a motivação e os argumentos de que elas lançam não para fazer vingar as suas pretensões: “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.”;
XVII) A nulidade por omissão de pronúncia, a que alude a dita alínea d), do n.º 1, do actual artigo 615.º, só tem lugar “(…) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e as excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpra conhecer” - cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 2 de Julho de 2009, proferido no processo n.º 2678/08.8TVLSB.L1-6, in www.dgsi.pt, o que não é o caso;
XVIII) Aliás, através da fundamentação da Meritíssima Juíza a quo, quanto à ausência de prova dos danos patrimoniais resultantes do aparcamento e substituição da viatura, constata-se que esta foi analisada de forma crítica, tendo sido especificada de forma clara a razão pela qual que se entendeu considerar não provado os factos alegados pelos Apelantes;
XIX) De facto, pode ler-se em sede decisória e no que a estes danos diz respeito, que: “Na verdade, os autos também dão conta que a viatura esteve aparcada, porém não se provou nem o probatório espelha o quantum se despendeu a esse título, assim como não se logrou qualquer custo com aluguer de veículo de substituição do veículo acidentado”. (…)“Relativamente a danos (patrimoniais e não patrimoniais) nada mais se colhe do probatório, sendo que, quanto ao mais que havia sido alegado, resultou não provado”. (sublinhado nosso);
XX) A decisão sobre a matéria de facto aqui em crise, encontra-se motivada, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, nenhuma delas proibidas por lei, e todas caídas na alçada da livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a da sua convicção, operando a sua análise crítica;
XXI) A matéria fáctica posta em causa mostra-se, pois, fixada de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova e as regras da experiência comum, pelo que não se vislumbra que a mesma mereça ser sindicada, até porque, como se disse, não se verifica qualquer omissão de pronúncia;
XXII) Coisa diferente é não se concordar com a fundamentação ou achá-la insuficiente, o que apenas poderá pôr em causa o mérito da decisão.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto nada ofereceu em parecer.
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Após vistos, cumpre decidir.
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Os factos, que constam do elenco fixado na decisão recorrida:
1. No dia 22 de Outubro de 2007 pelas 9:30h., na estrada municipal em direcção a Sto E... de B.../S. M…, no lugar denominado Sto A…, da freguesia de Sto. E... de B... do concelho de L..., ocorreu um acidente de viação, em que interveio um veículo propriedade da 2.ª A. e conduzido pelo 1.º Autor (pessoa singular), cfr. doc. 1 que se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais - Ponto A) da matéria de facto assente;
2. No dia, hora e local supra referenciados, ECPR, aqui 1.º A., conduzia o veículo com a matrícula xx-xx-OS, ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi, propriedade da firma “C…, Lda - Resposta dada ao ponto 1º da BI.;
3. O 1.º A. ao entrar na estrada municipal São M… - L..., vindo da estrada nacional Santa Eulália - B..., deparou-se com gravilha/brita, na via - Resposta dada ao ponto 2º da BI.;
4. No entanto, o 1.º A., uma vez que já havia iniciado a circulação naquela via e atendendo ao facto de não existir qualquer sinalização naquele local que obstaculizasse a circulação de veículos automóveis no local onde ocorreu o acidente, não existindo à data qualquer sinalização indicativa da existência de obras, de redução de velocidade ou proibição de circulação de trânsito naquele troço onde ocorreu o acidente, continuou o seu trajecto - Resposta dada ao ponto 3º da BI.;
5. O A. ao aproximar-se de uma curva com inclinação à direita, num local em que a estrada apresenta uma descida, o veículo onde seguia, perdeu a aderência ao solo, levando a que o A. perdesse o controlo do veículo - Resposta dada ao ponto 4º da BI.;
6. O A. ao descrever a referida curva confrontou-se com aglomerados de gravilha/brita, espalhada em toda a extensão da estrada - Resposta dada ao ponto 5º da BI.;
7. A gravilha/brita havia sido transportada para o local, pelos veículos do órgão representativo do 1º R., isto é, da Câmara Municipal de L... - Ponto B) da matéria de facto assente;
8. No momento em que o A. se encontrava a percorrer o troço mais inclinado daquela zona e no instante em que se aproximou da curva supra mencionada, ocorreu o despiste - Resposta dada ao ponto 6º da BI.;
9. O veículo, acusando falta de aderência ao solo, saiu da faixa de rodagem e caiu numa ribanceira - Resposta dada ao ponto 7º da BI.;
10. Depois do acidentado (1º A.) ter saído do veículo pelos seus meios e ter procurado ajuda na estrada, apercebeu-se que cerca de duzentos metros atrás tinha-se despistado um outro veículo, que também tinha caído numa via secundária, momentos antes do acidente deste - Resposta dada ao ponto 8º da BI.;
11. Tal acidente, despiste e subsequente queda, ocorreu em local onde, também, existia gravilha/brita - Resposta dada ao ponto 9º da BI.;
12. Em toda a extensão da via não existia um único sinal vertical, horizontal ou luminoso, que indicasse a existência de obras na estrada ou de redução de velocidade, quer a montante quer a jusante do local onde ocorreu o acidente - Resposta dada ao ponto 10º da BI.;
13. Os RR no local do acidente não colocaram protecções - Resposta dada ao ponto 11º da BI.;
14. No dia 20, dois “jornaleiros” contratados pela Freguesia de Sto E... de B... fizeram limpeza naquela via - Resposta dada ao ponto 14º da BI.;
15. A Câmara Municipal de L... cedeu à Freguesia de Sto E... de B... os materiais e as máquinas necessárias à prossecução de tal obra - Resposta dada ao ponto15º da BI.;
16. O veículo propriedade da 2ª A., apresentou foi transportado de reboque para as instalações da firma “Sb... - Sociedade de Braga, SA”, com sede na Rua P…, Braga, onde ficou aparcado - Resposta dada ao ponto 19º da BI.;
17. Por força do despiste supra mencionado, resultaram para o veículo propriedade da 2ª A. estragos na parte da frente, na parte mecânica - bateria, radiador, embraiagem da ventoinha radiador e fusíveis -, capôt, guarda-lamas, vidro do pára-brisas, tejadilho e nas partes laterais esquerda e direita - Resposta dada ao ponto 20º da BI.;
18. Foi solicitada a elaboração de um orçamento relativo aos estragos existentes na viatura acidentada, tendo-se cifrado em € 14.334,87 (catorze mil trezentos e trinta e quatro euros e oitenta e sete cêntimos) - Resposta dada ao ponto 21º da BI.;
19. Em 01.02.2008 o veículo acidentado foi transferido para a oficina de reparação “Auto Reparadora de JFBT”, onde esteve aparcado - Resposta dada ao ponto 23º da BI.;
20. A 2º Autora procedeu ao aluguer de um veículo em substituição do acidentado - Resposta dada ao ponto 25º da BI.;
21. Na sequência do acidente, o 1.º Autor sentiu dores na perna direita e hematoma na face que aumentaram no dia seguinte, tendo-se este deslocado no dia 23.10.2007 ao Hospital de Riba D´ Ave, onde foi atendido e onde lhe foi diagnosticado traumatismo na coxa direita - Resposta dada ao ponto 31º da BI.;
22. O 1º Autor, no momento do acidente, sentiu pânico e medo de morrer - Resposta dada ao ponto37º da BI.;
23. Sentiu também dores na perna direita e na face - Resposta dada ao ponto 38º da BI.;
24. A execução das obras na estrada municipal onde ocorreu o acidente foi levada a cabo pela 2ª Ré - Resposta dada ao ponto 40º da BI.;
25. A Junta de Freguesia de Stº E... procedeu à repavimentação da via que liga Santo E… a Lu…, mais concretamente no lugar de Santo A…, numa extensão de cerca de 500m e com início na EN 207-1- Resposta dada ao ponto 41º da BI.;
26. A obra supra foi sinalizada com um sinal vertical com os dizeres “areia”- Resposta dada ao ponto 43º da BI.;
27. Foi mantido um sinal vertical onde constava o aviso “areia - Resposta dada ao ponto 45º da BI.;
28. A obra foi efectuada numa extensão de 500m, tendo o A. ER percorrido cerca de 400m com as mesmas condições de pavimentação até ao local onde se despistou - Resposta dada ao ponto 46º da BI.;
29. O R. Município cedeu os materiais e máquinas necessários à repavimentação da via que liga Sto E… a Lu…, mais concretamente no lugar de Santo A…, numa extensão de cerca de 500m e com início na EN 207-1- Resposta dada ao ponto 49º da BI.;
30. O veículo automóvel foi cair no terreno que ladeia a berma do lado direito atento o sentido em que seguia, tendo-se imobilizado a distância não apurada - Resposta dada ao ponto 52º da BI.;
31. Tendo deixado marcado no pavimento um rasto de travagem de cerca de 20 metros - Resposta dada ao ponto 53º da BI.;
32. Após ter passado a circular na estrada, o veículo de matrícula xx-xx-OS percorreu cerca de 390 metros de distância total que esta possui - Resposta dada ao ponto 54º da BI.;
33. O condutor do xx-xx-OS apercebeu-se dela (gravilha/brita) e passou a circular pela estrada nas condições que alega, cerca de 390 metros antes de ter ocorrido o acidente, ou seja, percorreu 390 metros de estrada com gravilha espalhada - Resposta dada ao ponto 55º da BI.;
34. O condutor do veículo matrícula xx-xx-OS reside em Santa Eu…, V…, próximo do local do acidente - Resposta dada ao ponto 57º da BI..
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O direito
O julgamento de facto
No que toca ao recurso do réu.
O recorrente coloca em causa, por via de depoimento de parte e depoimentos de testemunhas, que o tribunal pudesse dar como provado o que elencou sob “4. (…) não existindo à data qualquer sinalização indicativa da existência de obras, de redução de velocidade ou proibição de circulação de trânsito naquele troço onde ocorreu o acidente, continuou o seu trajecto (Resposta dada ao ponto 3º da BI.)” e “12. Em toda a extensão da via não existia um único sinal vertical, horizontal ou luminoso, que indicasse a existência de obras na estrada ou de redução de velocidade, quer a montante quer a jusante do local onde ocorreu o acidente - Resposta dada ao ponto 10º da BI.”.
Também, com base na prova gravada, merece sua discórdia que o tribunal “a quo” tenha julgados provados os pontos (supra elencados) 3., 4., 6., 9. e 11., colocando em causa fundamento de base, quanto à existência de gravilha/brita (ou mesmo areia) no local, quantidade/tamanho, que pudesse ser causal do acidente; matéria sobre a qual o recorrente afirma que “tudo se ouviu em audiência de julgamento. Desde a inexistência de gravilha no piso e apenas nas bermas, à mera existência de simples areia, até à existência de gravilha com grandes dimensões” (cfr. corpo de alegações).
A decisão recorrida data de 13/10/2016.
Ao recurso interposto exige-se o cumprimento dos ónus processuais prescritos no art.º 640º do CPC (art.º 6º, nº 1, da Lei nº 41/2013, de 26/06):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)”.
O recorrente - que como recorrido também sustenta dever ser ónus a cumprir - omite em absoluto tal indicação (cfr., em paralelo, Acs. do Trib. Const. nº 259/2002, de 18/06/2002, e nº 140/2004, de 10/03/2004), nesta parte implicando imediata rejeição (cfr. Acs. deste TCAN, de 11-09-2015, proc. nº 02915/10.9BEPRT; de 18-03-2016, proc. nº 02120/09.7BEPRT; de 09-09-2016, proc. nº 00882/10.8BEAVR; de 09-09-2016, proc. nº 00507/09.4BEAVR; de 07-10-2016, proc. nº 01282/07.2BEBRG).
Escreve-se em Ac. deste TCAN, de 15-07-2015, proc. nº 01222/08.1BEVIS :
«Conforme refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 136 e 138, com o n.º2 do artigo 640.º do CPC/2013 «introduziu-se mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto» impondo-se que «se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, (…) a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda (…).» E «o incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.».
Ainda segundo palavras do mesmo autor, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 128 e 129, «Pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. (…) Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo».
Em igual sentido, também Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 181, esclarece que «impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso", sendo um deles o de "indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (…) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos».».
Como se lembra em Ac. deste TCAN, de 22-05-2015, proc. nº 00132/10.7BEPNF, «a instituição universal desse sistema de registo, não prescindindo do princípio da oralidade e/mas compatibilizando com manifesta intenção de garantia de uma efectiva segunda jurisdição quanto ao julgamento da matéria de facto, explica a determinação de lei nessa indicação, sendo aí que o tribunal de 2ª instância vai buscar convicção própria, não pela mera transcrição, a qual a lei admite “dos excertos” que a parte considere relevantes».
Por outro lado, assinala o recorrente que o que foi dado como provado sob os ditos. 4. e 12. é contraditório para com os factos dados como provados sob os números 26 e 27., relativos à existência de um sinal vertical com os dizeres “areia”.
Não é.
A sinalização da presença de areia na via não se identifica com a sinalética que regulamentarmente indica “obras”, “redução de velocidade” ou “proibição de circulação de trânsito”; distintos avisos, nada é contraditório que se afirme a existência de uns (de um – areia) e ausência de outros.
Apela ainda o recorrente aos docs. juntos (fotografias).
Que, porém, não impõem distinto julgamento; a realidade que traduzem é a do compartimentado espaço que é captado; sem adquirido nexo fidedigno a uma referência temporal; sem que nos digam da dinâmica do acidente.
Bem assim apela a regras de experiência (conjunção: rastos de travagem/velocidade), sem êxito quando uma das premissas não consta sequer do naipe de circunstâncias elencadas no julgamento de facto (velocidade).
No que toca ao recurso da autora.
Desde já se assinala que, em contrário do que a recorrente invoca, «A alegação do apuramento deficiente da matéria de facto poderá significar a ocorrência de erro de julgamento de facto, mas não de nulidade da sentença» – Ac. do STA, de 18-06-2015, proc. nº 0808/14.
A recorrente pretende que sejam alteradas as respostas, para provado, dos quesitos 22, 23, 24, 25 e 30 al. a) e b); considerando-se aqui, levado às conclusões do recurso com abandono do mais, apenas tal matéria.
Matéria que, em síntese, respeita a despesas de aparcamento e aluguer de viatura de substituição.
Ao contrário do que o recorrido afirma, para os vários motivos de rejeição que indica, tão só igualmente se coloca mesma questão de rejeição do recurso já acima abordada a propósito do recurso do réu, com mesma solução (no mais estão cumpridos todos os ónus impostos pelo art.º 640º do CPC).
Salvaguarda-se, porém, o que respeita ao depoimento da testemunha PP, de que vem feita indicação precisa do depoimento.
A recorrente lança crítica por nalguns pontos o tribunal ter considerado “irrespondível” por ser factualidade a provar por documento.
Porventura, em tese, com razão.
Mas, mais que isso, no que em concreto é a utilidade, para que a resposta negativa possa ser modificada para o sentido positivo que pretende, terá de haver sustento de prova.
Ora, para tanto, e a poder ser considerado, apenas a contribuição de facturas e depoimento da dita testemunha.
Sobre as ditas facturas a parte contrária esgrimiu impugnação.
E bem que o depoimento da testemunha seja no sentido de que a recorrente quer ver vencimento, como a própria recorda “Decorre do artigo 655º do Código de Processo Civil (artigo 607º, nº 5 do NCPC), que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto de acordo com a sua prudente convicção, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial. Tal princípio da livre apreciação da prova cede ainda perante o princípio da prova legal ou vinculada, caso em que o julgador tem de se sujeitar às regras ditadas pela lei que lhes designam o valor e a forma probatória, situação que ocorre, mormente quando esteja em causa prova por confissão ou acordo das partes, por documentos autênticos, autenticados e particulares devidamente reconhecidos, nos termos dos artigos 358º, 364º e 393º do Código Civil – v. neste sentido e entre muitos, Ac. STJ de 06.12.2012 (Pº 871/06.7TBPMS.C1), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.” (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, e não da Relação de Guimarães como refere a autora, de 10-10-2013, proc. nº 5146/10.4TBCSC.L1-2).
Como expressamente consignou o tribunal “a quo”, no contributo de convicção sopesou o depoimento da testemunha numa envolvência de relações familiares, de amizade e de convívio.
A recorrente contrapõe que isso até comporta factor demonstrativo de melhor conhecimento dos factos.
Mas há que ter presente o princípio da liberdade de julgamento que é atribuído ao julgador, e que “Tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.” (Ac. do STA, de 12-02-2014, proc. nº 0576/12; Ac. do STA, de 15-05-2016, proc. nº 0386/15).
Cfr. Ac. deste TCAN, de 05-02-2016, proc. nº 00879/04.7BEPRT:
«I — O julgamento da matéria de facto em 2ª instância não se pode limitar a ser um mero controlo da flagrante desconformidade com os elementos de prova do julgamento de facto em 1ª instância com os elementos de prova. Sendo certo que o recurso não significa um julgamento ex novo, mas a reapreciação da decisão recorrida, tal não quer dizer que essa reapreciação não imponha a formação de uma convicção própria que deverá ser cotejada com aquela que está subjacente à decisão sob recurso.
II — Nessa reapreciação da prova, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo — convicção que, enquanto processo intuitivo, assentou na totalidade da prova, implicando a valoração de todo o acervo probatório que o juiz ou o colectivo a quo teve ao seu dispor — tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da atinente matéria de facto.
III — Com excepção dos meios de prova cujo valor probatório é fixado na lei, a apreciação da prova pelo julgador de 1ª instância é livre e construída dialecticamente na base dos princípios da imediação e da oralidade, pelo que, na reapreciação a efectuar pela 2ª instância é necessário que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo Recorrente e em caso de dúvida, v.g. face a depoimentos contraditórios entre si ou à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos referidos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.».
A estas luzes, e visto o depoimento prestado, não se vê suficiente motivo que nos faça afastar das respostas dadas.
O julgamento de direito
No que toca ao recurso do réu.
O tribunal “a quo” condenou o réu a pagar ao autor “a quantia de € 1.000,00 a título de danos morais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação e até efectivo e integral pagamento” e “a quantia de € 14.334,87 de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da citação e até efectivo e integral pagamento”.
Afirmou a responsabilidade civil, fonte de indemnizar, invocando pertinente direito, enquadrado pelo que em casos similares tem tido resposta.
Em relação ao que o recurso não suscita qualquer particular questão no que, em tese geral, foi o enquadramento.
O inconformismo tem por base a concreta factualidade fixada, que a ver do recorrente, deveria ser outra, e cuja alteração conduziria a outro desfecho, apartando essa responsabilidade, e antes a imputando ao próprio condutor do veículo sinistrado.
Todavia, e perante a inalterada matéria de facto, é de acolher - reunidos todos os cumulativos pressupostos -, e em exclusivo, a afirmada responsabilidade do réu.
Que não tem razão quando afirma que o tribunal condenou ultra petitum.
O tribunal “a quo” condenou, por danos patrimoniais, no pagamento de quantia no montante de € 14.334,87, quando a autora havia pedido condenação, a mesmo título, no montante de € 34.956,00.
Cfr., p. ex., Ac. do STJ, de 19-02-2015, proc. nº 168/11.0GCCUB.S1:
XI - O art. 661.º, n.º 1, do CPC, ao dispor que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir», consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium.
XII - Desta disposição apenas interessa o limite estabelecido no aspecto quantitativo. Este limite afirma-se quanto ao valor global e não quanto ao parcial, correspondente a cada uma das várias parcelas em que o quantum de pedido se possa decompor.
No entanto, mesmo se a regra adjectiva não sai violada, não deixa o recorrente de ter substantiva razão no raciocínio que lhe subjaz arguição.
O tribunal “a quo” condenou no pagamento de quantia no montante de € 14.334,87, quantitativo constante de orçamento (docs. nº 20/1 da p. i.), quando o pedido (no que toca à reparação do veículo) foi de € 10.908,13 (€ 4.009,62 para a reparação da mecânica + € 6.898,51 para as restantes reparações), valor que a autora apresentou como facturado (docs. nºs. 33/4 da p. i.).
Ficou determinado que “Por força do despiste supra mencionado, resultaram para o veículo propriedade da 2ª A. estragos na parte da frente, na parte mecânica - bateria, radiador, embraiagem da ventoinha radiador e fusíveis -, capôt, guarda-lamas, vidro do pára-brisas, tejadilho e nas partes laterais esquerda e direita”.
Não pode o orçamentado servir de guia quando a própria autora não o tem em serventia à indemnização peticionada.
Mas também não sabemos se, efectivamente, o dever de restaurar por equivalente corresponde ao descritivo e ao valor constante do que foi facturado.
A decisão recorrida não estabeleceu tal nexo.
Pelo que – não sendo a resposta dada, na redacção que tem, em absoluto elucidativa da exclusão – também não pode ser dada resposta definitiva quanto às reservas do recorrente, que afasta do dever indemnizatório a reparação de pistões e segmentos, bielas, jogo de bronzes completo e jogo de juntas e vedantes (num total de € 1.804,80), incluídos na factura apresentada relativa à parte mecânica.
Cumpre condenar no que vier a ser liquidado (art.º 609º, nº 2, do CPC).
Sem que possa ser acolhida discussão quanto à excessiva onerosidade, questão ausente da sentença, questão nova de que não cumpre conhecer.
No que toca ao recurso da autora.
O que em primeira linha havia a decidir, com relação ao julgamento da matéria de facto, decidido está supra.
Subsidiariamente, prossegue “arbitrar de forma equitativa, valores quer para o aparcamento quer para o veículo de substituição, pois existem tabelas públicas, com valores de aparcamento e de aluguer ao dia de veículo similar ao acidentado, que permitem encontrar valores totais e, que se encontram já juntos ao processo”.
As aludidas tabelas, nada mais que constituindo suporte de prova, não ultrapassam as respostas negativas dadas, no que foi julgamento de facto sobre a matéria; o apelo à equidade, e independentemente do juízo de valoração que possa incidir sobre as aludidas tabelas, é pretensão não frutifica, sequer por ilação – pode ser afirmado o aparcamento e aluguer de veículo, mas o tribunal expressamente considerou que só o custo da reparação do veículo é que “equivale ao prejuízo patrimonial que ficou provado, uma vez que nada mais se logou provar”; conjugadamente com o que foi motivação das respostas dadas à pertinente matéria da base instrutória, e a redacção dos constante dos “quesitos”, o “não provado” não é simples questão de montante da despesa, abrange a própria existência de um custo –, porque no preciso ponto incidiu o julgamento do tribunal, com falência ao que agora se pretende afirmar (“O exame crítico das provas pelo juiz da sentença não pode, salvo contidas possibilidades, modificar o julgamento da matéria de facto já feito a montante” – Ac. deste TCAN, de 09-10-2015, proc. nº 02995/09.0BEPRT).
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Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em, julgar totalmente improcedente o recurso da autora, e, na parcial procedência do recurso do réu, revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou o réu a pagar à autora “a quantia de € 14.334,87 de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da citação e até efectivo e integral pagamento”, antes condenando o réu a pagar à autora, pela reparação do veículo, no que vier a ser liquidado, com juros de mora legais a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.
Custas: cada recorrente paga as suas, em proporção ao respectivo vencimento/decaimento.
Porto, 31 de Maio de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Alexandra Alendouro