Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02241/07.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:VALIDADE DO ACTO; LEI APLICÁVEL; ARTIGO 12º, N.º1, DO CÓDIGO CIVIL;
REGULAMENTO MUNICIPAL DE EDIFICAÇÃO E URBANIZAÇÃO DO CONCELHO DO PORTO (RMEU), PUBLICADO NO AVISO Nº 1095/2003; CONCEITO DE “ÁREA DE IMPLANTAÇÃO”; NORMAS DE DIREITO CIVIL; TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:1. A validade do acto deve aferir-se por referência à data em que foi praticado e à lei vigente nessa data e não por referência a legislação revogada ou lei futura. Isto por imperativo lógico, face ao princípio da legalidade e de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 1, do Código Civil.
2. Um despacho de 05.11.2002 do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto que aprovou um projecto de arquitectura não tinha de observar o disposto no Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto (RMEU), publicado no Aviso nº 1095/2003, Diário da República, II Série nº 34, de 10.02, em particular o seu artigo 13º, nº3, dado que naquela data ainda não tina entrado em vigor este regulamento.
3. Não se aplicando este regulamento, o conceito de “área de implantação”, corresponde à área da superfície do solo, não se contando nessa área os corpos balançados.
4. O controlo pela Administração no domínio do licenciamento de obras particulares incide sobre a sua conformidade com planos municipais de ordenamento no território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações, bem como sobre o uso proposto - artigo 20º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12.
5. Não cabe por isso à Administração controlar o respeito de normas civilísticas, em particular o disposto no artigo 1360º do Código Civil, no que diz respeito às obras a licenciar nem aos Tribunais Administrativos compete fazer essa análise, no controle da legalidade dos actos administrativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JDF e MNTPF
Recorrido 1:Município do Porto e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

JDF e mulher, MNTPF vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 29.04.2015, pelo qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa especial intentada pelos recorrentes contra o Município do Porto e em que são contra-interessados AMS, VMPS e mulher SILLRGS, na qual são formulados os seguintes pedidos:

A) Que seja declarado nulo o acto de deferimento do projecto de arquitectura do processo de obra particular n.º 14902/02 proferido em 25/08/2003 pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade e demais actos administrativos consequentes.

B) Que o Réu seja condenado à prática de acto administrativo conducente à reintegração da legalidade urbanística, mormente ordenando a demolição parcial da construção erigida em contradição com o alvará de loteamento n.º 2/91, nomeadamente no que ao alçado Sul concerne.

C) Que o Réu seja condenado a pagar aos autores uma indemnização pelos danos patrimoniais no valor de 10.000 euros.

D) Que o Réu seja condenado a pagar aos Autores indemnização por danos não patrimoniais no valor de 5.000 Euros.

E) Em alternativa à demolição, e subsidiariamente, os Autores peticionam a condenação do Réu a pagar indemnização pela desvalorização permanente do imóvel de que os Autores são proprietários, indemnização essa que deve ser apurada em execução de sentença.

Invocaram para tanto, em síntese, que o acórdão recorrido errou no julgamento da matéria de facto, por ter desconsiderado a prova produzida, em concreto a prova pericial; quanto ao enquadramento jurídico, o acórdão recorrido violou o disposto no n.º3 do artigo 13º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto, no alvará de loteamento 2/91 e sua planta, e ainda o disposto no artigo 1360º do Código Civil.

Os Recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.


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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) O PERSCRUTAMENTO DOS FACTOS E A SUBSEQUENTE APLICAÇÃO DO DIREITO REALIZADA PELO TRIBUNAL A QUO FOI ABSOLUTAMENTE ERRADA – O QUE INFRA MELHOR SE ALEGARÁ E DEMONSTRARÁ – O QUE TALVEZ SE EXPLIQUE PELOS INCONCEBÍVEIS DOIS ANOS QUE INTERCALARAM A ÚLTIMA SESSÃO DE JULGAMENTO E A PROLAÇÃO DA SENTENÇA EM CRISE.

B) A OPÇÃO DECISÓRIA EM CRISE OBLITERA OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, IGNORA A PROVA PERICIAL PRODUZIDA E OLVIDA LEGISLAÇÃO EM VIGOR À DATA DO LICENCIAMENTO APROVADO PELO R..

C) DESDE LOGO O ACÓRDÃO EM CRISE ESQUECE POR COMPLETO O REGULAMENTO MUNICIPAL DE EDIFICAÇÃO E URBANIZAÇÃO DO CONCELHO DO PORTO (RMEU), EM VIGOR À DATA, PUBLICADO NO AVISO Nº 1095/2003, DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, Nº 34, DE 10 DE FEVEREIRO, APESAR DE A ELE FAZER MENÇÃO NA PÁG. 15. .

D) SE O ACÓRDÃO EM CRISE TIVESSE CONSIDERADO O ESTATUÍDO NO Nº 3 DO ART.º 13º DO MENCIONADO DIPLOMA, TERIA TOMADO UMA DECISÃO DIAMETRALMENTE OPOSTA À QUE TOMOU, OU SEJA, TERIA JULGADO A ACÇÃO PROCEDENTE.

E) O ART.º 13º DO RMEU, SOB O TÍTULO VARANDAS ABERTAS EM BALANÇO, DIZ NO SEU Nº 3: “AS VARANDAS DEVEM SER AFASTADAS DAS LINHAS DIVISÓRIAS DOS EDIFÍCIOS CONTÍGUOS DE UMA DISTÂNCIA IGUAL OU SUPERIOR AO DOBRO DO BALANÇO RESPECTIVO, CRIANDO-SE DESTE MODO, ENTRE A VARANDA E AS REFERIDAS LINHAS DIVISÓRIAS ESPAÇOS LIVRES DE QUALQUER SALIÊNCIA”, SENDO NOSSO O NEGRITO E O SUBLINHADO.

F) COMO RESULTA DE TODO O PROCESSO, NÃO HÁ QUALQUER DISTÂNCIA ENTRE A VARANDA ABERTA EM BALANÇO DO LOTE 11 E O LOTE CONTÍGUO, O 12..

G) COMO EXISTE UM BALANÇO DE DOIS METROS – VIDE GRATIAE A PERÍCIA EFECTUADA – A DISTÂNCIA DA VARANDA BALANÇADA DO LOTE 12 PARA O LOTE 11 TEM QUE SER DE 4 (QUATRO) METROS. CONTUDO, NÃO HÁ QUALQUER DISTÂNCIA ENTRE A VARANDA BALANÇADA DO LOTE 12 E O LOTE CONTÍGUO, O LOTE 11 DOS AQUI RECORRENTES;

H) ISSO MESMO ALIÁS, ESTÁ PLASMADO NO FACTO PROVADO O), REFERENTE À INFORMAÇÃO ELABORADA PELOS SERVIÇOS DO PRÓPRIO R. COM A REF.ª INF/13305/04/DMGU/GAAU, DATADA DE 18/10/2014, QUANDO ESPECIFICAMENTE REFERE QUE: “A CRIAÇÃO DE VARANDAS SOBRE ESTA ZONA, PARA ALÉM DA DESCONFORMIDADE COM O ALVARÁ DE LOTEAMENTO Nº 2/91 NÃO CUMPRE O ESTIPULADO NO Nº 3 DO ARTIGO 13º DO RMEU.”, VIDE GRATIAE FLS. 9 DO ACÓRDÃO EM CRISE.

I) ALÉM DE ESTAR PLASMADO IGUALMENTE NO FACTO PROVADO P) REFERENTE À INFORMAÇÃO ELABORADA PELOS SERVIÇOS DO R. COM A REF.ª INF/15394/DMGU, DA QUAL SE EXTRAI O SEGUINTE: SALVO O DEVIDO RESPEITO, A DIMENSÃO REFERENCIADA (12M) COMO SENDO DA IMPLANTAÇÃO NÃO CORRESPONDE COM O PROJECTO APRESENTADO, UMA VEZ QUE A IMPLANTAÇÃO É, NA LINHA DIVISÓRIA DOS LOTES, DE 9,5M (APROX). ESCLARECE-SE QUE O PROLONGAMENTO DE 2,5M PARA SUL, NÃO CORRESPONDERÁ A IMPLANTAÇÃO DO EDIFICADO, MAS A UM PROLONGAMENTO COM VARANDA DISPONDO DE PAREDE DELIMITADORA COMO SENDO TAPA-VISTAS. RESULTA DA SOLUÇÃO PROPOSTA UMA SITUAÇÃO QUE CORRESPONDE A UMA EMPENA CEGA PARA COM O LOTE NASCENTE (LOTE 11), PREJUDICANDO CONSIDERAVELMENTE A SUA EXPOSIÇÃO SOLAR. SERÁ DE REFERENCIAR QUE A PROPOSTA DE VARANDA COLIDE COM O DISPOSTO NO Nº 3 DO ART.º 13º DO RMEU.

J) QUER ISTO DIZER, QUE ESTA INFORMAÇÃO FAZ O CAMINHO QUE O ACÓRDÃO EM CRISE DEIXOU A MEIO. EMBORA RECONHEÇA QUE OS 2 METROS QUE ESTÃO CONSTRUÍDOS A MAIS NÃO CORRESPONDEM A IMPLANTAÇÃO DO EDIFICADO (CONCLUSÃO QUE O ACÓRDÃO SE BASEIA PARA NEGAR PROVIMENTO À PRESENTE ACÇÃO), A INFORMAÇÃO ACRESCENTA QUE A PAREDE DELIMITADORA CONSTITUI UMA EMPENA CEGA, PREJUDICANDO O LOTE DOS AQUI RECORRENTES E VIOLANDO O DISPOSTO NO Nº 3 DO ART.º 13º DO RMEU, ALGO QUE O ACÓRDÃO EM CRISE ESQUECEU POR COMPLETO.

K) BASTARIA AO TRIBUNAL A QUO TER TIDO EM CONSIDERAÇÃO ESTES FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL, PARA A ACÇÃO DOS AA. ORA RECORRENTES TER SIDO DECLARADA PROCEDENTE.

L) O ACÓRDÃO EM CRISE AO DECIDIR COMO DECIDIU VIOLOU DE FORMA GROSSEIRA O ESTATUÍDO NO Nº 3 DO ART.º 13º DO RMEU.

M) POR OUTRO LADO, O ACÓRDÃO RECORRIDO ESQUECE NA SUA DECISÃO A PERÍCIA QUE FOI EFECTUADA NOS PRESENTES AUTOS.

N) ESTE ESQUECIMENTO CONTRIBUIU IGUALMENTE PARA A ERRADA DECISÃO DO ACÓRDÃO EM CRISE. E NUNCA DEVERIA TER SIDO OLVIDADA ESTA PERÍCIA, TANTO MAIS QUE NO DESPACHO DE FLS. 345 E SS., QUE DEFERE A PERÍCIA O TRIBUNAL A QUO ESCREVEU O SEGUINTE: “EM FACE DA NATUREZA TÉCNICO-CIENTÍFICA DE PARTE DA MATÉRIA EM DISCUSSÃO NOS PRESENTES AUTOS, E POR SE AFIGURAR PERTINENTE À DESCOBERTA DA VERDADE MATERIAL E BOA DECISÃO DA CAUSA, ADMITE-SE A REALIZAÇÃO DA PERÍCIA REQUERIDA.”.

O) CONTUDO O ACÓRDÃO EM CRISE NÃO SEGUIU A OPINIÃO MAIORITÁRIA DOS SENHORES PERITOS QUE ANALISARAM OS FACTOS EM DISCUSSÃO NOS PRESENTES AUTOS.

P) AO INVÉS SEGUIU A OPINIÃO DA PERITA INDICADA PELO RÉU, QUE NÃO PODE COLHER PORQUE NÃO EXPLICA O QUE SE FAZ À PLANTA DO ALVARÁ DE LICENCIAMENTO, QUE TEM QUE SER RESPEITADA E QUE ESTÁ, CLARAMENTE, A SER DESRESPEITADA PELOS ELEMENTOS CONSTRUÍDOS NO TARDOZ DA CASA DO LOTE Nº 12.

Q) O ACÓRDÃO EM CRISE AO DECIDIR COMO DECIDIU VIOLOU DE FORMA GROSSEIRA O ALVARÁ DE LOTEAMENTO Nº 2/91 E NOMEADAMENTE A SUA PLANTA. VIOLOU AINDA O ART.º 1360º DO CÓDIGO CIVIL.

R) OS DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES, PRODUZIDOS POR DIFERENTES DEPARTAMENTOS PERTENCENTES AO PRÓPRIO R., CONSIDERADOS PROVADOS (FACTOS J), O), P), R) e S), ALIÁS ACOMPANHADOS PELAS RESPOSTAS AOS QUESITOS DE DOIS DOS TRÊS PERITOS QUE SE PRONUNCIARAM (O PERITO INDICADO PELO TRIBUNAL E O PERITO INDICADO PELOS AA, AQUI RECORRENTES), VÃO NO SENTIDO DE DAR PLENA RAZÃO ÀS LEGÍTIMAS PRETENSÕES DOS AA..

S) CONTUDO, O TRIBUNAL A QUO, AFASTA TODAS ESSAS EVIDÊNCIAS E DECLARAÇÕES TÉCNICO-CIENTÍFICAS, RELATIVAS A UMA ÁREA QUE O TRIBUNAL NÃO DOMINA, SEM QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO SUSTENTÁVEL.

T) COMO SE VIU RESULTA DOS FACTOS PROVADOS, NO QUE À FUNDAMENTAÇÃO DIZ RESPEITO, O SEGUINTE (O QUE CITAMOS, COM A DEVIDA VÉNIA): “(…) VERIFICA-SE QUE O REQUERENTE DO LOTEAMENTO INDICOU PARA OS LOTES NºS 11 E 12 QUE OS MESMOS SE DESTINARIAM A MORADIAS DO TIPO UNIFAMILIAR E QUE A ÁREA DO LOTE SERIA DE 510 M2 PARA AMBOS. MAIS INDICOU, QUANTO À ÁREA DE CONSTRUÇÃO, QUE A MESMA CORRESPONDERIA A 3 × 114 M² = 342 M² EM CADA UM DOS LOTES. ASSIM, É INEVITÁVEL ASSUMIR QUE O ALVARÁ DE LOTEAMENTO Nº 2/91 ASSUME AS ESPECIFICAS CONDICIONANTES QUE FORAM INDICADAS PELO REQUERENTE DO LOTEAMENTO.” (CFR. PÁGINA 3 DA RESPOSTA À BASE INSTRUTÓRIA). “DESSA PROJECÇÃO RESULTA INEQUIVOCAMENTE A EXISTÊNCIA, AO NÍVEL DO 1º ANDAR, DE CORPOS BALANÇADOS CUJOS LIMITES EXTERIORES DAS RESPECTIVAS PAREDES ULTRAPASSA, EXCEDENDO, OS LIMITES GRÁFICOS REPRESENTADOS NAS PLANTAS DE LOTEAMENTO QUE ACOMPANHAM O ALVARÁ DE LOTEAMENTO Nº 2/91, BEM COMO O PROCESSO DE LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO DA EDIFICAÇÃO EXISTENTE ACTUALMENTE NO LOTE 12.” (CFR. PÁGINA 4 DA RESPOSTA À BASE INSTRUTÓRIA).

U) RESULTA DO PRECEITUADO NA AL. A) DO ARTIGO 68º DO DECRETO-LEI Nº 555/99, DE 16 DE DEZEMBRO, COM AS ALTERAÇÕES QUE LHE FORAM INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI Nº 177/2001, DE 4 DE JUNHO QUE: “SÃO NULAS AS LICENÇAS OU AUTORIZAÇÕES PREVISTAS NO PRESENTE DIPLOMA QUE: A) VIOLEM O DISPOSTO EM PLANO MUNICIPAL DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, PLANO ESPECIAL DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, MEDIDAS PREVENTIVAS OU LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DE LOTEAMENTO EM VIGOR;”

V) TAL COMO NOS ENSINA O DOUTO ARESTO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE 18 DE JUNHO DE 2003, DISPONÍVEL NO SÍTIO DA INTERNET HTTP://WWW.DGSI.PT E CUJA RELATORA FOI A DISTINTA JUIZ CONSELHEIRA ISABEL JOVITA: “O QUE RELEVA, A RAZÃO DE SER DA NULIDADE, É A DESCONFORMIDADE COM A DISCIPLINA DE OCUPAÇÃO DAQUELA PARCELA DO TERRITÓRIO ESTABELECIDO PELO LICENCIAMENTO DO LOTEAMENTO. A ESPECIAL SEVERIDADE DA SANÇÃO JUSTIFICA-SE COMO FORMA DE EVITAR A SANABILIDADE PELO DECURSO DO TEMPO (…)”.

W) DE FACTO E NÃO SOBEJANDO MAIS MOTIVOS PARA DUVIDAR QUE O ALVARÁ DE LOTEAMENTO, EM CAUSA NOS PRESENTES AUTOS, ESPECIFICA, DE FORMA INEQUÍVOCA, OS EXACTOS PARÂMETROS URBANÍSTICOS (REITERA-SE: QUANTO À ÁREA DE CONSTRUÇÃO: 3 × 114 M² = 342M²) É, ASSAZ CLARO, QUE O ACTO IMPUGNADO VIOLA AS PRESCRIÇÕES CONSTANTES DAQUELE ALVARÁ DE LOTEAMENTO, EM FUNÇÃO DA MANIFESTA DIVERGÊNCIA ENTRE OS REFERIDOS PARÂMETROS PREVIAMENTE DEFINIDOS E O ACTO DE LICENCIAMENTO DA EDIFICAÇÃO QUE EXISTE HOJE QUA TALE NO LOTE 12.

X) ESTANDO O LICENCIAMENTO DO EDIFICADO SITO NO LOTE 12 DO ALVARÁ DE LOTEAMENTO N°2/91, EM MANIFESTA DESCONFORMIDADE COM A ÁREA DE CONSTRUÇÃO DEFINIDA NAQUELE LOTEAMENTO, SERÃO IGUALMENTE NULAS AS DELIBERAÇÕES QUE AUTORIZARAM A EMISSÃO DO ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO Nº 170/2003 E DO ALVARÁ DE AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO Nº 236/05, TOMADAS PELA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, R. ORA RECORRIDO.

Y) CONCLUÍMOS ASSIM (NÃO OBSTANTE O NECESSÁRIO ESFORÇO DE ADAPTAÇÃO), COM O RECENTE ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE, DE 13 DE JULHO DE 2013, DISPONÍVEL NO SÍTIO DA INTERNET HTTP://WWW.DGSI.PT E CUJO RELATOR FOI O ILUSTRE JUIZ DESEMBARGADOR ANTERO PIRES SALVADOR: “(…)NESTA CONFORMIDADE, TENDO POR PRESSUPOSTO O ALVARÁ DE LOTEAMENTO N.º 5/81 E AS LIMITAÇÕES DELE CONSTANTES, NOMEADA E CONCRETAMENTE, QUANTO À ÁREA DE IMPLANTAÇÃO – QUE NÃO FOI OBJECTO DE ALTERAÇÃO – E O DISPOSTO NO ART.º 63.º, N.º 1, AL. A) DO DEC. LEI 445/91, DE 20/11, NA REDACÇÃO DADA PELO DEC. LEI 250/94, DE 15/10 (QUE COMINA COM A NULIDADE OS ACTOS ADMINISTRATIVOS QUE DECIDAM PEDIDOS DE LICENCIAMENTO DE OBRAS PARTICULARES QUE VIOLEM O DISPOSTO EM ALVARÁ DE LOTEAMENTO EM VIGOR) - DIPLOMA EM VIGOR À DATA DA APROVAÇÃO E ESSE REGIME O APLICÁVEL - TEMPUS REGIT ACTUM - TEMOS DE CONCLUIR PELA NULIDADE DESSA DELIBERAÇÃO (…)”.


*

II – Matéria de facto.

Alegam os recorrentes que o acórdão recorrido errou por ter desconsiderado a prova realizada nos autos.

Questionam, em concreto nas suas alegações:

“Respondem os senhores peritos indicados pelo Tribunal e pelos AA., aqui recorrentes, ao quesito se o lote 12 (há um erro de grafia aparecendo lote 11, que o tribunal a quo posteriormente, e bem, corrigiu quer no quesito quer na resposta), respeita a implantação prevista para o mesmo lote na planta do alvará de loteamento nº 2/91: Com base na noção de área de implantação que veio a constar na alínea jj) Polígono Base de Implantação, do art.º 2º Definições, do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto, publicado em DR a 10 de Fevereiro de 2003, considera-se que a edificação construída no lote 12 não respeita a implantação prevista para o mesmo lote na planta de alvará de loteamento nº 2/91”;

Mais à frente e na sequência do quesito 3º Verifica-se um acréscimo de área de implantação no lote 12, com o consequente desalinhamento das fachadas de tardoz dos prédios existentes nos lotes 11 e 12?, esclarece o relatório pericial em resposta dada pelo perito indicado pelo tribunal e pelo perito indicado pelos AA.: Sim, conforme se pode sindicar por observação do relatório fotográfico Anexo III e pelas plantas juntas;

Na resposta ao quesito 4º, e no que à devassa de vistas que o lote dos AA., ora recorrentes, sofre, respondem aqueles senhores peritos: Considerando as restrições definidas no nº 2 do art.º 1360º do Código Civil verifica-se existir a devassa de vistas;

Por fim, ao quesito 7º (Reconhece-se ou não, que os elementos construídos no tardoz da casa implantada no lote nº 12, e que não alinham com a fachada da casa existente no lote nº 11, se demonstram claramente contra a regra de implantação prevista no alvará de loteamento nº 2/91?), respondem aqueles senhores peritos: “Pela análise da planta do alvará de loteamento considera-se que as construções a edificar nos lotes 11 e 12 deveriam garantir continuidade nas fachadas dos topos norte e sul, e que as empenas de ambas as construções deveriam ter a mesma extensão, de modo a que não ocorresse o desalinhamento dessas fachadas”.

Continuando a resposta maioritária dos Senhores Peritos: “Efectivamente o que o lote 12 apresenta como construção para além do alinhamento da fachada da casa do lote 11 ao longo da linha de meação entre os dois lotes, são volumes construídos, constituídos por pavimentos, paredes e coberturas. De acordo com a análise à planta do alvará de loteamento, e com o já referido no quesito 3, considera-se que os elementos construídos no tardoz da casa do lote 12 não cumprem a regra de implantação prevista no alvará de loteamento, por excederem em aproximadamente 2m o alinhamento definido para a fachada de tardoz de ambos os lotes e estarem contíguos à propriedade vizinha. Estes elementos construídos no tardoz da casa do lote 12 e que não alinham com a fachada da casa do lote 11, estão contra a regra de implantação prevista no alvará de loteamento”.

Ou seja, a acórdão em crise não seguiu a opinião maioritária dos peritos que analisaram os factos em discussão nos presentes autos.

Ao invés, seguiu a opinião da senhora perita indicada pelo R., que na resposta a este mesmo quesito 7º, escreve o seguinte: “Não. A noção de implantação à data de aprovação do processo de loteamento era a intersecção do piso do rés-do-chão no solo. Os elementos construídos a tardoz da casa implantada no lote nº 12 não são considerados para o efeito de área de implantação.

Ora, mais uma vez salvo o devido respeito, para com esta opinião do perito do R, sufragada pelo acórdão em crise, a mesma não pode colher. Desde logo porque não explica o que se faz à planta do alvará de licenciamento, que tem que ser respeitada e que está, claramente, a ser desrespeitada pelos elementos construídos no tardoz da casa do lote nº 12.

Por outro lado, essa interpretação levaria a que, por exemplo, se pudesse construir um armazém com paredes, tecto, mas não o fechando nos topos, sem necessidade de licenciamento. Ou seja, este entendimento plasmado na resposta da perita do R. e acompanhada pelo acórdão em crise, não faz qualquer sentido.

Vejamos.

Em audiência de julgamento todos os senhores peritos se manifestaram no sentido de que à data da aprovação do projecto de arquitectura não havia legislação que definisse o conceito de área de implantação, sendo esta considerada como área da superfície do solo, não se contando nessa área os corpos balançados e que mesmo que os pisos acima do solo tenham mais área de construção do que a área de implantação, tal não viola o alvará de loteamento 2/91, ao qual não se aplica o supra referido RMEU do concelho do Porto. Mais disseram que a planta topográfica constante do loteamento é a da implantação, ao nível do solo ou do r/c, não tem mancha de construção, mas só de implantação. Mais confirmaram que as paredes exteriores coincidiam com o terreno, quer a cave, quer o r/c do lote 12 estavam ao nível da cota do passeio, que a planta de síntese não tem legenda, por isso não diz a área de implantação. Mais acrescentaram que existe no lote 12 aumento da área de construção mas não há aumento da área de implantação e que não há violação do alvará de loteamento.

Com base nesses depoimentos, verificamos que as respostas aos factos 21 e 22 dados como provados, correspondentes às respostas aos quesitos 1, 2 e 3 da base instrutória estão totalmente fundamentadas nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelos três peritos que elaboraram a perícia, pelo que nenhuma alteração cumpre fazer no que respeita a essa matéria dada como provada, que respeita cabalmente o entendimento manifestado em audiência pelos três peritos que elaboraram a perícia.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos constantes do acórdão recorrido.

1- Os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito na Rua da FM, n.º 425, no concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 000459/2...., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de A..., sob o n° 2....

2- O referido prédio surgiu na sequência do loteamento titulado pelo Alvará de Loteamento n.º 2/91, emitido pela Câmara Municipal do Porto, em 22.01.1991, estando implantado no lote 11.

3- O Contra-Interessado AMS apresentou nos serviços do Réu, no dia 02.08.2002, pedido de licença de obras de construção a realizar no lote 12, sito na Rua da CB, a que foi atribuído foi atribuído o n.º 1.../2002.

4- No dia 30.09.2002, foi elaborada a informação com a ref.ª INF/11 8/02/DMS, que se pronunciou sobre o requerimento acabado de referir e da qual se extrai o seguinte:

“O projecto cumpre a implantação prevista no alvará de loteamento, e apresenta uma área de construção de 354m2, em três pisos, conforme ficha estatística, área esta que excede a prevista no A.L. 2/91 (342 m2), em 12m2, que se julga de tolerar, por corresponder a um acréscimo de 0,03 5 (...)” (cfr. fls. 193 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

5- No dia 04.11.2002 foi proposto o deferimento do projecto de arquitectura, condicionado ao cumprimento do art.º 86° do R.G.E.U. (cfr. fls. 197 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

6- O projecto de arquitectura foi aprovado por despacho datado de 25.11.2002, proferido pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto (cfr. fls. 197 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

7- Por despacho datado de 23.10.2003, foi deferido o requerimento para emissão de alvará de licença de construção (cfr. fls. 211 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

8- O alvará de licença de construção foi emitido no dia 05.11.2003 (cfr. fls. 216 e 217 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

9- Pelo Autor JDF foi apresentada nos serviços do Réu a reclamação constante de fls. 217 a 225 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido.

10- No dia 09.07.2004 foi elaborada a informação com a ref.ª INF/584/04/DMFSS, da qual se extrai o seguinte:

“1° As obras decorrem de acordo com o projecto aprovado, nomeadamente alinhamentos, cotas de soleira e implantação do edifício.

2° Os alçados Norte e Sul não representam correctamente os arranques da moradia contígua, o que poderá ter induzido em erro a apreciação do projecto.”

(cfr. fls. 226 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

11- A Divisão de Cartografia e Cadastro emitiu, em 12.07.2004, a informação com a ref.ª INF/1341/04/DMC, onde se conclui que “os alinhamentos estão conformes. Foi fornecida cota da soleira” (cfr. fls. 336 do Vol. III do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

12- No dia 12.07.2004 foi proposto que, face à reclamação apresentada pelo Autor JDF, o licenciamento da obra deveria ser objecto de apreciação pela DG (cfr. fls. 231 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

13- No dia 31.08.2004 foi elaborada a informação com a ref.ª INF/10693/04/DMGU, da qual se extrai o seguinte:

“(...)

a) no que se refere aos “limites pré-definidos para a construção de moradias unifamiliares”, teremos que a implantação proposta apresentada para o lote 12 se enquadra no previsto no alvará de loteamento emitido para o local (conforme informação junta ao processo de licenciamento (...)

b) o prolongamento a norte, da “construção de paredes cerca de dois metros” não se traduz em aumento da área de edificação, e corresponderá a uma solução arquitectónica proposta pelo seu titular, que colmata o telheiro edificado pelo requerente.

c) apesar do exposto em b), a altura da referida parede, caso se considere como sendo vedação, ultrapassa a altura máxima permitida no Regulamento Municipal de Obras (art.º 90º “À face da via pública, os muros de vedação não poderão ter altura superior a 1,70m, extensiva aos muros laterais, na parte correspondente ao recuo da edificação, quanto este existir. Todavia, em casos devidamente justificados, serão permitidas vedações com alturas superiores em sebes vivas ou redes de alarme não farpado), em vigor à data da apresentação do correspondente projecto:

(...)

Será de salientar que a questão resultante do exposto nas alíneas b) e c), carece de análise urbanística, devendo o Gabinete de Apreciação Urbanística e Arquitectónica emitir parecer.”

(cfr. fls. 235 a 237 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

14- No dia 18.10.2004 foi elaborada a informação com a ref.ª INF/13305/04/DMGU/GAAU, da qual se extrai o seguinte:

“(...)

2. Análise do pedido

Analisada esta licença e seus antecedentes, verifica-se que a PT n.º 0850/02 de 28-06-2002, que instrui o processo de licenciamento n.º 14902/02 (que está na origem da referida licença) representa uma implantação (de acordo com as convenções da CMP) que não corresponde ao projecto de arquitectura que submeteram então à apreciação. De facto, a implantação da edificação da fachada sul das moradias geminadas não está de acordo com a representação nas peças gráficas integrantes do alvará de loteamento no 2/91. A implantação no Alvará de Loteamento e PT, tem 10 metros de profundidade (medidos pela linha divisória dos lotes) e no projecto de arquitectura apresenta-se com 12m.

A criação de varandas sobre esta zona, para além da desconformidade com o Alvará de Loteamento n° 2/91 não cumpre o estipulado no n.º 3 do artigo 13º do RMEU.

O muro de vedação com o lote 11, pelo lado norte apresenta-se com uma altura de 5,30m na zona de meação (junto ao lote 11), em desconformidade com o previsto no artigo 17º do RMEU.

(...)

3. Conclusão

Em resumo, a obra em curso titulada pela licença n° 170/03, não respeita com rigor a implantação na PT n.º 0850/02 de 28-06-2002 e no alvará de loteamento n° 2/91. O muro de vedação excede altura recomendada pelo artigo 17º do RMEU.

Face ao exposto, somos de opinião que o acréscimo de área de implantação e o consequente desalinhamento das fachadas de tardoz das moradias, prejudica em termos de inserção urbana ambas as construções. Relativamente ao muro de vedação também nos parece excessivo, uma vez que ao pretender tapar o alpendre do lote 11, cria por sua vez uma empena não colmatável sobre este vizinho, com prejuízo da sua exposição solar”.

(cfr. fls. 239 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

15- No dia 22.11.2004 foi elaborada a informação com a ref.ª INF/15349/DMGU, da qual se extrai o seguinte:

“(...)

“Tendo por base a apreciação efectuada pelo GAAU e na sequência da INF/13305/04/DMAG/GAAU, o projecto aprovado para o local apresenta deficiências diversas que se traduzem em:

1- “a PT n.º 0850/02 de 28-06-2002, … apresenta uma implantação (de acordo com as convenções da CMP) que não corresponde ao projecto de arquitectura que submeteram então à sua apreciação”.

Efectivamente confirma-se existirem diversas divergências entre o implantado na PT e o projecto apresentado à escala 1:100, nomeadamente na falta de definição do lote, não implantação de telheiros, ausência de indicação dos limites da cave, desrespeito pelas convenções adoptadas pelo município e alguma falta de rigor na implantação indicada.

Tais desconformidades (entre o projecto constante da planta topográfica e das plantas da arquitectura) constituem óbices evidentes à apreciação da pretensão.

2- “A implantação no alvará de loteamento e PT, tem 10 metros de profundidade (medidos na divisória dos lotes) e no projecto de arquitectura apresenta-se com 12 m.”

Salvo o devido respeito, a dimensão referenciada (12m) como sendo da implantação não corresponde com o projecto apresentado, uma vez que a implantação é, na linha divisória dos lotes, de 9,5m (aprox). Esclarece-se que o prolongamento de 2,5m para sul, não corresponderá a implantação do edificado, mas a um prolongamento com varanda dispondo de parede delimitadora com sendo tapa-vistas.

Resulta da solução proposta uma situação que corresponde a uma empena cega para com o lote a nascente (lote 11), prejudicando consideravelmente a sua exposição solar. Será de referenciar que a proposta de varanda colide com o disposto no n.º 3 do art.º 13º do RMEU:

(...)

4- “O muro de vedação com o lote 11, pelo lado norte apresenta-se com uma altura de 5,30, na zona de meação (junto ao alpendre do lote 11), em desconformidade com o previsto no art.º 17º do RMEU.”

5- Uma vez que a solução projectada é entendida como sendo muro de vedação, efectivamente existe desrespeito pelo artigo 17º do RMEU (...)

6- No alvará de loteamento emitido para o local a área de construção autorizada era de 342m2.

Contudo, o presente projecto apresentou uma área de construção de 383m2 (para além de 17m2 em terrações e 24 m2 em terraços utilizáveis) o que se traduz no desrespeito pelo alvará de loteamento aprovado para o local.

Será igualmente de referir que a implantação da edificação excede a mancha de implantação indicada na planta do loteamento (tanto no prolongamento com edificação ao nível do rés-do-chão para sul como no andar para sul e poente).

DAS MEDIDAS DE TUTELA DA LEGALIDADE URBANÍSTICA

Na sequência do atrás exposto, resulta existirem situações evidentes de desrespeito por normas legais e regulamentares pelo que a situação em análise se enquadrará no disposto no artigo 135º do Decreto-Lei n.º 6/96, de 31/Jan, devendo ser anulados os actos administrativos praticados.

Com a anulação dos actos administrativos, a obra fica sem licença de construção, razão pela qual a mesma deverá ser embargada”.

(cfr. fls. 240 a 243 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

16- No dia 13.01.2005 foi elaborada a informação com a ref.ª INF/395/05/DMFSS, da qual se extrai o seguinte: ”visitado de novo o local, verificamos que as obras decorrem de acordo c/ o projecto aprovado” (cfr. fls. 244 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

17- No dia 21.02.2005 e “após visita ao local e depois de efectuado o respectivo levantamento, verificou-se por sobreposição da cartografia sobre a respectiva PT aprovada que os alinhamentos estão conformes. Mais se informa que alguns elementos representados no projecto à escala 1/100, não se encontram representados na respectiva PT, nomeadamente escadas e corpos balançados” (cfr. fls. 248 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

18- No dia 17.03.2005 foi elaborada a informação com a ref.ª INF/467/05/DMGU, da qual se extrai o seguinte:

“(...) o desrespeito pelo alvará de loteamento no que se refere à área de construção autorizada no alvará de loteamento é de 354m2 sendo que o projecto licenciado prevê 383m2, ou seja um acréscimo de 8%) e da implantação (prolongamento da edificação, ao nível do rés-do-chão para sul e para sul e para poente no 1° andar).

A pretensão enquadra-se no disposto na alínea a) do art.º 68º do DL 555/99 de 16/Dez com as alterações do DL 177/01 de 4/Jun RJUEA e como tal será nulo o despacho de 2003-08-25 do Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade.”

(cfr. fls. 251 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

19- No dia 23.08.2005 foi elaborada a informação com a ref.ª INF/1205/05/DMGUI, da qual se extrai o seguinte:

“(...)

“2.4. No que é relativo à verificação do cumprimento das especificações estabelecidas pelo AL n°2/91, cumpre informar o seguinte:

a) O alvará apenas define a área do lote, 510m2 e o polígono base de implantação.

b) Cumpre referir que o polígono base de implantação definido na planta síntese, não está cotado.

e) Aferindo a implantação do edifício definida no projecto aprovado, com o polígono base de implantação definido na planta síntese do AL 2/91, verifica-se que a implantação inscreve-se sensivelmente no referido polígono. Pelo que somos a informar que são cumpridas as prescrições do AL 2/91.

2.5. Quanto à verificação das questões estabelecidas pelo cumprimento do RMEU e RGEU, somos a informar que, tendo sido o pedido de licenciamento aprovado em 2003-08-25, o eventual desrespeito por esses regulamentos só poderia gerar anulabilidade, uma vez que já decorreu o prazo para a anulação da decisão, não nos propomos desenvolver qualquer análise sobre os mesmos.”

(cfr. fls. 266 e 267 do Vol. II do processo administrativo apenso e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

20- No dia 26.06.2007 foi elaborada a informação com a ref.ª I/93486/07/CMP, da qual se extrai o seguinte:

“(...)

“3. No que respeita à verificação do cumprimento das especificidades estabelecidas pelo Alvará de Loteamento n° 2/91, conclui-se ainda o seguinte:

O alvará apenas define a área do lote, 510 m2 e o polígono de base de implantação. Cumpre referir que o polígono base de implantação definido na planta síntese, não está cotado.

Aferindo a implantação do edifício definida no projecto aprovado, com o polígono base de implantação definido na planta síntese do Alvará de Loteamento n° 2/91, verifica-se que a implantação inscreve-se no referido polígono, pelo que são cumpridas as prescrições do Alvará de Loteamento no 2/91.”

(cfr. fls. 86 e 87 dos autos e cujo conteúdo de se dá por inteiramente reproduzido).

21- A edificação erigida no lote 12 possui, ao nível das fachadas a tardoz e lateral do 1º andar, um corpo balançado, cujo extradorso das paredes exteriores ultrapassa os limites da área de implantação representada graficamente no Alvará de Loteamento n.º 2/91 para o dito lote 12.

22- As fachadas de tardoz das edificações erigidas nos lotes 11 e 12 não se encontram alinhadas em conformidade com a implantação representada graficamente no Alvará de Loteamento n.º 2/91 para os ditos lotes 11 e 12.

23- Os Autores, quando compraram o lote 11 e nele implantaram a casa que hoje é a sua morada de família, atingiram, ao fim de duas décadas, o objectivo que se tinham proposto no início da vida a dois.

24- Os Autores trabalharam para alcançarem o objectivo descrito no ponto 23, sendo que, o descrito nos pontos 21 e 22 relativamente à edificação erigida no lote 12 provocou-lhes angústia, insónias e deprimiu-os.

*

III - Enquadramento jurídico.

1. A violação do disposto no artigo 13º, nº 3, do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto, publicado pelo Aviso nº 1095/2003, Diário da República, II Série, nº 34, de 10 de Fevereiro.

Alegam os Recorrentes que a decisão recorrida olvida a legislação em vigor à data do licenciamento aprovado pelo Réu, desde logo o acórdão em crise esquece por completo o Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto (RMEU), em vigor à data, publicado no Aviso nº 1095/2003, Diário da República, II Série, nº 34, de 10 de Fevereiro, apesar de a ele fazer menção na pág. 15.

Perante esta alegação a primeira questão a resolver é qual a legislação em vigor à data relevante para decidir o processo.

Os dois primeiros pedidos são:

A) Que seja declarado nulo o acto de deferimento do projecto de arquitectura do processo de obra particular n.º 14902/02 proferido em 25/08/2003 pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade e demais actos administrativos consequentes;

B) Que o Réu seja condenado à prática de acto administrativo conducente à reintegração da legalidade urbanística, mormente ordenando a demolição parcial da construção erigida em contradição com o alvará de loteamento n.º 2/91, nomeadamente no que ao alçado Sul concerne;

Se o que se pretende é a nulidade do acto de deferimento do projecto de arquitectura, então é a legislação em vigor na data da prática desse acto a legislação a considerar para efeitos de verificação da sua violação ou não violação pelo dito projecto de arquitectura.

A validade do acto deve aferir-se por referência à data em que foi praticado e à lei vigente nessa data e não por referência a legislação revogada ou lei futura. Isto por imperativo lógico, face ao princípio da legalidade e de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 1, do Código Civil. No caso concreto também face ao disposto no artigo 67º nº 1 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com as seguintes alterações:

- Declaração n.º 13-T/2001, de 30/06;

- Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4/06; e

- Declaração n.º 5-B/2000, de 29/02.

que prescreve:

“A validade das licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática …”

A legislação que se encontrava em vigor à data em que foi aprovado o projecto de arquitectura -25/11/2002 - por despacho proferido pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto (facto 6º dado como provado) era a supra citada, não tendo ainda entrado em vigor o Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto (RMEU), publicado no Aviso nº 1095/2003, Diário da República, II Série nº 34, de 10 de Fevereiro.

Pelo exposto, o primeiro fundamento do recurso não pode conduzir à procedência da acção, uma vez que o artigo 13º nº 3 desse Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto (RMEU), publicado no Aviso nº 1095/2003, Diário da República, II Série nº 34, de 10 de Fevereiro, não estava em vigor na referida data de aprovação do projecto de arquitectura.

Como se decidiu, com acerto.

2. A violação do alvará de loteamento nº 2/91 e respectiva planta.

Vale aqui o que ficou já adiantado a propósito do julgamento da matéria de facto, aproveitando o parecer técnico-jurídico dos Senhores Peritos.

À data da aprovação do projecto de arquitectura não havia legislação que definisse o conceito de área de implantação, sendo esta considerada como área da superfície do solo, não se contando nessa área os corpos balançados e que mesmo que os pisos acima do solo tenham mais área de construção do que a área de implantação, tal não viola o alvará de loteamento 2/91, ao qual não se aplica o supra referido RMEU do concelho do Porto.

Por outro lado, a planta topográfica constante do loteamento é a da implantação, ao nível do solo ou do r/c, não tem mancha de construção, mas só de implantação.

Acresce que as paredes exteriores coincidiam com o terreno, quer a cave, quer o r/c do lote 12 estavam ao nível da cota do passeio, que a planta de síntese não tem legenda, por isso não diz a área de implantação.

Finalmente, existe no lote 12 aumento da área de construção mas não há aumento da área de implantação e que não há violação do alvará de loteamento.

Tal como decidido pelo Tribunal Recorrido, com acerto.

3. A violação do disposto no artigo 13º, nº 3, do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto e a violação do alvará de loteamento nº 2/91 e respectiva planta, face aos próprios factos provados.

Invocam ainda os Recorrentes que dos próprios factos dados como provados no acórdão recorrido resulta que (sob os n.ºs 10, 14, 15, 17 e 18) o acto de licenciamento cuja declaração de nulidade pedem, violou efectivamente as normas acima referidas.

Apreciando.

Efectivamente foram produzidos pelos serviços do Réu informações e pareceres que apontam a violação daquelas normas.

Mas, como já se adiantou, os três Peritos que elaboraram a perícia e todas as testemunhas indicadas pelo Réu Município do Porto explicaram que as diferenças de entendimentos entre os diversos intervenientes no processo de licenciamento do lote 12 ao longo do tempo se explicam por duas razões:

A primeira razão: porque técnicos houve que fizeram aplicação - que reputamos indevida - ao caso concreto do Regulamento de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto, quando este entrou em vigor em data posterior ao acto de deferimento do projecto de arquitectura.

A segunda: porque técnicos houve que não consideraram como área de implantação a área de superfície do solo, ao nível do rés-do-chão, mas aí foram decisivos os esclarecimentos prestados pelos Peritos, que definiram unanimemente o que na data da prática desse acto era comum ser entendido como área de implantação.

O acórdão recorrido não interpretou ou aplicou de forma incorrecta o disposto no artigo 13º nº3 do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto, já que nem sequer havia que o aplicar, pois este não estava em vigor à data da prática do acto de deferimento do projecto de arquitectura.

Assim como não estava em vigor a alínea a) do artigo 68º do RJUEA, pela mesma razão.

4. A violação do disposto no artigo 1360º do Código Civil.

Quanto à violação do art. 1360º do Código Civil, isso é questão de direito privado de que não podem curar os Tribunais Administrativos.

Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.09.2016, no processo 00534/09.1 PRT:

“O controlo pela Administração, neste domínio, “incide sobre a sua conformidade com planos municipais de ordenamento no território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações, bem como sobre o uso proposto” - artigo 20º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12.

Não cabe à Administração tutelar interesses meramente privados, regulados por normas de direito privado.

Essa tutela cabe directamente aos tribunais comuns, no caso de dissídio entre privados, neste caso, entre condóminos.

Também de acordo com a definição de “acto administrativo” constante do artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo (de 1991, aplicável no tempo ao caso) com sublinhado nosso:

“Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.

Assim, sendo, não pode proceder o presente recurso jurisdicional também por esta via, impondo-se manter o acórdão recorrido.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 30.11.2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro