Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01944/10.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/12/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
III) No caso em apreço, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, não se nos afigura que se possa afirmar o efectivo exercício da gerência a partir da constatação de que o Oponente foi indicado como representante legal da devedora originária nas declarações de rendimentos desta sociedade remetidas, através da internet, à administração tributária. Estes actos nada permitem concluir relativamente à prática efectiva de actos de gerência por parte do oponente e a circunstância de o Oponente ter figurado como beneficiário da segurança social e constar nas declarações de rendimento da devedora originária e nas suas próprias declarações de rendimento como tendo recebido rendimentos de trabalho dependente (da categoria A), como bem se referiu na sentença recorrida “pode ser, em abstracto, indiciador da sua nomeação como gerente. Porém, essa indiciação, no caso concreto, ficou prejudicada pela conclusão de que o oponente não praticou actos de gerência, pois que ficou provado nos autos que o Oponente “no período em questão, não assinou cheques, letras, contratos, escrituras ou quaisquer outros documentos, em nome da sociedade devedora; não fez quaisquer compras ou vendas; não admitiu nem despediu trabalhadores; não recebeu dinheiro de clientes nem pagou a fornecedores; não tomou decisões sobre pagamento ou não pagamento de impostos; não alienou património social”.
IV) Analisada a matéria de facto provada, mesmo desconsiderando a realidade apurada em sede de processo crime nos termos descritos em O) e P), constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrido, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova e ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora Recorrido, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte do Recorrente, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 24-01-2013, que julgou procedente a pretensão deduzida por A... na presente instância de OPOSIÇÃO, com referência à execução fiscal n.º 1775200801050575 instaurada originariamente contra a sociedade “S..., Lda”, e contra si revertida, por dívida de IRC do ano de 2007, no montante de € 3.433,73.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 175-181), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. Entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, e sem prejuízo de melhor opinião, que a douta sentença recorrida enferma de vício de forma por excesso de pronúncia e, sem prescindir nem conceder, que encontra-se afetada na sua valia substancial por erro de julgamento de facto.
B. A douta sentença refere que é saliente do despacho de reversão a total ausência de factos concretos que permitam fundar um juízo conclusivo quanto ao efectivo exercício do cargo de gerência, citando o acórdão proferido pelo STA em 02.04.2009, procº 1130/08, para declarar a inadmissibilidade do Tribunal a quo considerar fundamentos de facto e de direito que não tenham sido oportunamente invocados no despacho de reversão.
C. Todavia, a fundamentação do despacho de reversão, no plano formal, e mesmo no plano material, não é visada na petição de oposição em causa; examinada aquela peça, constata-se que o oponente nega ter sido gerente de facto da sociedade inicialmente executada, não reagindo directamente contra aquele despacho, mas recusando liminarmente ter gerido efectivamente a sociedade executada.
D. Note-se que o acórdão em que se louva trata, em rigor, de caso em que o Tribunal em que fora proferida a sentença recorrida apreciara a legalidade da reversão com base em fundamentos não alegados pela Administração Tributária no despacho de reversão, o que não se vislumbra tem similitude ou analogia com a situação da oposição sub judice.
E. Pelo exposto, o Tribunal recorrido excede manifestamente a análise da causa de pedir formulada pelo oponente na sua PI e que delimitava o âmbito do conhecimento do judicial da matéria dos autos, sendo que, não se deparando perante matéria de conhecimento oficioso, conclui-se que incorreu, por isso, em pronúncia excessiva e, consequentemente, na nulidade a que se refere o art. 668º, nº 1, al. d), do CPC, e o art. 125, nº 1, parte final, do CPPT.
F. A Fazenda Pública discorda ainda do julgamento que na sentença recorrida foi feito no âmbito da matéria de facto, por não partir de uma completa enunciação e nem da adequada apreciação de todos os factos comprovados no processo com relevo para a decisão da causa.
G. Por isso, o probatório enunciado pela sentença recorrida não contém todos os pertinentes factos provados no processo, tanto para aferir da verificação dos pressupostos da responsabilização subsidiária do oponente, como para efeito de um adequado exame crítico das provas documentadas nos autos dos demais factos relevantes a realizar tanto no âmbito da própria sentença recorrida como em sede de recurso nos termos do art. 712º, nº 2, do CPC, pelo que dever-se-á, antes de mais, acrescentar ao probatório os factos supra indicados na exposição, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 712º do CPC.
H. Com base nos ditos factos propostos aditar fica prejudicada a factualidade que a sentença recorrida dá como provada na alíneas I) a N) do título “III - Dos Factos”, que devem por isso ser eliminados dos factos provados.
I. Deve também ser afastado o relevo dos factos indicados nos pontos O) e P), por se entender que a formulação de um juízo sobre a gerência efectiva por parte do tribunal tributário não depende de decisão que tenha sido proferida em processo criminal sobre a matéria de facto conexa ou coincidente, total ou parcialmente, com aquela que releva à oposição sub judice, atentos os diferentes princípios e institutos materiais e processuais que levam à responsabilização criminal e à responsabilização subsidiária por dívidas tributárias.
J. Ressalvando o respeito devido, e sem prejuízo de melhor opinião, ao contrário do decidido na sentença recorrida, parece irrefutável que o oponente, ao assinar cheques ou outros papéis que lhe eram apresentados pela testemunha também gerente de facto, actuou como órgão executivo da sociedade, por meio do qual esta manifestou a sua capacidade de exercício, vinculando-a.
K. A assinatura em branco ou “de cruz” de cheques ou outros documentos necessários à actividade da sociedade, em representação desta, constitui a prática de actos que objectivamente induzem qualquer declaratário normal a identificar o oponente como (também) gerente da sociedade inicialmente executada.
L. A responsabilidade subsidiária resulta da lei de modo indiferenciado quanto ao concreto modo em que se revela o exercício da gerência, donde não se vê que tenha apoio legal parcelarizar ou menorizar a gerência exercida por um gerente (nominal e de facto) em relação a outro (meramente de facto).
M. A Fazenda Pública entende que a falta de exibição dos documentos ou das datas, apontada pela sentença recorrida em desfavor da importância probatória do depoimento da testemunha que referiu a aludida assinatura “de cruz”, não procede, porquanto a testemunha depôs sobre toda a matéria de facto em causa nos autos, logo sobre o exercício efectivo da gerência por parte do oponente ao tempo dos factos constitutivos e da sua responsabilidade subsidiária concretizada na reversão da execução; exercício que confirmou peremptoriamente.
N. Assinando cheques e documentos em branco, “de cruz”, tal como lhe eram apresentados, sem precaver a finalidade ou destino desses cheques e documentos, nomeadamente se eram actos em prejuízo da sociedade ou dos seus credores,
O. tal conduta configura uma gerência grosseiramente negligente, no mínimo, evidenciando a concreta verificação do nexo de imputação subjectiva que é pressuposto da sua responsabilização nos termos do art. 24º da LGT.
P. A sentença recorrida decidiu, então, incoerentemente ou mesmo contra os factos que resultam apurados no processo, nos termos expostos, incorrendo em erro de julgamento de facto.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, e, por esse motivo, ser revogada a sentença recorrida, por erro de julgamento de facto e de direito com as legais consequências.”

O recorrido A...não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar a invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia, analisar o apontado erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto e ainda saber se o Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Na execução fiscal n.º 1775200801050575, a correr termos no Serviço de Finanças de Felgueiras, em que é devedora original “S..., Lda.”, nipc. 5…, estando em causa dívidas provenientes de IRC do exercício do ano de 2007, acrescidas de juros e custas, no montante global de € 3.433,73 - cfr. processo de execução fiscal (pef.) apenso;
B) A…, ora oponente, foi nomeado gerente da sociedade executada - cfr. fls. 43 a 47 e 48 a 5 do pef.;
C) No contrato da sociedade ficou plasmada a necessidade da intervenção de dois gerentes para obrigar a sociedade - cfr. fls. 43 a 47 e 48 a 51 do pef;
D) Pela inscrição 2 - Ap. 1/20061219, foi registada a alteração ao contrato de sociedade com designação dos órgãos sociais, passando a sociedade a ser obrigada apenas com a assinatura de um gerente - cfr. 46 do pef.;
E) A 28.03.2008, o oponente cedeu a quota que detinha na sociedade - cfr. fls. 20 a 22 dos autos;
F) A 4.12.2008, foi certificado o desconhecimento da existência de bens penhoráveis em nome da sociedade - cfr. fls. 7 do pef.;
G) A 2.09.2009, foi proferido despacho para audição prévia do ora oponente com vista à reversão da execução, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais - cfr. fls. 11 do pef.;
H) A 16.10.2009, foi proferido despacho de reversão - cfr. fls. 27 do pef., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, constando, para além do mais, o seguinte:
“(…).
Face às diligencias de fls., e estando concretizado a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s),prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A…, (…).
(…).
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.º 24.º/n.º1/b) LGT]”.
A insuficiência de bens extrai-se, A. Diligência, da base de dados do Imposto s/ Património, IUC, SIPA, CEAP. Os fundamentos da liquidação/reversão são os constantes no anexo SEFMANEXO_W. A gerência confirma-se pela certidão CRCom. E pelas DEc.Actividade.”;
I) O oponente, no período em questão, não assinou cheques, letras, contratos, escrituras ou quaisquer outros documentos, em nome da sociedade devedora;
J) Não fez quaisquer compras ou vendas;
K) Não admitiu nem despediu trabalhadores;
L) Não recebeu dinheiro de clientes nem pagou a fornecedores;
M) Não tomou decisões sobre pagamento ou não pagamento de impostos;
N) Não alienou património social.
O) A 17.11.2010, no âmbito dos autos de inquérito n.º 15276/09.0IDPRT, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Felgueiras, foi proferido despacho de arquivamento contra o oponente e de acusação da devedora originária e C…, pela prática de crime de abuso de confiança fiscal, nos períodos de julho, agosto e setembro de 2008, crime - cfr. fls. 103 a 121 dos autos;
P) A devedora originária e C… foram condenados pela prática de crime de abuso de confiança fiscal referido em O) - cfr. fls. 109 a 121 dos autos.
*
Factos não provados:
Todos os que se encontrem em contradição com os factos considerados provados.
*
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-­se com base nos documentos e informações constantes do processo, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
Formou-se, ainda, a convicção do tribunal para a fixação dos factos elencados de I) a N), com base no depoimento da testemunha C…. A testemunha explicou a sua razão de ciência, afirmando ser amigo do oponente e ter sido gerente da devedora originária, no período a que respeitam as dívidas tributárias. Esta testemunha, por força da qualidade de gerente, demonstrou ter um conhecimento direto e privilegiado do objeto em discussão, tendo deposto de forma espontânea, clara e descomprometida, merecendo, por isso, a credibilidade do tribunal, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova.
Do seu depoimento extrai-se que o oponente, não teve qualquer intervenção no destino da sociedade executada. Todos os assuntos relacionados com a devedora originária estavam a cargo da testemunha. É certo que a testemunha referiu que o oponente chegou a assinar papéis e cheques “de cruz” que este lhe apresentava e que ele assinava, por confiar nele. Todavia, não foram apresentados os referidos documentos ou concretizadas datas em que os mesmos foram apresentados. Explicou que a entrada do oponente como gerente se deveu ao facto de ter tido problemas com outra empresa e que, por isso, pediu ao oponente para ele “ceder o nome” na sociedade devedora.
O seu depoimento, por outro lado, não foi infirmado por qualquer outra prova apresentada.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.

Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

Em suma, esta nulidade colhe o seu fundamento no princípio dispositivo e corresponde à sanção pela inobservância da regra acolhida no n.º 2 do artigo 660.º do CPC.

Pois bem, na situação em apreço, o ora Recorrido invocou na sua petição inicial a sua ilegitimidade para a execução fiscal, alegando que apesar de ser gerente de direito da sociedade executada (até 28/3/2008, data em que cedeu as suas quotas ao outro sócio) nunca exerceu de facto essas funções, não tendo praticado qualquer acto de gestão na referida sociedade, de modo que, embora na fundamentação da decisão recorrida seja dito que a administração tributária tem de alegar o exercício da gerência de facto por parte do revertido, o que não aconteceu no caso em apreço, que se limitou a reproduzir a disposição legal e a alegar a presunção decorrente da gerência de direito, o certo é que concluiu pela procedência da oposição, não com base na procedência do vício de falta de fundamentação do despacho de reversão, mas por a exequente não ter logrado demonstrar a alegada gerência de facto, o que significa que foi apreciada a matéria efectivamente apontada.

Com efeito, concluiu - se na sentença recorrida da seguinte forma: ”Assim, na situação vertente, nenhuma prova foi oferecida por parte da Fazenda Púbica tendente à demonstração e validação do pressuposto de facto em que se funda a reversão. No entanto, ao invés, o oponente logrou provar que não praticou aptos de gerência na devedora originária.

Tanto basta, e sem mais, para que se possa concluir pela ilegitimidade do oponente, por não se ter demonstrado os pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24º, nº 1 da L.G.T.”

Deste modo, independentemente de ter tecido algumas considerações sobre a falta de alegação no despacho de reversão de factos concretos quanto à gerência de facto por parte do Oponente, a questão apreciada e decidida na sentença foi a invocada na petição inicial como fundamento da oposição: a ilegitimidade do Oponente, por não ter exercido a gerência de facto da devedora originária, pelo que, o Tribunal “a quo” não excedeu os seus poderes, não incorrendo a sentença na nulidade prevista nos artigos 125.º do CPPT e 668°, n.º 1, alínea d), do CPC.

Em seguida, a recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da recorrente, deverão ser aditados ao probatório os seguintes factos:

(i) O Oponente assinou em branco ou “de cruz” os papéis que a testemunha C… lhe apresentava, no âmbito do giro comercial da sociedade inicialmente executada, a fim de vincular a sociedade, no período a que respeitam os factos constitutivos da responsabilidade subsidiária pelas dívidas - cf. depoimento da testemunha C…;

(ii) O Oponente foi identificado como representante legal da sociedade inicialmente executada nas declarações periódicas de rendimentos para efeitos de IRC dos anos de 2006 a 2009, apresentadas sucessivamente em 16.04.2007, 28.05.2009 e 29.05.2010, bem como nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal apresentada quanto aos mesmos anos (cfr extractos juntos à contestação);

(iii) A sociedade inicialmente executada declarou perante o Instituto da Segurança Social o pagamento de remunerações de carácter permanente ao oponente, e ter efectuado descontos previdenciários sobre esses valores, e declarou perante a Administração Fiscal o pagamento ao oponente de rendimentos de trabalho dependente nos montantes de € 3.016,00, € 4.836,00, € 5.538,00 e € 5.400,00, nas competentes declarações mod. 10 relativas aos rendimentos pagos pela dita sociedade sujeitos IRS ou IRC e não dispensados de retenção na fonte, respeitante aos anos fiscais de 2006, 2007, 2008 e 2009, respectivamente, quantias que o oponente indicou nas suas declarações de rendimentos para efeitos de IRS desses anos fiscais (cfr. extractos juntos à contestação).

(iv) A 04.12.2008 foi certificado o desconhecimento da existência de bens penhoráveis da sociedade inicialmente executada e que essa sociedade já não laborava desde Agosto de 2007 - cfr. auto de diligências para cumprimento de mandato de penhora lavrado no PEF nº 17752008010550573 a 04.12.2008, junto à informação prestada nos termos do art. 208º do CPPT como fl. 7.

(v) A 16.10.2009 foi proferido despacho de reversão, nos termos do art. 24º., nº 1, al. a) da LGT- cfr. ponto 3.4 da informação oficial de fl.s 21 a 24 dos autos.

Quanto ao facto vertido em (i), indica a Recorrente como elemento probatório justificativo do seu aditamento à factualidade dada como assente o depoimento da testemunha C….

De acordo com a norma do artigo 685º-B do CPC, aqui aplicável por força do disposto no artigo 281º do CPPT, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar, sob pena de rejeição: (i) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (ii) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Assim, a Recorrente tinha de indicar os meios de prova que permitiriam dar os referidos factos como provados e tendo sido produzida prova testemunhal, estava a Recorrente obrigado a indicar os depoimentos, com referência ao assinalado na acta, que implicava que a decisão tivesse sido outra que não a que consta da sentença, sob pena de rejeição do recurso nessa parte, face ao estatuído no artigo 685º-B, nº 1 e 2 do CPC.
Ora, analisadas as alegações de recurso, constata-se que a Recorrente se limita a referir que do depoimento da indicada testemunha (sem fazer a sua transcrição ou referir a passagem constante do registo de gravação) resultou provado aquele facto. Todavia, tendo o depoimento da testemunha em causa sido gravado, impunha-se que a Recorrente indicasse com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua pretensão impugnatória, sem prejuízo de, por sua iniciativa, poder proceder à respectiva transcrição. Assim, esta simples menção o meio probatório não é suficiente para que se tenha por cumprido o requisito legal a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 685-B.º do CPC que, como vimos, exige uma concretização dos meios probatórios justificativos de decisão diversa da recorrida e, por isso, ocorre, nesta parte, fundamento de rejeição do recurso que obsta ao conhecimento do respectivo mérito.

De todo o modo, sempre se diga que ficou consignado na motivação da decisão de facto a razão por que não considerou essa factualidade como provada, e que, aliás, não nos merece qualquer censura. Ficou aí dito, a propósito do depoimento desta testemunha: “Do seu depoimento extrai-se que o oponente, não teve qualquer intervenção no destino da sociedade executada. Todos os assuntos relacionados com a devedora originária estavam a cargo da testemunha. É certo que a testemunha referiu que o oponente chegou a assinar papéis e cheques “de cruz” que este lhe apresentava e que ele assinava, por confiar nele. Todavia, não foram apresentados os referidos documentos ou concretizadas datas em que os mesmos foram apresentados. Explicou que a entrada do oponente como gerente se deveu ao facto de ter tido problemas com outra empresa e que, por isso, pediu ao oponente para ele “ceder o nome” na sociedade devedora. O seu depoimento, por outro lado, não foi infirmado por qualquer outra prova apresentada”.

Relativamente aos factos indicados sob as alíneas (ii) e (iii), a Recorrente tem razão quanto à sua pertinência, uma vez que tal matéria, em abstracto, tem relevo para a decisão da causa de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão.

Ora, face à prova documental que consta de fls. 54 a 79 dos autos, devia o tribunal recorrido ter dado essa factualidade como provada.

Com efeito, embora seja certo que o Meritíssimo Juiz a quo não deixou de atender a essa factualidade e de a relevar no julgamento de direito, certo é que a mesma não consta, como devia, do probatório, pelo que procede o recurso neste ponto.

Por conseguinte, tendo o tribunal recorrido omitido a pronúncia decisória que era devida quanto a esta factualidade, há que ampliar tal matéria, uma vez que os autos contêm os elementos probatórios necessários para o efeito.

Assim e com fundamento nos mencionados documentos de fls. 54 a 79, decidimos aditar ao probatório os factos que serão elencados sob as alíneas Q) a R), nos seguintes termos:
Q) O Oponente foi identificado como representante legal da sociedade inicialmente executada nas declarações periódicas de rendimentos para efeitos de IRC dos anos de 2006 a 2009, apresentadas sucessivamente em 16.04.2007, 28.05.2009 e 29.05.2010, bem como nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal apresentadas quanto aos mesmos anos - cf. fls. 74 a 79 dos autos.

R) A sociedade inicialmente executada declarou perante o Instituto da Segurança Social o pagamento de remunerações de carácter permanente ao oponente e ter efectuado descontos previdenciários sobre esses valores -cf. fls. 56 a 73 dos autos.

S) A sociedade executada declarou perante a Administração Fiscal o pagamento ao oponente de rendimentos de trabalho dependente nos montantes de € 3.016,00, € 4.836,00, € 5.538,00 e € 5.400,00, nas competentes declarações mod. 10 relativas aos rendimentos pagos pela dita sociedade sujeitos a IRS ou IRC e não dispensados de retenção na fonte, respeitante aos anos fiscais de 2006, 2007, 2008 e 2009, respectivamente, quantias que o oponente indicou nas suas declarações de rendimentos para efeitos de IRS desses anos fiscais - cf. fls. 54 e 55 dos autos.

Quanto aos factos indicados sob as alíneas (iv) e (v), e independentemente de se mostrarem ou não comprovados nos autos, são, ponderadas as diversas soluções plausíveis, absolutamente irrelevantes do ponto de vista da solução jurídica a dar à única questão a decidir e que consiste em saber se a administração tributária provou nos autos que o Oponente geria de facto a devedora originária (de resto, também o único fundamento de oposição invocado na petição inicial), pelo que, e por isso mesmo, não se procederá ao seu aditamento ao probatório.

Finalmente, e pelo que vimos de dizer, resulta também evidente que a pretensão da Recorrente quanto à eliminação dos factos provados constantes das alíneas I) a N) e O) e P) do probatório não pode proceder, na medida em que, para além de tal factualidade, no que diz respeito ao primeiro grupo apontado, contrariamente ao invocado pela Recorrente, não ser contraditória com aquela que esta pretendia ver aditada aos factos provados, não foi invocado qualquer fundamento impugnatório do julgamento de facto efectuado a este propósito pelo tribunal recorrido, pelo que não pode deixar de improceder o invocado erro de julgamento sobre matéria de facto também nesta parte.

A partir daqui, cumpre entrar na análise da matéria essencial do presente recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, a questão sucitada pela Recorrente resume-se, em suma, em saber se o Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.

Sendo as dívidas exequendas provenientes de IRC do exercício do ano de 2007, acrescidas de juros e custas, no montante global de € 3.433,73, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

A partir daqui, considerando a realidade vertida no probatório, é ponto assente que:
“B) A…, ora oponente, foi nomeado gerente da sociedade executada - cfr. fls. 43 a 47 e 48 a 5 do pef.;
C) No contrato da sociedade ficou plasmada a necessidade da intervenção de dois gerentes para obrigar a sociedade - cfr. fls. 43 a 47 e 48 a 51 do pef;
D) Pela inscrição 2 - Ap. 1/20061219, foi registada a alteração ao contrato de sociedade com designação dos órgãos sociais, passando a sociedade a ser obrigada apenas com a assinatura de um gerente - cfr. 46 do pef.; …
Q) O Oponente foi identificado como representante legal da sociedade inicialmente executada nas declarações periódicas de rendimentos para efeitos de IRC dos anos de 2006 a 2009, apresentadas sucessivamente em 16.04.2007, 28.05.2009 e 29.05.2010, bem como nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal apresentadas quanto aos mesmos anos - cf. fls. 74 a 79 dos autos.

R) A sociedade inicialmente executada declarou perante o Instituto da Segurança Social o pagamento de remunerações de carácter permanente ao oponente e ter efectuado descontos previdenciários sobre esses valores -cf. fls. 56 a 73 dos autos.

S) A sociedade executada declarou perante a Administração Fiscal o pagamento ao oponente de rendimentos de trabalho dependente nos montantes de € 3.016,00, € 4.836,00, € 5.538,00 e € 5.400,00, nas competentes declarações mod. 10 relativas aos rendimentos pagos pela dita sociedade sujeitos a IRS ou IRC e não dispensados de retenção na fonte, respeitante aos anos fiscais de 2006, 2007, 2008 e 2009, respectivamente, quantias que o oponente indicou nas suas declarações de rendimentos para efeitos de IRS desses anos fiscais - cf. fls. 54 e 55 dos autos.”

Ora, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra a ora Recorrida ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que o Oponente foi gerente de facto da sociedade.
No caso em apreço, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, não se nos afigura que se possa afirmar o efectivo exercício da gerência a partir da constatação de que o Oponente foi indicado como representante legal da devedora originária nas declarações de rendimentos desta sociedade remetidas, através da internet, à administração tributária. Estes actos nada permitem concluir relativamente à prática efectiva de actos de gerência por parte do oponente.

E a circunstância de o Oponente ter figurado como beneficiário da segurança social e constar nas declarações de rendimento da devedora originária e nas suas próprias declarações de rendimento como tendo recebido rendimentos de trabalho dependente (da categoria A), como bem se referiu na sentença recorrida “pode ser, em abstrato, indiciador da sua nomeação como gerente. Porém, essa indiciação, no caso concreto, ficou prejudicada pela conclusão de que o oponente não praticou actos de gerência (…) ”.
Na verdade, ficou provado nos autos que o Oponente “no período em questão, não assinou cheques, letras, contratos, escrituras ou quaisquer outros documentos, em nome da sociedade devedora; não fez quaisquer compras ou vendas; não admitiu nem despediu trabalhadores; não recebeu dinheiro de clientes nem pagou a fornecedores; não tomou decisões sobre pagamento ou não pagamento de impostos; não alienou património social”.

Analisada a matéria de facto provada, mesmo desconsiderando a realidade apurada em sede de processo crime nos termos descritos em O) e P), constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrido, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.
Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora Recorrido, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte do Recorrente, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 12 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves