Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02473/07.1BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 11/23/2017 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Mário Rebelo |
Descritores: | ERRO MATERIAL DEVER DE CORREÇÃO PELO JUIZ |
Sumário: | 1. Proferida a sentença o juiz realiza o acto final de cumprimento do seu dever de julgar e fica imediatamente esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa (art.º 666º/1 do CPC, atual 613º/1 do mesmo diploma). 2. Isto significa que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a sentença depois de proferida, quer na decisão quer nos fundamentos que a suportam. Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível. 3. Este princípio do auto-esgotamento do poder jurisdicional do juiz, tem por base a necessidade de assegurar a estabilidade das decisões dos tribunais mas não é absoluto, já que sofre de algumas limitações. 4. Para certos defeitos da sentença a lei admite que o juiz possa corrigir o que de imperfeito ela contenha. 5. O aperfeiçoamento das decisões judiciais a efectuar pelo próprio julgador concretiza-se, através das possibilidades indicadas nos art.ºs 666º/2 a 669º/1-2 do CPC (art.s 613º a 616 do NCPC). 6. Entre os defeitos suscetíveis de retificação contempla o art.º 667º do CPC (art. 614º/1 do NCPC) o erro de escrita e de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto. 7. E este erro, a existir, pode ser retificado a todo o tempo, se nenhuma das partes recorrer, como expressa e claramente resulta do art. 667º/3 CPC (actual art. 614º/3)* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | A... e M... |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Decisão: | Revogado o despacho reclamado |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: A… e marido M…, melhor identificados nos autos, inconformados com o despacho proferido pelo MMº juiz do TAF do Porto que indeferiu o pedido de correção de erro material ínsito na sentença, dele interpôs recurso finalizando as alegações com a seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 138 que decidiu que “Atento o trânsito em julgado da sentença proferida nada mais há a decidir por este Tribunal. Porém, sempre se dirá que o pagamento dos juros indemnizatórios decorre da lei.” 2. Na verdade, uma vez prolatada a sentença e esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, é ainda possível em circunstâncias muito circunscritas e apenas para certos defeitos da sentença, o juiz corrigir o que de imperfeito ela contenha, designadamente quanto a erros materiais, integrados na previsão do art. 613.º nº 2 e 614.º do NCPC, anteriores art. 666.º nº 2 e 667.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º do CPPT. 3. O erro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito. 4. No caso sub judice a omissão da transcrição do pedido formulado pelos impugnantes na sua totalidade constitui um erro material, susceptível de integrar a previsão dos supra citados artigos. 5. Uma vez que a decisão, que julgou procedente a impugnação, nos termos legais expostos, não seria alterada pela circunstância de se proceder à rectificação da omissão do pedido efectivamente formulado nos autos. Não sairia daí beliscada a decisão de mérito da causa. 6. Rectificação que se impunha em ordem a corrigir um erro juridicamente insustentável, que em nada abona em ordem à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça co-envolve. 7. Tratando-se de erros materiais, rectificáveis nos termos do disposto no art. n.º 3 do art. 614.º do NCPC, anterior 667.º n.º 2 do CPC, pode o Meritíssimo juiz a quo emendar o erro ínsito na sentença, podendo fazê-lo a todo o tempo, se nenhuma das partes tiver recorrido, como, no caso, sucedeu. 8. Sendo o erro material corrigível por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz e a todo o tempo, o despacho recorrido ao não ordenar a rectificação da sentença violou os artigos 613.° n.º 2 e 614.º n.º1 e n.º 3 do Código Processo Civil. 9. É que apesar de transitada em julgado a sentença proferida, impunha-se ao tribunal a quo no cumprimento da lei, mormente dos art. 613.º n.º 2 e 614.º n.º 1 e n.º 3 do NCPC, corrigir por despacho, o lapso ínsito na mesma, não o tendo feito consideram-se violados os art. 613.º e 614.º do CPC, pelo que o mesmo deverá ser revogado. 10. Como decorre das citadas disposições legais se a sentença contiver algum erro material a rectificação pode ter lugar a todo o tempo, pelo que a invocação do trânsito em julgado não é argumento válido para justificar a não correcção nos termos do requerido. 11. Motivo pelo qual deverá ser revogado o despacho recorrido e nos termos das normas jurídicas aplicáveis ser proferido despacho a determinar a inclusão na sentença, da ampliação do pedido efectuado e liminarmente aceite, corrigindo-se desta forma o erro material de que a mesma padece. Termos em que se requer a V. Excia se digne revogar o douto despacho recorrido substituindo-o por outro que proceda à rectificação do erro material ínsito na douta sentença, passando a mesma a integrar o pedido efectivamente formulado pelos recorrentes, conforme Ampliação junta aos autos. CONTRA ALEGAÇÕES. Não houve. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer concluindo pela procedência do recurso II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se o despacho recorrido que indeferiu o pedido de correção material da sentença, apresentado depois do seu trânsito em julgado, enferma de ilegalidade. Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes (art.ºs 684º/3 e 690º/1 do CPC), passa por determinar se o Mm.º Juiz errou ao decidir não poder modificar a sentença que julgou procedente a impugnação, em função da ampliação do pedido que lhe fora oportunamente requerida, devido ao “... trânsito em julgado da sentença proferida”. Com efeito, proferida a sentença o juiz realiza o acto final de cumprimento do seu dever de julgar e fica imediatamente esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa (art.º 666º/1 do CPC, atual 613º/1 do mesmo diploma). Isto significa que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a sentença depois de proferida, quer na decisão quer nos fundamentos que a suportam, os quais constituem com ela um todo incindível. Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível (Cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, V vol. pág. 126.) (2) Este princípio do auto-esgotamento do poder jurisdicional do juiz, tem por base a necessidade de assegurar a estabilidade das decisões dos tribunais mas não é absoluto, já que sofre de algumas limitações. Para certos defeitos da sentença a lei admite que o juiz possa corrigir o que de imperfeito ela contenha. Só quando não possam ser emendados por essa via, que se traduz numa especial prorrogação do poder jurisdicional do juiz, é que se faz apelo a outra solução, consistente no recurso ordinário (art 676º/2 CPC) para tribunal hierarquicamente superior, a fim de remediar os defeitos que porventura se encontrem na sentença. O aperfeiçoamento das decisões judiciais a efectuar pelo próprio julgador concretiza-se, através das possibilidades indicadas nos art.ºs 666º/2 a 669º/1-2 do CPC (art.s 613º a 616 do NCPC): rectificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma (Cfr. Alberto dos Reis, obra citada, pág. 128), que, após as alterações introduzidas ao Código de Processo Civil pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, deixou de ser tão apertada como anteriormente. Na preocupação da realização efectiva e adequada do direito material e na perspectiva de que será mais útil à paz social e mais prestigiante para a administração da justiça corrigir do que perpetuar um erro jurídico, é permitido actualmente ao julgador não só rectificar os erros materiais (art.º 667º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil) como ainda reformar de mérito a sua decisão nos termos do art.º 669/2 do CPC (art.º 616º/2NCPC). Entre os defeitos suscetíveis de retificação contempla o art.º 667º do CPC (art. 614º/1 do NCPC) o erro de escrita e de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto. O erro é uma falsa representação da realidade: é a ignorância que se ignora. Pratica-se determinado acto, concebendo as coisas por modo diverso daquele que, na realidade, são, mas o acto não teria sido praticado se não fora esse conhecimento imperfeito. De entre as diversas modalidades de erro apenas interessa, para o caso, o chamado erro de escrita considerado como um «...erro “na expressão”, não no pensamento; somente a leitura da sentença deve tomar evidente que o juiz, ao manifestar o seu pensamento, usou nomes, palavras ou algarismos diversos daqueles que devia ter usado para exprimir fiel e correctamente as ideias que tinha em mente. Pertence ao conceito de erro material ainda o erro de cálculo, que pode ser rectificado também simplesmente, refazendo-se as operações aritméticas executadas ao formular o julgamento. Por outras palavras, o erro material é o que fica a dever-se a um desatenção ou a um engano ocorrido na operação de redacção do acto»(3). E este erro, a existir, pode ser retificado a todo o tempo, se nenhuma das partes recorrer, como expressa e claramente resulta do art. 667º/3 CPC (actual art. 614º/3). Por conseguinte, tendo a Impugnante invocado a existência de erro material na sentença, por não tomar em consideração a ampliação do pedido formulada, não pode o MMº juiz deixar de se pronunciar - e retificar, se for caso disso, a sentença - com fundamento no seu trânsito em julgado. Não estamos a dizer que a questão se configure definitivamente como um erro material. O que dizemos é que tendo sido invocado um erro material, o juiz deveria ter apreciado a questão e decidir se estava perante um erro material - ou não- e se a correção da sentença deveria -ou não- ter lugar. O que não pode é esquivar-se da decisão com fundamento no trânsito em julgado da sentença. Por conseguinte, o despacho recorrido não pode manter-se na ordem jurídica. Conhecendo em substituição nos termos do art.º 665º/1 NCPC, podemos concluir que o pedido formulado embora aluda a erro material da sentença, na verdade está longe de o ser. E isto pela simples razão de que ao contrário do que sustentam os Recorrentes nas doutas alegações (e no requerimento em que suscitou o erro), não consta dos autos qualquer despacho que tenha “deferido liminarmente” a requerida ampliação do pedido. Ou seja, o fundamento para a correção de erro material tem subjacente um requerimento de ampliação do pedido que não foi apreciado. A omissão de pronúncia sobre a requerida ampliação do pedido seria susceptível de configurar uma nulidade processual nos termos do art. 211º/1 do CPC (art. 195º/1 do NCPC). Mas considerando a notificação da sentença e o seu trânsito em julgado, a mesma deve considerar-se sanada por força do disposto no art. 205º/1 CPC (art. 199º/1 NCPC), não sendo agora possível considerar de novo a questão. Assim, sanada a nulidade processual, também não poderemos falar em erro material baseado numa pretensão que nem sequer foi admitida pelo tribunal. V DECISÃO. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em revogar o despacho reclamado e em substituição julgar improcedente a requerida correção de erro material. Custas pelos Recorrentes. Porto, 23 de novembro de 2017. Ass. Mário Rebelo Ass. Cristina Travassos Bento Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira (1) “Atento o trânsito em julgado da sentença proferida nada mais há a decidir por este tribunal. Porém, sempre se dirá que o pagamento de juros indemnizatórios decorrem da lei. Notifique” (2) Acrescenta o ilustre professor: “Convém atentar nas palavras “quanto à matéria da causa”. Estas palavras marcam o sentido do princípio referido. Relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu-se. Mas isso não obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida. O juiz pode e deve resolver todas as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu (...). A justificação do princípio a que nos referimos, é fácil de descobrir. O princípio justifica-se cabalmente por uma razão de ordem doutrinal e por uma razão de ordem pragmática...” (3) Ac. do TRP n.º 3953/12.2TBVNG-B.P1 Relator: CARLOS QUERIDO. Cfr. Ac. do STJ n.º 08A2680 Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS de 12-02-2009: 3) Há erro material quando se verifica inexactidão na expressão da vontade do julgador, por lapso notório, sendo que a divergência entre a vontade real e a declarada não deve suscitar fundadas dúvidas, antes ser patente, através de outros elementos da decisão, ou, até, do processo. É o equivalente ao erro-obstáculo tratado no direito substantivo. |