Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00186/11.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO; PROCURAÇÃO; PRESSUPOSTOS DA REVERSÃO; CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO.; INCONSTITUCIONALIDADES
Sumário:I. Nas situações previstas nas alíneas a) e b) do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da administração ou gerência.

II. Atento o carácter subsidiário da responsabilidade tributária (cf. art.º 22º, nº 3 da LGT), o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e só no caso de se provar a inexistência ou insuficiência fundada de bens daqueles é que pode exigi-la aos devedores subsidiários. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Representante da Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, que julgou procedente a pretensão da Recorrida na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal n.º 3387200401029215, originariamente instaurada contra a S, Lda., pelo Serviço de Finanças do Porto, e revertida contra J., por dívidas de IVA do ano de 2004, no valor de 22 771,57 €.
A Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal (PEF) n.º 3387200401029215 e apensos, no qual é executada originária a sociedade S.,LDA, NIPC: (…), instaurado por dívidas relativas a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), de Julho, Agosto e Setembro de 2004, no montante total de € 22.771,57, onde foi efectuada a reversão contra o oponente, aqui recorrido, J., NIF 107178257, concretizando dessa forma, a responsabilidade subsidiária que, nos termos da lei, lhe competia enquanto sócio-gerente da sociedade devedora originária,

B. Cingindo-se o presente recurso à apreciação da responsabilidade do oponente/recorrido, que no exercício dos seus poderes de gestão, outorgou uma procuração a favor de terceiro, conferindo poderes de representação da sociedade.

C. Para assim decidir, considerou o Tribunal a quo, na sua douta Fundamentação de direito, que “O oponente apenas admite que geriu efectivamente o destino da sociedade devedora originária até Dezembro de 2003, altura em que alega ter abandonado essa gestão por ter sofrido um acidente vascular cerebral, circunstância que levou a que em 02.12.2003, todos os sócios cedessem as suas quotas a D., data em que este assumiu todo o passivo e se comprometeu a dar continuidade à actividade e a manter os postos de trabalho, tendo aqueles sócios, para o efeito, emitido uma procuração a favor do mesmo. Ou seja, o oponente contesta a atribuição da gerência de facto que lhe é feita pela Administração Tributária relativamente ao período em que terminaram os prazos de pagamento voluntários das dívidas que integram a quantia exequenda, entre 30.04.2004 e 27.01.2005.”.

D. Concluindo a douta sentença que a Administração Tributária não demonstrou que o oponente foi gerente de facto da executada originária, e, em consequência, pela ilegitimidade do oponente para a acção executiva.

E. Ressalvado o respeito devido, que é muito, não se conforma a Fazenda Pública com esta decisão, discordando da douta interpretação legal e enquadramento jurídico dado aos factos provados, atentas as soluções de direito que se entendem configuráveis para a boa decisão da causa, pelas razões que de imediato se passa a expender.

F. Conforme resulta dos factos provados, concretamente dos pontos “B” e “D”, relevam para apreciação da presente questão, os seguintes factos objectivos, que daí se extraem e sintetizam: Em 9 de Dezembro de 2003, o aqui oponente outorgou uma procuração a favor do Sr. D., a quem conferiu os necessários poderes para, em seu nome, praticar todos os actos decorrentes do teor de fls. 17 a 20 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

G. Só com a outorga do contrato definitivo, de 29 de Dezembro de 2004, a administração da sociedade comercial ficou sob a administração do Sr. D., na qualidade de sócio gerente;

H. Da certidão de registo comercial do Porto consta que a cessação de funções de gerente do oponente, só ocorreu em 29 de Dezembro de 2004.

I. In casu, o acto de outorga de procuração do gerente societário a favor de terceiro, tem de ser analisado na vertente dos efeitos externos eventualmente produzidos à luz do disposto nos artºs. 252º nº 5 e 6 e 261º nº 2 ambos do Cód. Sociedades Comerciais, ou seja, dos efeitos perante terceiros, em especial, os credores como seja a Fazenda Pública.

J. Resulta destas disposições do direito societário, um princípio da pessoalidade da gerência que impede, pela própria lógica, um mandato geral de poderes, que transmitisse a totalidade da gestão e representação da sociedade e pusesse à margem da mesma, o próprio gerente.

K. Na hipótese dos autos, verifica-se a instituição de mandatário da sociedade, pois consta da procuração apresentada que, “pelo presente instrumento constitui bastante procurador da Sociedade que representa”.

L. Em nosso entender e ressalvado todo o respeito devido por melhor opinião, o que resulta de quanto vem expresso nos autos, assim como dos documentos neles integrados, mais não é do que o efectivo exercício da gerência pelo oponente, que nessa qualidade, em nome da sociedade constituiu procurador (da sociedade) para a pratica de certos actos, de forma continuada.

M. Assim, não podemos conformar-nos com as conclusões exaradas na douta decisão recorrida, que fez tábua rasa dos efeitos decorrentes da utilização da procuração outorgada, na esfera jurídica do oponente enquanto gerente da sociedade.

N. Decidindo como decidiu a douta sentença a quo, a mesma extrai do acto de outorga da dita procuração, de per si, a transferência da globalidade dos poderes de gerência que eram detidos pelo oponente, de forma incontrolável e desresponsabilizante, em clara violação dos princípios e normas que regem o direito societário, ou seja,

O. A mera emissão da procuração pelo oponente, não afasta, só por si, a sua responsabilidade como gerente, tal como decidiu o doutro Tribunal a quo.

P. Pelo contrário, o que decorre da lei, e da normalidade, é que ao procurador apenas lhe compete e pode actuar, em concretos e determinados actos, mantendo o gerente o controle do destino e gestão da sociedade que ainda representa.

Q. A nosso ver, a outorgou da procuração a favor do Sr. D., em 9 de Dezembro de 2003, é um acto de gestão;

R. Assim como, a outorga do contrato de 29 de Dezembro de 2004, é um relevante acto de gestão da sociedade comercial em questão. E, de facto, apenas nessa data, o oponente cessou as suas funções de gerente.

S. Entende a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que é muito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro na aplicação do direito, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis, mais concretamente as que regem a responsabilidade subsidiária dos gerentes, por reversão, face à outorga de uma procuração a terceiro, no âmbito do exercício dessa mesma gerência, concretamente os artigos 252º e 261º ambos do CSC e artigos 22º, 23º e 24º, nº 1, alínea b) da LGT.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença, com as legais consequências.
(…)”

1.2 O Recorrido não apesentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de dever ser dado provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 660.º, n.º 2, 684.º, nº s 3 e 4 e 685-A.º, atuais art.ºs 608.º, nº 2, 635.º, nº 4 e 639.º todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT).
Sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por errónea interpretação e aplicação de lei, que regem a responsabilidade subsidiária dos gerentes, por reversão, face à outorga de uma procuração a terceiro, no âmbito do exercício da gerência da sociedade executada originária, nomeadamente no disposto nos artigos 252.º e 261.º ambos do CSC e artigos 22.º, 23.º e 24.º, nº 1, alínea b) da LGT.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
A. No Serviço de Finanças (...), foram instaurados os processos de execução fiscal n.º 3387 2004 0102 9215 e apensos contra a S., Lda, para cobrança das dívidas relativas a IVA de Julho, Agosto e Setembro de 2004, no valor de € 22.771,57 – cfr. fls. 2 a 4 do PA apenso.
B. Em 17.11.2009, no âmbito do processo de execução fiscal em causa foi proferida “Informação” com o seguinte teor – cfr. fls. 15 e ss. do PA apenso:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

9. O valor da dívida titulada pelo processo em epígrafe as cebde a € 22.771,57 (quantia exequenda) e acrescido respeitante a:

Identificação da dívidaDatalimiteAnodívidaQta Exequenda
Pag
102.3387.2004.280529.12004-09-102004-07IVA7.914,96
102.3387.2004.286690.12004-10-112004-08IVA4.800,43
102.3387.2004.292746.12004-11-102004-09IVA10.056,18
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

C. Em 17.11.2009, pelo Chefe do Serviço de Finanças (...), foi proferido “Despacho para audição (reversão)” com o seguinte teor: “Face às diligências de fls. 15 e 16, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução(ões) contra J. (…), na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. Face ao disposto nos normativos do n.º 4 do Art.º 23º e do Art.º 60º da Lei Geral Tributária, proceda -se à notificação do(s) interessado(s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando -se o prazo de dias a contar da notificação, podendo aquela ser exercida por escrito/oralmente (1).” – cfr. fls. 17 do PA apenso:

D. Em 18.12.2009, no âmbito do processo de execução fiscal em causa foi proferida “Informação” com o seguinte teor – cfr. fls. 88 e ss. do PA apenso:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



E. Em 21.12.2009, pelo Chefe do Serviço de Finanças (...), foi proferido “Despacho (reversão)” com o seguinte teor: “Face às diligências de fls. 15 e 16, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga -se com a reversão da execução fiscal contra J. (…), na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação proceda -se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art.º 160º do C.P.P.T. para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5 do Art.º 23º da L.G.T.). (…) Fundamentos da reversão: Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT). (…)” – cfr. fls. 283 do PA apenso.

F.. Entre 10.09.2004 e 10.11.2004, terminaram os prazos de pagamento voluntário das diversas dívidas que integram a quantia exequenda - cfr. fls. 2 a 4 do PA apenso.

Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa. (…)”
3.1. Nos termos do n.º 1 do 662.º do CPC, por estar documentalmente demonstrada nos autos adita-se os factos n.º G e H, nos termos seguintes:

G). Em 09.12.2003, no Oitavo Cartório Notarial do Porto, o Oponente outorgou procuração a D., cujo teor é o que se transcreve na parte que releva:
“(….)
J.(…) que outorga em nome e representação e na qualidade de sócio gerente da Sociedade Comercial por Quotas sob a Firma “S., LIMITADA”.
(….)
E POR ELE FOI DITO:---------------------------------------------------------------------------
---------------------------------- Que, dando execução ao deliberado na citada reunião, pelo presente instrumento de procuração, constitui bastante procurador da Sociedade que representa, o Senhor D., casado, (…)a quem dá e confere os necessários poderes para em nome do mandante:
a) Comprar, vender alugar ou onerar bens imóveis incluindo veículos Automóveis de qualquer tipo, bem como celebrar alterar, ou rescindir quaisquer dos referidos contratos;(…)
b)- Celebrar, alterar, rescindir ou outorgar contratos de locação Financeira Mobiliária, incluindo sobre automóveis, na qualidade de Locatário; (…)Assinar correspondência; (…)
d) Sacar, aceitar e endossar letras, subscrever livranças, sacar e endossar cheques, aceitar confissões de dívida; (…) -Depositar dinheiro ou outros valores junto de qualquer Instituição, nomeadamente na Caixa Geral de Depósitos; (…)
f)- Levantar Dinheiro ou outros Valores junto de qualquer Instituição, nomeadamente na Caixa Geral de Depósitos; (…)
g) Constituir Hipotecas, Fianças, Penhoras ou quaisquer outras garantias reais ou pessoais; (…)
h) Ajustar e liquidar contas com devedores e credores, fixando saldos; (…)
i) Receber todas as quantias, valores e documentos que lhe pertençam e designadamente, retirar através das Estações Postais, de Caminho de Ferro e outras as cartas registadas, encomendas, mercadorias e tudo o mais que lhe for dirigido; (…)
j)-Passar recibos e quitações; (…)
k)-Fazer despachos nas Alfândegas e assinar os conhecimentos pertencentes e endossos atinentes; (…)
l)-Tomar de arrendamento; (…)
m)-Promover todos a quaisquer actos de Registo Predial, Comercial (…)podendo efectuar registos provisórios ou definitivos, seus averbamentos ou cancelamentos; (…)
n)Assinar todo o expediente dirigido às Repartições de Finanças, (…)e junto destas, assinar de acordo com as exigências destas, termos de Fiança, de responsabilidade ou de abonação se necessário;
o)Efectuar queixas crime(…)
;(p)Representar a sociedade mandante, em quaisquer pleitos, com poderes para neles confessar, desistir ou transigir e participar em assembleias de credores, em processos especiais de recuperação de empresas; (…)
q)Celebrar, alterar, rescindir ou resolver Contratos de Trabalho ou Prestação de Serviços; (…)
r)Intervir e obrigar a Sociedade em todos os actos e contratos, dentro do objecto social da mesma, dentro dos poderes que lhe estejam conferidos; (…)
s)Contrair junto dos Bancos (…), quaisquer empréstimos, pelos prazos, juros e demais condições que entender, deles a confessar devedora, movimentar nas aludidas Instituições os montantes dos referidos empréstimos, ou quaisquer contas, à ordem ou a prazo, assinando para o efeito cheques, recibos, ordens de pagamento, títulos ou quaisquer outros documentos representativos dessas Operações Bancárias.(…)”, cfr.fls. 17 a 20 dos autos em suporte físico..

H).Em 29.12.2004, no Cartório Notarial de Barcelos, foi celebrado um contrato de cessão e unificação de quotas, aumento de capital e alteração do pacto social, onde se refere, entre outros, que J., cede a sua quota que possui na S., Lda., e que faz essa cessão de quotas com todos os correspondentes direitos e obrigações e com renúncia à sua qualidade de gerente, ficando assim total e definitivamente desligado da sociedade cfr. fls. 17 a 20 dos autos e que aqui se dão por reproduzidas.. (….)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A questão, objeto de recurso, é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por errónea interpretação e aplicação de lei, que rege a responsabilidade subsidiária dos gerentes, por reversão, face à outorga de uma procuração a terceiro, no âmbito do exercício da gerência da sociedade executada originária, nomeadamente no disposto nos artigos 252.º e 261.º ambos do CSC e artigos 22.º, 23.º e 24.º, nº 1, alínea b) da LGT.
Importa referir que a execução fiscal tem por objeto a cobrança coerciva, por reversão, de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado do ano de 2004, bem como dos respetivos juros compensatórios, pelo que, se impõe a análise do regime jurídico aplicável à data dos factos tributários, por força do art.º 12.º do Código Civil.
A responsabilidade dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelas dívidas tributárias, é aferida nos termos do disposto no artigo 24.º da LGT.
Estabelece o referido normativo que: “1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
A gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito sendo sobre Administração Tributária, enquanto exequente, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, especialmente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto em conformidade com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos. (artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74º, nº 1, da LGT).
É notório que, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a Administração Tributária.
É jurisprudência do acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.02.2007 proferido no recurso n.º 1132/06, que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respetiva alegação e subsequente prova.
Porém, embora o julgamento quanto ao efetivo exercício de funções de gerência “não pode [o juiz] retirá-lo mecanicamente, do facto de o revertido ter sido nomeado gerente, na falta de presunção legal” pode o julgador, caso a caso e com base no conjunto de prova produzida, com base nas regras da experiência e em juízos de probabilidade inferir a gerência efetiva de outros factos [acórdão do TCAN de 27/3/2008, Processo 00090/03].
Em suma, não existindo uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum [acórdão do STA de 10/12/2008, Processo 0861/08].
Importa, por isso, em primeiro lugar apurar se os factos provados permitem concluir pelo exercício da gerência de facto da devedora originária por parte do Oponente.
Tem entendido, a doutrina e jurisprudência, que a gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, principalmente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação da sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e de 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente.
Em síntese, nas situações previstas nas alíneas a) e b) do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da administração ou gerência.
No caso dos autos, não é controvertido que o Oponente/Recorrido outorgou, em 09.12.2003 uma procuração a favor de D., a quem concedeu poderes específicos para gerir e administrar a sociedade executada.
Ora, de acordo com o artigo 258.º do Código Civil (CC) “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado nos limites dos poderes que lhe competem produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”.
Nos termos do artigo 262.º do CC, a procuração é um modo de representação voluntária, sendo um ato pelo qual alguém atribui a outrem voluntariamente poderes representativos.
Assim sendo, a constituição de procurador com a finalidade de exercer a gerência da sociedade devedora constitui também um mandato com representação, nos termos do qual os atos do representante produzem os seus efeitos na esfera jurídica do representado (artigos 258.º, 1157.º e 1178.° nº 1 do CC) .
Nesta conformidade, o mandatário tem o dever de agir não só por conta mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada.
O Oponente/Recorrido não nega a gerência efetiva da sociedade, aliás, afirma no ponto n.º 10 a 14º da petição inicial ser o único gerente, apesar existirem mais quatro sócios, nenhum deles exercia a gerência de facto.
Somente nega a gerência no período compreendido entre 9 de dezembro de 2003 até data em que foram cedidas as quotas da sociedade ao referido D., (29.12.2004) e no que para o presente processo importa, entre setembro a dezembro de 2004.
Assim, em princípio e ainda que tivesse sido dado como provado que o Oponente pessoalmente nunca praticou atos próprios de gestão e administração em nome da devedora originária de que era gerente nominal de direito, tal seria irrelevante perante o efetivo exercício da gerência do seu procurador dado que, de acordo com os preceitos legais citados, os atos praticados pelo mandatário de acordo com os poderes que lhe haviam sido conferidos na procuração produziriam os seus efeitos na esfera jurídica do mandante. Cfr. acórdão do TCAS de 9/11/2010, Processo 04267/10.
Deste modo, a responsabilidade subsidiária do Oponente pode radicar em exercício efetivo do cargo, por intermédio de procurador, autorizado por título jurídico válido.
Resulta da factualidade dada como provada [aditada oficiosamente], que em 09.12.2003 foi outorgada procuração na qual consta entre outros o seguinte: “J.(…) que outorga em nome e representação e na qualidade de sócio gerente da Sociedade Comercial por Quotas sob a Firma “S., LIMITADA” (…) pelo presente instrumento constitui bastante procurador da Sociedade que representa(…) D.”.
Ora, este ato mais não é do que o efetivo exercício da gerência pelo Recorrido/Oponente, que nessa qualidade.



Da análise da procuração, constata-se que são conferidos poderes para praticar determinados atos, nomeadamente movimentação de contas bancária, representar a sociedade mandante, em quaisquer pleitos, com poderes para neles confessar, desistir ou transigir e participar em assembleias de credores, em processos especiais de recuperação de empresas; Celebrar, alterar, rescindir ou resolver Contratos de Trabalho ou Prestação de Serviços e intervir e obrigar a sociedade em todos os atos e contratos, dentro do objeto social da mesma, dentro dos poderes que lhe estejam conferidos.
Mas como se vê, não lhe são conferidos poderes para gerir a sociedade executada na sua plenitude nem tão pouco é transferido a globalidade dos poderes de gerência, pois, tal está vedado por força do n.º 5 do art.º 252.º do CSC.
Resulta ainda provado que o Recorrido/Oponente em 29.12.2004, conjuntamente com os demais sócios cedeu as quotas a D., fazendo essa cessão de quotas com todos os correspondentes direitos e obrigações e com renúncia à sua qualidade de gerente, ficando assim total e definitivamente desligado da sociedade.
Ora, e como se refere no Acórdão proferido pelo TCA Sul, processo nº 161/10 de 14.03.2019, e no que concerne a esta questão, há muito que se “formou jurisprudência consolidada no sentido de que podendo a gerência ser exercida por procurador ou mandatário e produzindo os actos praticados por este os seus efeitos na esfera jurídica do mandante, deve este ser considerado gerente de facto para atribuição da responsabilidade prevista no art.º24.º da LGT, à semelhança do que se passava no regime do art.º13.º do CPT. Nesse sentido, podem ver-se os Acs. do STA, de 26/02/1997, tirado no proc.º020946; de 14/02/2001, tirado no proc.º025594”.
In casu, e na linha do defendido no citado acórdão, os autos não evidenciam que a procuração para aquele terceiro exercer a gerência da sociedade ou actos de gerência, tenha sido emitida sem o propósito de determinar ou controlar a actividade do procurador, desconhecendo o representado gerente e não podendo conhecer, também, em absoluto, como se desenvolve a gestão dessa actividade, situação excepcional susceptível de configurar o afastamento da sua responsabilidade subsidiária, conforme já decidido pela jurisprudência, nomeadamente, no acórdão do TCA Norte de 27/11/2014, tirado no proc.º00824/06.5BEPRT, não ressumando dos autos qualquer relação de dependência do representado face ao terceiro a quem outorgou a procuração
.(…)
Em suma, da factualidade dada como provada e dos elementos disponíveis nos autos, resulta provado que o Recorrido/Oponente, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, também exerceu de facto a gerência, praticando os atos próprios e típicos inerentes a esse exercício, embora através de mandante, o que conduz à respetiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento da dívidas exequenda ao abrigo do disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT e, nessa medida, é de concluir pela legitimidade do mesmo para a execução fiscal.
Procede, pois, o presente recurso, não podendo manter-se a sentença recorrida que assim não entendeu.

4.2. Face ao decidido a sentença recorrida deu como prejudicados os demais vícios invocados pelo Recorrido/Oponente, nomeadamente que a Administração Tributária não provou a insuficiência de património ou a inexistência de bens penhoráveis da devedora originária; (ii) Não houve liquidação judicial de todo o património da sociedade; ((v) À data da cessão, integravam o ativo da sociedade dois imóveis (armazéns), um veículo de carga, um empilhador e uma motorizada, os quais, pelo seu valor, permitiam solver as dívidas fiscais; e que o artigo 24.º da LGT, interpretado no sentido em que a mera gerência de direito gera a responsabilidade pelas dívidas da sociedade, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva.
Com efeito o n.º 2 art.º 665.º do CPC prevê a hipótese de o TCA se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha de elementos necessários.
Nesta conformidade foi dado cumprimento ao n.º 3 do art.º 665.º do CPC, com a notificação das partes para se pronunciar, sendo que apenas a Recorrente, Fazenda Pública, se pronunciou, pugnando pela improcedência total da oposição, tal como já havia defendido na contestação.
Avancemos, então, para o conhecimento das restantes causas de pedir estruturadas pelo Opoente/Recorrido no articulado inicial, e que acima foram já identificadas.
O Oponente/Recorrido nos pontos n.ºs 2 a 8 e nas conclusões A) a F) da petição inicial alega que a reversão só pode ocorrer se efetivamente se demonstrar que a sociedade não possui quaisquer bens, créditos ou quaisquer rendimentos penhoráveis. E que só a declaração de insolvência e a liquidação de todo o património atesta com segurança e certeza jurídica que sociedades comerciais não possuem mais património penhorável.
Alega que a Administração Fiscal no ponto 7 e 9 do seu parecer, não logrou efetuar qualquer prova que fundamente a insuficiência do património ou a inexistência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária. Pelo que não se encontram preenchidos os requisitos previstos nos art.º 23.º n.º 1 e 2 e art.º 24.º da LGT.
Não tendo sido efetuada a liquidação judicial de todo o património da sociedade executada, não poderá ocorrer a reversão, por falta de substrato jurídico e fenomenológico que a fundamente.
Vejamos:
Preceitua o art.º 23º da LGT que: “1. A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
2. A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
3- Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adoção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei.
(…)”.
Por sua vez, o art.º 153.º, n.º 2 do CPPT estabelece queo chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”.
Atento o carácter subsidiário da responsabilidade tributária (cf. art.º 22º, nº 3 da LGT), o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e só no caso de se provar a inexistência ou insuficiência fundada de bens daqueles é que pode exigi-la aos devedores subsidiários.
Nesta conformidade é pressuposto da reversão, acionando validamente os gerentes ou administradores por dívidas fiscais da empresa que representam, que esta não tenha bens suficientes para através deles se obter o pagamento dos débitos sem prejuízo do benefício da excussão do património da executada.
Da análise do despacho de reversão, resulta que o mesmo, nesta matéria, assentou na informação constante de fls. 15 do processo executivo, [facto provado na alínea B)] prestada em 17.11.2009, onde se refere que após consulta do sistema informático CEAP (Cadastro Eletrónico de Ativos Penhoráveis) e do SIPA (Sistema Informático de Penhoras Eletrónicas) se verificou que a executada originária apenas possuía um veículo de marca Yamaha de 1996, matricula XX-XX-XX e que os últimos rendimentos remontam a 2004, claramente insuficientes para saldar a dívida, que à data de hoje (leia-se 17.11.2009), perfaz um total de € 639 265,71.
Resulta ainda da referida informação (ponto n.º 2) que a sociedade executada não se encontrava cessada nem dissolvida, à data de 17.11.2009.
Antes de mais, importa deixar desde já salientado que o valor da dívida exequenda em discussão nos presentes autos importa em € 22 771,57.
Assim, não obstante o reconhecimento da existência do bem em causa por parte da A.T., [um veículo de marca Yamaha de 1996, matrícula XX-XX-XX,], a mesma optou por desvalorizá-lo com base em critérios meramente subjetivos, sem antes ter diligenciado no sentido de saber se esse bem é suscetível de procura ou não, e qual o seu valor de mercado.
Ora, impunha-se, que a AT encetasse todas essas diligências, para, posteriormente, atribuir um valor ao bem.
Contudo, demitiu-se dessa averiguação e procedeu de imediato à reversão da execução, pois, verdadeiramente não foi avaliado todo o património conhecido da devedora principal, pelo que se entende que a Administração Tributária, não se encontra habilitada a concluir, como o fez, que a devedora originária não tem bens suficientes.
E assim sendo, entende-se que não ocorreu uma verdadeira avaliação de todo o património conhecido da devedora principal, pelo que a Administração Tributária. não se encontra habilitada a concluir, como o fez, que a devedora originária não tem bens suficientes para solver a dívida exequenda em discussão nos presentes autos [neste sentido vidé, acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 2247/11.5BELRS de 31.10.2019].
Nestes termos, resta concluir, que não se encontra demonstrada a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal a que se refere o n.º 2 do art.º 23º da LGT, pelo que se conclui pela ilegalidade do despacho de reversão.
Assim sendo, e atento o que se acaba de decidir, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitados pelo Oponente.
4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário:

I. Nas situações previstas nas alíneas a) e b) do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da administração ou gerência.
II. Atento o carácter subsidiário da responsabilidade tributária (cf. art.º 22º, nº 3 da LGT), o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e só no caso de se provar a inexistência ou insuficiência fundada de bens daqueles é que pode exigi-la aos devedores subsidiários.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em:
a) Conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública e revogar a sentença recorrida;
b) Em substituição, determinar a anulação do despacho de reversão e, em consequência, absolver o Oponente da instância executiva.

Custas por ambas as partes na proporção 50%, nos termos do art.º 527.º do CPC, sendo que o Recorrido fica dispensado da taxa de justiça nesta instância, por não ter contra alegado.
Porto, 21 de maio de 2020

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes