Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00691/08.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO DE IRC DE 1996, SUCESSÃO DE REGIMES LEGAIS
Sumário:I – Matéria provada e não provada a discriminar na sentença, em cumprimento do artigo 123º nº 2 do CPPT, é aquela que, alegada pelas partes, releve para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, e bem assim aquela que, embora não alegada, seja instrumental ou complementar daquela e tenha resultado da instrução da causa e sido objecto de contraditório (artigo 5º nº 2 alªs a) e b) do CPC. Logo, não incorre em omissão de selecção, como provados ou não provados, de factos alegadamente relevantes, a sentença que omite tal discriminação quanto a factos não alegados na PI e que interessariam, alegadamente, à AT mas não constam da contestação.

II – Por força da norma especial de direito transitório constituída pelo nº 5 do artigo 5º do DL nº 398/98 de 17 de Dezembro, o regime jurídico da caducidade do direito à liquidação do Imposto relativamente a IRC do ano de 1996 é sempre o contido no extinto Código de Processo Tributário (CPT), mesmo que tal prazo se mantenha pendente após a entrada em vigor da Lei Geral Tributária.

III – O artigo 33º nº 2 do CPT refere-se a causas judiciais com uma relação de prejudicialidade e alteridade com a liquidação de um imposto e o respectivo procedimento, da qual resulte a impossibilidade lógica de liquidar.

IV – Portanto, não releva para a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto nos termos dos do nº 2 do artigo 33º do CPT o recurso contencioso cujo objecto seja um acto administrativo, integrante do procedimento de liquidação, cuja legalidade seja pressuposto de uma liquidação já emitida e ainda eficaz na ordem jurídica.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial movida por C., S.A., com sede em Avª (…), NIPC (…), relativamente à liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do ano de 1996, derrama e respectivos juros compensatórios, no montante total de € 594 827,76.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
A. O presente recurso visa contrariar a decisão que julgou a “impugnação procedente e, em consequência” decidiu anular a liquidação de IRC n° 2007 8310001242, relativa ao exercício de 1996, por considerar decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto.
B. O julgamento efectuado, salvaguardando o devido respeito por diferente entendimento, padece de erro, uma vez que não foi atentada e valorada a circunstância deste acto tributário revestir a natureza de liquidação meramente correctiva, que apenas visa reflectir as necessárias correcções a liquidação anteriormente emitida e efectuada dentro do prazo de caducidade a que se referia o n.º 1 do artigo 33.° do CPT e art. 79º do CIRC.
C. Efectivamente, a AT praticou legal e tempestivamente o acto tributário em crise na presente impugnação, por consistir numa liquidação de natureza meramente correctiva, e, por tal, não abrangido pelo regime de caducidade do direito à liquidação, visto não se tratar de um novo acto tributário.
D. Ao não ponderar correctamente, nos seus antecedentes e encadeamento sucessivo global, a totalidade da factualidade respeitante à emissão da liquidação aqui impugnada, factualidade essa patenteada nos autos e documentada no processo administrativo, e ao não retirar daí as devidas consequências, a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, e de direito, por violação do estabelecido no art. 33º do CPT e art. 79º do CIRC.
E. Ainda, sem prescindir, entende a Fazenda Pública que, ao contrário do decidido na sentença, o recurso contencioso de anulação que a Impugnante deduziu, em 21/02/2000, contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico, tem previsão no nº 2 do art. 33º do CPT, como facto suspensivo do prazo de caducidade do direito à liquidação de impostos previsto no nº 1 do mesmo artigo.
F. No caso sub judice o termo inicial do prazo de cinco anos ocorre em 01/01/1997, terminando o decurso do prazo de caducidade, se suspensões não houvesse, em 31/12/2001.
G. Resulta pacífico da sentença sob recurso que a AT esteve impedida de exercer o direito à liquidação na pendência de recurso hierárquico, isto é, até 22/12/1999, por força do efeito suspensivo que, expressamente, lhe atribuía o art. 112º, do CIRC, na redacção à data dos factos.
H. Considera a Fazenda Pública que também o processo judicial referido nos pontos 8 e 9 do probatório fixado teve interferência no prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC de 1996, suspendendo-o, de acordo com o disposto no art. 33º, nº 2 do CPT, desde a instauração da acção judicial, em 21/02/2000, e até ao trânsito em julgado da respectiva sentença, em 28/04/2005.
I. O nº 2 do art. 33º do CPT aplica o princípio da suspensão do prazo de caducidade quando a AT, por motivo de acção judicial, estiver impedida de proceder à liquidação do tributo. Materialmente, é uma verdadeira ampliação do prazo de caducidade, justificada pelo justo impedimento do titular do direito de liquidação, no caso, a AT. Como, por motivo da acção judicial – o recurso contencioso em causa –, havia um obstáculo insuperável ao exercício do direito de liquidação, este só podia ser exercido quando o impedimento cessasse.
J. Explica-se, na página 7 da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que o recurso contencioso em causa atacou “o facto de a AT ter efectuado correcções ao lucro tributável com base no pressuposto de que a impugnante tem relações especiais com as sociedades ali mencionadas, sem demonstrar a existência de tais relações”. E continua o Tribunal, “Portanto, esta em causa apenas a aplicação de um pressuposto.”
K. Portanto, o próprio Tribunal a quo verifica e entende que o recurso contencioso de anulação que a Impugnante deduziu em 21/02/2000 contende com a própria ocorrência, ou não, do facto tributário, verificando e entendendo que tal recurso contencioso “visa a anulação ou declaração de nulidade de actos ou negócios jurídicos que integrem factos geradores do imposto”, ou seja, pressupostos da tributação.
L. O efeito suspensivo da caducidade do direito à liquidação, previsto no n.º 2 do art. 33º do CPT, abrange “situações litigiosas” que se relacionam com a própria ocorrência do facto tributário de que depende a relação material controvertida, e tal é o que se verifica na discussão da quantificação do lucro tributável, ou dos pressupostos de aplicação de uma medida como no caso concreto do recurso contencioso de anulação que a Impugnante deduziu em 21/02/2000.
M. “Suspende-se, na verdade, o prazo de liquidação do tributo em caso de litígio judicial de que dependa a liquidação, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão, que é o previsto na alínea a). Tal doutrina tinha já correspondência, aliás, no artigo 33º, número 1, do C.P.T.. Em parte, o número 2 do presente artigo tem carácter interpretativo, pelo que é de aplicar aos factos tributários ocorridos anteriormente à entrada em vigor da presente lei. (António Lima Guerreiro, em “Lei Geral Tributária”, Anotada, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 2000, p. 222)”
N. “Quando a liquidação assentar na ratificação/sanação de acto inválido, que mantenha com o acto tributário uma relação de prejudicialidade, considera-se igualmente suspenso o prazo de caducidade no período entre o início e o termo do litígio judicial de que resultou a referida declaração de invalidade.” (Autor e obra citada).
O. Resultando da matéria assente que a impugnante foi notificada da liquidação controvertida em 6/03/2007, e uma vez que o prazo de caducidade esteve suspenso entre 10/11/1999 e 22/12/1999 (recurso hierárquico) e entre 22/02/2000 e 28/04/2005 (recurso contencioso de anulação do recurso hierárquico), é manifesto que o prazo de caducidade – de 5 anos a contar a partir de 01/01/1997 - não foi excedido, pelo que não havia caducado o direito à liquidação em 06/03/2007, data da notificação da liquidação.
P. Deste modo, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo não valorizou correctamente a factualidade carreada para os autos, incorrendo em erro de julgamento da matéria de facto e, consequentemente, em erro de julgamento de direito, violando o disposto nos artigos 33º do CPT e art. 79º do CIRC».

Notificada, a Recorrida respondeu à alegação.
«CONCLUSÕES:
i. A questão ora suscitada à apreciação deste Venerando Tribunal, quanto à alegada tempestividade da liquidação contestada por se tratar de uma “liquidação de natureza meramente correctiva”, não foi invocada pela Fazenda Pública em sede de Contestação, pelo que não tendo a questão sido suscitada e alegada pela Fazenda Pública em 1.ª Instância, a Recorrida entende que não poderá ser objecto de conhecimento por este Venerando Tribunal, na medida em que surge pela primeira vez suscitada nesta sede de recurso;
ii. Os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição;
iii. Além de outras excepções (as partes podem acordar, em 2.ª Instância, a alteração ou ampliação do pedido), o Tribunal ad quem apenas pode conhecer de questões novas - ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido -, se as mesmas forem de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado;
iv. Ainda que se entendesse que o acto de liquidação ora contestado seria, efectivamente, uma “liquidação correctiva”, a realidade é que a mesma não poderia vingar na ordem jurídica, porquanto verificando-se que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 3434/00 - onde se discutia a ilegalidade da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico - transitou em julgado em 28.04.2005, conclui-se que o prazo que a Autoridade Tributária dispunha para emanar (e notificar validamente) a “liquidação correctiva” terminou, nos termos dos artigos 173.º e 175.º do CPTA, em 29.07.2005, pelo que não tendo a mesma sido notificada até essa data, não pode a Autoridade Tributária beneficiar da extensão do prazo de caducidade;
v. A própria actuação da Autoridade Tributária é contrária à sua alegação (em processo administrativo) e à alegação da Fazenda Pública no presente recurso, em manifesto venire contra factum proprium, porquanto da análise do probatório verifica-se que, após a notificação do indeferimento do Recurso Hierárquico - e no decurso do prazo que a Recorrida dispunha para deduzir recurso de anulação da decisão do Recurso Hierárquico - foi emitida uma liquidação de imposto (com o n.º 2000 83100001154, notificada em Fevereiro de 2000), o que significa que a própria Autoridade reconhece (com a prática deste acto de liquidação durante o decurso do prazo que a Recorrida dispunha para deduzir recurso de anulação da decisão do Recurso Hierárquico) que este (eventual) recurso de anulação não constituía facto suspensivo da caducidade do direito à liquidação, porquanto, caso contrário, ter-se-ia abstido de praticar o referido acto de liquidação;
vi. A razão de ser do n.º 2 do artigo 33.º do CPT, ao inutilizar, para a contagem do prazo de caducidade, o período em [que] esteve pendente acção judicial, não pode deixar de ser a dependência do exercício do direito de liquidação em relação ao litígio a que a acção se refere, pois só uma situação de impossibilidade de exercer o direito que pode justificar que não se conte o prazo para o seu exercício (nos termos do artigo 329.º do Código Civil);
vii. No caso sub judice, a Autoridade Tributária só esteve impedida de exercer o direito à liquidação na pendência do Recurso Hierárquico, ou seja, até 22.12.1999, por força do efeito suspensivo que, expressamente, lhe atribuía o, então, artigo 112.º (posterior 129.º) do Código do IRC;
viii. O “litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo” há-de referir-se a questão sem cuja definição não possa haver-se por assente a existência do facto tributário ou, ao menos, estabelecidos os elementos indispensáveis ao apuramento do imposto devido, o que não se verifica no caso em análise, porquanto no recurso contencioso de anulação não foi judicialmente discutida questão atinente à verificação dos factos tributários de 1996, ou aos elementos que interessam ao apuramento e quantificação da obrigação de imposto, tanto mais que a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico foi anulada pelo Tribunal Central Administrativo Sul por um vício de forma, a inobservância das normas que impõem a prévia audição do contribuinte;
ix. A jurisprudência e a doutrina, quando confrontada com as acções enquadráveis no âmbito do “litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo”, tem vindo a entender que o mesmo é aplicável, (i) nas acções judiciais tendentes à anulação ou declaração de nulidade de actos ou negócios jurídicos que integrem factos geradores do imposto e (ii) nas acções judiciais que se revelem como prejudiciais face ao exercício do direito de liquidação por parte da Autoridade Tributária, tais como os recursos da decisão de derrogação do sigilo bancário – não admitindo esse efeito quanto ao recurso contencioso de anulação (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.05.2015, proferido no processo n.º 0833/13);
x. Verifica-se, assim, que a sentença recorrida não merece censura, devendo ser mantida na íntegra, devendo ser negado provimento, por esse motivo, ao Recurso da Fazenda Pública.»

O digno Procurador-geral Adjunto neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível à seguinte transcrição:
«(…)
Com efeito, e tendo em conta tudo o que vem referido na douta sentença, sendo o imposto em causa relativo ao IRC de 1996, quando a impugnante foi notificada da liquidação havia já decorrido o prazo da caducidade uma vez que tal prazo apenas terá estado suspenso por efeito do recurso hierárquico:
(…)
Pretende a recorrente que esta liquidação mais não é que uma correcção das anteriores liquidações notificadas, em tempo, à impugnante pelo não haverá violação do prazo de caducidade.
Ora tal questão não foi suscitada pela AT na sua contestação não tendo o tribunal emitido pronuncia sobre tal situação pelo que não poderá ser, agora, apreciada, aliás como vem referido nas contra-alegações da recorrida.
Mais alega que o recurso contencioso de anulação é um facto suspensivo do prazo de caducidade
“Ao contrário do decidido na sentença, o recurso contencioso de anulação que a Impugnante deduziu, em 21/02/2000, contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico, tem previsão no nº 2 do art. 33º do CPT, como facto suspensivo do prazo de caducidade do direito à liquidação de impostos previsto no nº 1 do mesmo artigo.”
A douta sentença debruça-se sobre tal questão concluindo:
“Portanto, o efeito suspensivo da caducidade do direito à liquidação, previsto no n.º 2 do artigo 33, do CPT, abrange apenas “situações litigiosas”, ou seja, que se relacionem com a própria ocorrência, ou não, de um determinado facto tributário, dependente da prévia resolução a dar a uma determinada relação material controvertida. O que parece não verificar-se quando se discute a quantificação do lucro tributável, ou pressupostos de aplicação de uma medida como no caso concreto.”
Assim e concordando, por inteiro, com os termos da douta sentença, é nosso parecer que o recurso deve improceder.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso: questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Em face das conclusões acima transcritas, as questões que a Recorrente pretende ver apreciadas nesta sede recursiva são as seguintes:

1ª Questão
Incorre, a sentença recorrida, em erro no julgamento de facto por não ter seleccionado todos os factos provados e relevantes para a decisão tomada, designadamente os mencionados na alegação 8ª, do corpo das alegações, dos quais decorre que a liquidação impugnada não é uma liquidação ex novo mas uma liquidação correctiva de uma outra, emitida em tempo?

2ª Questão
Em qualquer caso, mesmo cingindo-nos aos factos discriminados como provados, incorre, a sentença recorrida, em erro de direito, ao julgar extinto, por caducidade, o direito da AT a emitir a liquidação impugnada:
a) Seja porque o prazo de caducidade previsto nos artigos 33º nº 1 do Código de Processo Tributário não se aplica à liquidação que seja mera correcção de outra feita em devido tempo, em execução de decisão administrativa ou de sentença;
b) Seja porque o prazo se suspendeu, por força do nº 2 do artigo 33º do CPT, com a instauração e até ao trânsito em julgado da decisão judicial que pôs termo ao recurso contencioso da decisão que indeferiu o recurso hierárquico interposto relativamente às correcções técnicas feitas à matéria tributável de 1996?

III – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto é a seguinte:
«Com relevância para a decisão da causa, verifica-se os factos seguintes:
1. Ao abrigo da ordem de serviço n.º 94828, de 02/06/98 a impugnante foi sujeita a inspecção tributária aos anos de 1994, 1995 e 1996 – fls. 142, do PA;
2. No âmbito do qual foram efectuadas correcções ao lucro tributável da Impugnante – acordo e PA;
3. Em Outubro de 1999 a impugnante foi notificada das correcções efectuadas ao exercício de 1996 – fls. 99, do PA;
4. Tendo em 10/11/1999 deduzido recurso hierárquico, nos termos de fls. 78, do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
5. Por oficio de 8/10/1999 a impugnante foi notificada das correcções sujeitas a recurso hierárquico – fls. 93, do PA Este artigo é uma redundância, pois o facto e documento são os mesmos do anterior artigo 3º.

6. Em 22/12/1999 a Impugnante foi notificada do indeferimento do recurso Hierárquico – fls. 100 e ss., do PA;
7. Em Janeiro de 2000 a AT emitiu a liquidação de IRC n.º 20008310001154, que lhe foi notificada em Fevereiro de 2000 – PA;
8. Em 21/02/2000 a Impugnante deduziu recurso contencioso de anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico – PA;
9. Este recurso obteve provimento tendo sido anulado o processado, por decisão proferida no Ac. do TCAS, de 12/04/2005, no processo n.º 3434/00, transitada em julgado em 28/04/2005, conforme fls. 120 e ss., do PA, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
10. Em 15/02/2007 a impugnante foi notificada do despacho reformulado de indeferimento do recurso hierárquico – PA Melhor: conjugação de folhas 7 do Processo do Processo administrativo “stricto sensu” e 5 a 23 do processo de execução fiscal apenso, sendo que há lapso na data do ofício – 28 em vez de 08 – no termo de juntada de fs. 23 da execução (nota nossa).;
11. Em 06/03/2007 a impugnante foi notificada da liquidação de IRC de 1996 n.º 20078310001242 e respectivos juros compensatórios n.º 200700000030656 – doc. 2.
*
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos.
*
Motivação.
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados, conforme indicado em cada facto.»

Vista a decisão recorrida em matéria de facto, estamos em condições de apreciar a primeira das questões acima enunciadas.

1ª Questão
Incorre, a sentença recorrida, em erro no julgamento de facto por não ter seleccionado todos os factos provados e relevantes para a decisão tomada, designadamente os mencionados na alegação 8ª, do corpo das alegações dos quais decorre que a liquidação impugnada não é uma liquidação ex novo mas uma liquidação correctiva de uma outra, emitida da em tempo?
Os factos (e respectivas provas documentais) alegadamente deixados de ponderar na selecção da matéria de facto relevante e provada, no dizer da Recorrente, seriam os “que resultam” do item 8 das alegações que a seguir se transcreve:
«8. Com efeito, e de acordo com os elementos carreados para os autos, conclui-se que:
8.1. As mencionadas liquidação de IRC n° 2007 8310001242, emitida em 27/02/2007, relativa ao exercício de 1996, e Nota de Cobrança–Demonstração Compensação nº 2007 37447, de 27/02/2007, foram notificadas à impugnante por carta registada de 01/03/2007.
8.2. Em 19 de Março de 2007 a impugnante requereu, ao abrigo do artigo 37.° do CPPT, a passagem de certidão contendo a fundamentação legal subjacente à liquidação, e esclarecimentos sobre se a mesma anula e substitui as liquidações n.° 1999 8310001154 e 2007 8310000938, bem como sobre o cálculo dos juros compensatórios – documento n.° 3 junto à P.I.
8.3. Pelo oficio n.° 4432, de 02/04/2007, do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1, foi remetida à impugnante a fundamentação legal requerida, donde resulta o esclarecimento, precisamente, de que a emissão, em 2007, da liquidação impugnada, referente ao exercício económico de 1996, tem subjacente a reposição/correcção do valor que se mostra devido em função de sucessivas alterações à liquidação do IRC de 1996 – cfr. documento n.° 4 junto à P.I.
8.4. Alterações essas que são mera consequência de uma sucessão de factos, como a acção inspectiva de que a impugnante foi alvo, a decisão administrativa resultante do subsequente recurso hierárquico apresentado pela impugnante, a decisão judicial proferida em sede do recurso contencioso apresentado contra o indeferimento do recurso hierárquico, e o despacho reformulado de indeferimento do recurso hierárquico – cfr. pontos 1 a 4 e 6 a 11 da matéria de facto fixada na sentença sob recurso.
8.5. A liquidação impugnada apenas vem reflectir as necessárias correcções a liquidação anteriormente emitida e efectuada dentro do prazo de caducidade a que se referia o n.° 1 do artigo 33.° do CPT e artigo 79.° do Código do IRC, não havendo, por isso, qualquer ilegalidade na sua emissão.
8.6. A sucessão de emissão de liquidações em causa, respeitantes ao exercício de 1996, encontra-se expressa nos autos, conforme informações de folhas 127 a 140 do PA.»

No entender do Recorrente, importaria considerar os factos “que resultam” deste ponto 8 das alegações de recurso pois os mesmos relevariam “no âmbito do regime legal aplicável”, de caducidade do direito à liquidação.
Antes de mais cumpre notar que o transcrito ponto 8 consiste em proposições de facto conclusivas em matéria de facto, mas também de direito, que inviabiliza a definição de uma concreta questão sobre se e que factos foram objecto de omissão de consideração – como provados – na sentença.
De qualquer modo, a montante deste problema há que questionar se efectivamente a Mª Juiz a qua deveria ter-se pronunciado sobre a prova de quaisquer factos contidos na alegação 8 e não contemplados já, ainda que noutros termos textuais, na sentença recorrida, pois só então poderá ter ocorrido a indevida omissão, que a recorrente qualifica como erro de julgamento.
Dispõe, o artigo 123º nº 2 do CPPT, que na sentença tributária o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as decisões”.
Matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, logicamente, aquela que, alegada, releve para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as sustentadas pelas partes.
Não se diga que basta a menção dos factos provados se estes são suficientes para a solução preconizada pelo tribunal e, quando muito, os não provados cuja falta de prova releva para a mesma solução.
Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que se filia num direito liberdade e garantia constitucional (o direito a uma tutela jurisdicional efectiva: artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se sobre a prova ou não prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só para a solução do litígio preconizada por uma parte, de modo a que esta possa exercer o contraditório e o recurso também quanto à solução jurídica por si preconizada.
Esta afirmação carece de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.
Acontece que a AT, na contestação, não alegou concretos factos, limitando-se a fazer uma remissão para o teor do despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela impugnante relativamente à liquidação aqui impugnada (a fs. 141 e sgs do P.A.), o qual tão pouco enuncia matéria de facto diversa da dada como provada na sentença. É certo que, no processo civil como aqui (artigo 2º do CPPT), o tribunal pode fundamentar a sua decisão em factos instrumentais ou complementares dos alegados, cuja prova tenha resultado da instrução da causa, feito que tenha sido o devido contraditório sobre eles (cf. artigo 5º nº 2 alªs a) e b) do CPC). Porém, in casu, não se pode conceber essas relações de complementaridade ou instrumentalidade com factos alegados pela contestante. Também é certo que o juiz tributário tem o dever de ir além das partes na recolha de prova, se tal se mostrar necessário para apurar a verdade. Contudo tal poder-dever tem limite interno nos factos que lhe seja lícito conhecer: artigo 13º nº 1 do CPPT – os alegados pelas partes e aqueles outros instrumentais ou complementares.
Enfim, não se logra cogitar, confrontada a contestação com a enunciação dos factos provados da sentença recorrida, que factos alegados ou por outra via relevantes acabaram ignorados.
Como assim, concluímos que a Mª Juiz a qua, conquanto apresente a matéria de facto provada de um modo minimalista, remissivo, carente de consulta do processo para ser plenamente interpretada, não deixou de seleccionar como provados os factos, relevantes para a decisão, de que lhe era lícito conhecer, pelo que improcede a alegação do dito erro de julgamento.

2ª Questão
Em qualquer caso, mesmo cingindo-nos aos factos discriminados como provados, incorre, a sentença recorrida, em erro de direito, ao julgar extinto, por caducidade, o direito da AT a emitir a liquidação impugnada:
a) Seja porque o prazo de caducidade previsto nos artigos 33º nº 1 do Código de Processo Tributário não se aplica à liquidação que seja mera correcção de outra feita em devido tempo, em execução de decisão administrativa ou de sentença;
b) Seja porque o prazo se suspendeu, por força do nº 2 do artigo 33º do CPT, com a instauração e até ao trânsito em julgado da decisão judicial que pôs termo ao recurso contencioso da decisão que indeferiu o recurso hierárquico interposto relativamente às correcções técnicas feitas à matéria tributável de 1996?

O discurso da sentença recorrida, relevante para a apreciação desta questão, é o seguinte:
«Da caducidade do direito à liquidação.
Estando em causa liquidação de IRC relativo ao exercício de 1996, importa considerar o disposto no n.º 1 do artigo 33, do Código de Processo Tributário (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, uma vez que o Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro – que aprovou a Lei Geral Tributária, a qual veio a revogar a referida norma legal -, no n.º 5 do seu artigo 5.º, dispõe que “O novo prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998.
Dispõe o n.º 1 do artigo 33, do CPT que “O direito à liquidação de impostos e outras prestações de natureza tributária caduca se não for exercido ou a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.”
Assim, para evitar a caducidade do direito de liquidar não basta que a liquidação tenha sido simplesmente operada dentro do pertinente prazo; é necessária a ocorrência da indispensável notificação válida da liquidação ao contribuinte.
A questão da caducidade do direito à liquidação prende-se com a validade substancial do acto tributário, contendendo com a sua validade e, por consequência, constitui fundamento da impugnação judicial. Como refere JOAQUIM GONÇALVES (JOAQUIM GONÇALVES, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário”, p. 237) : “a obrigatoriedade da notificação da liquidação no prazo de caducidade não retira ao próprio acto da notificação a natureza de requisito de eficácia, embora para efeitos de caducidade tal notificação tenha, por força da lei, definido um regime especial, pois que releva, agora, também como pressuposto da caducidade do direito à liquidação por parte do Estado, esta, sim, uma ilegalidade concreta que afecta a validade do acto de liquidação e que, como tal, é susceptível de fundamentar a respectiva impugnação.
Sendo o IRC um imposto periódico, o termo inicial daquele prazo de cinco anos corresponde a 31/12/1996 – termos do ano em que se verificou o facto tributário (1996) - terminando o prazo em 31/12/2001.
Ora, resultando da matéria assente que a impugnante foi notificada da liquidação em 6/03/2007, é manifesto que aquele prazo foi excedido, pelo que caducou o direito à liquidação.
Todavia, importa analisar se os procedimentos administrativos e judiciais tiveram qualquer interferência neste prazo.
Com efeito, estabelece o n.º 2, do citado art. 33, que a instauração da acção judicial, no caso de situações litigiosas, determina a suspensão do prazo de caducidade até ao trânsito em julgado da decisão.
Importa apurar se este recurso contencioso tem previsão na norma citada.
No entendimento da AT este processo teria previsão na norma citada, o que ocasionaria a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC de 1996, emergente das correcções efectuadas até 28/04/2005, data do trânsito em julgado da respectiva sentença.
A este propósito, veja-se ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO (in “Código de Processo Tributário Comentado e Anotado”, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 97):
O n.º 2 deste artigo deve articular-se com o regime do art. 32º. Enquanto pender a acção judicial tendente à anulação ou declaração de nulidade de actos ou negócios jurídicos que integrem factos geradores do imposto, suspende-se o prazo da caducidade do direito à liquidação.”
Portanto, o efeito suspensivo da caducidade do direito à liquidação, previsto no n.º 2 do artigo 33, do CPT, abrange apenas “situações litigiosas”, ou seja, que se relacionem com a própria ocorrência, ou não, de um determinado facto tributário, dependente da prévia resolução a dar a uma determinada relação material controvertida. O que parece não verificar-se quando se discute a quantificação do lucro tributável, ou pressupostos de aplicação de uma medida como no caso concreto.
Com efeito, do acórdão proferido, e que consta a fls. 120 e ss., do PA, como se indica no probatório, ali se dando por integralmente reproduzido, resulta que a impugnante ataca o facto de a AT ter efectuado correcções ao lucro tributável com base no pressuposto de que a impugnante tem relações especiais com as sociedades ali mencionadas, sem demonstrar a existência de tais relações.
Portanto, está em causa apenas a aplicação de um pressuposto.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STA de 12/01/2005, no Proc. 0808/04, segundo o qual a justificação da norma do n.º 2 do artigo 33º do CPT não poderia deixar de ser a de prevenir a ocorrência de uma situação de impossibilidade de exercer o direito à liquidação (cfr., também, o disposto no artigo 329º do Código Civil). Veja-se ainda o Acórdão de 22/03/2006, no Processo n.º 01284/05.
No caso em apreço, a Administração Tributária só esteve impedida de exercer o direito à liquidação na pendência do recurso hierárquico, isto é, até 22/12/1999, por força do efeito suspensivo que, expressamente, lhe atribuía o artigo 112, do CIRC, na redacção à data dos factos.
Este artigo, porém, reportava-se apenas ao recurso hierárquico - cfr. artigo 77, n.º 2, alínea c), do CIRC.
A renovação da decisão no recurso hierárquico, no seguimento da anulação judicial da decisão anterior por vício de forma, apenas poderia produzir efeitos para o futuro – cfr. artigo 128, n.º 1, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo.
Pelo que tais liquidações apenas seriam admissíveis caso o correspondente prazo de caducidade não tivesse, entretanto, expirado, o que se verificou em 13/02/2002, uma vez que o prazo de caducidade apenas esteve suspenso entre 10 de Novembro e 23 de Dezembro de 1999.
Na medida em que as liquidações impugnadas apenas foram notificadas em 06/03/2007, é manifesto que, nessa data, já havia decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto».

Densificação de matéria de facto provada.
Em ordem a facilitar a exposição da discussão que segue, começaremos por densificar algumas das referências à matéria de facto provada e relevante, feita na sentença recorrida de modo remissivo.

Assim:
Ao artigo 6º acrescenta-se o seguinte artigo:
Artigo 6º-A
A informação técnica que serviu de fundamentação ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico, referido no artigo 6º, tinha o teor que consta a fls, 101 e sgs da reclamação graciosa integrante do P.A., e terminava com as seguintes conclusões:
«i) O conceito de relações especiais abrange as participações directas e indirectas, na direcção, controle ou no capital de entidades envolvidas, sendo que a existência de uma pessoa (singular ou colectiva) que de facto (ainda que não de direito) tenha o poder de influenciar as decisões de gestão das várias entidades envolvidas na operação, é suficiente para qualificar as relações entre as estabelecidas como “relações especiais”.
«ii) Na situação em apreciação existe alguém - o Senhor S. que tendo incontestada influência na gestão das empresas “V.” e S.”, tem ainda relações com a ora recorrente, documentalmente provadas, e que originaram que, nos exercícios de 1994 e 1995, esta última lhe pagasse, mensalmente, determinados montantes que, posteriormente, vinham a ser facturados como ‘comissões” (embora o senhor em questão não exerça a actividade de comissionista);
iii Quanto às “comissões” os elementos disponíveis permitam concluir que a respectiva facturação à ora recorrente não se traduziu, de facto, em prestações de serviços realizadas pelas entidades que as facturaram, mas antes, de uma operação concertada, em virtude da existência de relações especiais, no sentido de transferir proveitos da ora recorrente - onde seriam objecto de normal tributação em sede de IRC - para as outras entidades, com o objectivo fiscal de obviar à tributação de tais proveitos - total ou quase total (95%), nos casos da transferência para a “V.” e para a “S.", respectivamente;
iv Termos em que se conclui ser de negar provimento ao presente recurso hierárquico.»

Ao artigo 9º acrescenta –se o seguinte artigo:
Artigo 9º-A:
O teor dos segmentos inicial e final do acórdão do TCAS a que alude o artigo 9º era o seguinte:
«C. ..., S.A., pessoa colectiva nº (…), com sede na Rua (…), interpõe recurso contencioso do despacho proferido em 13/12/99 pelo Exmº Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que indeferiu o recurso hierárquico que apresentara ao abrigo do art. 112º do CIRC relativamente às correcções de natureza quantitativa efectuadas ao lucro tributável dos exercícios de 1994, 1995 e 1996.
Em fundamento alega que o acto recorrido se encontra inquinado dos vícios que deixa sintetizados nas seguintes conclusões formuladas na parte final da sua petição inicial:
(…)
- 5. A recorrente foi impossibilitada de exercer um direito fundamental de participação nos actos tributários que afectam os seus legítimos interesses, designadamente o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária.
(…)
«Nesta perspectiva, tem de concluir-se que o direito de audiência não podia deixar de ser assegurado e que não o tendo sido se preteriu formalidade essencial, o que acarreta a anulação da decisão final do citado recurso hierárquico, de modo a permitir que seja assegurada a reponderação da concreta situação tributária à luz dos elementos e das considerações que a recorrente possa eventualmente trazer nos termos do art. 60º da LGT.”
* * *
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, pelos fundamentos supra expostos, anular o acto recorrido com todas as consequências legais».
Cf. fs. 124 e 125 da reclamação graciosa.
Ao artigo 10º adita-se os seguintes artigos:
Artigo 10º-A
Em cumprimento do acórdão acima referido, a Recorrente foi notificada para se pronunciar sobre um projecto de decisão final de indeferimento do sobredito recurso hierárquico, com a fundamentação constante da informação técnica nº 1379/06, cujo teor no doc. 4 da PI aqui se dá por reproduzido, destacando o seguinte segmento final:
«(…)
IV-CONCLUSÃO
Em face do exposto afigura-se-nos assistir razão aos Serviços de Inspecção ao terem considerado que, em virtude das relações especiais existentes entre as partes envolvidas, a ora recorrente transferiu proveitos com o objectivo de alcançar uma vantagem fiscal indevida, obviando à devida tributação de tais proveitos, pelo que se conclui ser de negar provimento ao presente recurso hierárquico.»
Fs. 11 a 18 da cópia do PEF integrant6e do P.A. e doc. 4 da PI
Artigo 10º- B
Do segmento final e conclusivo da adenda à informação com o nº 1379/06, integrante da fundamentação da reformulação da decisão do recurso hierárquico, a qual informação figura no doc. 4 da PI e a fs. 7 a 10 da cópia do PEF integrante do P.A., destacamos o segmento final, que tinha o seguinte teor:
Perante o exposto não encontramos motivos que justifiquem a alteração da posição anteriormente tomada e justificada no projecto de decisão notificado à recorrente, pelo que se converte em definitivo indeferindo portanto o recurso hierárquico interposto nos termos do artigo 112º do CIRC relativo à correcção de natureza quantitativa do lucro tributável , ao abrigo do artigo 57º do CIRC, do ano de 1996, propondo-se pelos motivos indicados na informação nº 1379/2006, que seja efectuada e notificada a liquidação adicional de imposto e juros compensatórios resultante da referida correcção”.
Fs. 9 da copia do PEF integrante do P.A.

Posta esta concretização, a traço mais fino, de alguma da matéria de facto que, repetimos, já vinha incluída no traço largo da sentença recorrida, afrontemos a segunda questão acima enunciada.

2ª Questão:
Mesmo cingindo-nos aos factos discriminados como provados, incorre, a sentença recorrida, em erro de direito, ao julgar extinto, por caducidade, o direito da AT a emitir a liquidação impugnada:
a) Seja porque o prazo de caducidade previsto nos artigos 33º nº 1 do Código de Processo Tributário não se aplica à liquidação que seja mera correcção de outra feita em devido tempo, em execução de decisão administrativa ou de sentença;
b) Seja porque o prazo se suspendeu, por força do nº 2 do artigo 33º do CPT, com a instauração e até ao trânsito em julgado da decisão judicial que pôs termo ao recurso contencioso da decisão que indeferiu o recurso hierárquico interposto relativamente às correcções técnicas feitas à matéria tributável de 1996?
Para começar, vejamos a alª a).
Subjaz a ela a alegação de que a sentença recorrida não podia dar por caducado o direito a liquidar, desde logo porque se trataria, no acto impugnado, não de uma liquidação ex novo, mas apenas da correcção de uma liquidação emitida em devido tempo, em consequência ou execução de uma decisão sentença de anulação daquela outra, com fundamentação tal que implica uma alteração do conteúdo da mesma.
A recorrida sustenta que se trata de uma questão nova, não colocada perante o tribunal recorrido, pelo que não pode ser discutida nesta sede recursiva nem fundamentar a procedência do recurso.
Não é assim.
A Questão consiste na caducidade do direito a liquidar o imposto objecto da liquidação impugnada; e foi alegada de facto e de direito na Petição Inicial. Perante o julgamento da precedência desta alegação, a Recorrida, demandada, vem suscitar, sem necessidade de inovar na matéria de facto julgada provada, uma alegação em matéria de direito, no sentido de haver erro de direito nesse julgamento, o qual consistiria em se ter julgado extinto, por caducidade, nos termos do artigo 33º nº 1 do CPT, o imposto objecto da liquidação adicional, por esta ter sido efectuada e notificada apenas em 2007, quando a mesma não seria mais do que a correcção da de 1999, a qual fora emitida dentro do prazo de caducidade, sendo que, tratando-se de liquidações quejandas, a data da prática do acto, a considerar – a da notificação da liquidação – deveria ser a data da notificação do acto corrigido ou mandado corrigir. Não se trata, assim, de suscitar inéditos factos, mas de arguir direito alegadamente devido, mas não aplicado pela sentença recorrida, pelo que nada obsta à sua discussão.
Porém, qualquer que seja a compatibilidade desta argumentação, cujo suporte jurisprudencial não se ignora, com a natureza jurídica da anulação do acto administrativo, a mesma jamais poderia aplicar-se e proceder no nosso caso.
É que, como já decorria da enunciação dos factos dados como provados na sentença recorrida e resulta mais explicitamente da densificação que procurámos fazer-lhe supra, a liquidação impugnada nos autos não tem natureza correctiva, seja para mais, seja para menos, da liquidação de 1999, cujo mérito não foi, sequer, apreciado pelo acórdão do TCAN, antes consiste na repetição, desta feita de modo válido, desta outra, que foi in totum, erradicada da ordem jurídica mediante anulação administrativa, em execução do acórdão do TCA Sul de 12/4/2005, por via de um vício de procedimento que consistiu na violação do direito de audição prévia do contribuinte relativamente à decisão que indeferiu o recurso hierárquico apresentado em 10/11/1999, nos termos do artigo 112º do CIRC de então, quanto à correcção à matéria tributável de 1996 efectuada com invocado fundamento no artigo 57º do mesmo CIRC, correcção que fora pressuposto de facto e de direito da liquidação “repetida”.
Note-se que a anulação do acto administrativo, enquanto determina uma species do genus que é a invalidade do acto administrativo, tem eficácia retroactiva, no sentido de que, em princípio, o erradica da Ordem Jurídica, tudo se devendo passar como se nunca tivesse sido emitido. Assim, tratando-se de uma anulação, não de parte, mas da totalidade do acto tributário de liquidação do tributo, nada fica de pregresso em que se possa “enxertar” o acto que venha a ser necessário emitir para executar a decisão judicial, pelo que este não é concebível como a correcção de um acto anterior, mas apenas como um acto novo e autónomo, pela primeira vez validamente praticado.
Acresce, até, embora não nos pareça determinante, que a AT acabou por indeferir totalmente o recurso hierárquico com os mesmos fundamentos substantivos com que o indeferira invalidamente em 1999, repristinando, desta feita, os mesmos pressupostos de direito e de facto da liquidação de 1999.
Por fim, para quem pense que uma quejanda repetição do acto da liquidação é susceptível de beneficiar, ainda assim, da data de notificação do acto substituído, para ficar a salvo da caducidade, diremos que não deixa de ter razão, a Recorrida, quando alega que o suposto acto correctivo foi notificado apenas em Fevereiro de 2007, bem depois de três meses após o trânsito em julgado (28/4/2005) do acórdão a executar, portanto após o termo do prazo de execução espontânea do julgado, conferido pelo artigo 175º nº 1 do CPTA na redacção de então, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT, pelo que já não pôde aproveitar a data da notificação do acto “substituído”.
Como assim, improcede a alegação subjacente à alª a) da questão 2ª.

E quanto à alínea b), quid júris?
Segundo a Recorrente, o prazo de caducidade do direito a liquidar o imposto objecto da liquidação impugnada teria estado suspenso desde a instauração do Recurso contencioso relativamente ao despacho que indeferiu o recurso hierárquico apresentado contra a correcção à matéria tributável, até ao trânsito em julgado do acórdão que pôs termo a este processo judicial.
O arrimo normativo para esta proposição é encontrado, pela Recorrente, no disposto no artigo 33º nº 2 do CPT, segundo o qual “a instauração de acção judicial, no caso de situações litigiosas, determina a suspensão do prazo de caducidade até ao trânsito em julgado da decisão.”
Tratando-se de IRC do ano de 1996, portanto, IRC cujo facto tributário ocorreu em 1996, antes de 1 de Janeiro de 1998, o prazo de caducidade é de cinco anos, conforme o artigo 33º nº 1 do extinto Código de Processo Tributário aprovado pelo DL nº 154/91 de 23 de Abril.
Tal é o que resulta – e não foi controvertido – do artigo 5º nº 5 do DL nº 398/98 de 17/12, que aprovou a LGT, segundo o qual “o novo prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998”.
Já se pode discutir, porém, se aquela norma de direito transitório se refere ao prazo concreto de caducidade do direito a liquidar qualquer tributo, portanto, ao regime os factores concretos da sua contagem, designadamente o dies a quo e as vicissitudes que nele intercorram, como sejam os factos causadores da sua suspensão, ou apenas ao seu quantum abstracto – cinco anos no CPT (artigo 33º nº 1 do CPT), quatro na LGT (artigo 45º nº 1 da LGT).
A Recorrente labora no pressuposto da primeira hipótese, mas isso não vincula o Tribunal (artigo 5º nº 3 do CPC) pelo que há, antes de mais, que afrontar esta questão.
A jurisprudência dos tribunais superiores, se em matéria de prescrição tem tratado expressamente tema análogo e confluído para uma uniformidade no sentido da hipótese correspondente à primeira acima delineada, já em matéria de caducidade não foi nem abundante nem uniforme.
Assim, e por exemplo, se no ac. STA de 12/5/2005 no processo 0808/04 se labora expressa mas labilmente no pressuposto daquela primeira hipótese hermenêutica, no ac. STA de 17/06/2015, processo n.º 0346/14, já se sustenta a aplicação do regime da LGT aos factos que intercorrerem no prazo ainda em curso aquando da suas entrada em vigor, em aplicação do artigo 12º nº 2 do CC, à guisa da jurisprudência que entretanto se vinha formando em matéria de prescrição, de onde resulta que se entendeu que o supra citado nº 5 do artigo 5º do DL nº 398/98, não podendo ser simplesmente ignorado, se refere apenas ao quantum abstracto do prazo.
Neste TCAN foram proferidos arestos que, conquanto a propósito de normas do CIVA, supõem ou sustentam a aplicação apenas do regime do CPT a todo o prazo de caducidade do direito a liquidar iniciados antes de 1 de Janeiro de 1998, com fundamento na norma transitória vinda a considerar, como o acórdão de 14/1/2021 no processo 21/14.6BUPRT, e o ac. de 28/09/2017 no processo 01134/04.8BEVIS. No TCAS não lográmos encontrar tratada esta questão de direito transitório.
Quanto a nós, julgamos que os elementos literal e racional da interpretação levam a concluir que o Legislador da norma de direito transitório em causa, com o sujeito da oração – “o prazo” –quer significar todo o regime jurídico do prazo, desde o seu quantum abstracto até à sua determinação em concreto mediante a definição do dies a quo e a consideração de eventuais factores de suspensão, com o que se exclui a contrario sensu, mas claramente, a aplicação do regime de contagem e suspensão da LGT ao prazo de caducidade do direito a liquidar relativamente a factos tributários ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1998, e isto mesmo quanto a intercorrências ocorridos após 1 de Janeiro de 1999, data da entrada em vigor de tal diploma.
Desde logo, o elemento literal chama a atenção do intérprete para o predicado da oração: “aplica-se” e para o sujeito – “o prazo”. Prima facie, dir-se-ia que o “prazo”, neste contexto, não significar outra coisa que o período de tempo previsto na Lei, mas aquele predicado desfaz esse equívoco, pois o que é susceptível de ser aplicado, é o direito, isto é, o regime jurídico de um prazo. O prazo corre, suspende-se e ou interrompe-se e esgota-se; não se aplica. O que se aplica é o Direito.
O elemento racional diz-nos, que, por um lado, o Legislador não dispôs o mesmo quanto à prescrição, tendo previsto expressamente, para esta, a aplicação do artigo 297º do CP, que já decorreria da metodologia do direito se nada fosse dito, assim dando um sinal de que, em matéria de direito transitório, não quis conferir aos dois institutos o mesmo regime. Por outro lado, o mesmo elemento racional diz-nos que é presumível que o legislador transitório não queira tratar igualmente institutos que são desiguais – prescrição do crédito tributário liquidado e por isso exigível, por um lado, e caducidade do direito a tornar líquido e, só então, exigível esse crédito, por outro.
Assim, embora se tenha que admitir que o legislador não se exprimiu da melhor maneira, concluímos que, mesmo por interpretação literal, se extrai do nº 5 do artigo 5º do diploma que aprovou a LGT que o regime desta quanto à caducidade do direito à liquidação dos tributos só se aplica aos prazos de caducidade do direito a liquidar os tributos cujos factos tributários ocorreram antes de 1 de Janeiro de 1998.
Posto isto, voltemos in casu:
A recorrente invocou, logo no procedimento tributário e depois, por remissão, na contestação, o nº 2 do artigo 33º do CPT:
2 - A instauração da acção judicial, no caso de situações litigiosas, determina a suspensão do prazo de caducidade até ao trânsito em julgado da decisão.
Segundo a Recorrente, tal seria o caso do recurso contencioso nº 03434/00 instaurado em 21/02/2000 no TCA Sul, contra o despacho ministerial que indeferiu o recurso hierárquico interposto, nos termos do artigo 112º do CIRC de então, quanto às alterações à matéria tributável de 1996 efectuadas nos termos do artigo 57º do mesmo CIRC.
A sentença recorrida interpretou esta norma no sentido de ela só abranger os litígios judiciais em que estivessem em causa a validade ou a existência do facto tributário, portanto, as causas cuja decisão fosse prejudicial do direito a liquidar. Na enunciação desta premissa maior do silogismo judiciário, secundou e citou avalizada doutrina.
Depois, como premissa menor, mencionou que o objecto do litígio invocado consistira apenas na discussão de pressupostos da própria liquidação e daí concluiu não ser, o sobredito recurso contencioso, subsumível à mesma norma.
A Recorrente diz, a este propósito, que se estão em causa pressupostos do acto, então não pode haver dúvida de que sem a decisão desse litígio não poderia ser emitida a liquidação ora impugnada, pelo que ocorreu precisamente, durante a pendência desse processo, a ratio legis da norma: não permitir que corra o prazo da caducidade do direito a liquidar enquanto, a AT estiver legalmente impedida de proceder à liquidação.
Efectivamente é essa a ratio desta norma, como é da correspondente norma da LGT (artigo 46º nº 2 alª a)). Aliás, podemos dizer que ela atravessa, posto que não apenas ela, todo e qualquer regime de suspensão da caducidade em geral.
Porém, essa ratio, no sentido com que foi representada pelo legislador, não ocorre em concreto quando o objecto do litígio consiste na legalidade, ainda que quanto aos pressupostos de facto, de uma liquidação do imposto já emitida e eficaz na ordem jurídica.
Tanto basta para ficar demonstrado que in casu o recurso contencioso não operou a suspensão do prazo de caducidade do direito á liquidação.
Mas mesmo que, indo além desta interpretação do nº 2 do artigo 33º nº 2 do CPT, se queira referir o critério da impossibilidade de liquidar, não à liquidação já emitida e invalidada, mas à “renovação” desta, basta, para excluirmos, no nosso caso, o efeito suspensivo, representarmo-nos que nada impedia a Autoridade Tributária, mesmo depois de instaurado o recurso contencioso, de reconhecer razão à alegação da violação do direito de audição prévia e, consequentemente, anular, com fundamento na ilegalidade procedimental, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico – causando a extinção, por inutilidade superveniente, do processo judicial – e, bem assim, anular, como acto consequente, a liquidação impugnada, retomar o recurso hierárquico no ponto em que ocorrera a ilegal omissão, proceder à audição em falta e, eventualmente, se continuasse a entender ser esse o direito, emitir, em tempo e validamente, nova liquidação em função das mesmas correcções.
Como assim, julgamos que tão pouco a instauração e a pendência do recurso contencioso nº 03434/00 suspendeu o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC de 1996, objecto das liquidações adicionais aqui impugnadas.

Das expostas respostas às questões enunciadas decorre ser de manter a sentença recorrida em todo o seu dispositivo.


IV – Custas

As custas do recurso, ficam a cargo da Recorrente conforme decorre do artigo 527º do CPC. Porém considerando o valor da causa, a simplicidade das questões e a correcção da conduta das partes, dispensa-se as mesmas do pagamento do remanescente da taxa de Justiça, conforme permite o artigo 6º, nº7 do RCP.

V- Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente e em manter o dispositivo da sentença recorrida.
Custas pela Recorrente com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Porto, 3/2/2022

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina da Nova
Cristina Travassos Bento
________________________________________
i) Este artigo é uma redundância, pois o facto e documento são os mesmos do anterior artigo 3º.

ii) Melhor: conjugação de folhas 7 do Processo do Processo administrativo “stricto sensu” e 5 a 23 do processo de execução fiscal apenso, sendo que há lapso na data do ofício – 28 em vez de 08 – no termo de juntada de fs. 23 da execução (nota nossa).