Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02788/16.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:COMPENSAÇÃO
EXCESSO DE GARANTIA
NULIDADE DA SENTENÇA
RECLAMAÇÃO DE ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - No contencioso associado à execução fiscal, nos casos em que esteja em causa compensação, penhora ou venda de bens ou de direitos, o valor atendível para efeitos de custas ou outros previstos na lei corresponde ao valor dos bens ou direitos penhorados, vendidos ou objecto de compensação, se inferiores à dívida exequenda (artigo 97.º-A, n.º 1, alínea e) do CPPT).
II - No processo judicial tributário, o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Este vício tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, tendo lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
III - No processo judicial tributário, os vícios de omissão e de excesso de pronúncia, como causas de nulidade da sentença, estão previstos no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no penúltimo e no último segmento da norma, respectivamente.
IV - Esta causa de nulidade traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
V – Tendo subjacente compensação realizada, não pode chamar-se à colação qualquer eventual excesso na garantia prestada no âmbito de processo de execução fiscal, uma vez que a compensação é um acto autónomo que tem como função a extinção da obrigação e não a garantia da dívida exequenda – cfr. artigo 199.º, n.º 1 e n.º 2 do CPPT e artigo 847.º, n.º 1 do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

M..., S.A., com sede na Rua…, com o NIPC 5…, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 04/04/2017, que julgou improcedente a reclamação formulada contra a decisão proferida pelo Chefe Adjunto do Serviço de Finanças de Matosinhos 2, datado de 04.10.2016, que indeferiu o pedido de devolução da quantia de € 28.498,10, objecto de compensação.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1. Em petição articulada, a aqui Recorrente solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 2 que lhe devolvesse a quantia de € 28.498,10, por considerar que aquele valor estaria em excesso, em face da garantia já prestada nos processos executivos n.º 3514201601093061 e 3514201601106589 (entretanto apensados), respeitantes a IRC de 2014 e IRS de 2013.
2. Do indeferimento do seu pedido, apresentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, reclamação de ato de órgão de execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 276º e 277º do CPPT, evidenciando que o fundamento da reclamação era o excesso da garantia que resultava do valor já garantido, de € 129.528,88, adicionado dos já referidos € 28.498,10, respeitantes a um crédito que a aqui Recorrente detinha sobre a AT de IRC de 2015, que foi objecto de penhor e posterior compensação.
3. Resultando assim numa garantia prestada, efetiva, de € 158.026,98, claramente excessiva em face da dívida exequenda, de € 101.805,02.
4. O indeferimento do pedido de devolução do excesso da garantia prestada teve como fundamento o facto de a ora Recorrente não ter colocado em crise o penhor e a compensação, e como tal, esses atos estarem consolidados, bem como a caducidade do seu direito de devolução da quantia compensada.
5. Na sua contestação, a Fazenda Pública socorreu-se dos fundamentos invocados pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 2.
6. Na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou improcedente a exceção perentória invocada pelo Ministério Público, por concluir que a petição inicial foi apresentada em tempo, já que o que a Reclamante quis colocar em causa foi o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 2.
7. Porém, na sentença recorrida, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo julgou improcedente a reclamação por considerar que a Recorrente pretendeu colocar em crise a legalidade do penhor e da compensação.
8. Tal decisão está em contradição com os fundamentos aduzidos na improcedência da exceção alegada pelo MP.
9. Considera assim a Recorrente que a sentença em apreço é nula, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.
10. Sem prescindir, a Recorrente entende ainda que a sentença em apreço padece de vício de errada interpretação dos factos e da lei, pelos motivos que passará a explanar:
11. Na douta sentença recorrida a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo deu como provados os factos A. a H. que aqui se dão como integralmente transcritos para os devidos efeitos.
12. Porém, considera que, para além desses, deveriam ter sido considerados assentes os seguintes:
I. A recorrente apresentou requerimento, no Serviço de Finanças de Matosinhos 2, em 08/09/2016, solicitando a devolução do valor de € 28.498,10, por considerar que o montante em causa constituía excesso no montante legal a garantir, no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 3514201601106589 e 3514201601093061 (doc. n.º 5 junto com a p.i.)
II. Por despacho de 4 de Outubro de 2016, foi indeferido o referido pedido com fundamento no facto de a reclamação dos atos de órgão de execução fiscal, previstos nos artigo 276º e 277º do CPPT não ser o meio próprio para contestar a constituição do penhor e a respetiva compensação.
III. A hipoteca voluntária constituída como garantia, para efeitos da suspensão dos processos de execução fiscal, no valor de € 129.528,88, foi registada a favor do Estado (Serviço de Finanças de Matosinhos 1) na competente Conservatória do Registo Predial, em 15.07.2016.
13. Com base nos factos dados como provados, ocorreu nulidade de sentença por omissão de pronúncia quanto ao fundamento da reclamação (devolução do excesso de garantia), e ainda por excesso de pronúncia sobre questão que o Tribunal a quo não deveria conhecer, por não ter sido invocada – legalidade do penhor e da compensação.
14. Tais factos, a não serem entendidos como nulidades da sentença, configuram erro de julgamento.
15. Erro de julgamento que se inicia com a fixação do valor da causa em € 248,30, por ser a dívida exequenda, quando dos factos dados como provados não se retira essa demonstração.
16. O valor de € 28.498,10 não é dívida exequenda, mas antes a quantia referente ao excesso de garantia, que a Recorrente pretende que lhe seja devolvida, por via da anulação do despacho de indeferimento do Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 2.
17. Valor que, entende a Recorrente, deverá ser fixado como o da causa.
18. Ocorreu erro de julgamento, igualmente, quando, ao contrário do pedido da Reclamante – devolução de excesso de garantia – na sentença em recurso se conclui que o que a Reclamante pretendia era colocar em causa a legalidade do penhor e da compensação.
19. A devolução da quantia não pressupõe a ilegalidade dos atos.
20. Pressupõe, sim, o excesso que ocorreu na prestação de garantia.
21. A Recorrente seguiu os trâmites legais que lhe competia seguir, designadamente impugnando as liquidações que considerou ilegais, e, após, requerendo a suspensão dos processos de execução fiscal entretanto instaurados, ao que juntou o registo da hipoteca voluntária que constituiu a favor do Estado, tendo praticado os atos dentro dos prazos legalmente previstos para o efeito.
22. Ora, encontrando-se já prestada, e aceite, garantia a favor do Estado, no valor de € 129.528,88, esse valor adicionado ao do penhor, de € 28.498,10, constitui excesso de garantia.
23. Motivo pelo qual a aqui Recorrente solicitou a sua devolução ao Serviço de Finanças de Matosinhos 2.
24. Ocorreu erro de julgamento no que concerne à questão principal objeto do pedido – devolução da quantia prestada em excesso – por errada interpretação dos factos, já que a sentença em apreço considerou que o pedido da aqui Recorrente se compaginava com a discussão da legalidade do ato de penhor e posterior compensação, quando na verdade não é o que sucedeu, o que acarretará a anulação da sentença ora recorrida.
Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se nula a sentença recorrida, por contradição entre os fundamentos e a decisão, por omissão de pronúncia relativamente ao pedido da Reclamante e excesso de pronúncia no tocante à decisão da causa.
Caso assim Vossas Excelências não entendam, então sempre deverá ser anulada a sentença recorrida, por erro de julgamento, designadamente na apreciação dos factos relevantes constantes dos documentos juntos aos autos e consequente erro na aplicação da lei e substituída por decisão que defira a pretensão da aqui Recorrente – lhe que seja ordenada a devolução da quantia de € 28.498,10, por ocorrer excesso de prestação de garantia nos processos de execução fiscal aqui evidenciados.
Decidindo nos termos ora propugnados, farão Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a costumada justiça.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia; e se enferma de erro de julgamento, por ter decidido manter o acto de recusa do pedido de devolução da quantia de €28.498,10, quando estava em causa, não a legalidade dos actos que determinaram o penhor e a compensação, mas um “excesso de garantia”. Haverá, ainda, que apreciar o pedido de alteração do valor fixado para a presente reclamação judicial.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“É a seguinte a matéria de facto assente com relevância para a decisão da causa, para além da que antecede Refere-se à factualidade autonomizada para conhecimento da excepção de caducidade do direito de acção que transcrevemos infra., por ordem lógica e cronológica:
A. Em Junho de 2016, foram instaurados contra a reclamante os processos de execução fiscal n.º 3514 2016 0109 3061 e apensos, para cobrança de dívida de IRS de 2014 e IRC de 2013, no montante de € 101.805,02 – cfr. fls. 158 (verso) do processo físico.
B. A reclamante deduziu impugnações judiciais contra as liquidações que estão na origem dos processos de execução fiscal em causa – cfr. fls. 158 (verso) do processo físico.
C. Em 21.07.2016, a reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Matosinhos 2 um pedido de suspensão dos processos de execução fiscal em causa, oferecendo como garantia uma hipoteca – cfr. fls. 17 a 20 do processo físico.
D. Em 10.08.2016, no âmbito dos processos de execução fiscal em causa foi efectuado o penhor do valor de € 28.498,10, proveniente de IRC de 2015 – cfr. fls. 124 do processo físico.
E. Em 12.08.2016, a reclamante foi notificada do penhor – cfr. fls. 122 do processo físico.
F. Em 18.08.2016, procedeu-se à compensação do referido montante no processo de execução fiscal apenso – cfr. fls. 124 do processo físico.
G. Em 26.08.2016, a reclamante foi notificada da compensação – cfr. fls. 122 do processo físico.
H. Em 07.09.2016, foi proferido despacho de deferimento do pedido de suspensão que antecede – cfr. fls. 158 e ss. do processo físico.
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa.
Motivação
A convicção do Tribunal assentou na análise crítica dos documentos juntos aos autos e concretamente referidos a propósito de cada um dos factos assentes bem como na posição das partes relativamente aos factos constantes dos articulados pelas mesmas apresentados.”
Para o conhecimento da excepção de caducidade do direito de acção havia sido previamente autonomizada a seguinte factualidade:
“Com relevância para a decisão da questão em apreço, resultam provados os seguintes factos, por ordem lógica e cronológica:
1. Em 08.09.2016, a reclamante requereu, no âmbito do processo de execução fiscal que corre termos no Serviço de Finanças de Matosinhos 2 sob o n.º 3514 2016 0109 3061, a devolução da quantia de € 28.498,10, objecto de penhor – cfr. fls. 124 do processo físico.
2. Em 04.10.2016, o requerimento que antecede foi indeferido com os seguintes fundamentos – cfr. fls. 124 do processo físico:

3. Em 10.10.2016, a reclamante foi notificada do despacho que antecede – cfr. fls. 124 (verso) do processo físico.
4. Em 14.10.2016, a reclamante apresentou a reclamação que deu origem a estes autos – cfr. fls. 124 (verso) do processo físico.”
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2. O Direito

Sustenta a Recorrente que o tribunal recorrido errou fixando como valor da causa €248,30, por ser o valor da dívida exequenda, quando, dos factos dados como provados, não se retira essa demonstração.
A Recorrente pretende que lhe seja devolvida, por via da anulação do despacho de indeferimento do Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 2, a quantia de €28.498,10, que não corresponde à dívida exequenda, mas, na sua visão, a valor que consubstancia excesso de garantia. Defende, por isso, que deverá este valor ser fixado como o da causa.
Na sentença recorrida consta, efectivamente, o seguinte segmento:
“Nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, fixo o valor da causa em €248,63, correspondente ao valor da dívida exequenda.”
Desde logo, acompanhamos a alegação de recurso, dado que na A) da factualidade apurada se afirma que os processos de execução fiscal n.º 3514 2016 0109 3061 e apensos foram instaurados para cobrança de dívida de IRS de 2014 e IRC de 2013, no montante de €101.805,02. O acto aqui reclamado, onde se indeferiu o pedido de devolução da quantia de €28.498,10, foi praticado no âmbito desses processos executivos. Ora, verifica-se que o valor correspondente à dívida exequenda é €101.805,02, não se vislumbrando, de qualquer elemento ínsito nos autos, que a quantia exequenda possa perfazer o valor de €248,63.
O artigo 97.º-A do CPPT, na redacção atribuída pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, dispõe o seguinte:
“Valor da causa
1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;
c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.
e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, excepto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior. (…)”
Esta nova redacção do preceito veio introduzir a alínea e) em que se estabelecem os critérios para determinar o valor atendível para efeitos de custas no contencioso associado à execução fiscal e em que se inclui a reclamação das decisões do órgão da execução fiscal.
Dando corpo à resolução das deficiências apontadas à anterior redacção (do DL n.º 34/2008), que Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Editora, 6ª edição, Volume II, pag. 77, apelidava de "lamentável", por não respeitar a respectiva autorização legislativa, a nova redacção do preceito veio estabelecer expressamente que, no contencioso associado à execução fiscal, nos casos em que esteja em causa compensação, penhora ou venda de bens ou de direitos, o valor atendível para efeitos de custas corresponde ao valor dos bens ou direitos penhorados, vendidos ou objecto de compensação, se inferiores à dívida exequenda – cfr. Acórdão do STA, de 04/05/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0458/16.
Ora, no caso vertente mostra a decisão da matéria de facto que, no âmbito do processo executivo apenso ao processo de execução fiscal n.º 3514 2016 0109 3061, foi realizada compensação no montante de €28.498,10, para assegurar o pagamento da respectiva quantia exequenda.
É contra o acto que indeferiu a devolução desta quantia, objecto de compensação, que a Recorrente se insurge nos presentes autos.
Por isso, não oferece dúvidas que o acto impugnado é o que indeferiu o pedido de restituição do montante relativo a compensação, mas cujo valor é inferior ao da quantia exequenda, motivo pelo qual deve ser aquele o valor a atender para efeitos de fixação do valor da acção, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT, na redacção da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
A decisão recorrida, que assim não entendeu, padece do erro de julgamento que lhe é imputado quanto a este aspecto, pelo que se fixa o valor da causa em €28.498,10, nos termos da já referida alínea e) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT.
In casu, esta alteração tem relevância, dado ficar, assim, acautelada a admissibilidade do presente recurso:
O artigo 280.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estabeleceu a alçada dos tribunais tributários, fixando-a em um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância. Ulteriormente, esta alçada, prevista apenas para os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, foi fixada no mesmo montante para a generalidade dos processos da competência dos tribunais tributários, pelo artigo 6.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002.
A alçada dos tribunais de judiciais de 1.ª instância em processo civil foi fixada em €5.000,00 pelo n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro [Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ)], na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (LOFTJ de 2008), mas só se aplica a processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2008 (artigos 11.º e 12.º deste Decreto-Lei). Para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007, continua a vigorar a alçada de € 3.740,98, fixada pelo n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 3/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro. Assim, a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de €935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de €1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008 - cfr., neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, volume I, anotação 4 ao artigo 6.º, pág. 88 e volume IV, anotação 9 ao artigo 280.º, págs. 418/419.
No caso, o valor agora fixado à causa é superior à alçada do tribunal tributário de 1.ª instância - €28.498,10 é superior a €1.250,00 (o processo foi iniciado após 01/01/2008); não se verificando qualquer óbice para o conhecimento do presente recurso.

Começa a Recorrente por imputar o vício de nulidade à sentença recorrida, por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Alega que, na sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou improcedente a excepção peremptória invocada pelo Ministério Público, por concluir que a petição inicial foi apresentada em tempo, já que o que a Reclamante quis colocar em causa foi o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos. Porém, na mesma decisão recorrida, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo julgou improcedente a reclamação por considerar que a Recorrente pretendeu colocar em crise a legalidade do penhor e da compensação.
Defende, assim, a Recorrente que a sentença em apreço é nula, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, dado que esta está em contradição com os fundamentos aduzidos na improcedência da excepção alegada pelo Ministério Público.
Com efeito, considera-se haver oposição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/04/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07435/14), ou, como escreve Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado, Vol. II, Áreas Editora, 2011, pp. 361, oposição entre os fundamentos e a decisão «(…) ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão».
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
2-Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6.
Nos termos do preceituado no citado artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar, como referimos, somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
No caso sub judice, não se detecta, de forma evidente, a presença na sentença recorrida de tal nulidade em análise. Mas, vejamos a fundamentação da mesma, dado que parece aí estar o cerne do problema:
“(…) O objecto da presente reclamação consiste no despacho proferido pelo Chefe Adjunto do Serviço de Finanças de Matosinhos 2, datado de 04.10.2016, que indeferiu o pedido de devolução da quantia de € 28.498,10. Tal quantia proveio de IRC de 2015 e foi objecto de penhor e posterior compensação no processo de execução fiscal apenso em causa.
Entende a reclamante que tem direito à devolução dessa quantia porquanto, tendo em conta a aceitação da hipoteca por si oferecida como garantia para suspensão do processo de execução fiscal, aquela se traduz num valor excessivo de garantia. Assim, o que a reclamante pretende, verdadeiramente, atacar é a legalidade do acto de penhor e posterior compensação. Efectivamente, a devolução da quantia em causa pressupõe a ilegalidade daqueles actos; pelo contrário, a serem válidos, não faz sentido a devolução pretendida.
Todavia, para além de, expressamente referir na p.i. que pretende a invalidação do acto que indeferiu o seu pedido de devolução – e não os actos de penhor e compensação -, estes actos (penhor e compensação) consolidaram-se na ordem jurídica na medida em que, apesar de notificados à reclamante, não foram pela mesma impugnados, não tendo cabimento, nesta sede, apreciar a respectiva legalidade.
Pelo exposto, improcede a reclamação.”
Ora, a sentença recorrida identifica claramente o objecto da presente reclamação, tal como já o havia efectuado para conhecer a excepção de caducidade do direito de acção – o acto reclamado trata-se do despacho proferido pelo Chefe Adjunto do Serviço de Finanças de Matosinhos 2, datado de 04.10.2016, que indeferiu o pedido de devolução da quantia de € 28.498,10.
O facto de a sentença recorrida afirmar que o que a reclamante pretende, verdadeiramente, é atacar a legalidade do acto de penhor e posterior compensação, não é mais do que uma interpretação do pedido e da causa de pedir formuladas, mas que, quando muito, poderá enfermar de erro de julgamento (por errada interpretação dos factos). Logo de seguida, a Meritíssima Juíza “a quo” reitera que a reclamante pretende a invalidação do acto que indeferiu o seu pedido de devolução e não os actos de penhor e compensação; contudo, conclui que tal pressupunha a ilegalidade destes actos, mas que os mesmos não foram impugnados, não tendo cabimento, agora, apreciar a sua validade.
Assim, num silogismo lógico, acompanha-se e alcança-se a relação entre os fundamentos da decisão e a própria sentença, sendo o mesmo o acto identificado tanto aquando da apreciação da excepção como no momento da análise do fundo da causa. E, por outro lado, apesar de sucinta, considera-se que no presente caso existe fundamentação, tendo a mesma relação perceptível com o julgado, sendo inteligível, pelo que se poderá discordar da motivação, mas não se vislumbra a invocada nulidade, por oposição entre os seus fundamentos e a decisão, na medida em que, por a reclamante não ter atacado, em tempo, os actos de penhor e de compensação, retira a ilação que os mesmos se consolidaram na ordem jurídica, não existindo fundamento para a devolução da quantia peticionada; logo, consequentemente, mais uma vez num silogismo lógico, levou ao julgamento da improcedência da reclamação.

Todavia, a Recorrente insiste em assacar o vício de nulidade à sentença recorrida, desta feita alegando que, com base nos factos dados como provados, ocorreu nulidade de sentença por omissão de pronúncia quanto ao fundamento da reclamação (devolução do excesso de garantia), e ainda por excesso de pronúncia sobre questão que o Tribunal a quo não deveria conhecer, por não ter sido invocada – legalidade do penhor e da compensação.
Segundo o preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente. Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões, de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37.
No processo judicial tributário os vícios de omissão e de excesso de pronúncia, como causas de nulidade da sentença, estão previstos no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no penúltimo e no último segmento da norma, respectivamente.
Na verdade, a única questão a apreciar na presente reclamação era a validade do acto reclamado, tendo por base os fundamentos que motivaram o indeferimento do pedido de devolução da quantia de €28.498,10, dado que a reclamante se insurge contra os mesmos afirmando que está em causa um excesso de garantia.
Efectivamente, o tribunal não pode conhecer do pedido de devolução de €28.498,10, mas apenas sindicar a legalidade da decisão do mesmo. Como decorre dos seus próprios termos, a reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT destina-se a obter a anulação dos actos praticados no processo de execução fiscal. E o tribunal recorrido limitou-se a apreciar os vícios imputados ao acto decisório, não tendo avançado para a apreciação dos actos de penhor e de compensação. Aliás, na sentença recorrida consta expressamente não ter cabimento, nesta sede, a apreciação da legalidade desses actos.
Não se verifica qualquer excesso de pronúncia, dado que é o próprio acto sindicado que fundamenta o indeferimento na falta de reacção contra os actos de penhor e de compensação: “(…) tendo o executado sido notificado da constituição do penhor e da sua compensação, bem como da forma e prazo para reagir contra os mesmos e nada tendo feito, o direito de reclamar contra os mesmos extinguiu-se por não ter sido exercido no prazo devido. (…)” É daqui que decorre depois a decisão de indeferimento do pedido de devolução da quantia que foi objecto de compensação.
Nesta conformidade, o tribunal recorrido, no seu trabalho de sindicância da legalidade do acto reclamado, limitou-se a confirmar a validade (e suficiência) dos fundamentos que sustentaram o acto de recusa (arredando qualquer excesso de pronúncia); ficando, implicitamente, afastado o fundamento/razão apontado pela Recorrente – estar em causa um excesso de garantia que justificasse a devolução concretamente do valor de €28.498,10, não se vislumbrando, também, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

Vejamos, contudo, se terá a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento.
Antes de mais, a Recorrente considera que, para além dos factos constantes de A) a H) na decisão da matéria de facto, deveriam ter sido considerados assentes os seguintes:
I. A recorrente apresentou requerimento, no Serviço de Finanças de Matosinhos 2, em 08/09/2016, solicitando a devolução do valor de € 28.498,10, por considerar que o montante em causa constituía excesso no montante legal a garantir, no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 3514201601106589 e 3514201601093061 (doc. n.º 5 junto com a p.i.)
II. Por despacho de 4 de Outubro de 2016, foi indeferido o referido pedido com fundamento no facto de a reclamação dos actos de órgão de execução fiscal, previstos nos artigo 276º e 277º do CPPT, não ser o meio próprio para contestar a constituição do penhor e a respectiva compensação.
III. A hipoteca voluntária constituída como garantia, para efeitos da suspensão dos processos de execução fiscal, no valor de € 129.528,88, foi registada a favor do Estado (Serviço de Finanças de Matosinhos 1) na competente Conservatória do Registo Predial, em 15.07.2016.
Ora, estes factos já se mostram assentes na sentença recorrida, ainda que de forma menos pormenorizada.
Quanto aos fundamentos do acto reclamado, a sentença recorrida optou por uma transcrição quase total dos mesmos, não se alcançando o motivo para aditar à decisão da matéria de facto que a reclamação dos actos de órgão de execução fiscal, previstos nos artigo 276º e 277º do CPPT, não é o meio próprio para contestar a constituição do penhor e a respectiva compensação, quando, conforme consta da transcrição no ponto 2., aí se refere precisamente o oposto: que é o meio próprio.
No que tange ao acréscimo de detalhes relativamente à hipoteca constituída (III), não encontramos obstáculos no aditamento desta factualidade à decisão da matéria de facto; no entanto, como veremos, tal acaba por se mostrar irrelevante para a decisão da causa.

Não obstante a Recorrente colocar a tónica do recurso no excesso de garantia prestada, desde logo, afigura-se-nos que incorre em equívoco, dado que a quantia, cuja devolução solicitou, acabou por ser objecto de compensação, operada num dos processos de execução fiscal em apreço (no apenso).
É verdade, que, tendo em conta certas vicissitudes, os valores das garantias a prestar poderão ser ajustados na pendência do processo de execução fiscal, mediante reforço ou prestação de nova garantia idónea, por exemplo – cfr. artigo 169.º, n.º 8 do CPPT.
Todavia, à data do requerimento e da prática do acto reclamado, apenas estava em causa o oferecimento da hipoteca como garantia, que foi aceite pela AT – cfr. C), H), 2 e 3 da factualidade apurada. Dado que, no que concerne ao montante cuja devolução se peticionou, se havia procedido à compensação do referido valor no processo de execução fiscal apenso – cfr. F) da decisão da matéria de facto.
Portanto, já tinha sido concretizada compensação e esta não é uma forma de garantia – cfr. artigo 199.º, n.º 1 e n.º 2 do CPPT. Logo, não podemos falar em “excesso de garantia” por referência a um crédito proveniente do IRC de 1995 que foi aplicado num processo de execução fiscal por compensação (apesar de antes ter sido objecto de penhor).
A compensação é um instituto jurídico que, a par do cumprimento e de outras causas legais, tem uma função extintiva ou modificativa da dívida derivada da liquidação, não envolvendo a compensação a apreciação da legalidade da liquidação.
A compensação é, no fundo, “um encontro de contas destinado a evitar pagamentos recíprocos”, sendo causa de extinção da obrigação – cfr. artigo 847.º, n.º 1 do Código Civil.
Decorre do exposto que a compensação é um acto autónomo, em que a apreciação da sua legalidade não contende nem implica a apreciação da legalidade da liquidação – cfr. Acórdão do STA, de 10/09/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0738/13.
O facto de ter ocorrido impugnação das liquidações donde derivam as dívidas tributárias compensadas ou compensandas não é obstativo de reacção contra o acto tributário de compensação que, sendo acto autónomo e distinto do acto tributário da liquidação, pode ser directamente lesivo dos interesses da Recorrente e, como tal, susceptível de reclamação de acto de órgão de execução fiscal, previsto nos artigos 276.º e 277.º do CPPT, por ser este o meio de tutela judicial que a lei consagra para impugnação de actos lesivos praticados no âmbito do processo de execução fiscal.
Nesta conformidade, apesar de a Recorrente ter optado somente por deduzir a presente reclamação, podia e devia ter impugnado tempestivamente o acto de compensação, com fundamento na sua inadmissibilidade legal, por exemplo, por não se verificarem os requisitos de que depende a realização dessa operação, prevista no artigo 89.º do CPPT – cfr. artigo 277.º, n.º 1 do CPPT. A procedência de tal reclamação teria, certamente, como consequência a devolução da quantia objecto de compensação peticionada à AT.
Embora a AT deva proceder (em conformidade com os princípios constitucionais e legais que devem nortear a sua actuação, nomeadamente os princípios da legalidade e da boa fé) à atempada e adequada regularização das situações originadas por erros ou procedimentos menos correctos que tenha praticado – cfr. Acórdão do STA, de 14/05/2015, proferido no âmbito do processo n.º 0475/15 – o certo é que, não adoptando tal comportamento, e se esses actos não forem tempestivamente questionados, consolidam-se na ordem jurídica, inviabilizando, neste momento (sem mais), a devolução da quantia já objecto de compensação, como se apresenta decidido no acto reclamado e na sentença recorrida, que, por isso, se impõe confirmar.
Tal não significa que, sendo definitivamente julgada a ilegalidade da dívida exequenda [foi deduzido meio judicial adequado – cfr. B) da factualidade apurada], que foi objecto de compensação, não possa, nessa altura, consequentemente, vir a ser restituída a dita quantia de €28.498,10 (e outras que tenham sido eventualmente pagas no âmbito de liquidação subsequentemente anulada judicialmente) – cfr. regime jurídico dos actos consequentes.
Queremos com isto significar que o acto de compensação pode enfermar de vícios próprios, e, sendo impugnado, não envolve a apreciação da legalidade da liquidação, mas, não tendo sido impugnado judicialmente, não quer dizer que subsista na ordem jurídica se for anulada a liquidação que lhe subjaz, no âmbito de meio adequado onde tenha sido apreciada a legalidade da liquidação.
Nestes termos, in casu, tendo sido operada compensação, estamos já fora do âmbito das garantias que visam suspender processos de execução fiscal, sendo destituído argumentar-se com o “excesso de garantia”. Sendo este o único fundamento do invocado erro de julgamento, é forçoso negar provimento ao recurso nesta parte.


Conclusões/Sumário

I - No contencioso associado à execução fiscal, nos casos em que esteja em causa compensação, penhora ou venda de bens ou de direitos, o valor atendível para efeitos de custas ou outros previstos na lei corresponde ao valor dos bens ou direitos penhorados, vendidos ou objecto de compensação, se inferiores à dívida exequenda (artigo 97.º-A, n.º 1, alínea e) do CPPT).
II - No processo judicial tributário, o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Este vício tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, tendo lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
III - No processo judicial tributário, os vícios de omissão e de excesso de pronúncia, como causas de nulidade da sentença, estão previstos no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no penúltimo e no último segmento da norma, respectivamente.
IV - Esta causa de nulidade traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
V – Tendo subjacente compensação realizada, não pode chamar-se à colação qualquer eventual excesso na garantia prestada no âmbito de processo de execução fiscal, uma vez que a compensação é um acto autónomo que tem como função a extinção da obrigação e não a garantia da dívida exequenda – cfr. artigo 199.º, n.º 1 e n.º 2 do CPPT e artigo 847.º, n.º 1 do Código Civil.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, fixando o valor da causa em €28.498,10, mas confirmando, quanto ao mais, a sentença na parte recorrida.
Custas a cargo da Recorrente, cujo decaimento se fixa em 95%, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 13 de Julho de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves