Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02052/11.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO; INIMPUGNABILIDADE; DESVIO DE PODER; MANIFESTA ILEGALIDADE
Sumário:I-Ainda que hoje seja de admitir como legalmente admissível, no especifico campo do contencioso tributário, outras providencias, para além da providencia especialmente regulada no artigo 147º n.ºs 1 a 5 do CPPT (intimação para um comportamento) e de, na sua apreciação, o aplicador do direito estar obrigado a convocar normas contidas noutros Códigos, designadamente do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (em que surge delimitado o seu campo de aplicação e estão enunciados os pressupostos de cuja verificação está dependente a procedência de determinas pretensões cautelares) -, o recurso que venha a ser interposto das decisões proferidas em tais processos cautelares deve reger-se, no que respeita aos prazos para a sua interposição, pelo disposto no artigo 283º do CPPT, por o legislador tributário não ter prescindido (nem na regulamentação originária, nem depois das sucessivas alterações que neste campo foram sendo realizadas na legislação processual civil e na legislação processual administrativa), de expressamente regulamentar esta matéria, pelo que as normas sobre tais prazos contidas na legislação processual civil e processual administrativa são apenas de aplicação subsidiária.
II - Constituindo dever do juiz apreciar todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, n.º 2 do mesmo diploma legal citado) existirá violação desse dever e, consequentemente, verificar-se-á a nulidade da sentença por omissão de pronuncia, tanto nos casos em que o Tribunal não tome posição sobre questão que devesse conhecer, como nos casos em que, não podendo conhecê-la, não decida explicitamente não poder dela tomar conhecimento.
III - Tendo os Requerentes pedido uma determinada tutela cautelar, exige-se do Tribunal que conheça de todas as questões, de facto e direito, que pertinentemente se colocam à apreciação dessa pretensão e de cuja decisão está dependente julgarem-se verificados, ou não, os requisitos que o decretamento da providencia requer.
IV - Assim, existiria em princípio omissão de pronúncia se o julgador não se pronunciasse sobre os fundamentos que os Recorrentes elegeram para suportar o seu pedido de suspensão do “acto determinativo da inspecção externa” por referência aos anos de 2009 e 2010.
V – Porém, a referida omissão não se verifica, se a não pronúncia do Tribunal sobre os fundamentos da pretensão cautelar se tiver ficado a dever ao facto de o acto cuja suspensão foi requerida ter sido considerado inimpugnável, pois tal importa pois tal importa a insusceptibilidade da sua suspensão.
VI – Dada a exigência constitucional de uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 268/4 da CRP), a tutela cautelar no âmbito do contencioso tributário, apesar de se destinar especialmente a salvaguardar interesses patrimoniais, não pode deixar de considerar também a salvaguarda de outros interesses e valores, ainda que para isso seja exigido do Requerente da providência que alegue e comprove requisitos que vão muito para além dos prejuízos materiais de difícil reparação que o legislador tributário considerou como o fundamento/regra do decretamento da tutela cautelar.
VII – Uma efectiva tutela jurisdicional no contencioso tributário exige que seja reconhecida ao contribuinte a possibilidade de impugnação de actos procedimentais que se mostrem imediatamente lesivos, sendo que ocorre essa lesividade se a Administração Tributária, relativamente a um contribuinte, mantém uma (eventual) actividade persecutória traduzida na prática de inspecções sucessivas ao longo de cerca de 20 anos.
VII – A suspensão de um acto administrativo ao abrigo do preceituado no artigo 120º al. a) do CPTA, exige a alegação e prova indiscutível de que o acto suspendendo é idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, determina ou assenta na aplicação de norma já anteriormente anulada ou é ostensiva, patente ou notoriamente ilegal.
VIII – Se o contribuinte não demonstra de forma inequívoca a violação dos preceitos em que assenta a desconformidade do acto suspendendo com a lei, nem prova, de forma isenta de qualquer dúvida fundada, que subjacente à actividade inspectiva a que foi sujeito de forma sucessiva ao longo de, pelo menos, 20 anos, está em exclusivo uma actividade persecutória da Administração Fiscal à sua pessoa, tem de concluir-se que não demonstrou os pressupostos referidos em VII.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:D... e C...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento aos recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – Relatório
D… e C…, residentes na Rua…, da cidade de Braga, intentaram contra a Direcção de Finanças de Braga, sita na Rua Dr. Costa Júnior, n.° 34, 4719-001 Braga, a presente providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, pedindo a suspensão da eficácia do ato que determinou a realização de acção inspectiva aos anos de 2008, 2009 e 2010, consubstanciado na Ordem de Serviço n.° OI201103615.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por sentença de 22 de Junho de 2012, julgou extinta a instância no que concerne ao exercício de 2008 e, no mais, improcedente o procedimento cautelar.
Inconformados com o assim decidido, na parte relativa à improcedência do procedimento, os Requerentes interpuseram recurso jurisdicional, rematando as alegações apresentadas com as seguintes conclusões (formuladas após convite ao aperfeiçoamento):
«Face ao exposto, e em obediência ao convite ao aperfeiçoamento, os Recorrentes formulam as seguintes novas conclusões:
1. O presente procedimento cautelar tem como objecto a impugnação de um acto administrativo manifestamente ilegal que não envolve a apreciação da legalidade de qualquer acto de liquidação.
2. É incontroverso que em face dos factos alegados na p.i., na própria contestação e na resposta a esta, a causa de pedir consubstancia um acto manifestamente ilegal não só por absoluta falta de pressupostos de facto e de Direito, mas também por tratar os Recorrentes de forma desigual, parcial, injusta, desproporcionada relativamente a outros contribuintes.
3. A Administração pública está não só obrigada ao respeito de direitos fundamentais como a sua actuação deve criar condições objectivas capazes de permitir aos cidadãos a vivência efectiva daqueles. (Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado da Mota, Direito Administrativo Geral, 2ª Ed. Tomo III, Lisboa, Livraria Almedina, 2009, p. 408).
4. A Constituição é a fonte de legalidade primeira que obriga a Administração. A vinculação ao respeito pelos direitos fundamentais é extensiva a todos os poderes públicos.
5. O Código do Procedimento Administrativo comina com o vício de nulidade os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental (al. d), nº 2, do art. 133º – Cfr. Mário Esteves de Oliveira – Pedro Gonçalves – J. Pacheco Amorim, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª Ed., p. 647, anotação ao art. 133º).
6. É incontroverso que neste processo está em causa um a.a. manifestamente nulo (e não apenas anulável), e, portanto, não sanável e impugnável a todo o tempo.
Consequentemente, os Recorrentes já intentaram a competente acção principal, que seguiu a forma da acção administrativa especial, nos termos do art. 46º, nº 2, alínea a) do CPTA.
7. Assim, a presente providência cautelar segue a tramitação processual prevista nos arts. 112º a 134º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) , por força do disposto no nº 2 do art. 97º do CPPT.
8. O artigo 147º do CPPT refere-se à intimação da AT para um comportamento e não à impugnação de acto manifestamente ilegal ou à declaração de nulidade ou anulação do mesmo.
9. “ Se, em sede cautelar, o tribunal considerar que (…) se preenche a previsão do nº 1, alínea a) [art. 120º do CPTA], cumpre-lhe conceder a providência sem mais indagações: Nem há, pois, que atender aos critérios das alíneas b) e c) do nº 1, nem ao disposto no nº 2” – Cfr. Mário Aroso de Almeida – Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao CPTA, 3ª Ed., 2010, p. 796, 2º parágrafo.
10. “ Se o Juiz está convencido do carácter bem fundado do direito do requerente, não faz sentido proceder ainda a uma avaliação sobre a gravidade da lesão para o interesse público” – Cfr. últ. Ob. e Aut. cit., p. 796, 4º parágrafo.
11. “Pode, no entanto, questionar-se, por força do artigo 112º, nº 1, o periculum in mora não deixa de ser pressuposto da adopção de qualquer providência cautelar, mesmo na situação prevista na alínea a) do nº 1 deste artigo 120º, e embora o preceito não o refira, talvez seja de exigir que, no caso concreto, a providência se mostre necessária para assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal.”
12. Se o Tribunal não decretar a providência requerida – suspensão do acto de inspecção até ser julgada a acção principal – que sentido e utilidade tem invocar no final de eventual liquidação de qualquer imposto decorrente da inspecção, o a.a. manifestamente ilegal e gravemente lesivo dos princípios da igualdade, justiça, imparcialidade, proporcionalidade e boa-fé?
13. Tanto mais que atendendo às relações tensas entre Recorrente e Recorrida, é fácil para esta e vem sendo sua prática a criação de divergências quanto à qualificação jurídica de factos tributários, o que obriga os Recorrentes a prestarem garantias ou verem os seus bens penhorados durante muitos anos atenta a demora dos processos judiciais tributários.
14. A Recorrida, intencionalmente, note-se, confunde a necessidade absoluta de observância dos critérios objectivos e transparentes de selecção dos contribuintes a inspecionar com o subsequente exercício do direito de inspecção tributária. Primeiro há que selecionar os contribuintes a inspecionar de acordo com os critérios legais previstos nos arts. 23º e 27º do RCPIT. E só depois, selecionado o contribuinte, é que se inicia a acção inspectiva.
15. Quer da redacção do art. 27º do RCPIT quer da redacção do art. 23º do mesmo diploma “resulta claramente que o legislador pretendeu evitar a realização de acções inspectivas dirigidas a pessoas em concreto”.
16. E que “(…) a existência de critérios objectivos e transparentes de selecção dos contribuintes a fiscalizar, além de tecnicamente poder propiciar uma maior eficiência dos serviços de inspecção, é uma garantia essencial dos contribuintes ao assegurar ao sujeito passivo selecionado que a sua escolha está devidamente baseada em razões objectivas, aplicáveis a outros contribuintes. (…) Essa escolha deverá, porém, ser sempre devidamente fundamentada, e sancionada a determinado nível de hierarquia da Administração Fiscal.”
17. Logicamente que as regras gerais a que obedece o exercício do direito de inspecção, previstas, nomeadamente, no art. 54º da LGT, aplicam-se apenas e necessariamente depois de observados e preenchidos os critérios legais de selecção previstos nos supracitados arts. 23º e 27º do RCPIT.
18. E o mesmo e por idênticas razões se diga relativamente ao art. 11º do RCPIT.
19. A Recorrida não só não fundamentou a acção inspectiva externa aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 em qualquer daqueles critérios, como também na douta contestação demonstra a inexistência de qualquer um deles!
20. À míngua de argumentos válidos, a Recorrida, naturalmente que à luz da alínea b), do nº 1, do art. 27º do RCPIT, procurou ainda justificar a determinação da inspecção aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, com base no Despacho do Sr. Secretário de Estado, o qual juntou à contestação, como documento nº 2, a fls.227.
21. Nesse despacho determina-se genericamente a inspecção aos exercícios de 2008 e 2009 e excepcionalmente ao de 2007, a realizar no ano de 2011, nos domínios do controlo inspectivo e preventivo, em relação aos contribuintes cadastralmente relevantes, com enfoque nas actividades/ factos elencados no ponto 4 do capítulo IV do relatório e deve, outrossim, direccionar um especial esforço no sentido de detectar condutas ilegais e fraudulentas praticadas pelos agentes não registados”.
22. Escrutinando o texto do referido Despacho, facilmente se conclui que o mesmo não prevê inspecções de natureza comprovativa (apenas preventivas), nem inspecções ao exercício de 2010 e as inspecções nele previstas tinham que se realizar em 2011, e não em 2012.
23. Destarte, o acto administrativo através do qual a Recorrida decidiu realizar uma acção inspectiva externa comprovativa, consubstanciado na ordem de serviço nº OI201103615, junta à p.i. como documento nº 1, e na respectiva informação subjacente, constitui a todas as luzes um acto administrativo manifestamente ilegal quanto aos pressupostos de facto e de direito, ou melhor, um acto administrativo ilegal por falta total de pressupostos de facto e de direito.
24. Seja com base no invocado despacho do Sr. Secretário de Estado (doc. 2/pág. 1 da contestação) seja com base na “codificação das actividades/acções” (doc. 2/pág. 2 da contestação) seja com base na própria contestação, não se extrai qualquer facto relevante ou preenchido qualquer critério de selecção susceptível de se subsumir ao supracitado art.º 27º do RCPIT.
25. Aliás, bem pelo contrário, uma vez que da informação da Recorrida (doc. 1, págs. 3 e 4 da contestação), elaborada em 2.01.2012, antes resulta a manifesta impossibilidade de subsunção da situação fiscal dos Recorrentes, não só em relação às linhas genéricas ou programáticas previstas no despacho do Sr. Secretário de Estado (doc. 2/ contestação) mas também relativamente aos critérios objectivos e claros enumerados no citado art.º 27º do RCPIT.
26. O critério utilizado à última da hora, ou melhor, depois da hora, pela Recorrida para justificar a acção inspectiva aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, nunca é demais recordar, contraria não só os factos alegados e não impugnados nos arts. 24º a 28º da resposta à contestação, mas também e manifestamente a letra e o espírito do despacho do Sr. Secretário de Estado e as próprias finalidades da inspecção, uma vez que da própria informação elaborada unicamente com o propósito de “ratificar” a selecção (arbitrária…) dos Recorrentes, junta à contestação como documento nº 1, a fls. 226, a Recorrida reconhece que “ o sujeito passivo (o Requerente D…) cumpre com regularidade as suas obrigações declarativas em sede de IRS e em sede de IVA” (al. d), ao mesmo tempo que dá notícia que as acções inspectivas que está autorizada a realizar, no ano de 2011, nunca é demais recordar, são no domínio preventivo e direccionadas “em especial esforço no sentido de detectar as condutas ilegais e fraudulentas praticadas pelos agentes não registados, …”
27. A Recorrida fiscalizou incessantemente os exercícios do Recorrente D…, advogado, nos anos de 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2007 e 2008, recorde-se; as referidas inspecções foram na sua esmagadora maioria determinadas pelo mesmo chefe de equipa; o mesmo que aquando das inspecções realizadas aos exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003 ordenou a fiscalização também dos exercícios de 1998 e 1999, anos relativamente aos quais já tinha caducado o direito de liquidar impostos, uma vez que corria o ano de 2005.
28. A inspecção sistemática, ano após ano, a um pequeno contribuinte que há mais de 20 anos declara rendimentos muito superiores à média do seu sector e que a própria requerida reconhece como cumpridor regular das suas obrigações de IRS e IVA, é uma actuação notoriamente antitética “a tornar eficaz a intervenção da inspecção tributária, em ordem a concorrer para o aprofundamento da justiça tributária e da racionalidade e equidade do sistema fiscal” (cfr. Despacho/ doc. 2 da contestação, último parágrafo).
29. Atendendo aos factos alegados e provados no presente processo, nomeadamente, os constantes dos arts. 1º a 56º e 58º a 64º da p.i.., resulta inequivocamente uma perseguição inadmissível e, sobretudo, injustificada da Recorrida aos Recorrentes, fundada na discriminação relativamente a outros contribuintes, a ofensa ao seu bom nome, honra e dignidade, e a tutela efectiva e real os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da proporcionalidade e boa-fé, corolários lógicos do princípio da legalidade. (Vide arts. 62º a 72º e, sobretudo, 73º a 84º da p.i.).
30. Dizem que os Recorrentes foram colocados no denominado Sistema de Acompanhamento Permanente (SAP) e disso nunca foram notificados até hoje; não constam da lei nem o conceito nem os critérios legais da subsunção de um cidadão a um tal sistema.
31. Embora não esteja previsto na lei dizem que o SAP se aplica aos grandes contribuintes. Como é que um advogado individual e uma professora do ensino secundário podem ser enquadrados em tal sistema? Grandes contribuintes, no sector da advocacia, só podem ser as grandes sociedades de advogados, sediadas em Lisboa, que apresentam facturação anual de 10 ou mais milhões de euros e que normalmente recebem honorários avultados do próprio Estado.
32. Ao não se pronunciar sobre a questão nevrálgica em dissídio, o Juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, pelo que a sentença é nula (art. 668º, nº 1, alínea b), do C.P. Civil).
33. Ao não referir na “Matéria de Facto Provada” as alegadas inspecções e fiscalizações aos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003, 1995 e 1996, bem como os inúmeros factos já assentes, nomeadamente os constantes dos arts. 1º a 56º e 58º a 64º da p.i., a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.
34. A douta sentença recorrida acolhe errada interpretação e (não) aplicação, entre outros, do art. 97º, nº 2 do CPPT, do art. 27º do RCPIT, dos arts. 18º, 26º e 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP), dos arts. 131º, nº 1 e 3 e 120º, nº 1, alínea a) do CPTA.
35. O acto administrativo objecto dos presentes autos é, assim, manifestamente nulo, por absoluta falta de pressupostos de facto e de direito e por violação grave e reiterada de direitos fundamentais dos Recorrentes, pelo que nos termos do art. 120º, nº 1, alínea a), do CPTA, a providência cautelar requerida deveria ter sido deferida, suspendendo-se a inspecção até ao julgamento da acção principal entretanto já instaurada.
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao Recurso, revogando-se a douta Sentença Recorrida e julgar-se a providência cautelar recorrida procedente, por provada, face aos factos já assentes.
Se assim não se entender, deve ordenar-se ao Tribunal de 1ª Instância a instrução e julgamento da matéria de facto e a prolacção de nova Sentença.
Assim confiadamente se espera ver julgado porque assim se mostra ser DE LEI E DE DIREITO.».

Juntamente com este recurso, subiu um outro - também interposto pelos Requerentes da providência - da decisão do Tribunal a quo que ordenou que procedessem ao pagamento de multa prevista no artigo 146º, n.º 6 do Código de Processo Civil, cujas alegações se mostram sintetizadas da seguinte forma:
«1. O procedimento cautelar apresentado destina-se, outrossim, à obtenção do decretamento da suspensão da eficácia do a.a. determinativo da inspecção ao exercício dos Requerentes respeitante aos anos de 2008, 2009 e 2010, com fundamento na absoluta e evidente falta de pressupostos legais (art. 27º do RCPIT) e na grave violação dos mais íntimos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos constitucionalmente consagrados, nomeadamente mediante violação frontal e directa dos princípios da legalidade, igualdade, dignidade, imparcialidade, justiça, proporcionalidade e boa-fé.
2. Com a providência cautelar em apreço os Requerentes/Recorrentes não procedem a qualquer intimação da AT para a adopção de um determinado comportamento devido e não cumprido.
3. Razão pela qual não se afigura possível a aplicação ao caso concreto das normas controvertidas nos arts. 147º, nº 6 e 283º do CPPT.
4. Em face da causa de pedir e dos factos já assentes é evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal – nulidade do acto administrativo determinativo da inspecção -, por estar em causa a impugnação de um acto manifesta e irremediavelmente ilegal, em virtude da absoluta e indesmentível falta de pressupostos legais discriminados no art. 27º do RCPIT.
5. Consequentemente, a presente providência podia e devia ter sido decretada, suspendendo-se o acto administrativo determinativo da inspecção, nos termos dos arts. 120º, nº 1, alínea c) e 112º, nº 2, alínea a), ambos do CPTA.
6. Independentemente de se tratar de um a.a. manifestamente ilegal por absoluta falta de pressupostos legais - o que por si só podia e devia conduzir ao decretamento da presente providência cautelar -, da causa de pedir e dos factos já assentes extrai-se ainda que o a.a. em causa acolhe um critério desigual, parcial, injusto, desproporcionado, discriminatório e persecutório contra os Requerentes/Recorrentes.
7. Consequentemente, à luz do disposto no art. 131º do CPTA, era também possível o decretamento provisório da providência, ainda que logo após o encerramento da fase dos articulados, atentos os factos aceites e assentes pelas partes.
8. Assim é certo e seguro que a presente providência cura simultaneamente de um a.a. manifestamente ilegal por absoluta falta de pressupostos legais e da tutela do núcleo essencial dos mais íntimos e inalienáveis direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, os quais gozam de acolhimento constitucional expresso.
9. Destarte, e a todas as luzes, à presente providência cautelar é-lhe aplicável o regime estatuído nos arts. 112º a 139º do novo CPTA.
10. Enquanto ao recurso interposto da decisão controvertida na sentença prolatada pelo Venerando Tribunal de 1ª Instância é aplicável o disposto nos arts. 140º a 148º do CPTA.
11. Nesta conformidade, resulta à saciedade que o prazo legalmente cominado para a interposição do recurso da decisão proferida em 1ª instância pelo Tribunal a quo é de 15 dias, nos termos do preceituado no art. 147º do CPTA e não de 10 dias, ao abrigo do disposto no art. 147º do CPPT.
12. Os Requerentes/Recorrentes foram notificados da douta sentença recorrida em 28.06.2012.
13. Pelo que o prazo de 15 dias legalmente fixado para a interposição de recurso (art. 147º do CPTA) só se encontraria consumido em 16.07.2012.
14. E nos dias 17, 18 e 19 de Julho sempre os Requerentes/Recorrentes poderiam praticar o acto, ficando no entanto a validade deste na estreita dependência do pagamento da respectiva multa cominada (art. 145º do C.P. Civil).
15. Os Requerentes/Recorrentes interpuseram o competente recurso para o Tribunal Central Administrativo e Fiscal Norte, ex vi SITAF, em 10.07.2012, portanto 6 dias antes do termo do prazo peremptório fixado no art. 147º do CPTA.
16. E por este motivo não há lugar ao pagamento da multa prevista no art. 145º, nº 6, do C.P. Civil.
17. Não obstante estarem conscientes da ilegalidade da multa cominada, pretendendo assegurar a utilidade da providência cautelar proposta, os Requerentes/Recorrentes procederam ao seu pagamento voluntário em 18.07.2012, constituindo esta uma prova da boa-fé que nesta sede os ilumina.
18. Tudo o que os Requerentes/Recorrentes pretendem é a efectiva protecção dos seus mais íntimos e basilares direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, suspendendo-se a eficácia do a.a. determinativo da inspecção aos exercícios dos Requerentes mediante o deferimento do procedimento cautelar em dissídio.
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao Recurso, revogando-se o douto despacho que cominou aos Requerentes/Recorrentes a multa prevista no art. 145º, nº 6 do C.P. Civil.
Assim confiadamente se espera ver julgado porque assim se mostra ser DE LEI E DE DIREITO.»-

A Fazenda Pública, não obstante ter sido expressamente notificada da apresentação e admissão de ambos os recursos, não apresentou, relativamente a qualquer deles, contra-alegações.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central emitiu douto parecer pugnando pela improcedência de ambos os recursos jurisdicionais.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora apreciar e decidir, visto que a tal nada obsta.

II – O objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões da alegação de recurso apresentadas, temos por seguro que, in casu, o objecto dos recursos em apreciação está circunscrito à apreciação das seguintes questões:

- Saber se o despacho que ordenou a notificação dos Recorrentes para procederem ao pagamento da multa prevista no artigo 145º do Código de processo Civil enferma de erro de julgamento de direito [por, tendo o recurso sido interposto antes de decorrido o prazo de 15 dias previsto no artigo 147º do CPTA, não haver lugar ao pagamento de qualquer multa];
- Saber se a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 125º do CPC, por o Juiz ter omitido a apreciação de questão que deveria ter apreciado [questão de saber se a determinação de um acto inspectivo se insere nos poderes vinculados ou discricionários da A.T. e se tais requisitos se encontravam no caso preenchidos];
- Saber se a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto [por não terem sido levados ao probatório factos provados por documentos e/ou não impugnados pela Fazenda Pública e relevantes para a decisão];
- Saber se na sentença recorrida foi cometido erro de julgamento de direito [por o Tribunal a quo ter procedido a errado enquadramento jurídico da questão em apreciação].

III – Os Factos
Em 1ª instância foi considerada sumariamente provada a seguinte factualidade

1- O sujeito passivo D..., ora Requerente, exerce a actividade de advogado, possuindo escritório nas comarcas de Braga e Porto.
2- Constando da lista de contribuintes que integram o acompanhamento permanente — Cfr. informação de fls. 224 e 225 dos autos.
3- Por despacho datado de 18 de Janeiro de 1995, foi determinada a realização de uma acção inspectiva externa ao Requerente, relativamente aos exercícios de 1990-1993 — Cfr. fls. 60 dos autos.
4- A declaração de rendimentos do Requerente marido, relativa ao ano de 1997, foi seleccionada para ser analisada pelo Serviço de Finanças de Braga 1 — cfr. fls. 65 dos autos.
5- A declaração de rendimentos do Requerente marido, relativa ao ano de 1998, foi seleccionada para ser analisada pelo Serviço de Finanças de Braga — cfr. fls. 67 dos autos.
6- Em 13 de Janeiro de 2005 foi remetida ao Requerente marido a Carta Aviso, com a referência n.° 510.1005, dando nota da acção inspectiva de âmbito parcial aos anos de 1998 e 1999 — Cfr. fls. 92 dos autos.
7 - Por despacho datado de 05 de Dezembro de 2011, foi determinada uma acção inspectiva externa aos Requerentes referente aos anos de 2008, 2009 e 2010 — Cfr. fls. 222 e 223 dos autos.
8- O Requerimento inicial que motiva este processo cautelar deu entrada neste Tribunal, via SITAF, em 16 de Dezembro de 2011 — Cfr. fls. 2 dos autos.
9 - Com referência ao exercício de 2007, foi efectuada, pela Direcção de Finanças de Braga, uma análise interna credenciada pela ordem de serviço n.° OI201001531, datada de 28 de Abril de 2010, tendo resultado correcções à matéria coletável que foram voluntariamente corrigidas pelo sujeito passivo — Cfr. informação de fls. 224 e 225 dos autos.
10- Com referência ao exercício de 2009, foi efectuada uma análise interna credenciada pela ordem de serviço n.° OI201100430, datada de 01 de Fevereiro de 2011 — Cfr. informação de fls. 224 e 225 dos autos.
11- Sob a informação de fls. 224 dos autos, o Sr. Director de Finanças de Braga, em 04 de Janeiro de 2012, exarou o despacho que a seguir se transcreve:
“Face ao informado, verifica-se que foi realizado um procedimento de inspecção tributária, de natureza externa, relativamente ao IRS de 2008.
Nestes termos, não se mostrando reunidos os pressupostos previstos no n.° 4 do artigo 63.° da LGT, deve a ordem de serviço emitida ser alterada, de forma a excluir do seu âmbito o ano de 2008.Envie-se a presente informação à RFP.”

Por se mostrar relevante para a decisão do recurso do despacho interlocutório, acorda-se, ao abrigo do preceituado no artigo 712º do Código de Processo Civil, em aditar ao probatório os seguintes factos:

12- A sentença dos presentes autos foi proferida a 22 de Junho de 2012 e notificada aos Recorrentes por ofício expedido a 25-6-2012 [cfr. fls. 275-291, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].

13. Os Recorrentes remeteram a 10 de Julho de 2012, via site, requerimento de interposição de recurso da sentença referida em 12 [cfr. fls. 306-345, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].

14. A 12 de Julho de 2012, foi proferido no processo o seguinte despacho:
«Os requerentes vêm interpor recurso jurisdicional da sentença de fls 275 dos autos, nos termos do disposto nos arts 140, 141, n° 1 e 147 do CPTA.
O requerimento em apreço foi remetido via site em 10.07.2012 — cf. fls 306.
A notificação da sentença foi efectuada em 25.06.2012, (cf. fls 291) pelo que se presume a sua notificação a 28.06.2012 — art. 254, n° 1 e 3 do CPC.
Como resulta dos autos e da sentença, o processo cautelar em causa seguiu termos de acordo com o disposto no art 147, n° 6 do CPPT, assumindo a natureza de processo urgente a que é aplicável o regime previsto no art 283 do CPPT.
Dispõe o art.° 283 do CPPT:
“ Os recursos jurisdicionais nos processos urgentes serão apresentados por meio de requerimento juntamente com as legações no prazo de 10 dias.”
Notificados os requerentes da sentença em 28.06.2012 o prazo de 10 dias para interposição de recurso terminava a 9.07.2012 — cf. art 144, n° 2 do CPC.
Assim, notifique para efeitos do disposto no art 145, n° 6, al a) do CPC.» [cfr. fls. cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].

15. Os Recorrentes, a 20 de Julho de 2012, procederam ao pagamento da multa a que se reporta o facto antecedente [cfr. fls. 358 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

IV – O Direito
Conforme resulta dos pontos I e II supra, a este Tribunal Central impõe-se a apreciação de dois recursos: o recurso do despacho da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que, entendendo que o recurso jurisdicional da sentença havia sido interposto um dia após o termo do prazo para o efeito legalmente previsto, ordenou a notificação dos Recorrentes para liquidarem a respectiva multa nos termos do artigo 146º, n.º 5 al. a) do Código de Processo Civil e o recurso da sentença na parte em que se julgou improcedente o pedido de suspensão do acto da Recorrida que determinou a realização de uma inspecção externa aos Recorrentes nos anos de 2009 e 2010.
Considerando que, pelo menos parcialmente, os argumentos invocados como fundamento do recurso do despacho interlocutório se prendem com a própria delimitação da causa de pedir invocada no procedimento cautelar e com o alegado enquadramento jurídico nesta realizado, com inegáveis repercussões ao nível das próprias normas invocadas como fundamento do despacho interlocutório recorrido, tudo apontaria para que fosse por este último que deveria ser iniciada a nossa apreciação, não obstante, em regra, da improcedência do recurso do despacho interlocutório resultar prejudicada a apreciação do recurso interposto da decisão final.
Porém, e como de seguida melhor explicitaremos, porque tal conexão (em termos de causa de pedir e dos normativos aplicados) é meramente aparente e os próprios Recorrentes, ad cautelam ou, nas suas palavras, numa genuína demonstração «da boa fé que os ilumina» e «pretendendo assegurar a utilidade da providência cautelar proposta», procederam, no prazo que lhes foi concedido, ao pagamento da referida multa, afastando assim a hipótese de o recurso do mérito não vir sequer a ser apreciado, entende-se que se justifica, desde já, o conhecimento do recurso do despacho interlocutório.

4.1. Do recurso do despacho interlocutório
O despacho interlocutório, objecto deste recurso, tem o seguinte teor:
«Os requerentes vêm interpor recurso jurisdicional da sentença de fls 275 dos autos, nos termos do disposto nos arts 140, 141, n° 1 e 147 do CPTA.
O requerimento em apreço foi remetido via site em 10.07.2012 — cf. fls 306.
A notificação da sentença foi efectuada em 25.06.2012, (cf. fls 291) pelo que se presume a sua notificação a 28.06.2012 — art. 254, n° 1 e 3 do CPC.
Como resulta dos autos e da sentença, o processo cautelar em causa seguiu termos de acordo com o disposto no art 147, n° 6 do CPPT, assumindo a natureza de processo urgente a que é aplicável o regime previsto no art 283 do CPPT.
Dispõe o art.° 283 do CPPT:
“ Os recursos jurisdicionais nos processos urgentes serão apresentados por meio de requerimento juntamente com as legações no prazo de 10 dias.”
Notificados os requerentes da sentença em 28.06.2012 o prazo de 10 dias para interposição de recurso terminava a 9.07.2012 — cf. art 144, n° 2 do CPC.
Assim, notifique para efeitos do disposto no art 145, n° 6, al a) do CPC» [cfr. factualidade por nós aditada ao probatório e vertida em 12. do ponto III supra].
Para os Recorrentes, como claramente resulta das conclusões que formularam nas suas alegações, o desacerto de tal despacho é total uma vez que, adiantam, estando nós em presença de um procedimento cautelar em que é pedida a suspensão de um acto manifestamente ilegal, por absoluta falta dos pressupostos legais para a sua prolação e “violação da tutela do núcleo essencial dos mais íntimos e inalienáveis direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, os quais gozam de acolhimento constitucional expresso”, o mesmo teria que ter sido decidido à luz dos pressupostos vertidos nos artigos 112º a 139º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (C.P.T.A.) e, consequentemente, em sede de recurso, mormente na sua interposição, serem consideradas as disposições contidas nos artigos 140º a 148º do mesmo diploma legal e não os artigos 147º e 283º do Código de Processo e Procedimento Tributário (C.P.P.T.).
É, pois, no essencial, e com base nestas alegações, que concluem a final que, in casu, e para efeitos de recurso jurisdicional, é aplicável o prazo de 15 dias previsto no artigo 147º do C.P.T.A e não o prazo de 10 dias previsto no artigo 283º do C.P.P.T. [os Recorrentes, na conclusão 11. referem expressamente o prazo de 10 dias previsto no artigo 147º do CPPT mas tal constitui, seguramente, mero lapso de escrita que, desde já, se entende corrigir) pelo que, tendo sido notificados da sentença dos autos a 28-6-2012, a interposição do respectivo recurso a 10-7-2012 é perfeitamente tempestiva.
Entendemos que não lhes assiste razão.
Na verdade, independentemente de a causa de pedir da providência ser a exactamente delimitada pelos Recorrentes, e desta delimitação se afastar, ou não, da assumida na sentença pelo Tribunal a quo como fundamento concreto da pretensão, isto é, independentemente de, no caso sub judicie, o procedimento dever, em termos substantivos ou materiais, ser decidido exclusivamente à luz do regime jurídico definido no artigo 112º e 120º do CPTA (como defendem os Recorrentes e até resulta da sentença ter sido apreciado, pese embora aqueles aparentemente o não reconheçam) ou das exigências legais apostas pelo legislador no artigo 147º n.º 6 do CPPT, o certo é que o recurso jurisdicional da sentença proferida teria sempre que ser interposto no prazo de 10 dias previsto no artigo 283º do CPTA., por ser esta norma especial que regula os recursos interpostos das decisões proferidas em processos urgentes da competência dos tribunais tributários de 1ª instância.
Do que vimos dizendo, em especial do alegado pelos Recorrentes, resulta, pois, salvo o devido respeito, que aqueles confundem a aplicação de um regime substantivo, que clamam como o aplicável na decisão a proferir sobre a procedência da presente providencia (plasmado no artigo 120º do CPTA), e o regime processual ou a regulamentação ao nível dos prazos de interposição de recurso. Aquele primeiro será de chamar à colação, por vontade e remissão expressa do legislador (numa interpretação conforme do artigo 147º, n.º 6 do CPPT com a actual redacção do artigo 268º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa) se se verificarem as condições de que o legislador fez depender essa aplicação. O segundo aplicar-se-á sempre aos processos dos recursos urgentes decididos pelos tribunais tributários, por constituir matéria que o legislador tributário não prescindiu, bem ou mal, de manter como regulamentação própria.
Como se disse em recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Julho de 2012, (consultável em www.dgsi.pt) : «Pode até não se concordar ou sequer perceber a utilidade de um regime especial de recursos em matéria tributária mas ele existe e enquanto existir tem de ser seguido e aplicado, sendo as normas relativas a recursos do CPC de aplicação meramente subsidiária (artº 2º do CPPT).». Como o são, dizemos nós, as normas que regulam os recursos jurisdicionais no CPTA., por força do preceituado na alínea c) do mesmo artigo e código naquele último acórdão citado.
Em suma: ainda que hoje seja de admitir como legalmente admissível no especifico campo do contencioso tributário, para além da providencia especialmente regulada no artigo 147º n.ºs 1 a 5 do CPPT (intimação para um comportamento), outro tipo de providencias e de na sua apreciação o aplicador do direito estar obrigado a convocar as normas contidas noutros Códigos, designadamente do Código de Processo dos Tribunais Administrativos onde o seu campo de aplicação surge delimitado e enunciados os pressupostos de cuja verificação está dependente a procedência da pretensão cautelar, a interposição do recurso que venha a ser realizada destas decisões (em processos urgentes da competência dos tribunais tributários), no que concerne aos prazos da sua interposição, deve reger-se pelo disposto no artigo 283º do CPTA, por o legislador tributário não ter prescindido, nem na regulamentação originária desta matéria, nem depois das sucessivas alterações que neste campo foram sendo realizadas, quer na legislação processual civil, quer na legislação processual administrativa, de expressamente regulamentar esta matéria, do que decorre, necessariamente, que as normas ínsitas nos referidos diplomas mantêm a sua natureza e aplicação subsidiária.
Assim, tendo os Recorrentes sido notificados a 28 de Junho de 2012 da decisão de que pretendiam recorrer e tendo interposto recurso apenas a 10 de Julho de 2012 [cfr. factualidade apurada no ponto III sob os nºs 12. a 14.], fizeram-no para além do prazo de 10 dias que deviam ter respeitado, ficando, deste modo, o seu direito a recorrer dependente do pagamento da multa, prevista no artigo 145º al. a), do Código de Processo Civil (considerando que a interposição ocorreu no primeiro dia útil ao termo do prazo), como bem foi decidido pela Meritíssima Juíza.
Improcede, pois, por todo o exposto, o recurso do despacho interlocutório interposto pelos Recorrentes.

4.2. Do recurso interposto da sentença
Como vimos já, os Recorrentes também interpuseram recurso jurisdicional da sentença na parte relativa à improcedência da sua pretensão - a qual, por força do julgamento de inutilidade parcial e superveniente da lide (não discutida pelos Recorrentes) ficou reconduzida à suspensão do acto determinativo de acção inspectiva aos anos de 2009 e 2010, consubstanciado na Ordem de Serviço n.° OI201103615 – defendendo que aquela é nula e padece de erro de julgamento de facto e de direito.
Vejamos, então, de per si, cada uma das questões objecto deste recurso, começando, naturalmente, pela nulidade da sentença, por da sua procedência resultarem prejudicadas as demais questões colocadas e, subsequentemente (obtendo aquela resposta negativa), pela apreciação do erro de julgamento da matéria de facto, de cuja estabilização está dependente o enquadramento do erro de julgamento de direito suscitado.

Assim:

4.2.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Alegam os Recorrentes que a sentença é nula, nos termos e por força do disposto no artigo 125º do Código de Processo Civil, por nesta ter sido omitida a apreciação de uma questão fundamental, qual seja, a apreciação da questão de saber se a determinação de um acto inspectivo se insere nos poderes vinculados ou discricionários da Administração Tributária e se, no caso concreto, estavam ou não verificados os respectivos pressupostos.
Vejamos.
Como é pacificamente aceite, e resulta mesmo linearmente da conjugação dos artigos 125.º do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a nulidade de sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões sobre as quais se deveria pronunciar.
Constituindo dever do juiz apreciar todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, n.º 2 do mesmo diploma legal citado) existirá violação desse dever e, consequentemente, verificar-se-á a nulidade suscitada «nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento” – Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, I Vol, 2006, Áreas Editora, pág.912.
Aplicando os princípios e normativos relevados ao caso concreto temos, assim, que haverá omissão de pronúncia se o juiz se não pronunciou sobre os fundamentos essenciais da pretensão suspensiva dos Recorrentes, isto é, sobre os fundamentos invocados pelos Recorrentes como suporte do seu pedido de suspensão do acto determinativo da inspecção externa por referencia aos anos de 2009 e 2010.
É precisamente isso que, pelo menos aparentemente, os Recorrentes vêm defender quando, nas conclusões de recurso afirmam que «Ao não se pronunciar sobre a questão nevrálgica em dissídio, o Juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, pelo que a sentença é nula[cfr. conclusão 32].
Para a Exma. Procuradora Geral Adjunta, esta questão de nulidade por omissão de pronúncia não deve ser apreciada por este Tribunal Central por duas razões: por um lado, porque tal conclusão não reflecte o corpo das alegações (para o que já foram os Recorrentes alertados sem que tenham procedido nas novas conclusões apresentadas às correcções devidas); por outro, porque não permite concluir em que consiste, no caso concreto, a omissão de pronúncia.
Idêntica posição já havia, aliás, sido assumida pela Meritíssima Juíza a quo que, em sede de sustentação da nulidade imputada à sentença, também afirma que os Recorrentes nas suas alegações nada mais adiantarem do que o «genericamente afirmado no ponto 30 das ditas conclusões» (conclusão 32 já mencionada, após convite e apresentação de novas conclusões).
Vejamos.
Relativamente à questão da própria apreciação da nulidade em causa, não julgamos que a mesma deva deixar de ser apreciada.
É certo que, atentando tão só no teor da conclusão 32., se poderá concluir, diríamos até com relativa facilidade, que na mesma a invocada nulidade por omissão de pronúncia surge apresentada de forma conclusiva, sem qualquer especificação do seu objecto.
E também é certo que os Recorrentes foram expressamente convidados a apresentar novas conclusões, convite a que acederam, mantendo, nesta parte, sem alteração, a redacção da referida conclusão [note-se que a redacção, nesta parte, das conclusões, permaneceu inalterada, como pode ver-se do confronto do teor das conclusões 30. (primeiras conclusões de recurso) e 32. (conclusões apresentadas na sequência de convite)].
Porém, como igualmente o revelam quer o parecer do Ministério Público promovendo o convite referido (cfr. fls. 389), o despacho de sustentação da Meritíssima Juiz sobre as nulidades imputadas à sentença e as primeiras conclusões de recurso apresentadas, o que verdadeiramente esteve na base do mesmo convite não foi uma menos rigorosa formulação da nulidade imputada por omissão de pronúncia mas sim o facto de, no corpo das alegações os Recorrentes omitirem qualquer referência a uma eventual omissão de notificação do parecer do Ministério Público em 1ª instância (com o consequente desentranhamento do próprio articulado apresentado pelos Recorrentes que do mesmo vieram a ter conhecimento) e, em sede de conclusões terem vindo arguir expressamente essa nulidade (cfr. pontos 28. e 29. das primitivas conclusões, fls. 344 dos autos)
Todavia, como se pode constatar das novas conclusões e do requerimento que as antecedeu, nestas os Recorrentes optaram pela eliminação total da referência à alegada nulidade, renunciaram mesmo á sua apreciação, harmonizando, desta forma, o corpo das suas alegações com o teor das conclusões que apresentavam.
Aliás, foi precisamente tendo em conta esta sua actuação que, aquando da delimitação do objecto do recurso (cfr. ponto II), o Tribunal não enunciou tal questão como “questão a decidir”.
Mas se essa foi a posição assumida pelos Recorrentes relativamente à arguida nulidade com fundamento no artigo 201º do C.P.C., não julgamos que tenha sido essa a opção daqueles no que concerne à imputada nulidade da sentença por omissão de pronúncia de questão essencial que, ainda que concordemos, se encontre formulada de forma muito pouco rigorosa do ponto de vista técnico-jurídico, ainda é possível, alcançar o seu fundamento conjugando o corpo das alegações com o todo das conclusões novas apresentadas
Efectivamente, numa cuidada análise das referidas alegações e conclusões [cfr., em especial, § 2º a 4º de fls. 312 dos autos e (novas) conclusões 23. a 32.]., conclui-se que a omissão invocada residirá na não apreciação da questão de saber se o acto suspensivo se insere nos poderes vinculados ou discricionários da Administração Tributária e se, no caso concreto, estavam ou não verificados os respectivos pressupostos de facto e direito para a sua prolação, matéria sobre a qual, alegam, o Tribunal a quo se não pronunciou.
Sem prejuízo de vermos se efectivamente lhes assiste razão, é imperioso antes de mais, que se faça uma precisão quanto ao âmbito em que o ora alegado deverá ser relevado.
Na verdade, movendo-nos nós no campo próprio das providências cautelares, a apreciação que ora realizamos sobre as questões que se impunha que o Tribunal a quo tivesse emitido pronúncia exige por um lado, que se tenha em atenção o que foi alegado mas também que se convoquem igualmente os pressupostos de que está dependente a concreta providencia requerida. Isto é, tendo os Recorrentes pedido ao Tribunal uma determinada tutela cautelar, cumpriria que o Tribunal a quo tivesse conhecido de todas as questões de facto e direito que pertinentemente se colocavam, isto é, que se apresentassem como capazes de preencher os requisitos que a tutela cautelar em apreço exige que estejam verificados para que seja decretada.
Ora, no caso concreto, na sentença, a Meritíssima Juíza, após um breve enquadramento jurídico da questão (bem ou mal realizado, para o que ora releva pouco importa, por ser matéria que em sede de erro de julgamento de direito melhor se aferirá) identificou, como acto suspendendo, o acto determinativo de realização de inspecção externa aos anos fiscais de 2009 e 2010, os princípios e normas que os Recorrentes entendiam violados e enunciou os requisitos de que a procedência deste pedido de suspensão estava dependente por referência ao disposto nos artigos 147º, nº 6 e 120º do CPTA.
Foi, pois, tendo presente a identificação do acto em questão, os fundamentos de facto e direito vertidos na petição inicial e os requisitos plasmados no artigo em referência, que a Meritíssima Juíza, de seguida, e tendo por referência os factos que julgou apurados, analisou do preenchimento dos mesmos requisitos.
É certo que o Tribunal a quo, não obstante ter feito referência expressa no «Relatório» da sentença recorrida que como fundamento do pedido de suspensão os Requerentes alegaram a violação do princípio «da imparcialidade, da igualdade e da proporcionalidade ou da proibição de excesso» [desta forma sintetizando a alegada violação «dos princípios da legalidade, imparcialidade, justiça, proporcionalidade e boa-fé, o acto determinante da inspecção aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 dos requerentes é nulo (artºs 103º, 266º e 26º da CRP, 5º, 7º, 23º e 27º do RCIPT, 3º, 4º e 5º do CPA e 63º, n.º 3 da LGT).» (artigo 84º da p.i.).] não se chegou a pronunciar sobre essa questão.
Porém, como também resulta evidente da sentença recorrida, o Tribunal não se pronunciou sobre tal questão por ter julgado que o acto suspendendo não era, pelas razões que na mesma sentença vem vertidas, susceptível de ser objecto de impugnação pelo que, por maioria de razão, se mostrava impossível a sua suspensão, do que decorria um obstáculo à apreciação do próprio mérito da pretensão.
Ou seja, por ter entendido que se verificava no caso concreto e « após uma apreciação sumária», «a inimpugnabilidade do ato», o que constituía «uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito na ação principal, nos termos do disposto no artigo 89.°, n.° 1, aI. c) do C.P.T.A. aplicável ex vi do artigo 97.°, n.° 2 do C.P.P.T.», o Tribunal decidiu não apreciar do mérito da providência, designadamente, entendeu estar prejudicada a apreciação da verificação, ou não, da violação dos princípios e normas invocados.
Ora, como é sabido e tem vindo a ser pacificamente entendido, não há omissão de pronúncia se o juiz se abstém de conhecer de uma questão (que devesse conhecer) mas indica ou do discurso fundamentador resulta perfeitamente perceptível a razão ou razões porque não conhece dela.
Saber se, nessa apreciação, o Tribunal a quo andou bem ou mal, isto é, saber se ao decidir que o acto suspendendo não era passível de ser objecto de pedido de suspensão de eficácia (por constituir acto inimpugnável) e ao julgar prejudicada a própria apreciação do mérito da pretensão (designadamente, ao decidir pela não apreciação da questão de saber se o acto era nulo por manifesta falta de pressupostos de facto e direito capazes de sustentar a sua emissão), o fez louvado numa correcta interpretação e subsunção dos normativos legais aplicáveis, é já questão que se não prende com a alegada nulidade por omissão de pronúncia mas com um eventual erro de julgamento de direito, também suscitado pelos Recorrentes e que, por essa razão, nessa sede, se apreciará.
Improcede, pois, a imputada nulidade por omissão de pronúncia suscitada pelos Recorrentes.


4.2.2. Do erro de julgamento de facto
Prosseguindo na análise do recurso, importa, agora, apreciar o julgamento de facto realizado pelo Tribuna a quo, cuja sindicância também vem peticionada.
Nesse sentido, comecemos por alinhar, no essencial a posição dos Recorrentes colhida do quadro conclusivo apresentado [cfr. conclusões 33]:
- O Tribunal a quo deveria ter incluído na matéria de facto as inspecções e fiscalizações aos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003, 1995 e 1996;
- Deveriam, ainda, constar do probatório, os factos alegados nos artigos 1 a 56º e 58º a 64º da petição inicial.
Mais uma vez, só no corpo das alegações ou na conjugação do exposto em outras conclusões (em especial conclusões 27., 28. e 29.), ganha luz e compreensão a pretensa inclusão da matéria de facto identificada: tais factos são, no entender dos Recorrentes, imprescindíveis para, conjugadamente com os já assentes, o Tribunal aferir verdadeiramente da pretensão cautelar uma vez que são reveladores da «perseguição de que tem sido vitima por parte da Requerida/Recorrida e a discriminação relativamente a outros contribuintes, a ofensa ao seu bom nome, honra e dignidade, e a tutela efectiva e real dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da proporcionalidade e boa-fé, corolários lógicos do princípio da legalidade» (cfr..§ 1º de fls. 9 das alegações) e mostram-se todos comprovados por documentos (documentos 2 a 9 e 18 juntos com a p.i.) e pela sua não impugnação pela Recorrida (cfr. § 5º de fls. 11 das alegações e conclusão 29.).
Cientes de que o erro de julgamento de facto só ocorre quando o juiz não procede a uma correcta avaliação e selecção dos factos pertinentes à decisão jurídica que os autos lhe impõem, que a regra da inalterabilidade da decisão da matéria de facto plasmada no Código de Processo Civil de 1939, há muito se mostra legalmente afastada Por força das sucessivas alterações introduzidas pelo Código de Processo Civil de 1961, com a publicação do DL n.º 39/95, de 15 de Fevereiro e a introdução por este no Código de Processo Civil dos artigos 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, com a Revisão de 1995/1996 do mesmo Código e finalmente com a entrada em vigor do regime instituído nesta matéria pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto pelo artigo 685-B do Código de Processo Civil), e que hoje é amplamente reconhecida a possibilidade de o Tribunal de recurso apreciar do juízo de facto realizado pelo Tribunal recorrido (conforme decorre claramente do art. 685-B do Código de Processo Civil), mas tendo igualmente presente que do normativo em causa e da amplitude de poderes aí conferida não significa, nunca, que em sede de recurso possa ou deva ser realizado integralmente um novo julgamento, estando este, em termos de facto, sempre, limitado aos pontos concretos impugnados e que a apreciação dessa impugnação seja realizada, também sempre, por referência aos elementos probatórios indicados nessa mesma impugnação (constituindo, estes dois requisitos balizadores, condições de cujo preenchimento está, do ponto de vista formal, condicionada a apreciação da própria impugnação da matéria de facto realizada), dúvidas não temos, face ao alinhamento supra enunciado e ao enquadramento supra realizado, quanto a, no caso concreto, ainda se poder concluir que os Recorrentes, de forma minimamente perceptível, observaram os procedimentos legalmente exigíveis que lhe possibilitam o recurso sobre a decisão de facto.
Na verdade, como se constata das conclusões das alegações apresentadas, o Recorrente identificou a concreta factualidade cujo não apuramento e inexactidão de redacção se lhe afigurava incorrecto (al. a) do n.º 1 do cit. art.º 685-B, do CPC) e identificou os meios probatórios, constantes do processo, que, em seu entender, imporiam decisão de facto diversa da recorrida (al. b) do n.º 1 do mesmo art.º 685-B), pelo que, dúvidas não temos, em julgar cumprido, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista procedimental as exigências que lhe estavam impostas.
Donde, a questão que se coloca é, pois, agora, a de saber se, face aos factos da matéria de facto concretamente impugnados e do seu confronto com os documentos juntos aos autos e a posição assumida pela Recorrida na contestação, lhe deve ser reconhecida razão.
O que passará, naturalmente e antes de mais, pela rigorosa análise da petição inicial, em especial, pela identificação do tipo de providencia requerida e pelo objecto desta, isto é, pela apreciação dos factos invocados como causa de pedir do concreto pedido formulado uma vez é neste quadro (e só neste) que necessariamente se deverá mover a apreciação da questão a que agora em recurso somos chamados a decidir: haverá erro de julgamento se os factos cuja integração vem pedida se mostrarem relevantes para a apreciação de mérito, isto é, para a decisão de procedência ou improcedência da pretensão formulada ao Tribunal e estiverem, ou se devam considerar como estando, provados por força de documento apresentado nos autos, acordo das partes ou confissão.
Assente estes princípios básicos de análise, regressemos de novo ao caso concreto, começando por salientar que a interposição desta providência cautelar tem um objectivo claro: a suspensão do acto determinativo de realização de uma acção inspectiva aos Recorrentes relativa aos exercícios de 2008, 2009 e 2010.
Tal pretensão suspensiva surge na petição inicial (articulado que, em exclusivo delimita os fundamentos do pedido, o que significa que eventuais aperfeiçoamentos ou novos factos aduzidos, inclusive em sede de recurso, não podem ser considerados) alicerçada, no essencial, na alegação de que esta inspecção ou «novas inspecções» constituem o “acto final” ou último de uma actuação persecutória de que o Requerente marido está a ser alvo por parte da Administração Tributária que nos últimos 20 anos de actividade do Requerente só nos exercícios de 1994, 2004, 2005 e 2006 não foi objecto de inspecção, sendo que a maioria dos 45 mil advogados portugueses inscritos nunca foram fiscalizados, a esmagadora maioria das sociedades comerciais e dos demais profissionais liberais nunca foram objecto de qualquer fiscalização e a economia paralela em Portugal é superior a 20% do PIB.
Mais alegaram que o acto suspendendo não resultou da aplicação de critérios definidos no Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária (PNAIT), antes constituindo mais um acto da «sanha persecutória da requerida» e que a sua integração num denominado «Sistema de Acompanhamento Permanente» (justificação adiantada por parte da Administração Tributária para a sua actuação) também não legitima a actuação em causa já que, destinando-se aquele Sistema a controlar e acompanhar o cumprimento das obrigações fiscais pelos grandes contribuintes, não lhe é aplicável, por o seu volume de negócios não justificar tal qualificação e que, mesmo que tal sistema seja aplicável aos pequenos contribuintes que desenvolvam actividades de risco e que a advocacia seja uma dessas actividades, então também o Requerente marido não pode ser inspeccionado, por declarar há mais de 20 anos receitas muito superiores aos indicadores medidos para o sector e a inspecção tributária está vocacionada para os contribuintes faltosos, que apresentam prejuízos em anos consecutivos e/ou que se desviam significativamente dos indicadores médios de actividade do sector em que se inserem.
Tudo, pois, em resumo, para concluírem que com “base” no denso SAP a Requerida subverte os critérios de selecção definidos no PNAIT e faz uma justiça privada e aplica a sua justiça ao Requerente marido, em ostensiva violação dos princípios da legalidade, igualdade, imparcialidade, justiça, proporcionalidade e boa-fé e com elevados prejuízos em termos económicos e de afectação do bom-nome profissional do Recorrente marido junto da sua clientela
É, pois, neste quadro de facto e direito (causa de pedir e pedido) que o erro de julgamento de facto tem que ser analisado, isto é, é neste quadro que os factos cuja integração no probatório os Recorrentes agora vêm peticionar em recurso têm que ser qualificados como pertinentes ou não pertinentes à decisão de suspender o acto para, após, se decidir, em caso de resposta afirmativa àquela questão, se os elementos documentais constantes dos autos ou a posição assumida pela contra-parte (designadamente a sua não impugnação) reúnem, por si, força bastante a que o Tribunal os dê como provados.
Antes, porém, de enfrentarmos a questão concreta enunciada, importa ainda deixar claro que, o que vimos dizendo em nada contende, como infra se verá, com a questão da impugnabilidade ou inimpugnabilidade do acto suspendendo a qual, assumindo natureza exclusivamente jurídica (e não tendo constituindo fundamento exclusivo de um possível indeferimento liminar – art. 116º al. d) do CPTA) apenas pode ser abstractamente colocada pelo Tribunal como uma das soluções plausíveis de direito e, consequentemente, a sua hipotética verificação não pode determinar, (limitando), a selecção de todos os factos passíveis de sustentarem a procedência da pretensão.
Esta posição de principio é, pois, para nós, a que, nesta fase (julgamento de facto) o juiz tem de realizar e assumir por imposição do preceituado nos artigos 508º-A, nº 1, al. e) e 511º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante, apenas designado por CPC), preceitos dos quais resulta que na base instrutória deve ser integrada (e só deve ser integrada) toda a matéria de facto relevante para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito, a qual (e não todo o alegado) posteriormente será objecto de decisão (despacho ou acórdão de resposta à matéria de facto), sendo que, nos meios processuais em que tal selecção não esteja autonomamente previsto ou tenha sido dispensado, essa selecção dos factos relevantes será realizada na própria decisão, como, in casu, sucedeu.
Posto isto, vejamos, agora, os factos alegadamente relevantes omitidos no probatório, que aqui recordamos: as inspecções e fiscalizações aos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003, 1995 e 1996 e os factos alegados nos artigos 1 a 56º e 58º a 64º da petição inicial.
Relativamente às inspecções referidas, a apreciação em questão revela-se simples e inquestionável a decisão que se impõe: tais factos foram alegados pelos Recorrentes, pelo menos nos artigos 6º e 21º daquele articulado, num claro contexto e propósito: provar a referida actividade persecutória de que os Requerentes se afirmam vitimas por parte da Administração Fiscal e em que fundam o seu pedido de suspensão do acto em causa.
Daí que, tal como as inspecções aos anos de 1990, 1991, 1992, 1993, 1998 e 1999 (parciais) e 2008, 2009 e 2010, também as alegadas inspecções dos anos objecto do erro de julgamento constituem matéria relevante para a apreciação da pretensão deduzida.
Da análise da matéria de facto seleccionada pelo Tribunal recorrido, parece decorrer que a irrelevância a que terão sido votados em sede de julgamento de facto residirá no facto de se ter entendido que as condutas em causa não constituirão acções inseridas num procedimento inspectivo.
Porém, não existe fundamento algum que sustente tal entendimento.
Efectivamente, como resulta do preceituado nos artigos 1º, 2º, 12º, 13º e 14º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), o procedimento inspectivo compreende todo um leque de actuações (objecto ou extensão) que pode circunscrever-se a um simples pedido de esclarecimentos e/ou apresentação pontual de documentos tendo em vista a confirmação da observância dos deveres do sujeito passivo relativamente a um determinado tributo (procedimento de inspecção parcial (artigo 14º, n.º 1 b) e 2 do diploma citado) ou ter por objecto a situação tributária global e de todos os deveres do sujeito passivo ou demais obrigados tributários (inspecção geral).
Por outro lado, os documentos mencionados (documentos n.ºs 2 a 9 juntos com a petição inicial) comprovam, para além da matéria que se encontra acolhida na selecção de facto realizada pelo Tribunal a quo, [isto é, que foi determinada a realização de uma acção inspectiva externa ao Requerente, relativamente aos exercícios de 1990-1993 (documento n.º 2), que a declaração de rendimentos do Requerente marido, relativa ao ano de 1997, foi seleccionada para ser analisada pelo Serviço de Finanças de Braga 1 (documento 7), que a declaração de rendimentos do Requerente marido, relativa ao ano de 1998, foi seleccionada para ser analisada pelo Serviço de Finanças de Braga (documento n.º 9)], que foram efectuados pedidos de esclarecimentos (documentos n.ºs 3 e 4), emitidas «NOTA DE VISITA» (documentos n.º 5 e 8) e «Notificação» para o sujeito passivo (requerente marido) exibir os livros de registo e todos os documentos e facturas relativas a bens e serviços adquiridos ou fornecidos exigidos pelo CIVA.
Ou seja, documentos que, por si só, comprovam que, nos anos de exercício a que se reportam, os Recorrentes foram objecto daqueles concretos procedimentos, isto é, que enquanto contribuinte aqueles foram alvo de procedimentos inspectivos, consubstanciados em actos diversos, o que, em abstracto, poderá ser relevante para aferir, no condicionalismo de facto e fundamento da providencia, isto é, da alegada actividade persecutória se essa análise se não vier a mostrar prejudicada pela análise de outras que previamente hajam de ser conhecidas e que o Tribunal tenha efectivamente apreciado e decidido.
Pelo que, considerando a importância que a tais factos deve ser reconhecida, se acorda, concedendo, nesta medida, parcialmente razão aos Recorrentes, em proceder ao aditamento à matéria de facto constante do probatório da factualidade colhida de tais documentos e cuja inclusão nesta sede vem requerida.
Passemos, então, agora, à análise dos factos constantes dos artigos 1º a 56º e 58º a 64, os quais, no entender dos Recorrentes, se mostram provados por falta de impugnação da Recorrida e são relevantes para a decisão de mérito dos autos, cuja transcrição realizaremos na integra para total compreensão da decisão.

Deixemos, no entanto, desde já assente que, como já salientado e os Recorrentes não ignorarão, apenas são levados ao probatório os factos e, dentro destes, os relevantes para a boa decisão da causa, isto é, os (i) factos essenciais [que «concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa (…), se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção (…), sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes»] e os (ii) factos instrumentais ( que se destinam «a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa» (Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, in «Comentário ao Código de Processo Civil», pág. 200)].

Serão, pois, de desconsiderar, para efeitos de um julgamento de facto, quaisquer considerações ou alegações de natureza exclusivamente jurídica, conclusões ou ilações que as partes retiram de outros factos ou verbalizações de “estados de alma” ou sentimentos impertinentes para o enquadramento jurídico a realizar.

Daí que, o alegado nos artigos 16º, 17º, 20º, 22º, 26º a 30º, 36º, 37º, 38º , 39º, 40º a 46º, 51º a 56º, 59º, 60º a 61º16º Atento o valor reduzido da correcção em causa e sobretudo o direito de colaboração dos contribuintes consubstanciado no dever de não fomentar conflitos de insignificante utilidade económica, o requerente procedeu às correcções sugeridas pela Exm.ª Senhora Inspectora Tributária»; «17º Ora, a realização de um segundo procedimento inspectivo ao exercício de 2008 é manifestamente desproporcionado e consequentemente proibido por lei, nos termos dos art.ºs 7º do RCPIT e 63º, n.º 3 da LGT, bem como dos art.ºs 266º e 26º da CRP, art.º 5º do CPA e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 18/93, de 17 de Março (Carta Deontológica do Serviço Público) segundo a qual os deveres são impostos aos cidadãos em termos justos e em medida adequada e proporcional aos objectivos a alcançar.»; «20º A inspecção aludida no antecedente art.º 19º foi promovida arbitrariamente pelo então inspector Hipólito Barros, que, advirta-se, promove a actual inspecção aos exercícios de 2008, 2009 e 2010.»; «21º Com efeito, no âmbito da inspecção aos exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003, e perante a constatação de que nada ou muito pouco havia a corrigir relativamente a tais exercícios, o dito inspector, pelo telefone e aos gritos ordenou ao inspector Leandro, que no escritório do signatário fiscalizava a escrita deste, “que fiscalizasse imediatamente os exercícios de 1998 e 1999”, ou “se era necessário ser ele próprio a deslocar-se ao escritório do signatário para fiscalizar esses exercícios”.»; «22º De notar que estávamos em 2005, ou seja, numa data em que se sabia de antemão que o direito de liquidar impostos respeitantes aos anos de 1998 e 1999 tinha caducado.»; «26º No âmbito do contencioso tributário, estes contratos de garantia bancária além de serem frequentemente rejeitados pelos bancos, quando aceites são assimilados a um passivo.»; «27º Consequentemente, são comunicados ao Banco de Portugal e agravam a capacidade financeira da pessoa ou entidade garantida.»; 28º Actualmente é quase impossível a obtenção destas garantias e quando concedidas apresentam custos incomportáveis, com taxas de juro a rondar os 10% ao ano.»; « 29º E se o contribuinte não presta a garantia vê o seu património penhorado pela Fazenda Nacional.»; «30º O que prejudica a imagem, o bom nome e o crédito do contribuinte em causa, mesmo que a final venha a obter ganho de causa na impugnação ou oposição.»; «36º Ou seja, a título de IRS, pagou nesses períodos € 132.497,27.»; «37º E desde 1990 até 2010, da sua actividade de advogado liquidou ao Estado mais de € 1.750.000,00, só a título de IVA»; «38º O requerente não tem direito a qualquer reforma paga pelo Estado, a saúde ou a qualquer outra prestação social, pelo que é com toda a propriedade um contribuinte que só paga impostos ao Estado e nada recebe deste pois até quando circula na auto-estrada paga avultadas portagens.»; 39º É, pois, manifesto que o requerente declarou receitas muito superiores aos indicadores médios da advocacia.»; «40º Indicadores que, de acordo com o inquérito anónimo dirigido pela Ordem dos Advogados a todos os seus membros no ano de 2003, nos referem que dois em cada três (66,5%) dos advogados portugueses ganham menos de 2.000 euros brutos!!! »; «41º E desses 66,5%, 20,1% recebem menos de 500 euros brutos (doc. 29);»; «42º e 22, 4% auferem entre 501 e 1.000 euros por mês»; «43º Só 8,4% dos advogados portugueses ganham mais de 5.000 euros por mês.»; «44º E se isto se passava em 2003 actualmente, face à grave crise por que passa a advocacia portuguesa, aqueles rendimentos diminuíram de uma forma geral.»; «45º Acresce que a maioria (mais de 70%) das sociedades portuguesas continuam sem pagar IRC.»; «46ºE as que pagam, com a excepção das grandes companhias como a Galp, PT, etc, declaram em média receitas anuais da ordem dos € 5.000,00.»; «52º O acto administrativo que determinou a inspecção aos exercícios de 2008 (segunda vez nunca é demais recordar), 2009 e 2010 não resulta da aplicação de critérios definidos no Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária (PNAIT), mas antes e apenas sanha persecutória da requerida. De facto,»; «53º nos últimos 20 anos de actividade do requerente só os exercícios de 1994, 2004, 2005 e 2006 não foram objecto de fiscalização.»; «54º A esmagadora maioria dos cerca de 45.000 advogados portugueses inscritos nunca foram fiscalizados.; «55º A esmagadora maioria das sociedades comerciais e dos demais profissionais liberais nunca foram objecto de qualquer fiscalização.»;; «56º A economia paralela em Portugal é superior a 20% do PIB.»; « 59º Desde então o requerente cumpriu escrupulosamente todas as suas obrigações fiscais dentro dos prazos legais.»; « 60º Declarou e pagou o IVA dentro do período legal, apresentou as suas declarações modelo 3 dentro dos respectivos prazos, cumpriu todas as obrigações principais, acessórias ou meramente declarativas.»; «61º É, pois, certo e seguro que a contabilidade do requerente está rigorosamente organizada de acordo com a lei fiscal e o plano oficial de contabilidade.»] por não traduzirem factos, muito menos essenciais, antes consubstanciando juízos conclusivos de facto e direito, não possam, de todo, ser acolhidos no probatório, como, de resto, se mostra bem decidido pelo Tribunal a quo, para além de que, na parte em que poderiam ainda considerar-se pertinentes (que entendemos sublinhar em cada um dos referidos factos), ou não se mostram provados, como é o caso de ser o mesmo o Inspector que promove as alegadas inspecções (confronte-se as assinaturas apostas nos documentos 10 e 19, sendo que o referido Inspector apenas aparece a subscrever a inspecção aos exercícios de 2008 a 2010); se desconhece o valor “reduzido”das correcções relativas aos anos de 2007 e 2008 (apenas se podendo admitir que foram feitas porque o Recorrente confessa ter realizado voluntariamente declarações de substituição) ou constituem ilações a extrair de outros factos, como seja o alegado no artigo 53º ou apareçam suportadas em documentos, designadamente inquéritos que, pelo contexto em que são desenvolvidos e tendo ainda em conta os objectivos fixados e o facto de constituir um estudo cujos resultados se não encontram oficialmente reconhecidos, não pode ser atendido como facto comprovado da realidade que o Recorrente pretende ver demonstrada.
Também não é de acolher a pretensão dos Recorrentes quanto à integração no probatório dos factos alegados nos artigos 1º, 6º, 7º, 8º e 19º [«1º O requerente D… exerce a actividade de advogado, possuindo escritório na Comarca de Braga desde 1986 e no Porto desde 2000.»; «6º A requerida DFB fiscalizou os exercícios decorrentes da actividade de advogado do requerente nos anos de 1990, 1991, 1992, 1993, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2007 e 2008, conforme se alcança dos documentos n.º 2 a 9 anexos»; «7º No dia 6.12.2011, os requentes foram notificados de uma nova acção inspectiva, desta feita os exercícios de 2009 e 2010, bem assim, pasme-se, novamente ao exercício de 2008»; «8º no dia 21.10.2009 os requerentes foram notificados de uma acção inspectiva ao exercício de 2008.»; «19º E a partir de 13.01.2005 o requerente foi objecto de uma acção inspectiva aos exercícios de 1998 e 1999»], por os mesmos, na parte relevante se encontrarem já assentes nos n.ºs 1 (a data a partir da qual exerce naquelas comarcas a sua actividade profissional não consta de qualquer documento junto aos autos, designadamente documento emitido pela respectiva Ordem dos Advogados com inscrição nessas datas desses domicílios profissionais) e 3. a 7. do probatório fixado ou se reportarem às já mencionadas inspecções e/ou visitas, esclarecimentos ou fiscalizações cujo aditamento está já decidido supra.
Mas é já de julgar pertinente para a apreciação do mérito dos autos o alegado nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 9º a 15º e 18º [2º A requerente C… exerce a actividade de professora de matemática na Escola Secundária D. Sancho I, em V.N. Famalicão, desde 1990. – é a requerente. Provou professora e escola – documento 58; 3º O requerente D... aufere rendimentos da categoria B, sendo um pequeno contribuinte. – pequeno é conclusivo; 4º - A requerente C… como professora do ensino secundário aufere rendimentos da categoria A (doc. 1)»; « 5º Até 2002, o requerente esteve sujeito ao regime simplificado de tributação, e a partir de 1 de Junho de 2003 passou a estar sujeito à determinação dos seus rendimentos de acordo com as regras do IRC (contabilidade organizada). – não impugnado – facto de que deviam ter conhecimento ? 9º Na sequência desta inspecção foram-lhe solicitados os dossiers fiscais dos exercícios de 2007 e 2008 (doc.13), que entregou na requerida no dia 11.05.2010 (doc.14). 10º No dia 26.05.2010 foi notificado para prestar as informações e os esclarecimentos sobre os exercícios de 2008 e 2007 constantes do ofício que ao diante se anexa como documento n.º 15 e que passa a fazer parte integrante deste articulado. – sim – documentos 13 e 14; 11º No dia 9.06.2010 o requerente prestou todas as informações e esclarecimentos a que se reporta o ofício referido no antecedente artigo.; 12º No dia 7.09.2010, o requerente foi notificado de um novo pedido de informações e esclarecimentos respeitantes aos exercícios de 2007 e 2008, os quais constam do ofício que se anexa como n.º 16 e passa a fazer parte integrante deste articulado.; 13º No dia 20.09.2010, o requerente respondeu integralmente ao pedido de informações e esclarecimentos referido no antecedente artigo.»;«14º Volvidos alguns dias sobre a data referida no artigo anterior, o requerente recebeu um telefonema da Dr.ª Isabel Oliveira, a dar-lhe conhecimento de que relativamente aos exercícios de 2007 e 2008, existiam dois erros: um respeitante ao imobilizado corpóreo e outro respeitante aos encargos deduzidos relativos a viaturas ligeiras.»;« 15º Prontamente o requerente apresentou declaração de substituição e no dia 7.10.2010 comunicou à requerida que relativamente aos encargos deduzidos relativos a viaturas ligeiras não chegou a existir qualquer erro porquanto a alteração de 5% para 10% (tributação autónoma) decorreu da Lei 64/2008, de 5 de Setembro, que, inconstitucionalmente, retroagiu os seus efeitos a 1.01.2008, defraudando dois valores fundamentais de qualquer Estado de Direito, a saber: certeza e segurança jurídicas.; «18º Sucede ainda que a partir de 5.05.2004 o requerente foi objecto de uma acção inspectiva aos exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003»], por constituírem a descrição de diversas diligências e/ou procedimentos ao longo de um determinado período de tempo, isto é, dos diversos contactos desenvolvidos entre os Recorrentes Requerente e a Recorrida de que aqueles entendem ser possível extrair a alegada actividade persecutória e, consequentemente, extrair relevantes consequências jurídicas, mormente a procedência da sua pretensão.
Devem, pois, (expurgados, obviamente, dos termos utilizados meramente redutores ou qualificadores do mesmo procedimento) ser aditados ao probatório na exacta medida em que se mostram comprovados pelos documentos juntos.
São também de considerar relevantes os comportamentos assumidos pelos Requerentes e os comportamentos ou actuações descritas nos artigos 23º 24º [23º Em consequência das inspecções aludidas nos antecedentes art.ºs 18º e 19º, a requerida procedeu a várias liquidações adicionais, designadamente de IRS de 1998 e 1999.«;24º O requerente impugnou-as e tem vindo a obter ganho de causa em todas elas em virtude da manifesta ilegalidade das mesmas», aqui também, na exacta medida em que se encontram comprovados pelos documentos juntos pelos Recorrentes ao processo.
Já não são todavia de considerar provados, ainda que pudessem ser entendidos como relevantes, os factos invocados nos artigos 25º [25º Contudo suportou avultados prejuízos, nomeadamente com os custos de várias garantias bancárias que se viu obrigado a prestar para suspender os subsequentes processos executivos.»;] e no artigo 31º [31º Na década de 90 o requerente declarou de receitas provenientes exclusivamente da advocacia valores anuais compreendidos entre Escudos: 17.000.000,00 (85.000 euros) e 24.000.000,00 (120.000 euros), por não haver nos autos qualquer prova capaz de suportar tal alegação, contrariamente ao que sucede com o alegado nos artigos 32º, 33º, 34º e 35º [32º Declarou nos anos de 2001 a 2008 a título de rendimentos provenientes da sua actividade de advogado, € 89.344,05»; € 70.179,00 «; € 168.176,95»; € 113.571,43»; € 155.492,84; € 280.773,17; € 225.675,49 e € 159.000,60», «33º No ano de 2009 declarou € 160.568,27, mais € 77.529,73 de outros rendimentos da categoria B.»; «34º E no último exercício (2010) declarou € 107.316,66, mais € 78.636,23 de outros rendimentos da categoria B.» e «35º Nesses anos pagou de colecta, respectivamente, € 21.840,14; € 18.353,34; € 15.213,62; € 5.060,15; € 9.339,52; € 16.137,14; € 16.385,13; € 6.448,48; € 16.385,32 e € 7.334,43.», que se mostram comprovados pelos documentos n.º 20 a 27 juntos aos autos.
Relativamente ao alegado nos artigos 47º e 48º [«47º Embora exerça a advocacia a título individual, o requerente conta há vários anos com a colaboração de colegas e o seu escritório é na verdade uma escola de advocacia, tal o número de estágios que já concedeu.», «48º Com instalações, mobiliário, renumerações, despesa de representação e viaturas, o requerente suporta todos os dias avultados custos.»], para além de serem absolutamente irrelevantes para efeitos de apreciação da pretensão deduzida, não se mostram minimamente comprovados, tal como acontece com a matéria ínsita nos artigos 63º e 64º [63º Nas inspecções a que se alude nos art.ºs 18º e 19º supra, que duraram vários meses, uma empresa cliente do requerente ao ver o escritório deste sitiado pelos “inspectores das finanças” deixou de ser seu cliente.»; «64º Nas inspecções aos anos de 1998 a 2003, o inspector tirou cópias de todos os recibos verdes e de seguida a requerida enviou um ofício a todos os clientes do requerente para confirmarem se as quantias deles constantes correspondiam efectivamente às quantias que lhe entregaram!»] cuja prova o Requerente não fez.
Quanto aos factos alegados nos artigos 49º e 50º,No presente ano e até 30 de Setembro de 2011, apesar da diminuição de receitas proveniente da brutal e progressiva quebra da actividade económica em consequência da crise económica e financeira que assola o mundo, o requerente já declarou € 171.796,76 de receitas provenientes exclusivamente da advocacia , tendo o Estado € 39.936,30 de retenção que foram efectuadas pelos clientes, que acrescidos aos € 4.751,00 retidos à requerente mulher, perfaz globalmente o valor de € 41.687,30.»; «50º E de IVA, até 30.09.2011, liquidou ao Estado € 39.513,25.», ainda se nos afigura que, por si ou conjugados com os demais, possam ser úteis para uma justa decisão da causa pelo que, estando igualmente confirmados pelos documentos juntos aos autos (documento de fls. 167-172) também serão aditados (naturalmente, excluídas as considerações tecidas a propósito da situação económica do país ou mundial). .
Por último, relativamente à alegada existência de “contabilidade organizada” a que se reportam os artigos 58º e 62º [58º Desde 1.01.2003 que o requerente possui contabilidade organizada] entende-se, considerando sobretudo o contexto em que vem alegada (como indicio de que não haverá nesta matéria reparo ou suspeita sustentadora de uma menor correcção da sua parte justificadora da alegada actividade persecutória) ser de incluir nos factos apurados, o que já não acontece, nem com a identidade da empresa alegadamente responsável pela referida contabilidade, nem com a identificação de outros alegados clientes, matéria que não só não mostra provado como é absolutamente irrelevantes para a decisão de mérito, qualquer que seja a solução julgada como possível de ser adoptada do ponto de vista jurídico.
Face a todo o exposto, e em conformidade, o Tribunal acorda em proceder ao aditamento do probatório, nos termos do artigo 712º do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
16. A Requerente C… exerce a actividade de professora de matemática em estabelecimento de ensino público, apresentando, pelo menos desde 1993, declarações de rendimentos exclusivamente da categoria A [cfr. documento de fls. 58 e 93 e seguintes dos presentes autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].
17. O Requerente apresenta, pelo menos desde 1990, declarações de rendimentos exclusivamente de categoria B [cfr. documentos de fls. 94 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
18. Desde 1 de Junho de 2003 que o Requerente está sujeito à determinação dos seus rendimentos de acordo com as regras do IRC [cfr. documentos de fls. 94 e seguintes, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].
19. A 19-6-1997, a Recorrida emitiu e enviou ao Recorrido um ofício do qual consta, designadamente, que:
«ASSUNTO: ESCLARECIMENTOS IRS/EXERCÍCIO DE 1995
Fica por esta forma avisado, para de acordo com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 124º do C.I.R.S., apresentar no prazo máximo de 10 dias, os elementos a seguir indicados (…)» [cfr. fls. 61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]
20. A 21-9-1997, a Recorrida emitiu e enviou ao Recorrido um ofício do qual consta, designadamente, que:
«ASSUNTO: ESCLARECIMENTOS IRS/EXERCÍCIO DE 1995
Fica por esta forma avisado, para de acordo com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 124º do C.I.R.S., apresentar no prazo máximo de 10 dias, os elementos a seguir indicados (…)» [cfr. fls. 62, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
21. A 14-12-1997, o Requerente recebeu «NOTIFICAÇÃO» «Nos termos da alínea c) do artigo 77º do Código de Imposto Sobre o valor Acrescentado (CIVA) (…) exibir os livros de registos e todos os documentos e facturas relativos a bens e serviços, adquiridos ou fornecidos, exigidos pelo CIVA (…) » [cfr. documento de fls. 64, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
22. Por ofício de 14-4-2004, foi levado ao conhecimento dos Requerentes que «Nos termos da alínea l) do n.º 3 do artigo 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 49º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT) fica (m) notificado (s) de que, a muito curto prazo, se deslocarão à morada acima referida, técnico (s) dos Serviços Tributários» para proceder à «verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias», aos anos de 2000, 2001, 2002 (completos) e 2003 (parcial) relativos a IRS e IVA» [cfr. documento de fls, 89 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]
23. Em consequência das inspecções relativas aos anos de 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003 foram emitidas várias liquidações adicionais (confissão da de parte).
24. Por ofício de 20-10-2009, foi levado ao conhecimento dos Requerentes que «Nos termos da alínea l) do n.º 3 do artigo 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 49º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT) fica (m) notificado (s) de que, a muito curto prazo, se deslocarão à morada acima referida, técnico (s) dos Serviços Tributários» para proceder à «verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias e terá o âmbito e extensão a seguir indicados: (…) Ano/Exercício 2008» [cfr. documento de fls, 72 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]
25. Na sequência desta inspecção foram-lhe solicitados os dossiers fiscais dos exercícios de 2007 e 2008, que o Requerente entregou nos Serviços da Requerida no dia 11.05.2010 [cfr. documentos de fls, 76-78 cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos]
26. Por ofício de 24-5-2010, foram solicitados ao Requerente os esclarecimentos, documentos e informações constantes de fls. 80 a 82 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), relativos aos exercícios de 2007 e 2008, a que o Requerente respondeu.
27. Por ofício de 7-9-2010, foram solicitados ao Requerente os pedidos de informação, esclarecimentos e documentos relativos aos exercícios de 2007 e 2008, que se encontram devidamente descriminados no documento de fls. 84-85, (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), a que Requerente respondeu.
28. Pelos serviços de inspecção da Requerida foram detectados erros relativamente aos exercícios de 2007 e 2008 (respeitante ao imobilizado corpóreo e aos encargos deduzidos relativos a viaturas ligeiras) tendo, o Requerente marido, após lhe ter sido dado conhecimento das irregularidades, apresentado declaração de substituição corrigindo ambos os erros (cfr. documento de fls. 87 e confissão de parte)
29. O Requerente deduziu Oposição Judicial à execução fiscal n.º 36120110103 (instaurada para cobrança de divida relativa a IRS de 1999) com fundamento em prescrição da divida tributária e caducidade do direito de liquidação, a qual veio, com fundamento em prescrição da divida exequenda, a ser julgada procedente por sentença de 28-11-2011 [cfr. documento de fls. 174-181, que aqui se dá por integralmente reproduzido].
30. O Requerente nos anos de 2001 a 2008 declarou, a título de rendimentos de trabalho da sua actividade de advogado, respectivamente, as seguintes quantias: € 89.344,05; € 70.179,00; € 168.176,95; € 113.571,43; € 155.492,84; € 280.773,17; € 225.675,49e € 159.000,60 [cfr. documentos de fls 93-138, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos]..
31. No ano de 2009 declarou, a título de rendimentos provenientes da actividade de advogado, a quantia de € 160.568,27, e € 77.529,73 de outros rendimentos da categoria B. [cfr. documento de fls. 140-146, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzo].
32. No exercício de 2010, o Requerente declarou a título de rendimentos provenientes da sua actividade de advogado e € 78.636,23 de outros rendimentos da categoria B. [fls. 147 – 154 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzo].
33. Nesses anos pagou de colecta, respectivamente, € 21.840,14; € 18.353,34; € 15.213,62; € 5.060,15; € 9.339,52; € 16.137,14; € 16.385,13; € 6.448,48; € 16.385,32 e € 7.334,43 (cfr. os documentos reproduzidos nos factos antecedentes).
34. Até 30 de Setembro de 2011, o Requerente declarou € 171.796,76 de receitas provenientes exclusivamente da advocacia e a título de Imposto Sobre o valor Acrescentado, liquidou ao Estado € 39.513,25 [cfr. documento de fls. 166-172, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Mais se adita, ao abrigo do comando legal supra citado, porque relevante para a apreciação do mérito dos autos, o seguinte facto:
35. A 20 de Janeiro de 2011, foi proferido pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais [“(POR DELEGAÇÃO DE S. EXA. O MEF, DESP. 382/2010, DR, II SÉRIE, N.º 4, DE 07/01/2010)], o seguinte

«DESPACHO N.º 53/2011-XVIII
1 - Aprovo o PNAIT - Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária - para o ano de
2011, que me foi apresentado através da informação n.º 373, datada de 28.12.2010, da Direcção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspecção Tributária da DGCI.
2 - A acção da Inspecção tributária deverá ser desenvolvida no ano de 2011 no quadro dos objectivos estratégicos plasmados no bem estruturado e elaborado plano de actividades, cuja operacionalização deve incidir prioritariamente nos anos/exercícios económicos de 2008 e 2009 e excepcionalmente em 2007, conforme proposto, quer na plano, quer no ponto 21 da informação supra identificada.
3. A inspecção tributária deve desenvolver a sua actividade, nos domínios do controlo inspectivo e preventivo, bem como intensificar a sua colaboração com a justiça tributária, em relação ao acervo de contribuintes cadastralmente relevantes, com enfoque nas actividades /factos elencados no ponto 4 do capítulo IV do relatório e deve, outrossim, direccionar um especial esforço no sentido de detectar as condutas ilegais e fraudulentas praticadas pelos agentes não registados, por forma a tornar mais visível, efectiva e eficaz a intervenção da inspecção tributária, em ordem a concorrer para o aprofundamento da justiça tributária e da racionalidade e equidade do sistema fiscal.
4. À DGCI para execução.» [cfr. documento de fls. 227 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

4.2.3. Do erro de julgamento de direito
Estabilizada que está a matéria de facto, importa agora que enfrentemos a última das questões postas pelos Recorrentes, a saber, o invocado erro de julgamento de direito que vem assacado à sentença recorrida.
Como se apreende, em especial, das conclusões 7. a 31. e 33. a 34., para os Recorrentes o Tribunal a quo andou mal ao ter decido pela improcedência da pretensão cautelar, posição que assumem sustentados em dois pressupostos essenciais: o Tribunal procedeu a um errado enquadramento jurídico da questão de facto posta em apreciação e errou ao não ter decido pela manifesta nulidade do acto suspendendo e, consequentemente, pelo integral provimento do pedido suspensivo.
Considerando que o preenchimento ou não dos requisitos da tutela cautelar requerida está dependente das normas ou regime que se entenda por aplicável, será pelo primeiro dos pressupostos supra enunciados que a apreciação desta questão se iniciará, começando por chamar a atenção, porque digno de reparo atento o fundamento nesta parte do recurso, que na petição inicial não só os Recorrentes nunca identificaram o tipo de tutela cautelar pretendida, tendo-se limitado a uma menção a “ Procedimento Cautelar (cfr. fls. 3 da petição inicial) e a uma referência a “ Fundamento da providencia cautelar(cfr. fls. 19 do mesmo articulado). Ou seja, na petição inicial os Recorrentes com excepção da formulação, a final, de um pedido de decretamento provisório reportado ao artigo 131º do CPTA (cfr. pedido e referência formulado no último parágrafo da petição propriamente dita) omitiram, inclusive na parte que reservaram para explanar “ O Direito” ( cfr. fls. 16 e seguintes) a referência a qualquer norma ou regime de natureza processual que entendessem como conformador do meio processual de que haviam lançado mão.
Todavia, e não obstante a total omissão do referido enquadramento jurídico, o Tribunal a quo não teve dúvidas em admitir liminarmente a mesma, nos exactos termos em que lhe vinha apresentada (cfr. fls. 208), ordenando a sua tramitação e procedendo à sua conformação processual, seguindo o regime previsto nos artigos 147º do CPPT (cfr. fls. 208).
Concluída a instrução dos autos, veio, na decisão final, a efectuar um breve enquadramento jurídico das providencias cautelares no âmbito do processo tributário (salientando a existência de norma expressa, o artigo 147º n.º 6 do CPPT, susceptível de sustentar outro tipo de providencias que não a intimação para um comportamento regulado nos n.ºs 1 a 5 do mesmo preceito e diploma e a citar, de forma também concisa, as posições divergentes que a doutrina vem assumindo no que concerne aos concretos tipos de providencia e requisitos a que estas devem obedecer), tendo, a fina, exteriorizado o seu próprio entendimento, que resumiu da seguinte forma: «tendo em conta», em especial que «a adopção de medidas cautelares a favor dos particulares se impõe como regra devido ao princípio da tutela judicial efectiva, bem assim que, no propósito de assegurar a plenitude da tutela cautelar, o C. P. T. A. consagra, no art 112, n° 1, uma cláusula aberta que permite a adopção de todo o tipo de providências cautelares (n.s cfr.Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.741)», o decretamento de providências cautelares a favor do contribuinte», está depende «da verificação dos requisitos gerais de aparência do bom direito ou fumus boni iuris, da perigosidade de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora) e a ponderação de todos os interesses em jogo, previstos no artigo 120.° do C.P.T.A.».
Foi, pois, para nós indubitavelmente, o regime consagrado no artigo 120º do CPTA, o que o Tribunal a quo elegeu como devendo constituir a referência normativa, o enquadramento jurídico em que a apreciação da realidade que lhe vinha apresentada deveria ser apreciada e decidida.
Não é, porém, esta a leitura que os Recorrentes fazem do enquadramento jurídico realizado na sentença, como se vê, das conclusões apresentadas, alegando que foi no disposto no artigo 147º do CPPT e nos pressupostos aí enunciados que a Meritíssima Juiz terá proferido decisão, errando flagrantemente por a intimação para um comportamento, hipótese aí prevista, nada ter a ver com a sua pretensão
Para além de nada na sentença recorrida, ou pelo menos uma correcta interpretação do que nesta vem exposto, permitir extrair tal leitura (note-se que, como transcrito supra, o Tribunal a quo frisou claramente que a apreciação do pedido de suspensão seria realizado à luz do regime previsto no artigo 120º do CPTA), afigura-se-nos que os Recorrentes laboram, pelo menos, em dois equívocos: (i) de que no campo do contencioso processual tributário a tutela cautelar está restringida à intimação para um comportamento e (ii) que a aplicação do regime especifico das providencias cautelares previstas no CPTA se realiza no âmbito do processo tributário de forma autónoma ou directa.

Que a tutela cautelar se não esgota ou se mostra reduzida à mera faculdade de intimar a Administração Tributária a um comportamento, resulta ostensivamente do teor do artigo 147º do CPPT, em especial no seu n.º 6 [«1 - Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente. 2 - O presente meio só é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente Código, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa. 3 - No requerimento dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância deve o requerente identificar a omissão, o direito ou interesse legítimo violado ou lesado ou susceptível de violação ou lesão e o procedimento ou procedimentos a praticar pela administração tributária para os efeitos previstos no n.º 1. 4 - A administração tributária pronunciar-se-á sobre o requerimento do contribuinte no prazo de 15 dias, findos os quais o juiz resolverá, intimando, se for caso disso, a administração tributária a reintegrar o direito, reparar a lesão ou adoptar a conduta que se revelar necessária, que poderá incluir a prática de actos administrativos, no prazo que considerar razoável, que não poderá ser inferior a 30 nem superior a 120 dias. 5 - A decisão judicial especificará os actos a praticar para integral cumprimento do dever referido no n.º 1.]: que dispõe que: «6 - O disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida(sublinhado e negrito de nossa autoria). Isto é, perante a redacção imprimida ao preceito ora seleccionado, não se nos afigura que possam existir dúvidas quanto ao facto de o legislador processual tributário ter consagrado a possibilidade o um contribuinte lançar mão de outros tipos de tutela cautelar que não o que se encontra nominado no artigo 147º, n.º 1 e 5 CPPT.

Daí que, a posição de principio assumida pelos Recorrentes, de total correspondência entre uma eventual utilização do regime do artigo 147º do CPPT e a intimação para um comportamento ou a alegação de que o regime por este instituído é incompatível com outro tipo de tutelas cautelares, seja, em nosso entender, e pelo que vimos expondo, errado.

Tal como errado é o entendimento de que a aplicação do regime especifico das providencias cautelares previstas no CPTA se realiza no âmbito do processo tributário de forma autónoma ou directa já que é ainda no artigo 147º n.º 6 do CPPT, que a possibilidade de aplicação neste contencioso tributário de outros meios de tutela cautelar encontra expressão explícita, aí se regulando não só aspectos de natureza processual (sujeitos «às adaptações necessárias») como substantivos (enunciando-se os requisitos materiais de que está dependente a sua procedência – “ deve o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável a causar pela Administração Tributária»), pelo que, a aplicação daqueles “outros meios” encontra o seu fundamento na própria previsão normativa daquele preceito para outros regimes reguladores de tutelas cautelares como o são os emergentes dos artigos 112º a 120º do C.P.T.A. ou contemplados na lei processual civil.

Para Jorge Lopes de Sousa, «o artigo 147.°, n.° 6 do C.P.P.T. constitui uma norma especial sobre a tutela cautelar no contencioso tributário, pelo que não há uma lacuna de regulamentação, quanto aos requisitos da adopção de providências cautelares no contencioso tributário, pelo que não é viável recorrer aos critérios previstos no C.P.T.A., que são de aplicação subsidiária, conforme decorre do artigo 2.°, al. c) do C.P.P.»

Todavia, a questão que se pode colocar é a de saber se hoje, face às exigências constitucionais de uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 268/4 da CRP) e à amplitude de protecção que esta implica, a tutela cautelar no restrito campo do contencioso tributário - mesmo considerando que, por tradição e natureza, esta se destina a salvaguardar especialmente interesses patrimoniais - não impõe que outros interesses e valores devam ser relevados e protegidos, ainda que para tanto se deva exigir que o Requerente da providencia alegue e comprove o preenchimento de requisitos que vão muito além dos prejuízos materiais de difícil reparação que o legislador tributário considerou como relevantes para que a tutela cautelar fosse decretada ou que nem devam sequer ser ponderados, por outros, a título excepcional, imporem a procedência da tutela requerida.

É este, parece-nos, o entendimento que os Recorrentes pretendem fazer vingar quando se vem insurgir contra a sentença recorrida afirmando que não estão em causa quaisquer prejuízos materiais ou afectação do seu bom nome, que estes não são o fundamento fulcral da sua pretensão, mas sim a protecção de direitos fundamentais que vem sendo violados pela actuação da Administração Tributária que, sem qualquer fundamento de facto ou direito, sistematicamente os inspecciona sendo, por essa razão, o acto manifestamente nulo.

A propósito desta matéria concreta, Jorge Lopes de Sousa adianta que o princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no n.º 4 do art 268 da CRP, estabelece explicitamente a possibilidade de adopção de medidas cautelares, pelo que a possibilidade de adopção daquelas deve ser admitida generalizadamente no processo judicial tributário relativamente a qualquer tipo de processos. “Porém, os termos em que estas providências são admitidas são manifestamente exíguos, pois abrangem apenas os casos em que se esteja perante uma lesão irreparável para o requerente

O alcance da tutela judicial efectiva, hoje constitucionalmente garantida de forma explícita, parece impor que se dê consagração prática ao velho princípio enunciado por CHIOVENDA, de que a inevitável demora do processo ou a necessidade de recorrer a ele não devem provocar dano à parte que tem razão.
Assim, não bastará, para assegurar a tutela judicial efectiva, garantir a possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível.
Por isso, a adopção de medidas cautelares a favor dos particulares impõe-se como regra (que deverá conhecer excepções derivadas da ponderação de interesses conflituantes superiores), quando se indicie que a pretensão formulada será julgada procedente e seja de prever que a demora do processo provoque prejuízos ao requerente (situação em que se justifica que os inconvenientes derivados da demora do processo sejam suportados por quem parece que teve uma actuação ilegal e não por quem parece que tem razão) para além dos casos em que possa ocorrer um prejuízo irreparável”
Em nosso entender, e sem prejuízo de termos presente quer as exigências de adaptação dos meios processuais tutelares, sempre que necessário, ao campo especifico do contencioso tributário (imposto pelo n.º 6 do artigo 147º do CPPT) e os valores patrimoniais que de forma incisiva marcam a relação em presença, não se nos afigura que seja hoje possível questionar nem a legitimidade de o contribuinte recorrer, por força das disposições conjugadas dos artigos 147º, n.º 6 e 112º e seguintes do CPA (estes, aplicáveis ex vi artigo 2º do CPPT) aos vários meios processuais consagrados pelo legislador processual administrativo, nem a bondade de uma decisão de procedência de um pedido cautelar formulado no seu âmbito, desde que seja alegada e demonstrada matéria de facto bastante ao preenchimento dos pressupostos legais de que tal protecção cautelar marcadamente administrativa se mostra dependente, designadamente, como vem invocado, a manifesta ilegalidade do acto impugnado (suspendendo) sem sequer se curar (a verificar-se aquela manifesta ilegalidade), da eventual verificação ou não de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.
No caso concreto, como vimos, os Recorrentes nunca identificaram o meio processual específico em que se movia a sua pretensão o que não impediu a Meritíssima Juiz, julga-se que, em especial, face ao pedido de suspensão formulado (e após a julgar admissível por força do disposto no artigo 147º, n.º 6 do CPPT) em subsumir a tutela cautelar peticionada à providência cautelar especificadamente prevista nos artigos 112º a 120º do CPTA e, consequentemente, em decidir à luz do regime contemplado naquele último normativo a tutela que lhe vinha solicitada.
Donde, a questão que ora se coloca é a de saber se o Tribunal a quo andou bem ou mal quando entendeu indeferir a tutela por inimpugnabilidade do acto suspendendo.
Vejamos.
Como ficou salientado na decisão recorrida, no contencioso tributário, vigora o princípio da impugnação unitária, nos termos do qual, em regra, só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres. Esse princípio extrai-se também do art. 66.º da LGT, em que se estabelece o regime dos actos interlocutórios do procedimento tributário, que determina que os contribuintes e outros interessados podem reclamar de quaisquer actos ou omissões praticados pela Administração Tributária, mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados impugnar a decisão final do procedimento com fundamento em qualquer ilegalidade» [vide, JORGE LOPES DE SOUSA, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 2 ao art. 54.º, pág. 423.»).
No caso concreto, como vimos, está em causa um acto praticado no âmbito de um procedimento tributário que, se for caso disso, conduzirá a um acto de liquidação de um tributo. Ou seja, o acto determinativo da inspecção é um acto meramente interlocutório pelo que, na ausência de disposição legal que preveja a impugnabilidade desse mesmo acto, nem devendo considerar-se acto destacável, (por não condicionar irremediavelmente a decisão final do procedimento), as ilegalidades de que eventualmente padeça, de acordo com o princípio da impugnação unitária vigente no processo tributário (cf. os citados arts. 54.º do CPPT e 66.º da LGT) apenas podem ser invocadas na impugnação judicial do acto final do procedimento de avaliação da matéria tributável, quando esta seja efectuada por métodos directos ou quando não conduza a liquidação (cf. art. 86.º, n.ºs 1 e 3, da LGT), ou na impugnação judicial do acto de liquidação, quando a correcção da matéria tributável seja efectuada por métodos indirectos.
Acontece, porém que, para os Recorrentes, a questão não é a da saber se no final do procedimento vai ou não vai haver lugar a liquidação, se a inspecção vai ou não a originar a emissão de uma liquidação com a consequente obrigação de pagamento, mas sim o facto de não estarem reunidos os pressupostos de facto e direito para a realização da inspecção em causa e tal acto se inserir numa inadmissível actividade persecutória da Administração Tributária relativamente aos Recorrentes, violadora de direitos fundamentais daqueles e dos princípios que devem nortear aquela actividade.
Ou seja, ainda que não claramente identificado, afigura-se-nos que o que os Recorrentes pretendem invocar é que o acto determinativo da inspecção aos anos de 2009 e 2010 estará eivado do vício de desvio de poder, que ocorre, como é sabido, sempre que o motivo principalmente determinante de um acto, praticado no exercício de um poder discricionário, não coincide com o fim visado pela Lei na concessão desse poder discricionário.
Ora, sendo certo que, como dizem os Recorrentes, o acto de selecção de um contribuinte para efeitos de fiscalização não se insere no âmbito de poderes discricionários (latu sensu) da Administração Tributária, antes se encontrando vinculado a critérios legais previamente definidos, não o é menos afirmar-se que a aplicação concreta daqueles critérios envolve uma margem de discricionariedade (discricionariedade técnica), que no caso se traduz na escolha, dentro do universo dos contribuintes a quem tais critérios são aplicáveis, daqueles que, num determinado momento, serão objecto da actividade fiscalizadora da AT.
E é precisamente aqui (ou pelo menos afigura-se-nos que seja face aos termos em que a pretensão se encontra configurada na petição inicial), que os Recorrentes assentam o seu inconformismo com a actividade dos serviços de inspecção da Recorrida e a determinação de mais uma inspecção, alegando que a sua sistemática eleição para efeitos fiscalizadores não se prende com a observância dos critérios em causa, que até não preenchem, mas sim com uma alegada actividade persecutória da AT violadora dos seus direitos fundamentais, sendo que a lesão in casu não é o que hipoteticamente possa decorrer no final da inspecção, não é a eventual liquidação de um tributo, mas o condicionalismo que despoletou e fundamenta a própria ordem de inspecção.
Ora, delimitada desta forma a causa de pedir, não vemos que o acto suspendendo deva ser considerado inimpugnável ou que lhe não deva ser aplicada a mesma disciplina que é aplicável aos actos destacáveis, sob pena de o contribuinte, se assim não se entender, nunca ter forma de obter uma verdadeira tutela jurisdicional efectiva.
Efectivamente, a não se entender como impugnável este acto, não será possível ao contribuinte interromper uma eventual actividade persecutória que lhe venha dirigida. A não se entender assim, ficará sempre o contribuinte, que se veja perseguido por um determinado serviço de inspecção, sujeito a uma eventual e futura liquidação, que até pode não vir a ocorrer, sem que deixe de suportar os custos, a lesão dos seus direitos, determinada por aquela actividade persecutória consubstanciada na realização de uma nova inspecção (e que, no caso do ano de 2008, ordem revogada já na pendência desta acção cautelar, constituiria mesmo uma segunda inspecção externa ao mesmo ano fiscal do Recorrente).
É certo, não o escamoteamos, a eventual suspensão de um acto determinativo de uma inspecção aos exercícios fiscais de 2009 e 2010 em nada obstará a que, porventura, não possa vir a ser determinada uma inspecção aos anos de 2011 ou aos subsequentes exercícios fiscais, que até pode ser absolutamente legitima, por fundada, o que pode inculcar a ideia de alguma desconformidade entre o meio escolhido e a tutela que se visa assegurar já que nestes autos os Recorrentes apenas poderão almejar a suspensão de uma concreta inspecção e não uma paralisação da “alegada sanha persecutória”. Porém, daí não se pode concluir que essa actividade persecutória e o desvio de poder que a mesma possa consubstanciar não possa, enquanto vício próprio do acto, ser considerado com repercussões apenas ao acto concreto e, nessa medida e com este limite, tutelar a situação, com o consequente afastamento dos efeitos lesivos que de tal conduta alegadamente decorrem.
Temos, pois, por seguro, que a inultrapassável existência de uma verdadeira tutela jurisdicional efectiva exige que seja reconhecida a possibilidade de impugnação de actos, ainda que procedimentais, sempre que estes se mostrem imediatamente lesivos, sendo que esta lesão ocorrerá se e enquanto a eventual actividade persecutória se mantiver.
Tudo para que se diga, pois, que, considerando a causa de pedir, isto é, a forma como os Recorrentes configuraram a acção cautelar, o acto suspendendo não surge inequivocamente como inimpugnável, impondo-se, por essa razão, que se aprecie, em substituição, dos requisitos plasmados no artigo 120º do CPTA., isto é, se aprecie e decida se, in casu, se verifica a manifesta ilegalidade do acto suspendendo já que foi exclusivamente com este fundamento (como claramente resulta da própria interpretação que os Recorrentes fazem da sua petição inicial e, sobretudo, dos termos em que conformaram o seu recurso jurisdicional) que vem pedida a revogação do decidido e o decretamento da suspensão.
Dispõe o art. 120º, para o que ora releva, sob a epígrafe “Critérios de decisão”, que:
1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;
Deste normativo legal infere-se que constitui fundamento de procedência das providências cautelares conservatórias (como é o caso, nesta parte do pedido, dado que se pretende simplesmente a manutenção de uma situação já existente, ou seja, da situação anterior à decisão determinativa de inspecção), a evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
Conforme explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, págs. 602-603, “(…) a alínea a) do n.º 1, pese embora a sua colocação sistemática, não impõe requisitos de cujo preenchimento dependa, em circunstâncias normais, a concessão das providências, mas, pelo contrário, visa permitir que, em situações excepcionais, as providências sejam atribuídas sem necessidade da verificação desses requisitos. O n.º 1, alínea a), contém, assim, uma norma derrogatória, para situações excepcionais, do regime de que depende a concessão das providências em circunstâncias de normalidade. (…)
É, pois, necessária, nesta matéria, uma grande contenção da parte do juiz: como é evidente, se essa contenção faltar e o juiz despender esforços desproporcionados para esgotar, em sede cautelar, a apreciação das questões atinentes ao fundo da causa, ele tenderá a ser conduzido com maior (e indesejável) frequência à aplicação do n.º 1, alínea a). Na verdade, na generalidade dos casos, a solução a dar a qualquer questão jurídica torna-se evidente após uma análise exaustiva. Os próprios exemplos que o legislador indica no preceito sugerem, porém, que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações(sombreados e sublinhados nossos)
Também a jurisprudência têm vindo a assumir em múltiplos arestos posição conforme a doutrina citada, como se constata do acórdão do TCA Norte de 30-12-2012, que escolhemos não só profundidade da análise aí realizada, como pela sua actualidade e referências explicitas aos Ac. do Supremo Tribunal Administrativo que de forma mais relevante marcaram a orientação jurisprudencial que vimos referindo:
«Aqui o decretamento é quase automático na medida em que assenta em requisitos objetivos e faz apelo a um critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público (sob a forma do princípio da legalidade - a Administração não deve praticar tais actos) e a tutela dos interesses privados (particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada).
Segundo é defendido por J.C. Vieira de Andrade com o mesmo “… elimina-se … um dos corolários mais perversos do dogma autoritário da ‘presunção de legalidade do ato administrativo’, quando se passa a reconhecer e a conferir até relevo fundamental ao fumus boni iuris. O juiz tem agora o poder e o dever de, ainda que em termos sumários, avaliar a probabilidade da procedência da ação principal, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir, ainda que esteja em causa um «verdadeiro» ato administrativo. (…) O papel que é dado ao fumus boni iuris (ou ‘aparência do direito’) é decisivo, desde logo porque parece ser, em princípio, o único fator relevante para a decisão de adoção da providência cautelar em caso de evidência da procedência da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do ato. (…) Note-se, porém, que o critério legal é o do caráter evidente da procedência da ação - e não, por exemplo, no caso dos meios impugnatórios, o da evidência do vício …” (in: “A Justiça Administrativa (Lições), 11.ª edição, págs. 306 e 307).
E efetivamente o cerne deste critério centra-se na expressão «evidente procedência da pretensão» enquanto reportada à invocada posição jurídica subjetiva inserta ou a inserir no processo principal.
O julgador cautelar é confrontado perante a exigência de realizar um juízo de procedência ou concludência quanto aos direitos e/ou interesses legalmente protegidos do requerente invocados ou a invocar na ação principal, sem que isso envolva ainda assim uma decisão sobre o mérito da causa.
Se é certo que, por regra, a demonstração do «bonus ius» em termos cautelares se basta com o «fumus», enquanto juízo de verosimilhança a obter de modo sumário («summaria cognitio»), o que ocorre é que neste critério de decisão o legislador ao introduzir e exigir ao juízo cautelar o atributo qualificado da evidência da «procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal» acaba por aproximar muito o juízo cautelar do juízo de mérito da ação principal.
Nessa medida, face ao tipo de juízo cautelar em questão temos que pelo grau de exigência colocado na sua decretação, mercê dum «aproximar» a decisão cautelar da decisão principal quanto a um juízo de mérito, dúvidas não temos de que só em casos extremos e excecionais será possível afirmar-se com segurança que a procedência da ação principal é de tal modo evidente que não há razão para deixar de conceder a providência.
Se é certo que no caso o uso da expressão «evidente» na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA não terá os precisos contornos que emergem doutros domínios do saber e conhecimento como é o caso, por exemplo, da filosofia, em que quererá significar o aparecer do que é verdadeiro em termos de certeza absoluta, duma realidade indubitável, temos, no entanto, que tal expressão importará ser compatibilizada com aquilo que constituem os juízos feitos no domínio da ciência jurídica, em particular, os do julgador.
E neste domínio a convicção não é uma convicção de certeza absoluta, mas apenas uma convicção de probabilidades, sendo que a distinção entre os juízos cautelar e de mérito na ação principal passa por uma diferente intensidade dessa convicção.
Daí que a medida de probabilidade e convicção exigida ao julgador cautelar no seu juízo decisório terá de ser diferente da que se exige na mesma tarefa ao julgador no processo principal. Na verdade, enquanto na ação principal se exige um alto grau de probabilidade de verificação do facto [a denominada certeza subjetiva], nos processos cautelares basta-se com o «fumus boni iuris» invocado ou a invocar na ação principal, num juízo de mera verosimilhança que se carateriza por um menor grau de probabilidade (ainda que sério e fundado) da verificação da existência do facto e da violação do direito/interesse legalmente protegido.
Será, pois, por referência a esse menor grau de probabilidade que se deve formar e reconduzir a convicção do conceito de «evidência» da procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal previsto no normativo em epígrafe de molde a que enquanto juízo que não tem o sentido de «certeza relativa» [próprio da ação principal], nem o de «mera previsibilidade» [que carateriza o exigido nas providências antecipatórias], ou ainda o de «juízo de viabilidade» [que norteia este requisito nas providências conservatórias], seja caraterizado como um «juízo de notoriedade e visibilidade» mercê de se revelar como facilmente conhecido, apreensível e verificável pelos intervenientes processuais.
Tal juízo de «evidência» é assim tributário duma ideia de clareza e de caráter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações enunciadas na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA [ou seja, a existência de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o ato manifestamente ilegal], consubstanciando as mesmas situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela ou afirma no caso como patente, notório, visível e com grande grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva e grosseira da ilegalidade cometida.
Estamos, nessa medida, na presença de critério excecional que abrange apenas as situações em que é mais do que provável que a pretensão do requerente venha a ser julgada procedente, de situações de nulidade evidente ou de ilegalidade grosseira, em que se impõe e exige, sem a necessidade de aferição de quaisquer outros requisitos, a decretação da tutela cautelar enquanto meio de reposição ainda que provisório da legalidade e mais latamente do direito.
Note-se, por outro lado, que nesta sede quanto à situação de manifesta ilegalidade a aferição da evidente procedência da pretensão/ação administrativa principal terá de ser efetuada quando estamos em presença de pretensões impugnatórias à luz das ilegalidades que se mostram assacadas ao(s) ato(s) administrativo(s) em crise tal como se apresenta(m) no requerimento inicial que deu início ao processo cautelar e prova de factualidade que as integre ou preencha.
Tal caráter manifesto da ilegalidade não se compadece, assim, com aturados trabalhos de análise e de subsunção jurídica que é trazida a juízo pelas partes, nem pode derivar duma análise aprofundada de várias posições doutrinais ou jurisprudenciais que as partes tragam aos autos para fazer valer a sua pretensão.
A mesma tem que se apresentar, ou como não contestada/aceite pela contraparte, ou, então, de forma inequivocamente simples, de modo a que lançando-se mão de conceitos jurídicos igualmente simples se possa concluir pela evidência da pretensão.
É que a providência cautelar não se destina a definir em termos finais as pretensões que as partes trazem a juízo, mas, ao invés e como supra fomos referindo, a acautelar essas pretensões da eventual perda que possa ser originada pela demora da decisão do processo principal e, nessa medida, a apreciação da pretensão que constitui o objeto do processo principal deve ser feita em termos sumários, meramente perfunctórios, de modo a que se possa proferir uma decisão no mais curto espaço de tempo e sem invadir ou esgotar aquilo que é o objeto do processo principal.
Como sustenta o acórdão do STA de 13.02.2007 (Proc. n.º 047555A in: «www.dgsi.pt/jsta») “… essa evidência de procedência do processo principal deve, naturalmente, poder ser facilmente constatada pela simples leitura da petição, ou resultar, de forma inequívoca e, portanto, sem qualquer esforço exegético, de qualquer documento junto ao processo …”.
E no acórdão do Pleno daquele mesmo Supremo Tribunal de 11.12.2007 (Proc. n.º 0210/07 in: «www.dgsi.pt/jsta») refere-se que colocando “… o acento tónico na «evidência» da «procedência da pretensão» formulada ou a formular no processo principal, como se entendeu no acórdão recorrido, essa evidência exigida pelo citado preceito, deve ser notória e visível sem necessidade de qualquer elaborada indagação. Só pode ser considerado evidente, como nele se escreveu, o «que se constata de maneira imediata e manifesta. Há uma diferença irredutível entre captar imediatamente uma evidência e realizar uma demonstração tendente a captá-la, pois esta supõe o recurso a definições, divisões ou argumentações que possibilitem e suportem a captação de uma realidade que não era patente». (…) Ou seja e aderindo ainda ao entendimento manifestado no acórdão recorrido, o preceito em questão «sugere logo que o deferimento imediato do meio cautelar, aí previsto, há-de resultar de ilegalidades patentes e flagrantes, capazes de convencer primo conspectu, e sem necessidade de um laborioso discurso coadjuvante, da procedência da ação principal»…” (cfr. igualmente, mais recentemente, os Acs. STA de 09.12.2009 - Proc. n.º 0799/09, de 18.03.2010 - Proc. n.º 0105/10, de 25.08.2010 - Proc. n.º 0637/10, de 27.07.2011 - Proc. n.º 0520/11, de 25.09.2012 - Proc. n.º 0588/12, 26.09.2012 - Proc. n.º 0720/12, de 06.11.2012 - Proc. n.º 0855/12 in: «www.dgsi.pt/jsta»).
Delimitado o campo de aplicação e densificados os critérios ou princípios que deverão nortear a aplicação do art. 120.º, n.º 1, al. a) do CPTA, cumpre, agora, reverter, de novo, ao caso concreto e avaliar da procedência da argumentação expendida pelos Recorrentes.
Adiantamos, porém, desde já, que não lhe assiste razão.
Desde logo, porque nada foi alegado ou provado quanto ao acto em crise assentar em acto ou norma já anteriormente invalidado, nem se indicia que tenha havido ato/norma idêntico que tenha sido anteriormente anulado, declarado nulo ou inexistente.
Por outro lado, não se vislumbra que o ato suspendendo padeça de ilegalidade que seja manifesta ou inequivocamente evidente no sentido de conduzir à “evidência evidente” da procedência da acção principal.
Efectivamente, e relembrando aqui a posição assumida na petição inicial pelos Recorrentes, temos que tal ilegalidade (para os Recorrentes “nulidade”) residiria (i) na absoluta falta de pressupostos de facto e direito capazes de sustentar a emissão do acto suspendendo por não este não resultar da aplicação dos critérios definidos no Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária (PNAIT), totalmente subvertidos com “base” num alegado “sistema de acompanhamento permanente”; (ii) no facto de, subjacente ou presidindo à emissão do acto suspendendo estar toda uma actividade persecutória da Administração Tributária relativamente ao Requerente marido, como o revelam as inúmeras inspecções de que desde 1990 até 2010 tem sido alvo e as liquidações a que sucessivamente deram origem, às quais se têm vindo a opor, sempre com vencimento, com excepção de exigências de correcções pontuais detectadas, que apenas satisfez para não criar mais conflitos. Tudo, com violação dos princípios da legalidade, igualdade, imparcialidade, justiça, proporcionalidade e boa fé que vinculam constitucional e legalmente a Administração Tributária.
Ora, tendo presente o quadro factual trazido à colação pelos Requerentes em sede de petição inicial e os factos provados, não se pode ter por adquirido que o acto suspendendo padeça daquelas ilegalidades, ou, como seria exigível, que tais ilegalidades sejam manifesta ou inequivocamente evidentes no sentido de conduzir à “evidência evidente” da procedência da acção principal.
Na verdade, não só é controvertida a sua apreciação entre as partes (como resulta claro da contestação apresentada), como a sua verificação não é inequívoca, isto é, não resulta dum juízo de certeza racional e objectivo visto envolver, pela natureza das questões em discussão, “um juízo de percepção ou de “impressão do julgador” cautelar que não é inequívoco e/ou unívoco no seu segmento decisório”.
Efectivamente, e no que concerne à alegada violação dos critérios definidos no Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária, que encontra sedimentação legal no artigo 23º do RCPIT [«1 - Sem prejuízo da possibilidade de realização de outras acções de inspecção, a actuação da inspecção tributária obedece ao Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária(PNAIT).2 - A proposta do PNAIT é elaborada anualmente pela DSPCIT, com participação das unidades orgânicas da inspecção tributária. 3 - O PNAIT é aprovado pelo Ministro das Finanças, sob proposta do director-geral dos Impostos.4 - O PNAIT define os programas, critérios e acções a desenvolver que servem de base à selecção dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspeccionar, fixando os objectivos a atingir por unidades orgânicas dos serviços centrais, regionais e locais. 5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o PNAIT deve prever a afectação de uma parte dos recursos da inspecção tributária a acções de inspecção nele não expressamente previstas.6 - O PNAIT pode ser revisto durante a sua execução por proposta fundamentada da DSPCIT.], para além de, como vem referido pela Recorrida, ser possível a realização de outras inspecções que não as previstas naquele Plano (nos termos salvaguardados pelos n.º 1 e 5 do preceito supra transcrito), não é líquido que a inspecção ordenada aos anos de 2009 e 2010 não resulte do cumprimento do mesmo Plano para 2011, como numa apreciação sumária se pode colher do Despacho n.º 53/2011-XVIII do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 20-1-2011, nem que a identificação do Requerente marido enquanto sujeito passivo e destinatário da acção inspectiva não tenha resultado do disposto no artigo 27º do mesmo diploma legal em referência [«1 - A identificação dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspeccionar no procedimento de inspecção tem por base: a) A aplicação dos critérios objectivos definidos no PNAIT para a actividade de inspecção tributária; b) A aplicação dos critérios que, embora não contidos no PNAIT, sejam definidos pelo director-geral dos Impostos, de acordo com necessidades conjunturais de prevenção e eficácia da inspecção tributária ou a aplicação ando sejam apresentadas nos termos legais; (…)»].

Por outro lado, a existência de um acompanhamento permanente de determinados contribuintes (ou no denominado sistema de acompanhamento permanente), não é em si mesma ilegal, como o revela o n.º 2 do artigo 12º do RCPIT [«2. Sempre que os fins de prevenção tributária ou a assistência no cumprimento das obrigações acessórias ou de pagamento dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários o justifiquem, deve ser assegurado o seu acompanhamento permanente de acordo com os critérios gerais definidos pela inspecção tributária.] e não se encontra minimamente indiciado, muito menos manifestamente comprovado, que a integração dos Requerentes ou do requerente marido naquele sistema ou a sua sujeição a tal acompanhamento tenha sido realizada em violação de quaisquer comandos ou critérios orientadores que tenham sido emitidos.

Por último, e relativamente à alegada actividade persecutória que o recorrente marido alega ser vitima, pese embora se possa ter, à partida, como invulgar que um mesmo sujeito passivo seja, entre 1990 e 2008, destinatário de sucessivas acções de fiscalização (ainda que umas tenham sido internas e outras externas, parciais ou totais), não é manifesto, evidente, que essa actividade não resulte dos sucessivos PNAIT que estiveram ao longo desses anos vigentes ou dos critérios de prevenção supra referidos e das exigências de controlo normais aos sujeitos passivos integrados no sistema de acompanhamento permanente.

Note-se, aliás, que essa actividade persecutória (e a consequente violação dos princípios de legalidade, justiça, imparcialidade e boa fé invocados) também surge sustentada, para além do número elevado de acções de fiscalização, numa alegada «perseguição pessoal» imputada a um concreto inspector, cuja relação com as sucessivas inspecções, embora invocada, não resultou demonstrada [cfr. artigos 20º da petição inicial e apreciação do erro de julgamento nesta parte]; que, por outro lado, as inspecções realizadas culminaram sempre, na confissão dos próprios Recorrentes, em correcções que vieram a ser voluntariamente efectuadas (único dado objecto que pode ser colhido, independentemente das razões que terão estado subjacentes a essa conduta por parte do sujeito passivo) ou liquidações [cfr, factualidade aditada em 23. do probatório], cuja ilegalidade tem vindo, pelos Tribunais, a ser declarada, o que também não comprovou integralmente uma vez que o que resultou provado foi apenas que “O Requerente deduziu Oposição Judicial à execução fiscal n.º 36120110103 (instaurada para cobrança de divida relativa a IRS de 1999) com fundamento em prescrição da divida tributária e caducidade do direito de liquidação, a qual veio, com fundamento em prescrição da divida exequenda, a ser julgada procedente por sentença de 28-11-2011» [cfr., facto 29. probatório (ponto III) por nós aditado].

Em suma, do quadro factual invocado e provado não resulta que tenham sido de forma ostensiva ou grosseira violadas as normas ou princípios jurídicos invocados ou aplicáveis, pelo menos de forma a permitir ao julgador afirmar desde já existir uma elevada probabilidade de a pretensão deduzida vir a ser julgada procedente com fundamento nas ilegalidades invocadas: Isto é, não é possível extrair-se dos factos indiciariamente apurados um juízo de evidência da procedência da pretensão principal como impõe a al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA., o qual estará, no caso concreto, seguramente dependente da discussão que venha a ser realizada no âmbito da acção administrativa principal já intentada e no recurso jurisdicional que, eventualmente dessa decisão venha a ser interposto.
Improcede, assim, com estes fundamentos, a pretensão cautelar dos Requerentes estribada no artigo 120º al. a) do CPTA.
V – Decisão
Face a todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Negar provimento ao recurso do despacho interlocutório;
b) Negar provimento ao recurso interposto da sentença, mantendo a decisão recorrida com os fundamentos constantes do ponto 4.2. deste acórdão.
Custas pelos Recorrentes.
Registe e notifique.
Porto, 15 de Fevereiro de 2012
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos