Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00020/14.8BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Manuel Escudeiro dos Santos
Descritores:NULIDADE; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; NATUREZA MERAMENTE FORMAL DA COMUNICAÇÃO A QUE SE REFERIA O N.º 2 DO ARTIGO 23.º DO CIVA, NA REDAÇÃO ANTERIOR À ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELO DECRETO-LEI N.º 323/98, DE 30 DE OUTUBRO;
AFETAÇÃO REAL; OBRIGAÇÕES CONTABILÍSTICAS; PRODUTOS ACABADOS E PRODUTOS DE TRABALHOS EM CURSO; NÃO INCLUSÃO NO DENOMINADOR DA FRAÇÃO A QUE SE REFERE O ARTIGO 23.º, N.º 4, DO CIVA.
Sumário:I - Apenas existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras (cfr. artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e artigo 608.º, n.º 2, do CPC);

II - A ausência da comunicação a que se referia o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA na redação anterior à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 323/98, de 30 de outubro não constitui fundamento para, sem mais, impor à Recorrente a utilização do pro rata para a dedução do imposto.

III - Com efeito, o incumprimento formal da referida obrigação de comunicação prévia do método de dedução do IVA não pode colocar em causa o exercício dessa mesma dedução pelos montantes efetivamente registados na contabilidade do sujeito passivo.

IV - Perante o dever legal de aplicar o método da afetação real, se o contribuinte não observar as obrigações de registo e contabilísticas necessárias, não merece reparo a imposição por parte da AT do método do “pro rata”.

V - A inclusão no denominador da fração que permite o cálculo do pro rata de dedução do valor de obras em curso efetuadas por um sujeito passivo no exercício de uma atividade de construção civil, quando esse valor não corresponda a transmissões de bens ou a prestações de serviços que já tenha efetuado, que tenham sido inscritas na conta-corrente dos trabalhos e/ou que tenham dado lugar à cobrança de valores por conta, viola o artº 19º, nº 1 da Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
1. RELATÓRIO

M., Lda., com sinais nos autos, veio interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial proposta contra as liquidações de IVA, relativas ao ano de 1997, com o n.º 00114563, no montante de 452.294$00 e de juros compensatórios n.º 00114562, no montante de 124.449$00, ao ano de 1998, n.º 00114565, no montante de 826.520$00 e de juros compensatórios n.º 00114564, no montante de 78.327$00, ao ano de 1999, n.º 00144567, no montante de 2.416.837$00 e de juros compensatórios n.º 00114566, no montante de 57.474$00.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

“1. - Deve a prova testemunhal ser admitida e considerada nos autos, cf. Art.º 119º do CPPT e Art.º 392º do C. Civil.
2. - A douta sentença não se pronunciou se o procedimento da recorrente é certo, ao efetuar as deduções pelo método da afetação real, ou errado pois apenas se conforma com o dito pela Autoridade Tributária, de que devia o ter feito pelo método da percentagem, do Art.º 23º, n.º 4, do CIVA.
3. - Não o tendo feito, a sentença nesta parte é omissa e deve por isso, ser considerada / nula, conforme Art.º 125º do CPPT.
4. - Depois, tendo a Autoridade Tributária afastado o regime do “pro rata” no decurso das suas competências, para a afetação real e tendo a recorrente efetuado a dedução do IVA nos termos impostos, é violador da lei (e da boa-fé) que se exija a dedução segundo o método do “prorrata”, cf. Art.º 23º, n.º 3, do CIVA.
5. - A douta sentença padece de vícios e erros ao bloquear subsidiariamente, na obrigação de comunicação, para dar como errado o procedimento de cálculo do IVA deduzido pela recorrente, cf. Art.º 23º, n.º 2, do CIVA.
6. - Pois, há muito e desde 1998, que a obrigação de comunicação do Art.º 23º, n.º 2, do CIVA, desapareceu.
7. - Depois, a sentença emite um conjunto de erros, aderindo ao relatório da inspeção, como se este fosse imaculado, quando o não é, na parte relacionada com o cálculo da dedução do IVA.
8. - O nascimento do direito à dedução do IVA, ocorre no momento da aquisição dos bens.
9. - É nesse momento que a recorrente tinha em abstrato de efetuar a dedução integral, nenhuma dedução, ou parcial, e não em função da utilização dos bens.
10. - A recorrente, em concreto, considerou os bens afetos ao setor sujeito.
11. - E bem, pelo que tinha direito à dedução integral do IVA.
12. - Não tem de partida, de efetuar o método da percentagem, Art.º 23º, n.º 4, do CIVA, pelo que as liquidações impugnadas violam o Art.º 23º, n.º 2 e 3, do CIVA, e consequentemente a sentença deve ser substituída em conformidade.
13. - Subsidiariamente, existe errónea quantificação no cálculo do IVA em falta, porquanto a fórmula utilizada pela Autoridade Tributária, não foi a preconizada no Art.º 23º, n.º 4, do CIVA, pelo que nos anos de 1998 e 1999, devem ser as deduções corrigidas, pela Autoridade Tributária em conformidade.
14. - Pois, as Variações de Produtos Acabados e Variação de Trabalhos em Curso não entram na fórmula do Art.º 23º, n.º 4, do CIVA.
15. - Por outro lado, não devem ser dados como provados, os valores apurados pela Autoridade Tributária, pois a mesma não esclarece como chegou aos valores inscritos no relatório da inspeção.
16. - Sabendo-se, que os valores da Autoridade Tributária partem do pressuposto errado, de que as Variações de Produtos Acabados e Variações de Trabalhos em Curso, que não cabem no Art.º 23º, n.º 4, do CIVA, então este erro constitui errónea quantificação.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, anulando-se as liquidações de IVA e Juros Compensatórios, referentes aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, para que assim se faça JUSTIÇA.
*
Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.

*
O Tribunal a quo, por despacho de 26/03/2014, proferido ao abrigo do artigo 617.º, n.º 1, do CPC, pronunciou-se no sentido da inexistência a invocada nulidade da sentença por omissão de pronuncia.
*
O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*
Atendendo à existência do processo em suporte informático e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se os vistos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
*

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO ─ Questões a apreciar:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].

Cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pela recorrente, nomeadamente, se:
- Foi omitida pronúncia sobre o método de dedução relativa a bens de utilização mista a adotar;
- A ausência da comunicação a que se referia o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA na redação anterior à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 323/98, de 30 de outubro não constitui fundamento para impor a utilização do método “pro rata” para a dedução do imposto;
- Se é ilegal e violadora da boa-fé a imposição do método “pro rata”;
- Ocorreu a invocada errónea quantificação dos rendimentos;
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO

2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:

“Com interesse para a boa decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
1. Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção Distrital de Finanças de Viseu, procederam a uma ação de fiscalização à escrita da impugnante, que incidiu sobre os exercícios de 1997 e 1998, da qual resultou o seguinte projeto de conclusões de relatório:
–––––––––––––––– Ver o documento original ––––––––––––––––

I -CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA
Em consequência da presente ação inspetiva e a partir dos elementos da escrita do sujeito passivo, foram detetadas diversas situações que motivaram as seguintes correções meramente aritméticas e com recurso a métodos indiretos:
1.1) 1997
Correções meramente aritméticas
IVA: 452.294$00.
Correções por aplicação de métodos indiretos
IRC: 6 725 501$00
1.2) 1998
Correções meramente aritméticas
IVA: 826.520$00
Correções por aplicação de métodos indiretos
IRC: 5 087 757$00
1.3) 1999
Correções meramente aritméticas
IVA: 2 416 837$00
Das correções referidas, fundamentadas nos capítulos seguintes e sintetizadas no mapa de projeto de conclusões que integra este capítulo, resulta o seguinte lucro tributável para efeitos de IRC:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

II - OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPETIVA
2.1 - Credencial e período em que decorreu a ação
A visita foi motivada pela Ordem de Serviço nº 25422 datada de 08/03/2000, com o código PNAIT 22119, e Despacho de 07/04/2000, tendo decorrido entre 21/03/00 e 04/05/2000.
2.2 - Motivo, âmbito e incidência temporal
A presente ação de inspeção é de âmbito geral, relativamente aos exercícios de 1997 e 1998, e parcelar para o exercício de 1999, de acordo com a informação que deu origem ao Despacho supracitado, e ficou a dever-se ao facto de o contribuinte não ter efetuado as regularizações previstas no artigo 24º do CIVA.
2.3 - Outros Motivos
2.3.1 - Enquadramento fiscal
A sociedade objeto do presente exame, iniciou a atividade em 05/08/87.
Em termos de Iva, encontra-se desde, 01/01/96 enquadrada no regime normal com periodicidade mensal.
Em termos de IRC, a sociedade é tributada pela Repartição de Finanças do concelho de Lamego, pelas atividades de “Construção e Engenharia Civil e Obras Públicas " CAE 045212 e Venda de Materiais de Construção Civil e Construção para venda.
Na realidade, a atividade do contribuinte consiste na prestação de serviços na área da construção civil com fornecimento de materiais e mão de obra e construção de prédios para venda, não tendo a atividade de venda de materiais de construção civil qualquer relevância em termos de volume de negócios.
São sócios gerentes:
- M. NIF (…) e;
- M. NIF (…).
2.4 - Verificações efetuadas
No que respeita à análise efetuada aos elementos que integram a escrita do sujeito passivo para os exercícios em análise (1997; 1998 e 1999) ressaltaram as situações descritas no ponto III., IV. e V. do presente relatório, dando origem às correções neles expostas.
2.4.2 - Faturação
A empresa nas faturas que emite com referência à prestação de serviços, (quase todos efetuados em Estabelecimentos Prisionais) não quantifica a mão de obra, nem discrimina os materiais aplicados. No entanto arbitrariamente e sem qualquer rigor, deu instruções no contabilista que em média, do valor faturado, 25% correspondem a mão de obra (a maior parte prestada por reclusos), e os restantes 75% a materiais aplicados nas obras executadas.
2.4.3 -Análise às declarações modelo 22 (Resultados)

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


Face ao quadro antes elaborado, apraz-nos tecer os seguintes comentários:
A rentabilidade fiscal é baixa e muito aquém do indicador médio distrital declarado por contribuintes do mesmo CAE, nos exercícios de 1997 e 1998, as quais se situaram em 2,74% e 3,35 (situação geral) respetivamente.
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
3.1 - IVA (Regularizações)
O sujeito passivo na sua atividade pratica operações sujeitas a imposto e dele não isentas, ao mesmo tempo que constrói prédios cuja venda está isenta ao abrigo do nº 31 do artº 9º do CIVA
Desta forma, de acordo com o disposto no ofício circulado nº 79 713, de 89/07/18, da DSCA do SIVA, o sujeito passivo deveria:
- proceder à afetação real das matérias primas compradas e do imobilizado que estaria diretamente ligado à execução das obras.
- para os restantes bens e serviços cuja imputação seja totalmente impossível, a dedução do imposto deverá ser efetuada em proporção aos indicadores que se mostrem mais justos e racionais.
De acordo com isso, verificou-se que o sujeito passivo, tanto nas matérias primas adquiridas como nos bens e serviços utilizados, nos respetivos documentos de aquisição indica nos mesmos a obra a que se destina, procedendo depois ou não à dedução do Iva suportado na aquisição dos mesmos.
Quanto ao IMOBILIZADO adquirido durante os exercícios em análise (1997, 1998 e 1999, o sujeito passivo não procedeu a afetação do mesmo ao setor isento ou ao tributado, antes deduzindo todo o Iva suportando na sua aquisição, contrariando o disposto no nº 4º do artº 23º do CIVA.
Dado que a afetação real não foi efetuada, e uma vez que o equipamento adquirido, é utilizado nas atividades isentas e sujeitas, iremos proceder à regularização do Iva (nos termos do artº 23º do CIVA) indevidamente deduzido, tendo em conta os indicadores existentes na contabilidade do sujeito passivo, nomeadamente:
Bens Isentos: Venda de Frações; Variação de Produtos acabados. Variação de Trabalhos em curso;
Bens sujeitos: Variação dos Produtos Acabados; Variação dos Trabalhos em Curso, Prestação de Serviços e materiais aplicados.
Assim, dos seus elementos contabilísticos extraímos os seguintes indicadores:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Metodologia de trabalho:
Assim, para apuramento do Iva a regularizar (artº 23º do CIVA), e referente somente a bens de equipamento e que indiscriminadamente têm sido afetos ao setor isento, (construção de prédios para venda) elaboramos os anexos II, III e IV, que nos permitiu apurar o Iva total deduzido referente a imobilizado adquirido.
Ao montante total de iva deduzido, uma vez que não foi efetuada qualquer afetação real, iremos aplicar a percentagem do peso dos bens isentos determinados no quadro anterior para apurarmos o Iva a regularizar referente a este setor da atividade exercida.
Deste modo temos:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]
a) Bens sujeitos - 83%

[imagem que aqui se dá por reproduzida]
b) Bens sujeitos 78%

[imagem que aqui se dá por reproduzida]
c) Bens sujeitos 48%

IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
–––––––––––––––– Ver no documento original ––––––––––––––––
(...)

ANEXO II
FIRMA - M. Lda.
SEDE – (…)
NIPC – (…)
CAE-45211
Relação de Imobilizado adquirido durante o exercício de 1997

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

ANEXO III
FIRMA - M. Lda.
SEDE - (...)
NIPC – (...)
CAE-45211
Relação de Imobilizado adquirido durante o exercício de 1998

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

ANEXO IV
FIRMA - M. Lda.
SEDE - (...)
NIPC – (...)
CAE-45211
Relação de Imobilizado adquirido durante o exercício de 1999

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Notas explicativas
(a) - Referente a 2 rendas conforme contracto
(b) - Referente a 4 rendas conforme contrato
(c) - Referente a 10 rendas, conforme contracto

ANEXO V

FIRMA: M. Lda NIPC: (...)
SEDE: (…) CAE: 45211

Apuramento dos montantes de transações e serviços prestados de " Bens Isentos e Bens Sujeitos"

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

cfr. doc. de fls. 21 a 38 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o mesmo se dizendo para os demais elementos infra referidos.

2. Em conformidade com o relatório de fiscalização, foram apuradas as seguintes liquidações:

N° liquidaçãoTributoValorAno a que respeita o tributoData limite pagamento
001144563IVA€ 2.256,03199731/10/2000
00114562JUROS COM.€ 620,75199731/10/2000
00114565IVA€4.122,66199831/10/2000
00114564JUROS COM.€ 390,69199831/10/2000
00114567IVA€ 12.055,13199931/10/2000
00114566JUROS COM.€ 286,68199931/10/2000
3. A presente Impugnação Judicial foi apresentada no dia 28/12/2000 -cfr. fls. 2 dos autos.
*
b) Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
*
c) Motivação:
A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos não impugnados juntos aos autos, assim como, dos documentos constantes do processo administrativo, conforme referido em cada ponto do probatório.”

*
2.2. DE DIREITO
2.2.1. Nulidade por omissão de pronuncia

Alega a recorrente que a sentença recorrida “não se pronunciou se o procedimento da recorrente é certo, ao efetuar as deduções pelo método da afetação real, ou errado pois apenas se conforma com o dito pela Autoridade Tributária, de que devia o ter feito pelo método da percentagem, do Art.º 23º, n.º 4, do CIVA. (…) Não o tendo feito, a sentença nesta parte é omissa e deve por isso, ser considerada / nula, conforme Art.º 125º do CPPT”.

Vejamos:
Preceitua o artigo 125.º, n.º 1 do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelece a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, ao estatuir que «1. É nula a sentença quando: (…) d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)».
A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 660.º, n.º 2 do CPC (aplicável ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT e na redação então vigente), significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Por outro lado, constitui jurisprudência pacífica e reiterada que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143: “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Como se afirmou no acórdão deste TCAN de 26.09.2013 (proc. n.º 1903/12.5BEBRG): “A doutrina e a jurisprudência distinguem as questões dos argumentos ou razões (para concluir que só a falta de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no artigo 668.", n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Como referia o Professor Alberto dos Reis (in «Código de Processo Civil Anotado», Volume V, Coimbra Editora 1984, Reimpressão, pág. 143) «São, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (na jurisprudência, vd. por todos o Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 2008.05.21, Proc." n.º 0437/07)”.

Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, 6.a ed., 2011, p. 363) — neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13.07.2011 e de 20.09.2011, proferidos nos recursos n.ºs 574/11 e 268/11, respetivamente, e o recente acórdão deste TCAN de 10.10.2013, proc. n.º 1481/08.0BEBRG.

No caso dos autos, a questão que a Recorrente alega não ter o Tribunal a quo se pronunciado prende-se com o método de dedução relativa a bens de utilização mista a adotar

Refere-se na sentença recorrida:
«No caso dos autos não está provado que a impugnante e para efeitos do disposto no Art.º 23.º, n.º 2 do CIVA, haja comunicado à DGCI através da entrega de declaração de alterações, a intenção de proceder à dedução do imposto suportado segundo a afetação real, pelo que por força do disposto no art.º 23.º, n.ºs 2 e 3 do CIVA.
A impugnante, como diz na sua petição de impugnação, ter afetado os bens adquiridos, especialmente imobilizado diretamente relacionado com a execução de obras, ao setor que confere direito à dedução, tendo deduzido o IVA na totalidade.
Por seu turno diz a Fazenda Pública que a impugnante utiliza o equipamento que deu origem à dedução em atividades isentas e sujeitas, não efetuando, deste modo a afetação real, o que não foi contrariado pela impugnante, que diz que “os bens do imobilizado estão diretamente ligados à execução de obras”, mas não especifica em que obras foi utilizado e em que circunstancias de tempo e local.
Da descrição do imobilizado que consta dos anexos II a IV do relatório inspetivo (ponto 1 do probatório), constam elementos que vão desde martelos, escadas, viaturas, eletrodomésticos, equipamento informático, telefones, gruas, eletrobomba betoneira, “grande reparação”, máquina industrial, entre outros, que cuja utilização não é líquida possa ter ocorrida exclusivamente na atividade sujeita.
De resto a própria impugnante assume que no âmbito da sua atividade económica desenvolve atividades isentas e sujeitas a imposto, não demonstrando, em ordem a contrariar as conclusões e elementos que constam do relatório inspetivo, não ter utilizado o imobilizado ou parte dele e qual na atividade não isenta.
E assim sendo, deveria proceder à dedução do IVA segundo o método “pro rata”.»

Resulta do exposto que a sentença recorrida, ao contrário do invocado pela Recorrente, pronunciou-se sobre o procedimento que em seu entender deveria adotar, ou seja, que deveria proceder à dedução do IVA segundo o método “pro rata”.

Assim, a sentença recorrida não omitiu qualquer pronúncia que devesse conhecer.

Termos em que se indefere a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
*
2.2.2. Invoca a Recorrente que “… tendo a Autoridade Tributária afastado o regime do “pro rata” no decurso das suas competências, para a afetação real e tendo a recorrente efetuado a dedução do IVA nos termos impostos, é violador da lei (e da boa-fé) que se exija a dedução segundo o método do “pro rata” (…).

Mais invoca que “a sentença padece de vícios e erros ao bloquear subsidiariamente, na obrigação de comunicação, para dar como errado o procedimento de cálculo do IVA deduzido pela recorrente (…) Pois, há muito e desde 1998, que a obrigação de comunicação do Art.º 23º, n.º 2, do CIVA, desapareceu”.

Sobre as suscitadas questões refere-se na sentença recorrida:
“No caso dos autos não está provado que a impugnante e para efeitos do disposto no Art.º 23.º, n.º 2 do CIVA, haja comunicado à DGCI através da entrega de declaração de alterações, a intenção de proceder à dedução do imposto suportado segundo a afetação real, pelo que por força do disposto no art.º 23.º, n.ºs 2 e 3 do CIVA.
A impugnante, como diz na sua petição de impugnação, ter afetado os bens adquiridos, especialmente imobilizado diretamente relacionado com a execução de obras, ao setor que confere direito à dedução, tendo deduzido o IVA na totalidade.
Por seu turno diz a Fazenda Pública que a impugnante utiliza o equipamento que deu origem à dedução em atividades isentas e sujeitas, não efetuando, deste modo a afetação real, o que não foi contrariado pela impugnante, que diz que “os bens do imobilizado estão diretamente ligados à execução de obras”, mas não especifica em que obras foi utilizado e em que circunstancias de tempo e local.
Da descrição do imobilizado que consta dos anexos II a IV do relatório inspetivo (ponto 1 do probatório), constam elementos que vão desde martelos, escadas, viaturas, eletrodomésticos, equipamento informático, telefones, gruas, eletrobomba betoneira, “grande reparação”, máquina industrial, entre outros, que cuja utilização não é liquida possa ter ocorrida exclusivamente na atividade sujeita.
De resto a própria impugnante assume que no âmbito da sua atividade económica desenvolve atividades isentas e sujeitas a imposto, não demonstrando, em ordem a contrariar as conclusões e elementos que constam do relatório inspetivo, não ter utilizado o imobilizado ou parte dele e qual na atividade não isenta.
E assim sendo, deveria proceder à dedução do IVA segundo o método “pro rata”.
E para efeito de aplicação de tal método, as vendas e prestações de serviços apurados pela impugnante e pela inspeção tributária divergem, o que está na origem também da divergência quanto à quantificação que a impugnante diz padecer de erro.
Todavia, por um lado a impugnante não demonstra valores diferentes relativamente ao ano de 1997, e quanto aos anos de 1998 e 1999, apesar de indicar valores diferentes de vendas no setor isento e no setor sujeito, não demonstra como chegou a tais valores, ou seja, não demonstra que estejam errados os valores apurados pela Fazenda Pública de transações no âmbito de ambas as atividades (sujeita e isenta) e consequentemente a taxa apurada para o pro rata.
Pelo exposto não se poderá concluir haver erro na quantificação do imposto cujas liquidações vêm impugnadas.”

Vejamos:
De entre os princípios estruturantes do IVA como imposto geral sobre o consumo assume particular relevo o princípio da neutralidade.
Para efetuar o enquadramento prévio da questão socorremo-nos do acórdão do TCAN de 24/01/2017, recurso n.º 02487/15.8BEPRT, consultável em www.dgsi.pt:
“O princípio da dedução do IVA, enquanto meio de concretizar a neutralidade do imposto, impõe que todas as restrições ao direito de dedução sejam interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo.
Um imposto é neutro quando não interfere nas decisões dos agentes económicos deixando a produtores a liberdade de escolher o que produzir e como produzi-lo (neutralidade do produtor) e ao mesmo tempo deixa aos consumidores a liberdade de escolher o que consumir sem os afastar da sua inclinação natural (neutralidade do consumidor). Ao contrário dos impostos especiais sobre o consumo em que a base de incidência está seletivamente voltada para a reorientação das escolhas.
Na perspetiva da neutralidade no produtor, o elemento mais importante do sistema do IVA para assegurar o cumprimento desse princípio está no mecanismo do crédito de imposto, mediante dedução do IVA suportado a montante, fazendo com que os operadores económicos se desonerem do imposto que, assim, não chega a incorporar os custos da sua atividade.
Por isso, o art.º 1º da Diretiva IVA de 2006 estabelece logo no seu artigo 1º n.º 2 que:
2. O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.
Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.
O sistema comum do IVA é aplicável até ao estádio do comércio a retalho, inclusive.
O direito à dedução é, assim, um mecanismo fundamental para garantir a neutralidade do imposto ao nível da produção, conseguindo que o imposto suportado nos inputs seja inteiramente dedutível (ainda assim com várias restrições legais).
Podemos dizer que o processo de dedução do IVA pelos sujeitos passivos mistos assenta em duas fases.
A primeira é feita pela chamada «imputação direta». Como o nome indica, esta “fase” consiste numa imputação (direta) dos inputs às atividades económicas a que se destinam, deduzindo a totalidade do IVA, se esse input for consumido numa atividade que concede o direito à dedução, ou não deduzindo qualquer parcela de IVA, caso a atividade em que esse input é consumido não confira esse direito.
Nesta fase não há que falar em «afetação real» ou “pro rata” de dedução. Estamos num domínio em que a dedução de IVA é regulada pelas disposições contidas nos artigos 19.º, 20.º e 21.º do CIVA, pelo que é completamente desnecessário recorrer à norma do artigo 23.º CIVA.
Esta fase de «imputação direta» deve ser levada tão longe quanto tecnicamente for possível, porque ela constitui a forma mais rigorosa de alcançar resultados neutros, sem «distorções fiscais».
Mas podem subsistir alguns “inputs” que são utilizados de forma indistinta ou simultânea, para o exercício de atividades que conferem, e outras que não conferem, o direito à dedução de IVA, o que torna inviável estabelecer uma ligação direta aceitável entre despesas e correspondentes rendimentos Cfr. ac. do STA n.º 01497/12 de 28-10-2015 Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: I - Para efeitos da dedução do IVA contido nos bens e serviços adquiridos por uma sociedade que exerce atividades que conferem direito à dedução e outras que não conferem esse direito, deve adotar-se um procedimento de imputação direta: faz-se a alocação direta dos inputs às atividades económicas a que se destinam, deduzindo a totalidade do IVA se o input for consumido numa atividade que concede o direito à dedução, ou não deduzindo qualquer parcela de IVA caso a atividade em que esse input é consumido não confira esse direito.
II - Só depois dessa fase, e relativamente aos inputs que subsistam, porque utilizados de forma indistinta ou simultânea (inputs promíscuos),para exercício de atividades que conferem e outras que não concedem o direito à dedução de IVA, se deve passar à segunda fase do processo, da repartição do imposto residual, com aplicação das regras do art. 23.º do CIVA, ou seja, com aplicação dos métodos da percentagem (ou do pro rata)ou da afetação real.
III - Em todo o caso, o método do pro rata só poderá ser adotado na impossibilidade do uso de um método mais objetivo (que reflita melhor a intensidade do uso dos bens de produção comuns aos dois ramos de atividade) e desde que não conduza a distorções de tributação.
Nestas situações em que não é possível estabelecer-se qualquer nexo direto entre uma dada operação ativa e a correspondente operação passiva, dando corpo ao que se costuma referir como custos “mistos” ou “promíscuos”, como sejam o caso do consumo de eletricidade, água, papel, material informático, telecomunicações, etc. utilizados (…) simultaneamente na realização de operações que conferem o direito e operações que não conferem o direito à dedução, torna-se necessário entrar numa segunda fase do processo fazendo, então, apelo à aplicação da norma contida no artigo 23.º do CIVA.”

Efetivamente, no caso em que o sujeito passivo realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, os n.ºs 1 a 3 do artigo 23.º do CIVA dispunham o seguinte:
“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução, segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, desde que previamente comunique o facto à Direção-Geral das Contribuições e Impostos, sem prejuízo da possibilidade de esta lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação;”

O Decreto-Lei n.º 323/98, de 30 de outubro, com a intenção declarada no preâmbulo –– “[c]onsiderando que o método da afetação real é aquele que efetivamente corresponde ao montante real que, de acordo com os princípios do IVA, o sujeito passivo tem direito a deduzir, altera-se o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, de modo a permitir a respetiva utilização nos casos em que não tenha ocorrido a necessária comunicação prévia.“ –– veio alterar a redação do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA nos termos seguintes:
“2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.”

Do exposto retira-se que os métodos da percentagem e da afetação real são formas de resolver o problema da “dedução do IVA relativo a bens e serviços de utilização “mista”, como resulta da epígrafe do art. 23º do CIVA.
*
Refere-se na sentença recorrida que “[n]o caso dos autos não está provado que a impugnante e para efeitos do disposto no Art.º 23.º, n.º 2 do CIVA, haja comunicado à DGCI através da entrega de declaração de alterações, a intenção de proceder à dedução do imposto suportado segundo a afetação real, pelo que por força do disposto no art.º 23.º, n.ºs 2 e 3 do CIVA. (…)
E assim sendo, deveria proceder à dedução do IVA segundo o método “pro rata”.”

Para a sentença recorrida, de acordo com o artigo 23.º do CIVA, deveria ter deduzido o imposto suportado nas aquisições apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deram lugar a dedução, utilizando o método pro rata, e não o método da afetação real, como fez, sem que previamente tenha comunicado à DGCI essa sua pretensão.

A este propósito refere-se no acórdão do STA de 14/10/2009, recurso n.º 0795/09, consultável em www.dgsi.pt:
“Para que o sujeito passivo possa utilizar este método tem a sua contabilidade de distinguir claramente as aquisições de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e as isentas de imposto, deduzindo integralmente o imposto suportado no primeiro caso e nada deduzindo no segundo caso.
Como refere Emanuel Vidal Lima, in IVA, Porto Editora, 6.ª edição, a pág. 317, “Sem dúvida que a afetação real é o método da limitação à dedução que mais se coaduna com as situações de facto, pelo que seria desejável que todos os sujeitos passivos optassem por essa via, sempre que possível”.
É certo que previa o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, na redação anterior ao DL 323/98, de 30/10, uma comunicação prévia quando o sujeito passivo fizesse uso do método da afetação real.
Mas a comunicação prévia pelo sujeito passivo à DGCI da dedução do IVA segundo este método não é pressuposto da sua aplicação, antes se traduzindo no cumprimento de uma obrigação acessória prevista na lei, com vista a permitir àquela a fiscalização da aplicação do método no sentido de evitar distorções significativas na tributação, pelo que a sua falta não tem como “sanção” a retirada ou limitação do direito de dedução com a consequente liquidação adicional de imposto.
E tanto assim é que, como se acentua na decisão recorrida, o legislador veio a suprimir esse procedimento através do DL 323/98, de 30/10, no preâmbulo do qual se escreve «Considerando que o método da afetação real é aquele que efetivamente corresponde ao montante real que, de acordo com os princípios do IVA, o sujeito passivo tem direito a deduzir, altera-se o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, de modo a permitir a respetiva utilização nos casos em que não tenha ocorrido a necessária comunicação prévia».
E a própria AT veio a alterar também a sua posição relativamente a esta matéria, como se vê do conteúdo do ofício circulado n.º 119951, de 10/11/1998, da Direção de Serviços do IVA, onde se diz expressamente «Assim sendo, ainda que não tenha sido cumprido o formalismo da comunicação da utilização do método de afetação real, passa a ser possível aceitar-se a posteriori essa utilização, caso o sujeito passivo concretize, de facto, tal afetação real, ou seja, o aspeto meramente formal da falta de comunicação pode ceder face à real utilização do método».
Assim, atento o aspeto meramente formal da falta de tal comunicação, que não impede a AT de, detetada a utilização do método de afetação real, vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, e sendo o método de afetação real o mais rigoroso na determinação do montante real que o sujeito passivo tem direito a deduzir, de acordo com os princípios do IVA, não se justificava, de facto, a liquidação adicional efetuada pela AT, ainda que referente a operações tributáveis efetuadas antes da alteração introduzida pelo DL 323/98, que eliminou a exigência de comunicação prévia do sujeito passivo, tanto mais que, neste caso, claramente a contabilidade da impugnante refletia a distinção entre operações tributadas e prestações de serviço isentas e não resultava do método utilizado qualquer prejuízo para a Fazenda Pública.”

Daqui se conclui que a ausência da comunicação a que se referia o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA na redação anterior à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 323/98, de 30 de outubro não constitui fundamento para, sem mais, impor à Recorrente a utilização do pro rata para a dedução do imposto.

Segundo cremos, não existem motivos para alterar o entendimento sufragado neste aresto, por ser este o entendimento que se revela mais curial.
Com efeito, o incumprimento formal da obrigação de comunicação prévia do método de dedução do IVA não pode colocar em causa o exercício dessa mesma dedução pelos montantes efetivamente registados na contabilidade do sujeito passivo.

Compulsada a matéria de facto dada como assente no presente caso, verificamos que o afastamento da possibilidade de aplicação do método de afetação real resultou, como consta do RIT (ponto 1. do probatório):
“A empresa nas faturas que emite com referência à prestação de serviços, (quase todos efetuados em Estabelecimentos Prisionais) não quantifica a mão de obra, nem discrimina os materiais aplicados. No entanto arbitrariamente e sem qualquer rigor, deu instruções no contabilista que em média, do valor faturado, 25% correspondem a mão de obra (a maior parte prestada por reclusos), e os restantes 75% a materiais aplicados nas obras executadas.
(…)
O sujeito passivo na sua atividade pratica operações sujeitas a imposto e dele não isentas, ao mesmo tempo que constrói prédios cuja venda está isenta ao abrigo do nº 31 do artº 9º do CIVA
Desta forma, de acordo com o disposto no ofício circulado nº 79 713, de 89/07/18, da DSCA do SIVA, o sujeito passivo deveria:
- proceder à afetação real das matérias primas compradas e do imobilizado que estaria diretamente ligado à execução das obras.
- para os restantes bens e serviços cuja imputação seja totalmente impossível, a dedução do imposto deverá ser efetuada em proporção aos indicadores que se mostrem mais justos e racionais.
De acordo com isso, verificou-se que o sujeito passivo, tanto nas matérias primas adquiridas como nos bens e serviços utilizados, nos respetivos documentos de aquisição indica nos mesmos a obra a que se destina, procedendo depois ou não à dedução do Iva suportado na aquisição dos mesmos.
Quanto ao IMOBILIZADO adquirido durante os exercícios em análise (1997, 1998 e 1999, o sujeito passivo não procedeu a afetação do mesmo ao setor isento ou ao tributado, antes deduzindo todo o Iva suportando na sua aquisição, contrariando o disposto no nº 4º do artº 23º do CIVA.
Dado que a afetação real não foi efetuada, e uma vez que o equipamento adquirido, é utilizado nas atividades isentas e sujeitos, iremos proceder à regularização do Iva (nos termos do artº 23º do CIVA) indevidamente deduzido, tendo em conta os indicadores existentes na contabilidade do sujeito passivo, nomeadamente.”

O afastamento do método de afetação real ficou a dever-se à falta de clareza da contabilidade da Recorrente, impeditiva da distinção entre as operações tributadas das operações isentas.

Desde logo, sublinhamos que a Impugnante reconhece que que estava obrigada a proceder à aplicação do método de afetação real, por força do disposto no artigo 23.º, n.º 3, alínea b) do CIVA e do ofício-circulado n.º 79713, de 18-07-1989 (conclusão 4.).

Também não contesta diretamente a ilisão da presunção de veracidade que incidia sobre as declarações de IVA referentes aos exercícios sob análise, mas refere que “… tendo a Autoridade Tributária afastado o regime do “pro rata” no decurso das suas competências, para a afetação real e tendo a recorrente efetuado a dedução do IVA nos termos impostos, é violador da lei (e da boa-fé) que se exija a dedução segundo o método do “pro rata”, cf. Art.° 23°, n.° 3, do CIVA”.
Refira-se que, na presente situação, segundo pensamos, não está em causa a violação do princípio da boa fé, pois a ilisão da presunção de veracidade das declarações da Impugnante resulta patente no relatório de inspeção tributária, que identifica, de modo cabal, os erros/irregularidades no apuramento do IVA.
Defrontada com a falta de credibilidade das declarações da Impugnante em relação aos exercícios ora sob análise, a Administração Tributária procedeu a correções aritméticas para apuramento do IVA, no que não merece censura.

Como se refere no acórdão do TCAS, de 14/01/2020, recurso n.º 345/05.3BEBJA, consultável em www.dgsi.pt:
“Perante o dever legal de aplicar o método da afetação real, se o contribuinte não observar as obrigações de registo e contabilísticas necessárias, não merece reparo a imposição por parte da AT do método do pro rata.
(…) [O] método de afetação real «consiste na possibilidade de deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição dos bens destinados a atividades que deem lugar à dedução, mas impedindo ao mesmo tempo a dedução do imposto suportado em operações que não conferem esse direito». Donde, para aplicar o método de afetação real importa que resultem da contabilidade os elementos necessários para aferir se o imposto suportado na aquisição dos bens ou serviços respeita a atividades que dão lugar à dedução ou a atividades isentas que, como tal, não conferem o direito à dedução. Não sendo possível esta destrinça, resulta inviabilizada a aplicação do método de afetação real.”
Termos em que improcedem as conclusões invocadas a este título.

*
2.2.3. A Recorrente alega que “existe errónea quantificação no cálculo do IVA em falta, porquanto a fórmula utilizada pela Autoridade Tributária” considerando que “as Variações de Produtos Acabados e Variação de Trabalhos em Curso não entram na fórmula do Art.º 23º, n.º 4, do CIVA”.
Para a sentença Recorrida a divergência quanto ao método de dedução relativa a bens de utilização mista –– da percentagem ou “pro rata” utilizado pela AT e da afetação direta defendido pela Recorrente –– está na origem da divergência quanto à quantificação que a Impugnante diz padecer de erro.

Vejamos:
Prevê o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA:
“4 - A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do art. 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento”.

O Plano Oficial de Contabilidade, na redação então vigente, na “Classe 3 – Existências”, na conta “33 – Produtos acabados e intermédios” refere que a mesma “[i]nclui os principais bens provenientes da atividade produtiva da empresa, assim como os que, embora normalmente reentrem no fabrico, possam ser objeto de venda.”
E na conta “35 – Produtos de trabalhos em curso” refere que “[s]ão os que se encontrem em fabricação ou produção, não estando em condições de ser armazenados ou vendidos.
Inclui também os custos de campanhas em curso.”

Resulta do RIT que a Recorrida tem o “CAE 045212 e Venda de Materiais de Construção Civil e Construção para venda.
Na realidade, a atividade do contribuinte consiste na prestação de serviços na área da construção civil com fornecimento de materiais e mão de obra e construção de prédios para venda, não tendo a atividade de venda de materiais de construção civil qualquer relevância em termos de volume de negócios”.

Coloca-se a questão de saber se a Recorrente, que se dedica à atividade imobiliária, efetuando obras em dois setores de atividade, sendo um a construção de edifícios para venda (isento de IVA) e outro o de “empreitadas” (sujeito a esse imposto), para calcular a percentagem de dedução de IVA ou pro rata suportado na aquisição de bens e serviços afetos a ambas as atividades, deve ou não considerar-se no denominador da fração para o seu cálculo, para além do volume anual de negócios, o valor dos produtos acabados e a variação dos trabalhos em curso.

A este propósito refere-se no acórdão do STA, de 09/11/2005, recurso n.º 01090/03, consultável em www.dgsi.pt:
«Ora, segundo o acórdão do TJCE, transcrito acima, “ no sistema da Sexta Diretiva, o fator gerador do imposto, a sua exigibilidade e a possibilidade de dedução estão ligados à realização efetiva da entrega ou da prestação de serviços, a não ser nos casos de pagamento por conta, em que o imposto se torna exigível no momento da cobrança. O artigo 19.º, n.º 1, não contém qualquer menção que exclua a aplicação desta regra geral no cálculo do pro rata de dedução, e nada na redação desta disposição leva a pensar que o sistema contém uma derrogação no que respeita ao facto de se tomarem em consideração, no denominador da fração que permite o cálculo do pro rata, operações ainda não realizadas, além das que deram lugar a pagamentos por conta ou a faturação parcial dos trabalhos realizados.
Nesta perspetiva, é contrário a este sistema admitir que a determinação do domínio da dedução possa ter em conta operações ainda não efetuadas e cuja realização futura pode não se concretizar, quando o facto gerador do imposto e, consequentemente, o direito a uma dedução dependem da realização efetiva de uma operação. Ora, na medida em que não foram objeto de faturação pelo sujeito passivo, de faturação parcial ou de qualquer pagamento por conta, as obras em curso não constituem transmissões de bens ou prestações de serviços já efetuadas por este último, nem qualquer outra situação que consubstancie o facto gerador da exigibilidade do imposto. Não devem, portanto, ser incluídas no denominador da fração referida no artigo 19.º, n.º 1, da Sexta Diretiva, no cálculo do pro rata de dedução”.
E esta decisão, ao concluir que o artigo 19.º, n.º 1, da Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, opõe-se a que, no denominador da fração que permite o cálculo do pro rata de dedução, seja incluído o valor de obras em curso efetuadas por um sujeito passivo no exercício de uma atividade de construção civil, quando esse valor não corresponda a transmissões de bens ou a prestações de serviços que já tenha efetuado, que tenham sido inscritas na conta-corrente dos trabalhos e/ou que tenham dado lugar à cobrança de valores por conta, esclareceu definitivamente a questão de fundo que aqui se discutia e esclareceu no sentido defendido pela impugnante.
A jurisprudência do TJCE tem caráter vinculativo para os tribunais nacionais, em matéria de direito comunitário, como tem vindo a ser pacíficamente aceite e é corolário da obrigatoriedade de reenvio imposta pelo artº 234º do Tratado de Roma (artº 177º na redação inicial).»

Esta jurisprudência é transponível para o caso sub judice na medida em que, quer os produtos acabados e intermédios, quer os produtos de trabalhos em curso, não resulta dos autos que tenham sido objeto de faturação pelo sujeito passivo, de faturação parcial ou de qualquer pagamento por conta, as obras em curso não constituem transmissões de bens ou prestações de serviços já efetuadas por este último, nem qualquer outra situação que consubstancie o facto gerador da exigibilidade do imposto. Não devem, portanto, ser incluídas no denominador da fração referida no artigo 19.º, n.º 1, da Sexta Diretiva, no cálculo do pro rata de dedução.

Termos em que a sentença recorrida que assim não decidiu não se pode manter na ordem jurídica.

Pela solução dada ficou prejudicado o conhecimento da conclusão 1. das alegações de recurso.

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Nos termos do artigo 667.º, n.º 3, do CPC, formulamos o seguinte sumário:


I - Apenas existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras (cfr. artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e artigo 608.º, n.º 2, do CPC);

II - A ausência da comunicação a que se referia o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA na redação anterior à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 323/98, de 30 de outubro não constitui fundamento para, sem mais, impor à Recorrente a utilização do pro rata para a dedução do imposto.

III - Com efeito, o incumprimento formal da referida obrigação de comunicação prévia do método de dedução do IVA não pode colocar em causa o exercício dessa mesma dedução pelos montantes efetivamente registados na contabilidade do sujeito passivo.

IV - Perante o dever legal de aplicar o método da afetação real, se o contribuinte não observar as obrigações de registo e contabilísticas necessárias, não merece reparo a imposição por parte da AT do método do “pro rata”.

V - A inclusão no denominador da fração que permite o cálculo do pro rata de dedução do valor de obras em curso efetuadas por um sujeito passivo no exercício de uma atividade de construção civil, quando esse valor não corresponda a transmissões de bens ou a prestações de serviços que já tenha efetuado, que tenham sido inscritas na conta-corrente dos trabalhos e/ou que tenham dado lugar à cobrança de valores por conta, viola o artº 19º, nº 1 da Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977.

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3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente.

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Sem custas, por a Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 01/01/2004.
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Porto, 24 de junho de 2021.

Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles
Paula Maria Dias de Moura Teixeira