Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01544/06.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2011
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:IRC
CUSTO
ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
MENOS-VALIA
NULIDADE DA SENTENÇA
ÂMBITO DA INSPECÇÃO
Sumário:I - A administração fiscal não pode desconsiderar um custo nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC traduzido numa menos-valia com o único fundamento de que o preço da alienação não corresponde ao preço de mercado, quando não coloca em causa existência da transacção.
II- Só há nulidade da sentença por excesso de pronúncia quando o juiz conhece de questões que não foram suscitadas pelas partes, nem são do conhecimento oficioso – artigos 125.º do CPPT e 660.º n.º 2 do CPC.
III- Se a liquidação do ano de 1999 resultou do apuramento das Matéria Colectável, em função da correcção aos Prejuízos Fiscais dedutíveis, por a administração fiscal ter desconsiderado um custo do ano de 1998, e se esta desconsideração do custo é considerada ilegal, a liquidação de ano de 1999 não pode manter-se na ordem legal, por falta do pressuposto em que assentou.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., S.A.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – Relatório
S…– EMPREENDIMENTOS INDUSTRIAIS E IMOBILIÁRIOS, SA, com sede …, contribuinte fiscal n.º … … …, deduziu impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, da liquidação adicional de IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas) n.º 8310032704 (respeitante ao exercício de 1998, no valor de € 322.474,04), e da liquidação adicional n.º 8310032705 (relativo ao exercício de 1999, no montante de € 2.461.246,21).
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou a impugnação procedente no que respeita à liquidação de IRC do ano de 1999 e improcedente quanto à liquidação de IRC do ano de 1998.
A impugnante não se conformou com a sentença na parte em que julgou improcedente a liquidação de IRC do ano de 1998 e dela interpôs recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
«i) Vem o presente recurso interposto contra a Sentença proferida, em 30 de Abril de 2011, no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro sob o n.° 1544/06.6BEVIS;
ii) Na referida Sentença, o Exmo. Senhor Juiz a quo julgou parcialmente (im)procedente a impugnação Judicial apresentada pela ora Recorrente, determinando, por um lado, que “(...) a) deverá manter-se a liquidação de IRC respeitante ao ano de 1998, no valor de 322 474,04 € (…)” e, por outro, que “(…) b) Deverá proceder-se à anulação da liquidação de IRC respeitante ao ano de 1999, no montante de 2 461 262,21 € (…)”
iii) O Tribunal a quo optou, assim, por manter na ordem jurídica o acto tributário respeitante ao IRC do exercício de 1998 controvertido, considerando-o válido e legal, confirmando, consequentemente, a correcção efectuada pela Administração Tributária à matéria colectável do mesmo exercício da ora Recorrente, consistente na não aceitação, pela Administração Tributária, como custo fiscal, da menos-valia fiscal realizada com a alienação da totalidade das participações sociais detidas na sociedade P…- Sociedade Imobiliária …, SA, no montante de € 10.728.349,68, o qual acabou por se traduzir na não aceitação de prejuízos fiscais dedutíveis declarados pela ora Recorrente no mesmo exercício, no valor de € 7.035.431,97;
iv) E tal raciocínio encontra sustentação jurídica, no entender do Exmo. Senhor Juiz a quo no facto de que “(…) o facto do projecto imobiliário da sociedade M…, S.A., não se concretizar, não justifica, de per se, a desvalorização patrimonial da P…, que poderia canalizar os seus projectos imobiliários noutro sentido e noutros projectos (...)”, pelo que “(…) não vê razões para desconsiderar a posição da IT, pelo que não considera os argumentos da impugnante como factos justificativos da desvalorização das acções em causa, por não assentes na variação patrimonial negativa da P… resultante da respectiva actividade económica desenvolvida (…)”
v) Todavia, ficou aqui devidamente comprovado que a menos-valia fiscal resultante da alienação da participação detida pela Recorrente na sociedade P… - Sociedade Imobiliária …, SA. está devidamente fundamentada, comprovada e justificada;
vi) Com efeito, o que aqui está em causa é, pois, tão somente uma desvalorização extraordinária - e significativa - de um terreno, em virtude de uma (inversão de) tomada de posição do IPPAR quanto à viabilidade urbanística do mesmo;
vii) Que gerou, efectivamente, uma enorme diminuição do valor da sociedade que definha como principal activo esse mesmo terreno - a sociedade M…, SA, na qual, por sua vez, a sociedade P… - Sociedade Imobiliária …, SA detinha acções;
viii) Ora, naturalmente que essa perda de valor do terreno, extraordinária e decorrente de uma posição de um instituto público, conduziu, directa e necessariamente, a uma diminuição significativa do valor das acções detidas pela ora Recorrente na sociedade P… - Sociedade Imobiliária …, SA, e, consequentemente, à menos-valia realizada, no momento da respectiva alienação;
ix) A questão do valor inicial da participação adquirida no capital social da sociedade P… - Sociedade Mobiliária …, SA. e consequente perda de valor é, como se vê, simples e fácil de perceber
x) Ora, factos como os descritos pesariam, naturalmente, na decisão de qualquer administrador de bom senso, como efectivamente pesaram na Administração da Recorrente, razão pela qual esta optou por vender a participação detida na sociedade P… - Sociedade Imobiliário …, S.A., da forma mais rápida e menos onerosa possível, para limitar as gravosas perdas já verificadas e evitar as (certas) perdas futuras do investimento na sociedade M… SA, que a inflexão da posição do IPPAR havia tomado desastroso;

xi) Resulta igualmente do que se acaba de expor, que o custo (menos-valia) associado a tal operação económico-financeira foi (atentas as vicissitudes elencadas, quer do objecto da venda, quer do negócio em si mesmo considerado e, bem assim, da orientação estratégica adoptada e dos condicionalismos que presidiram a tal decisão), absolutamente indispensável para a manutenção da fonte produtora e futura geração de proveitos tributáveis, devendo, nessa medida e como tal, ser aceite como perda dedutível para efeitos fiscais, de acordo com o disposto no artigo 23º do Código do IRC;
xii) Pelo contrário, tivesse a Recorrente mantido o ruinoso investimento feito, isso seria fortemente condicionador da sua vitalidade - ou mesmo viabilidade - finura, o que conduziria certamente a uma diminuição dos seus resultados e, consequentemente do seu lucro tributável e imposto que veio a gerar para os cofres do Estado;
xiii) Para usar uma expressão, particularmente feliz, da nossa jurisprudência, o resultado negativo apurado no exercício de 1998 teve, pois, uma causação empresarial e não privada;
xiv) In casu, a causação empresarial é inequívoca quer se tenha em conta apenas as causas próximas ou imediatas, quer se vá mais longe no historial da perda registada;
xv) Por outro lado, a Administração Tributária embora tenha aflorado a questão da simulação e dos preços de transferência no Relatório Final de Inspecção Tributária não foi consequente;
xvi) Ou seja, não questionou a correcção do preço de venda da participação ora em causa em termos quantitativos, optando pelo caminho mais fácil - mas errado - de questionar qualitativamente a venda operada, recorrendo à “vala comum” do artigo 23.° do Código do IRC;
xvii) A este propósito, dir-se-á somente que não sendo questionável o cariz ilegal da denominada fundamentação a posteriori enquanto invocação de fundamentos que não os antecedentes ou, no máximo, contemporâneos da prática do acto administrativo, não relevam para a análise da correcção em apreço as considerações que não se mostram retratadas no discurso fundamentador da correcção, i.e., nas Conclusões do Relatório de Inspecção Tributária;
xviii) Em razão do que, por força desta circunstância, deverá o acto tributário em crise ser anulado, devendo destino idêntico ser dado à correcção efectuada à matéria colectável do exercido de 1998, dado que, em face do destino a dar ao acto tributário consequente, a mesma não pode permanecer na nossa ordem jurídica.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, E, ASSIM, REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, POR ERRO DE JULGAMENTO, NA PARTE EM QUE JULGA IMPROCEDENTE O PETITÓRIO DA RECORRENTE, E, CONSEQUENTEMENTE, SER PROMOVIDA A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE DETERMINE A ANULAÇÃO DA CORRECÇÃO A MATÉRIA COLECTÁVEL DO EXERCÍCIO DE 1998 DA ORA RECORRENTE, EM RESULTADO DA NÃO ACEITAÇÃO, COMO CUSTO FISCAL, DA MENOS-VALIA FISCAL REALIZADA COM A ALIENAÇÃO DA TOTALIDADE DAS RESPECTIVAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NA SOCIEDADE P… — SOCIEDADE IMOBLIÁRJA …, S.A., NO MONTANTE DE € 10.728.349,88, E BEM ASSIM, A ANULAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IRC CONSEQUENTE, RESPEITANTE AO EXERCÍCIO DE 1998, COM O N.º 8310032704, NO VALOR DE € 322.474,04, NA MEDIDA EM QUE DESCONSIDEROU OS PREJUIZOS FISCAIS DEDUTÍVEIS DECLARADOS PELA ORA RECORRENTE NESSE EXERCÍCIO, NO VALOR DE € 7.035,431,97, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS AMPLAMENTE DEMONSTRADOS.».
A Fazenda Pública não contra-alegou.
A Fazenda Pública também não se conformou com a sentença, na parte que julgou procedente a impugnação quanto à liquidação de IRC de 1999, e dela interpôs recurso formulando as seguintes conclusões das suas alegações:
«1) Concorda-se com a sentença recorrida na parte em que se considera que a decisão da Administração Tributária de proceder à correcção do prejuízo fiscal relativo ao IRC do ano de 1998, está conforme com as normas legais vigentes, razão pela qual decide manter a liquidação desse ano.
2) Discorda-se da douta sentença recorrida quando decide anular a liquidação respeitante ao ano de 1999,no valor de € 2.461.246.21.
3) A convicção do tribunal baseou-se no entendimento de que a inspecção tributária não demonstra que haja qualquer conexão entre o exercício de 1998 e a correcção operada ao exercício de 1999, nem fundamenta, de facto nem de direito, a citada correcção, em violação do disposto no artº 77º nº 1 da LGT.
3) A douta sentença é desde logo nula, ao abrigo do art° 125° do CPPT, nos termos do qual constitui uma causa de nulidade da sentença a pronúncia sobre questões que o Juiz não deva conhecer.
4) Às partes cabe definir o objecto do litígio através da dedução das suas pretensões, e no presente caso o impugnante usou o processo de impugnação, para obter a anulação dos actos tributários, e como fundamento da impugnação não invoca a ilegalidade da liquidação do ano de 1999 com fundamento na falta de fundamentação, como decidiu o Tribunal.
5) Na verdade não resulta da leitura da p.i., nem consta da síntese da pretensão e dos fundamentos invocados pela impugnante que é feita na douta sentença recorrida, a ilegalidade das liquidações por falta de fundamentação.
6) O tribunal tem que respeitar o pedido da tutela jurídica que lhe foi feito e as alegações dos fundamentos em que se baseia.
7) Viola o disposto no artº 660° n° 2, 2º parte do CPC, aplicável por força do art° 2° al. e) do CPPT, a decisão, que julga a impugnação procedente do ano de 1999, por falta de fundamentação, quando essa questão não foi suscitada pela impugnante, nem é de conhecimento oficioso.
8) O juiz não pode conhecer, nem pode anular por ilegalidade o acto de liquidação do ano de 1999 com base em falta de fundamentação da liquidação quando o vício de falta da fundamentação da liquidação tão pouco foi invocado pela impugnante.
9) A sentença é nula por excesso de pronúncia, (Art° 668 n° 1 d) do CPC).
10) Cabe aos tribunais “a confirmação ou não confirmação da pretensão determinada, ou pedido, que o autor lhes dirija, e não (em principio) a descoberta de formas diversas da composição do litígio” (Acórdão do S.T.J de 19 de Fevereiro de 1991, in Revista da Ordem dos Advogados, n° 51, p.525)
11) O Tribunal a quo entendeu (e na nossa opinião erradamente) que a liquidação respeitante a 1999 não se encontra fundamentada.
12) A douta sentença recorrida parte do errado entendimento de que a administração fiscal não demonstra que haja qualquer conexão entre o exercício de 1998 e a correcção operada ao exercício da 1999, e como tal decide que a liquidação do ano da 1999 não está fundamentada.
13) Da leitura da p.i. resulta que a impugnante contesta a liquidação adicional de IRC do ano de 1998, na correcção efectuada ao prejuízo fiscal declarado, e contesta a liquidação adicional de IRC do ano de 1999, na correcção efectuada ao reporte de prejuízos do ano de 1998.
14) Da leitura desse documento torna-se evidente que resulta que a ora recorrida compreendeu perfeitamente as razões em que se baseiam as liquidações impugnadas, bem como a sua conexão, de tal modo que quando enuncia o pedido diz que deve ser anulada a liquidação do ano de 1998 e consequentemente deve ser mantido o prejuízo fiscal do ano de 1998, e consequentemente que deve ficar corrigida a liquidação adicional de IRC do ano de 1999.
15) Ora se a impugnante impugnou a liquidação do ano de 1998 com fundamento de que, contrariamente ao que entendeu a AT, as referidas menos-valias devem relevar para efeitos fiscais, e consequentemente, não podia ter sido corrigido o prejuízo fiscal declarado do ano de 1998, nem o reporte desse prejuízo no ano de 1999, significa que a impugnante compreendeu a situação questionada nos autos o que acarreta que não consubstancia qualquer falta de fundamentação.
16) Com base nos factos acima referidos, outra teria de ser a decisão do tribunal a que sobre a questão da fundamentação, já que ao contestar a correcção efectuada pela inspecção tributária, verifica-se que a impugnante conheceu as razões porque a mesma foi efectuada.
17) E aliás como se decidiu no acórdão do STA de 17103/92, publicado nos AD nº 377 pág. 503 e s.s. é entendimento jurisprudencial de que se resultar do acto que o recorrente ficou a saber sem margem para dúvidas porque se decidiu em determinado sentido e não em qualquer outro possibilitando-lhe a interposição de recurso contencioso num quadro legal bem determinado isso é suficiente para esclarecer a fundamentação do acto.
18) De realçar ainda que o acórdão invocado pelo Meritíssimo Juiz a quo na sentença recorrida, o Ac. do STA de 07/031/2007, proferido no processo nº 0587/06, decide precisamente neste sentido que não procede o vício de falta de fundamentação, uma vez que o impugnante exerceu eficazmente o seu direito de defesa na respectiva petição inicial (...)
19) Mas caso assim não se entenda o que é certo é que o acto tributário está suficientemente fundamentado.
20) A administração Fiscal está obrigada a fundamentar as suas decisões e no que ao caso interessa, ao abrigo do art° 77º da LGT, que prescreve no seu número 2, que o necessário é indicar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
21) A lei também não fixa a quantidade dos fundamentos a invocar, contentando-se com a sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão. (Ver Fundamentação do acto administrativo, de José Osvaldo Gomes, 2ª Edição, pág. 125)
22) O conteúdo do relatório, nomeadamente a págs. 9 bem como o Mapa que aí consta, demonstra todas as diligências efectuadas pela inspectora tributária, e espelha o critério que foi adoptado para o apuramento da matéria colectável do ano de 1999.
23) Da leitura do relatório e seus anexos permite retirar-se sem esforço que a inspectora tributária corrigiu o prejuízo fiscal declarado no ano de 1998, do montante de 1.410.477.472$00/€7.035.431.97, porque conclui que as menos valias fiscais registadas na contabilidade no valor de 2.150.841.000$00 /€ 10.728,349.68 não são custos para efeitos fiscais, e consequentemente procedeu à correcção aos custos correspondentes a essas menos-valias e fez acrescer o respectivo montante ao resultado fiscal declarado relativamente ao ano de 1998, motivo porque o prejuízo fiscal declarado foi eliminado e fixado o lucro tributável de 141.315.377$00, € 704.878.13 e em virtude dessa correcção (eliminação) do prejuízo fiscal declarado para o ano de 1998, a AT também corrigiu (eliminou) o reporte desse prejuízo no ano de 1999, e foi fixado o lucro tributável de 1.144.231.925$00 / € 5.707.404.78.
24) No que respeita ao ano de 1999, é patente do parecer aposto no canto superior esquerdo do rosto do relatório que a liquidação do ano de 1999 está intrinsecamente ligada à correcção e correspondente liquidação do ano de 1990, pois conforme aí se diz e se passa a transcrever “ Concordo com a correcção de natureza meramente aritmética proposta, em sede de IRC, para o exercício de 1998, na quantia de 10.728.349.68 com as eventuais repercussões ao nível do reporte de prejuízos em 1999 (...)”
25) Note-se que os prejuízos fiscais, são susceptíveis de dedução nos lucros dos 6 anos seguintes, nos termos do disposto no art° 46º n° 1 do CIRC /actual art° 47º n° 1 do CIRC.
26) Conforme resulta do relatório, a inspectora tributária realizou todas as diligências e operações materiais que lhe incumbiam, tendo em vista o apuramento dos factos reveladores e conformadores da situação tributária da recorrida.
27) A inspectora tributária actuou dentro da lei, e orientada no sentido da busca da verdade material, determinou a matéria colectável efectiva.
28) Aceitamos que possa ter causado alguma estranheza ao Tribunal, não ter sido indicado no Relatório a norma que legitima a decisão.
29) Mas o que é certo é que são indicados os princípios jurídicos que legitimam a decisão.
30) E seguindo o entendimento de José Osvaldo Gomes in Fundamentação do Acto Administrativo, Coimbra Editora, Lda, pág. 126, neste domínio é de acolher o ensinamento do Prof. José Alberto dos Reis relativamente à sentença “(...) Não é forçoso que o juiz cite os textos da lei que abonam o seu julgado; basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou.”
31) Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo que a fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário. (Ac. do STA de 8/6/2011 in processo n° 066/11).
32) A douta sentença sob recurso é nula por violação dos artigos 125° da CPPT, 660° n° 2 2ª parte, 668° n° 1 d) do CPC, e está viciada por erro de julgamento, pois violou o art° 77º n° 1 e n° 2 da LGT e art° 46° nº 1 do CIRC não se devendo manter na ordem jurídica.
TERMOS EM QUE, deve declara-se nula a sentença, ou caso assim não se entenda ordenar-se a sua revogação, como é de LEI e JUSTIÇA.».
A impugnante contra-alegou apresentando as seguintes conclusões:
«i) A Douta sentença recorrida julgou “(…) a presente impugnação deduzida por S… – Empreendimentos Industriais e Imobiliários, S.A. parcialmente procedente, e em consequência (…)” determinou que “(…) Deverá proceder-se à anulação da liquidação de IRC respeitante ao ano de 1999, no montante de 2 461 262,21 € (…)”, não obstante, ter simultaneamente determinado que “(…) a) deverá manter-se a liquidação de IRC respeitante ao ano de 1998, no valor de 322 474,04 € (…)”
(ii) Nesse sentido, e para o que para os presentes efeitos importa, a Exma. Senhora Juíza a quo considerou que por um lado “(...) a IT não demonstra que haja qualquer conexão entre o exercício de 1996 e a correcção operada ao exercício de 1999, nem fundamenta, de facto nem de direito, a citada correcção, em violação do disposto no art° 77°/1 de LGT (…)” e, por outro, “(...) constando da ordem de serviço a realização da inspecção aos tributos do ano de 1998 (...) o relatório deveria, em princípio, circunscrever-se à análise da situação tributária do referido ano de 1998 (...) a não ser que se verificassem factos fiscalmente relevantes que implicassem a alienação dos valores declarados e as inerentes correcções, desde que comprovados e fundamentados (...), verificação que a IT não comprovou nem fundamentou, de facto nem de direito (…)”
(iii) Concluindo, pois, que “(...) terá que se anular a liquidação respeitante a 1999 (...)” assistindo, “(...) neste particular (...) razão à impugnante (...)” procedendo, pois, neste ponto, o petitório da Impugnante, ora Recorrida.
(iv) Não obstante, a Representante da Fazenda Publica invoca, nas respectivas alegações de recurso, que “(…) A convicção do tribunal baseou-se no entendimento de que a inspecção tributária não demonstra que haja qualquer conexão entre o exercício de 1998 e a correcção operada ao exercício de 1999, nem fundamenta, de facto nem de direito, a citada correcção em violação do disposto no art 77 n.º1 da LGT (…)”
(v) Ora, na medida em que “(…) O juiz não pode conhecer, nem pode anular por ilegalidade o acto de liquidação do ano de 1999 com base em falta de fundamentação da liquidação quando o vício de falta de fundamentação da liquidação tão pouco foi invocado pela impugnante (…)”, conclui “(...) A douta sentença é desde logo nula, ao abrigo do art° 125° do CPPT, nos termos do qual constitui uma causa de nulidade da sentença a pronúncia sobre questões que o Juiz não deve conhecer (…)”
(vi) Todavia, ficou aqui devidamente comprovado que a douta Sentença recorrida não é nula por excesso de pronúncia, em violação do disposto no artigo 868.° n.° 1, alínea d), 2.ª parte do CPC;
(vii) Com efeito, o Tribunal a quo ao preferir a sentença ora sob escrutínio nos termos em que o fez, cingiu-se estritamente ao objecto do litígio tal como foi confrontado pela Impugnante, pronunciando-se meramente sobre os pedidos e a correspondente defesa que foram formulados pela Recorrente e Recorrida;
(viii) Neste sentido, parece, desde logo, ignorar a Recorrente, por um lado, os argumentos vertidos pela ora Recorrida nos artigos 11º a 19º da p.i. da respectiva impugnação judicial, nos quais aquela expressamente invocou a violação do princípio da limitação da fiscalização ao exercício relativamente ao qual é concedida expressa autorização para fiscalização no âmbito da Ordem de Serviços n.° 30115 - exercício de 1998 -, na medida em que a Administração Tributária faz reflectir o procedimento de inspecção realizado ao exercício de 1999;
(ix) Acresce que, ignora igualmente a ora Recorrente o verdadeiro sentido da decisão preferida pela Exma. Senhora Juíza a quo relativamente ao acto de liquidação adicional de IRC nº 8310032105, relativo ao exercício de 1999, no montante de € 2.461.246,21 e que, no limite, fundamentou a decisão de anulação do acto tributário em causa;
(x) Com efeito, decorre facilmente da leitura atenta da sentença, na parte relevante para os presentes efeitos, que o motivo que subjaz à anulação do acto de liquidação adicional de IRC n.° 8310032705, relativo ao exercício de 1999, no montante de € 2.461.24621 é, não como entendeu e considerou a Recorrente o vício de falta de fundamentação desse acto, mas, ao invés, a extensão ilegal do âmbito da Ordem de Serviço em causa, a qual, conforme referido e dado como provado em primeira instância, apenas permitia a análise da situação tributária da Recorrida relativamente ao exercício de 1998 e não ao exercício de 1999, como veio efectivamente a suceder;
(xi) Resulta, pois, manifesto do exposto que a Sentença preferida pelo Tribunal a quo jamais poderá ser julgada nula por excesso de pronúncia, porquanto aquele Ilustre Tribunal se limitou a apreciar uma questão oportunamente suscitada pela Impugnante (ora Recorrida) na respectiva p.i., o que aliás, não poderia contornar, em face da imposição legal de prossecução do princípio do dispositivo e da demanda da verdade material;
(xii) Termos em que o Recurso apresentado pela Recorrente deverá ser considerado improcedente e assim, confirmada a douta Sentença recorrida, na parte em que determinou a anulação do acto de liquidação adicional de IRC n.° 8310032705, referente ao exercício de 1999.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE, E ASSIM, CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, NA PARTE EM QUE DETERMINOU A ANULAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IRC N.º 831 0032705, REFERENTE AO EXERCÍCIO DE 1999.».
Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, dizendo nesse sentido que a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia por ser patente que na impugnação judicial não foi invocado o vício de forma e que, anulando este tribunal a sentença, deverá conhecer em substituição da impugnação quanto à liquidação do IRC de 1999, julgando-a improcedente porque «da inexistência de justificação legal das menos valias contabilizadas para gerar o prejuízo fiscal declarado, decorre, como consequência directa e necessária, a falta de fundamento para o reporte de prejuízos declarado no exercício de 1999, já que esse reporte de prejuízos advém, exclusivamente, do pressuposto quanto à realidade das menos valias em causa.».
Quanto ao recurso da impugnante pronunciou-se no sentido de lhe ser negado provimento por entender que à impugnante cabia o ónus de justificar a menos-valia como custo fiscal, ónus que não cumpriu face à matéria de facto levada ao probatório e que nesta sede de recurso entende não ter sido impugnada devidamente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir já que a tal nada obsta.
As questões a decidir, delimitadas pelas alegações de recurso, são as seguintes:
- Recurso da impugnante:
Saber se a menos-valia realizada com a alienação pela recorrente da totalidade das participações sociais detidas na sociedade P… - Sociedade Imobiliária …, S.A., são de aceitar como custo fiscal nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
- Recurso da Fazenda Pública:
Saber se a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia.
Saber se o tribunal recorrido errou o julgamento ao considerar ilegal a liquidação adicional do ano de 1999.
II- Fundamentação
II-1. De facto
II.1.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A)- A impugnante é uma sociedade que exerce a sua actividade económica na área da construção de edifícios para venda e na aquisição de edifícios para revenda (cfr. fls. 177 do PA);
B) - A impugnante adquiriu - entre 1990 e 1994 - acções a várias empresas/entidades, no valor de 2 915 905 000$00 (cfr. relatório da IT - quadros constantes de fls. 106-vs. do PA);
C) - Em 18/12/1998 a impugnante alienou as acções referidas na alínea B) supra à Sociedade A…, SGPS, correspondente à totalidade das suas participações sociais na empresa P…, totalizando 1 637 720 acções ao portador, com o valor nominal de 1 000$00, representativas de 79,69 % do capital social, por 1 430 000 000$00, obtendo desta operação menos-valias fiscais no valor de 2 150 841 000$00/10 728 349,68€, gerando neste exercício contabilístico prejuízos fiscais no valor de 1 410 477 472$00, / 7 035 431,97 € (cfr. relatório da IT, a fls. 106-vs. do PA; e art° 40º da p.i.);
D) - A IT determinou a realização de um acto inspectivo externo junto da impugnante, relativamente ao IRC do ano de 1998 (cfr. ordem de serviço, a fls. 41 do PA; e art° 12° da p.i.);
E) - O valor recebido em resultado da alienação referida na alínea C) supra, no montante de 1 430 000 000$00, foi transferido no dia 28/12/1998 para o senhor A… (155 000 000$00), e para a empresa F…(1 300 000 000$00), como pagamento de suprimentos (cfr. relatório da IT, a fls. 109-vs, do PA);
F) - A IT teceu comentários à evolução de várias empresas pertencentes ao Grupo A… (cfr. art° 42° da p.i.; e relatório da IT, a fls. 108, 108-vs.; e 109 do PA);
G) - A impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia, direito que não exerceu (cfr. art° 35° da p.i.; e relatório da IT, a fls. 112 do PA);
H) - A impugnante foi notificada do relatório final com as conclusões da intervenção da IT, nele se procedendo a correcções à matéria tributável em ordem a desconsiderar como custos fiscais, nos termos do art° 23° do CIRC, as menos-valias geradas em 1998 (cfr. relatório da IT, a fls. 109-vs., 3° parágrafo; e fls. 110-vs., ponto VII.1., ambas do PA);
I) - A impugnante foi notificada das liquidações adicionais respeitantes aos anos de 1998 e 1999 (cfr. parte introdutória da p.i., a fls. 2; e fls. 33 e 34, todas dos autos);
J) - Da notificação das liquidações em causa deduziu a impugnante reclamação graciosa, que foi indeferida (cfr. art° 1° da p.i.; e fls. 35 dos autos);
K) - Da notificação do indeferimento da reclamação graciosa deduziu a impugnante a presente impugnação judicial (cfr. artigos 1° a 3° da p.i.; e parte superior e intróito da petição de impugnação, a fls. 2 dos autos).».
II-2. De direito
II-2.1. Recurso da Impugnante
A administração tributária não aceitou como custo a menos-valia realizada pela impugnante, no montante de € 10.728.349,67, com a alienação da totalidade das participações sociais detidas na sociedade P… – Sociedade Imobiliária …, S.A., e nessa medida corrigiu a matéria colectável da impugnante no exercício de 1998, e consequentemente a matéria colectável do exercício de 1999, em função das correcções aos prejuízos fiscais dedutíveis declarados no exercício de 1998, no valor de € 7.035.431,97, dando origem às liquidações impugnadas. O recurso da impugnante respeita apenas ao decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro no que toca à liquidação de IRC do exercício de 1998 (já que o decidido quanto ao exercício de 1999 foi favorável à impugnante).
A administração fiscal não considerou como custo a menos-valia ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, por entender que a alienação das participações sociais «eram perfeitamente dispensáveis para a realização dos proveitos» (fls. 8 do relatório da fiscalização). Embora no relatório da fiscalização (a fls. 9 do relatório) seja também invocado o artigo 39.º da Lei Geral Tributária (LGT) e esteja dito «entendo que se está perante negócios simulados», face às objecções feitas pela impugnante na petição inicial, no sentido de que apesar da invocação da simulação, a administração tributária não curou de preencher os pressupostos da figura, em sede de contestação a Fazenda Pública veio dizer que «a utilização daquele conceito só serviu como instrumento e mecanismo lógico de apoio que conduziu à conclusão de que os preços das acções, naquelas condições de negociação, não poderiam corresponder à realidade, e neste sentido, seriam artificiais, o que numa perspectiva menos rigorosa do ponto de vista técnico jurídico nada repugnaria que se designassem de simuladas» (fls. 257 dos autos). Entendimento que foi perfilhado na sentença recorrida nos seguintes termos: «Considera o Tribunal que a referência feita pela IT a “negócios simulados”, por ser feita nas conclusões do relatório, tem um carácter de balanço apreciativo da situação tributária da impugnante, não constituindo tal instituto o fundamento das correcções efectuadas. Como consta no verso da invocada folha 9 do relatório (a fls. 110-vs. Do PA), o fundamento legal das correcções operadas é o artº 23º do CIRC, pelo que aquela referência a negócios simulados é juridicamente irrelevante».
Há, pois, consenso quanto ao fundamento legal subjacente à liquidação que ora tratamos: o disposto no artigo 23.º do CIRC. Deste modo, a administração fiscal não põe em causa a realização do negócio, não diz que o negócio é simulado. O que a determinou a desconsiderar o custo foi o valor da transacção que considera ter sido inferior ao valor real, ao valor de mercado, o que, defende, só foi possível “naquelas condições de negociações”, ou seja por vendedora e compradora pertencerem «à mesma entidade económica suportada numa família» (fls. 9 do relatório da fiscalização).
Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».
Como já se salientou não está em causa a existência da menos-valia. Nem tão-pouco que o custo não esteja devidamente documentado. A discussão centra-se na indispensabilidade dessa menos-valia para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.
Uma menos-valia é uma perda que resulta da diminuição do valor de um activo da empresa que se manifesta/realiza aquando da sua alienação. Ou seja, é o prejuízo que resulta da venda ou troca de um activo abaixo do preço de compra.
Se o bem vendido é um bem do activo da empresa (“Um activo é um recurso controlado pela empresa como resultado de eventos passados e do qual se esperam benefícios económicos futuros para a empresa." O International Accounting Standards Board, IASB), não se vislumbra como é que a sua alienação possa ser excluída do âmbito empresarial. Para o bem pertencer ao activo da empresa foi no passado adquirido. A empresa suportou um custo na aquisição que teve de contabilizar. Este custo da aquisição é que poderia ser posto em causa nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, por o bem não ter qualquer interesse para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. A partir do momento que se aceita este custo, a menos-valia resultante da alienação não poderá ser desconsiderada com fundamento no artigo 23.º do Código do IRC.
Ao fazer-se passar pelo crivo do artigo 23.º do Código do IRC uma menos-valia, estar-se-á a avaliar a gestão empresarial, a oportunidade do negócio. E foi isso que fez a sentença recorrida ao fundamentar da seguinte forma a legalidade da actuação da administração: «o facto de o projecto imobiliário da sociedade M…, S.A., não se concretizar, não justifica, de per si, a desvalorização patrimonial da P…, que poderia canalizar os seus projectos imobiliários noutro sentido e noutros projectos». Ao dizer-se na sentença recorrida que a impugnante poderia, em vez de alienar as participações socais da P…, canalizar os seus projectos imobiliários noutro sentido, embora não indique o sentido, está a avaliar a decisão empresarial.
Entende-se, contudo, que ao tribunal, e à administração fiscal, está vedada tal apreciação com base em critérios de oportunidade e mérito do negócio.
Na verdade, o Código do IRC afastou o critério da razoabilidade previsto no artigo 26º do Código da Contribuição Industrial, que atribuía à administração fiscal, como era reconhecido pela jurisprudência, um poder discricionário, pois para o custo ser aceite, para além de indispensável, tinha de ser “razoável”.
Ora, a interpretação deste conceito de indispensabilidade não pode permitir aquela discricionariedade que o Código do IRC afastou. A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menos o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.
No caso dos autos a administração desconsiderou o custo apenas porque entende que não está justificada a desvalorização das participações sociais alienadas, isto é, porque entende que a alienação não foi efectuada a preços de mercado. Mas a administração não pode substituir-se aos órgãos próprios das empresas na sua gestão. Não pode num juízo necessariamente a posteriori, avaliar se o negócio foi bom ou mau, adiantar as hipóteses de rumo que se perfilhavam na altura em que ocorreu e afastar a escolhida pelo empresário, desconsiderando o custo contabilizado.
O direito fiscal tem de reconhecer ao dono do negócio o direito ao erro de gestão. A não ser assim, «ao empresário não lhe bastaria sofrer as adversas consequências ligadas a um negócio ruinoso. Além disso, ver-se-ia confrontado com a desvantagem tributária do não reconhecimento fiscal dos custos suportados»” – Tomás Castro Tavares, in Fisco, n.º 101/102, Janeiro 2002, Ano XIII, p. 37-43. citado pela recorrente.
Se a administração tributária entende que o preço não foi o preço de mercado e que tal se deveu às relações especiais entre as empresas, com o objectivo de diminuição da carga fiscal, a lei prevê outros mecanismos para a sua actuação – designadamente as normas dos preços de transferência - artigo 57.º do Código do IRC em vigor ao tempo dos factos - caminho que não foi o por ela trilhado – neste sentido João Taborda da Gama, “Cobertura de prejuízos, valor da participação social e dedutibilidade de menos-valias”, in Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, p. 179 e ss. .
Conclui-se, assim, que a administração fiscal não pode desconsiderar um custo nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC traduzido numa menos-valia com o único fundamento de que o preço da alienação não corresponde ao preço de mercado, quando não coloca em causa existência da transacção.
II-2.2. Recurso da Fazenda Pública
II.2.2.1: Da nulidade da sentença
A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação relativamente ao IRC do ano de 1999, começando por imputar-lhe a nulidade por excesso de pronúncia prevista no artigo 125.º do CPPT.
Nos termos do artigo 125.º do CPPT ( e artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC) a sentença é nula quando o juiz se pronúncia sobre questões que não deva conhecer. E nos termos do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, o juiz apenas deve conhecer as questões suscitadas pelas partes e aquelas que sejam do conhecimento oficioso.
Diz a recorrente que a liquidação respeitante ao IRC do ano de 1999 foi anulada por o Tribunal ter entendido que havia falta de fundamentação, quando tal vício não havia sido invocado na petição inicial pela impugnante.
Transcreve-se a sentença recorrida na parte em apreciou a legalidade da liquidação de 1999:
«Alega a impugnante que a ordem de serviço que determinou a realização da acção inspectiva se circunscreve a 1998 (cfr. artº 12º da p.i.), sendo que neste aspecto tem razão. Contudo, o facto de ter sido notificada das liquidações respeitantes a 1998 e a 1999, poderá ser suportado por razões de facto e de direito que o justifiquem. Compulsados os autos, constata-se que a IT determinou a realização de um acto inspectivo externo junto da impugnante, relativamente ao IRC do ano de 1998 (cfr. aliena D) do probatório supra), e que no relatório elaborado na sequência da sua intervenção inspectiva veio a determinar que “Relativamente ao exercício de 1999, a correcção a efectuar será ao Apuramento das Matéria Colectável, em função da correcção aos Prejuízos Fiscais dedutíveis, que neste exercício são nulos” (cfr. relatório da IT, a fls. 100 do PA). Porém, a IT não demonstra que haja qualquer conexão entre o exercício de 1998 e a correcção operada ao exercício de 1999, nem fundamenta de facto nem de direito, a citada correcção, em violação do disposto no artº 77º/1 da LGT (diploma vigente a partir de 01/01/1999). Por outro lado, constando da ordem de serviço a realização da inspecção aos tributos do ano de 1998 (cfr. artº 49º/2-b) do RCIP, também em vigor a partir de 01/01/1999), o relatório deveria, em princípio circunscrever-se à análise da situação tributária do referido ano de 1988 (cfr. artº/2-b), artº 62º/2-d), ambos do RCIP), a não ser que se verificassem factos fiscalmente relevantes que implicassem a alteração dos valores declarados e as inerentes correcções, desde que comprovados e fundamentados (cfr. artº 62º/2-1) e 4 do RCIPT), verificação que a IT não comprovou nem fundamentou, de facto nem de direito. E não o tendo feito, terá que se anular a liquidação respeitante a 1999 (cfr. artº 135º do CPA, por via do artº 2º-d) do CPPT). (…) Assim, neste particular assiste razão à impugnante.»
Na interpretação que se faz da sentença, a questão tratada pelo Tribunal a quo foi a do âmbito da acção de fiscalização, a qual havia sido suscitada pela impugnante. O que vai de encontro ao que a Meritíssima Juiz exarou no despacho a que se reporta o artigo 744º, n.º 1 do CPC. Na verdade, a questão da fundamentação surge apenas na sentença recorrida para avaliar a admissibilidade da extensão da inspecção ao ano de 1999, quando o seu âmbito se limitava ao ano de 1998.
Não padece a sentença de excesso de pronúncia.
II.2.2.2: Do erro de julgamento
As demais conclusões da Fazenda Pública prendem-se com o erro de julgamento na parte em que o Tribunal a quo decidiu anular a liquidação do IRC do ano de 1999.
Para a decisão que se vai adoptar importa ter presente que a liquidação referente ao ano de 1999 surge na sequência da desconsideração como custo da menos-valia resultante da alienação da totalidade das participações detidas da P…. A liquidação de IRC do ano de 1999 resulta de não se ter aceite o reporte dos prejuízos («. Relativamente ao exercício de 1999, a correcção a efectuar será ao Apuramento das Matéria Colectável, em função da correcção aos Prejuízos Fiscais dedutíveis, que neste exercício são nulos», consta do relatório da fiscalização).
Porém, como acima foi julgada ilegal a desconsideração do custo, a liquidação do ano de 1999 deixa de ter suporte factual. A base em que assentou a liquidação de IRC do ano de 1999 – a desconsideração do custo – deixou de existir, o que implica a sua anulação.
Daí que se entenda ter deixado de existir qualquer interesse na discussão do âmbito da inspecção, saber se a administração podia ou não liquidar o IRC do ano de 1999, quando aquele se circunscrevia ao ano de 1998, uma vez que a liquidação referente ao ano de 1999 não se pode manter na ordem jurídica – ainda que se viesse a considerar legal o alargamento do âmbito da inspecção – e, assim, o decidido, embora com este fundamento, terá de ser mantido.
III – Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
1- Conceder provimento ao recurso interposto pela S… – Empreendimentos Industriais e Imobiliários, S.A., revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a impugnação quanto ao IRC do ano de 1998, julgar a impugnação procedente nesta parte e anular a liquidação de IRC do ano de 1998.
Sem custas nesta parte.
2- Negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública.
Custas pela Fazenda Pública.
Porto, 20 de Dezembro de 2011
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas