Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00273/07.8BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. JUNÇÃO DE DOCUMENTOS.
GERÊNCIA DE FACTO. FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
II) Tal significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência, sendo que tal situação não se estende para lá do momento acima apontado, ou seja, em sede de contestação, a AT tem de enumerar os tais factos concretos que evidenciam o apontado exercício de funções de gerente por parte do ora Recorrente.
III) Assim, e na medida em que o art. 523º nº 1 do C. Proc. Civil (actual art. 423º) refere que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes e se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado - nº 2 do artigo 523º do C. Proc. Civil ( o actual normativo admite a junção de documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ), temos que no caso presente, não está em causa a possibilidade de junção de documentos, pois que é a apresentação de alegações que constitui o encerramento da discussão da causa na 1.ª instância (artigo 120.º do CPPT), o termo final do prazo para apresentação de documentos em 1.ª instância, a questão está em que esses documentos apenas poderiam ser admitidos enquanto elementos de prova com referência à alegação da Fazenda Pública sobre a matéria em discussão nos autos.
IV) Ora, sobre a questão da gerência de facto, a Fazenda Pública não alegou qualquer facto sobre a realidade que envolve os autos, o que significa que, não se colocando qualquer situação de ocorrência posterior, os documentos em crise são imprestáveis para o efeito visado, dado que, nada foi alegada no domínio apontado, o que impõe a eliminação desses elementos do probatório, porquanto, nos termos do disposto no disposto no artigo 264º nº 2 do Código de Processo Civil, o juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes e esta regra vale também no direito processual tributário, como decorre dos artigos 99º nº 1, da Lei Geral Tributária e 13º nº 1, parte final, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
V) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
J..., devidamente identificado no autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 19-10-2012, que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo mesmo na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução originariamente instaurada contra a sociedade “Garagem N…, Lda.”, e contra si revertida, por dívidas de I.S.P. à Alfândega de Braga da DGAIEC, referentes aos anos de 2000 a 2003.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 232-265), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1ª O Recorrente não é responsável pelo pagamento da quantia exequenda em dívida nestes autos, porquanto não exercia funções de gerente de facto na sociedade em causa.
2º O recorrente desconhecia, à data dos factos, se o gasóleo colorido era vendido, ou não, a quem fosse titular dos cartões com microcircuito, porquanto o recorrente nunca tratou diretamente desse tipo de assuntos.
3º O recorrente apenas se tornou sócio da Garagem N… em Julho de 1998, e a alegada venda irregular de combustíveis já se verificava desde 01.10.97, pelo que a venda ilegal de combustível não lhe é imputável!
4ª Consideramos que, atentos os circunstancialismos do caso, a prova testemunhal que foi feita e as demais considerações jurídicas que se aludiram, não se encontram preenchidos os pressupostos relativos ao exercício de facto da gerência por parte do recorrente e relativamente à alegada venda irregular de combustíveis, que, inclusive, já se verificava desde 01.10.97.
5º Pensamos, com o devido respeito, que o recorrente provou, em suma, que apesar de ser sócio nominal da sociedade Executada originária, a verdade é que nela nunca exerceu quaisquer funções como gerente da mesma, máxime funções que contendam com a alegada venda irregular de combustíveis.
6º Julgamos fundamental o depoimento da testemunha Jo..., que confirmou que desde que passou a exercer funções de TOC na sociedade executada, nunca tinha qualquer contacto com o oponente, pois a gestão do posto sempre estivera a cargo do seu sócio, esclarecendo ainda que o único acto espontâneo do recorrente como gerente da sociedade, foi quando, em 2004 o posto foi encerrado e aí começou a “dar a cara”, coisa que até então nunca tinha feito, já que o seu sócio simplesmente desaparecera.
7º Quanto à prova documental, consideramos que os documentos juntos não são congruentes e susceptíveis de firmar a convicção ao Tribunal de que a gerência foi de facto relativamente à venda ilegal do gasóleo colorido, até porque são documentos não correlacionados com os factos que aqui se discutem, e que manifestam, no máximo, uma prática isolada.
8º Ora, em abono, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 2 de Fevereiro de 2012, Processo 00273/09.3BEPNF, veio informar, em suma, que “para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados praticados pelo Oponente (neste sentido, cfr. igualmente o Ac. do TCA-N de 11-03-2010, proferido no processo n.º 00349/05.6BEBRG).
9ª Um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade (Cfr. Acórdão do TCA Norte de 12.20.2011, proferido no processo 00639/04.5BEVIS).
10º Mais: a circunstância do pacto social da sociedade em causa estipular a necessidade da assinatura de dois sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido no que ao caso diz respeito, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, e isto porque o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de Junho de 2010, Processo 03846/10, veio considerar que “a circunstância do revertido ser um dos dois gerentes nomeados, cujas assinaturas conjuntas constituíam requisito indispensável para obrigar a sociedade, executada originária, não constitui indício seguro e bastante à presunção “hominis” do exercício efectivo do cargo”
11º O recorrente continua a discordar em absoluto da junção dos documentos, efetuada pela Administração Tributária e Aduaneira, que considera tardia, pelos motivos que já melhor aludiu.
12ª Consideramos que a matéria constante dos quesitos 11 a 13 da base instrutória deve ser considerada irrelevante, constituindo-se como prova não capaz e suficiente de gerar a convicção de que se encontram preenchidos os pressupostos relativos ao exercício de facto da gerência.
13º A jurisprudência (cfr. p. ex. Ac. do STA de 02-03-2011, proferido no processo n.º 0944/10) tem entendido que o ónus da demonstração do exercício efectivo da gerência cabe à Administração Tributária e que tal demonstração deverá ser feita mediante a exposição de factos que a demonstrem, no próprio despacho de reversão, o que in casu não aconteceu. (cfr. p. ex. Ac. do TCA-N de 08-04-2010, proferido no processo n.º 00351/05.8BEBRG).
14ª De facto, na altura, a Fazenda Pública limitou-se a verificar documentalmente a qualidade de gerente nominal do obrigado subsidiário, e, constatada a qualidade de gerente de direito, limitou-se a propor a reversão da execução, sem alegar e provar um único facto que pudesse demonstrar o exercício efetivo e de facto da gerência da “Garagem N…, Lda” por parte do ora requerente.

15ª A Fazenda Pública não goza de qualquer presunção legal no sentido de que a gerência de direito faz presumir a gerência de facto, pelo que não gozando de qualquer presunção legal (como ocorre com a “culpa” à luz do art. 13º CPT e art. 24º n.º 1 b) LGT) aplica-se a regra geral em matéria de ónus da prova: “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da gerência tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. (Cfr. art.º 74º, n.º 1 da LGT
16º Daí se concluir que não gozando a Fazenda Pública de qualquer presunção legal, cabia-lhe alegar e demonstrar, factos que comprovem o exercício de facto da gerência pelo aqui recorrente, sobretudo logo quando citou o recorrente do processo de reversão, o que não fez.
17ª Assim, a Fazenda Pública desleixou, aquando o despacho de reversão, o dever de prova (cfr. art.74º, n.º 1 da LGT) a par do dever geral de fundamentação (cfr. arts. 23º, n.º 4 e 77º da LGT), pelo que é desde logo ilegal o Despacho de Reversão, quer pela violação clara do dever de fundamentação, quer pela inexistência dos pressupostos formais legitimantes da presente reversão (Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11-03-2010, Processo n.º 00349/05.6BEBRG).
18º Os documentos que tardiamente foram juntos pela Administração Fiscal, e já muito depois do despacho de reversão, não têm a virtualidade de abalar a prova que foi produzida a favor do recorrente, porquanto se tratam de documentos não correlacionados com a questão sub judicio, o que tudo determina a ilegalidade da reversão.
20ª É assertivo, à luz da prova produzida, que a AT não demonstrou qualquer circunstância de facto apta a permitir inferir a gerência do recorrente em qualquer daqueles referidos anos de 2000, 2002 e 2003, e com referência aos factos do caso sub judice, o que, acarreta, necessariamente, que, no caso vertente, se conclua pela inverificação dos pressupostos legais à responsabilização subsidiária da recorrente, enquanto gerente da executada originária, sendo, por isso, aliás, parte ilegítima para a execução.
Sem prescindir,
21ª Nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, a responsabilidade subsidiária prevista na LGT, assenta num critério de culpa subjetiva, baseada na ligação umbilical entre as funções desenvolvidas e a falta de pagamento das obrigações fiscais.
22ª No caso, e como se demonstrou, inexiste qualquer culpa do recorrente na falta de pagamento da dívida exequenda em débito, pois: o recorrente só era gerente de capital, e apenas assim se tornou tendo em vista um retorno de investimento, não tem qualquer responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações tributárias da originária devedora, a falta de pagamento da taxa de ISP não decorre de atos da sua gestão, o recorrente não tem sequer os conhecimentos necessários inerentes ao funcionamento de um posto de gasolina e não tem conhecimento das obrigações fiscais inerentes à comercialização de produtos petrolíferos.
23ª Em cumulação, entendemos que o despacho de reversão que foi produzido pela Administração Tributária padece de inconstitucionalidade por violação da reserva de jurisdição dos Tribunais, preceituada no art.º 202º da CRP, e tudo pelas razões que melhor explicamos e por consideração aos ensinamentos produzidos pelo douto aresto do Supremo Tribunal Administrativo de 26.01.05, Proc. 01890/03, sob pena de vício de usurpação de poder.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida na parte aqui impugnada ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo a costumada e boa JUSTIÇA.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em apreciar o julgamento da matéria de facto, tendo presente o momento da junção de documentos efectuada pela Recorrida e em saber se o ora Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1) Corre termos no SF de Finanças de Vila Real, o PEF nº 2496200401501640 e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade “GARAGEM N..., LDA” (N.I.P.C. 5…), no qual se encontram em execução dívidas relativas a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos de 2000 a 2003, no valor global de € 130.759,54 - cfr. fls. 20 a 23 dos autos.
2) As dívidas em execução resultam de liquidações emitidas pela DGAIEC - Alfandega de Braga, na sequência de procedimento inspectivo à sociedade Garagem da N..., Lda., na qual se concluiu ter esta sociedade procedido à venda irregular de 584.52060 litros de gasóleo coloridos e marcado no período posterior a 2000 - fls. 22 a 28 dos autos;
3) Em 16.03.2005, foi lavrado auto de diligências no qual se dá conta do não cumprimento do mandado de penhora, sendo referido, entre o mais afim de darmos execução ao mandado de penhora retro, verificamos não podê-lo cumprir por não encontrarmos bens alguns nem nos constar que os possua em qualquer parte da área deste concelho.” - fls. 31 dos autos;
4) Por despacho de 09.05.2005, foi determinada a reversão das dívidas exequendas contra a aqui Oponente, com os fundamentos constantes de fls. 40 dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
5) O Oponente foi citado para a execução em 12.05.2005 – cfr. fls. 41 e 42 dos autos.
6) A petição de Oposição foi remetida ao Serviço de Finanças de Vila Real, via fax, em 14.06.2005 - fls. 14 dos autos.
7) O Oponente explora há muitos anos, uma oficina de reparação automóvel que gira sob a designação Garagem N…, em Lordelo.
8) O Oponente deslocava-se diariamente a esta oficina, aí contactando com clientes, fornecedores, tratando de documentos e supervisionando o trabalho de oficina.
9) Não era o Oponente quem, no posto de combustível explorado pela sociedade Executada originária, abastecia os carros nem quem cobrava o dinheiro dos combustíveis.
10) O Oponente tornou-se sócio da sociedade executada em Julho de 1998.
11) Em 18 de Dezembro de 2000, entre S… (PORTUGAL) Comercialização e Distribuição de Café, S.A. e a sociedade executada Garagem N…, LDA, foi assinado um “ADITAMENTO AO CONTRATO DE FORNECIMENTO Nº 98/NG/540186”, dele constando a assinatura do aqui Oponente, na qualidade de membro da gerência da sociedade executada - cfr. fls. 116 e 117 dos autos.
12) Em 15 de Julho de 2002, entre S… (PORTUGAL) Comercialização e Distribuição de Café, S.A. e a sociedade executada Garagem N..., LDA, foi assinado um “ADITAMENTO AO CONTRATO DE FORNECIMENTO Nº 98/NG/540186”, dele constando a assinatura do aqui Oponente, na qualidade de membro da gerência da sociedade executada - cfr. fls. 118 a 121 dos autos.
13) Em 27 de Novembro de 2002, entre C… - PORTUGUESA PETRÓLEOS, S.A., GARAGEM N…, H… e J…, um “ACORDO DE PAGAMENTOS”, intervindo o Oponente nesse acto, conjuntamente com o outro sócio gerente, em representação da sociedade e, bem assim na qualidade de FIADOR e principal pagador - cfr. fls. 123 a 126 dos autos.
FACTOS NÃO PROVADOS
Para além da matéria dada como provada, não se provou a demais matéria alegada pelas partes.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção tendo por base os documentos juntos aos autos, devidamente identificados por referência a cada um dos factos dados como provados, e bem assim na prova testemunhal que foi oferecida.
Relativamente à prova testemunhal produzida, valorou este Tribunal os depoimentos prestados por J…, chapeiro, empregado do Oponente e genro deste, bem como o depoimento prestado pela testemunha Jo..., Técnico Oficial de Contas da sociedade Garagem N…, LDA, por os mesmos terem sido prestados com espontaneidade e desapego, mostrando-se os mesmos coerentes e credíveis.
Esta prova foi valorada para que o Tribunal tivesse formado uma convicção positiva quanto à matéria que consta 7) a 10) da matéria de facto dada como provada.”
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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, a questão essencial suscitada pela recorrente resume-se, em suma, em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

Não se olvida que o Recorrente questiona também o julgamento da matéria de facto, por referência aos elementos vertidos no probatório em função dos documentos juntos pela ora Recorrida com as alegações apresentadas nos termos do art. 120º do CPPT.

No entanto, a relevância desta matéria depende do enquadramento da realidade em apreço, de modo que, importa já avançar para a questão substancial em análise nos autos, procedendo, a seu tempo, à consideração do exposto pelo Recorrente no domínio acima apontado
A partir daqui, cumpre notar que na sentença recorrida, foi entendido, além do mais, que:
“…
Da matéria de facto dada como provada resultou que o aqui Oponente, não obstante não se encontrar diariamente na empresa posto acompanhar diariamente a actividade da outra sociedade de que era gerente (Garagem N..., LDA), assinou documentos relativos à actividade da sociedade originária devedora, vinculando assim a sociedade, e através da oposição da sua assinatura e pelo próprio punho, perante terceiros.
Com efeito, da prova produzida foi detectada a assinatura de vários contratos e em vários períodos temporais (2000, 2002), nos quais o Oponente intervém, conjuntamente com o outro gerente nomeado, em representação da sociedade.
Por outro lado, não pode também deixar de ser valorado o facto de o Oponente, ter assinado, um “acordo de pagamento” com a C..., SA, no ano de 2002, no qual ficavam assentes entre as partes as modalidades de pagamento de dívidas da sociedade perante a C..., tendo o Oponente, aí se identificando como gerente, prestado garantia pessoal para cumprimento da obrigação em falta por parte da sociedade.
Ora, este último circunstancialismo, indicia uma maior ligação, envolvimento e empenho do Oponente nos negócios da sociedade, posto, atentas as regras da vida, não se mostrar condicente com a tese de ser Oponente um mero sócio de capital, apresentando-se aí como fiador e principal garante do cumprimento das obrigações da sociedade, atitude esta que, à luz das regras da experiência) não se coaduna com a postura de alguém distanciado e desinteressado dos negócios da sociedade para a qual se encontra nomeado como gerente.
Portanto, resultou provado que o aqui Oponente vinculou a sociedade mediante a sua intervenção em diversos actos jurídicos, factualidade que consubstancia, em si mesma, um efectivo exercício dos poderes jurídicos resultantes da sua nomeação para a gerência da sociedade originária devedora e que lhe seriam transmitidas informações quanto à actividade da empresa, circunstancialismo que evidencia a ligação do Oponente à sociedade, não obstante não ser presença habitual nas instalações da empresa, e que permite concluir pelo efectivo exercício das funções de gerente, atenta a demonstração da prática de actos juridicamente vinculantes para a sociedade.
Conclui-se, assim, pela verificação do pressuposto relativo ao exercício, também de facto, da gerência por parte do Oponente, mostrando-se, quanto a este requisito, legitimada a reversão.
Nestes termos, e tendo presente que o Oponente não põe em crise a verificação dos demais pressupostos legais de que depende a reversão das dividas em execução (e de tal matéria não poderá o tribunal, de oficio, conhecer, atenta a falta de norma legal que a tal o habilite), improcede, nesta parte o fundamento de ilegitimidade do Oponente, que vem invocado.
A terminar, cabe ainda uma derradeira palavra no que tange à invocação do Oponente, de ser estranho aos eventuais fundamentos que subjazem à liquidação de ISP cuja dívida veio posteriormente a ser dada à execução, por tal matéria se revelar estranha aos pressupostos juridicamente relevantes para efeitos de reversão das dívidas tributárias, dado tal circunstancialismo, por si só e em abstracto, não se revelar apto a permitir uma conclusão positiva seja quanto à não imputabilidade ao revertido do não pagamento da dívida em execução quer quanto à situação de insuficiência patrimonial e respectiva culpa por tal circunstancialismo. …”.
Nas alegações, o Recorrente insiste que não é responsável pelo pagamento da quantia exequenda em dívida nestes autos, porquanto não exercia funções de gerente de facto na sociedade em causa, sendo que demonstrou que, apesar de ser sócio nominal da sociedade Executada originária, a verdade é que nela nunca exerceu quaisquer funções como gerente da mesma, máxime funções que contendam com a alegada venda irregular de combustíveis, apontando para o depoimento da testemunha Jo..., que confirmou que desde que passou a exercer funções de TOC na sociedade executada, nunca tinha qualquer contacto com o oponente, pois a gestão do posto sempre estivera a cargo do seu sócio, esclarecendo ainda que o único acto espontâneo do recorrente como gerente da sociedade, foi quando, em 2004 o posto foi encerrado e aí começou a “dar a cara”, coisa que até então nunca tinha feito, já que o seu sócio simplesmente desaparecera, verificando-se que quanto à prova documental, consideramos que os documentos juntos não são congruentes e susceptíveis de firmar a convicção ao Tribunal de que a gerência foi de facto relativamente à venda ilegal do gasóleo colorido, até porque são documentos não correlacionados com os factos que aqui se discutem, e que manifestam, no máximo, uma prática isolada, além de que continua a discordar em absoluto da junção dos documentos, efectuada pela Administração Tributária e Aduaneira, que considera tardia, pelos motivos que já melhor aludiu e, nesta medida, a matéria constante dos quesitos 11 a 13 da base instrutória deve ser considerada irrelevante, constituindo-se como prova não capaz e suficiente de gerar a convicção de que se encontram preenchidos os pressupostos relativos ao exercício de facto da gerência.
Depois, a jurisprudência (cfr. p. ex. Ac. do STA de 02-03-2011, proferido no processo n.º 0944/10) tem entendido que o ónus da demonstração do exercício efectivo da gerência cabe à Administração Tributária e que tal demonstração deverá ser feita mediante a exposição de factos que a demonstrem, no próprio despacho de reversão, o que in casu não aconteceu. (cfr. p. ex. Ac. do TCA-N de 08-04-2010, proferido no processo n.º 00351/05.8BEBRG), pois que, na altura, a Fazenda Pública limitou-se a verificar documentalmente a qualidade de gerente nominal do obrigado subsidiário, e, constatada a qualidade de gerente de direito, limitou-se a propor a reversão da execução, sem alegar e provar um único facto que pudesse demonstrar o exercício efetivo e de facto da gerência da “Garagem N..., Lda” por parte do ora requerente, daí se concluir que não gozando a Fazenda Pública de qualquer presunção legal, cabia-lhe alegar e demonstrar, factos que comprovem o exercício de facto da gerência pelo aqui recorrente, sobretudo logo quando citou o recorrente do processo de reversão, o que não fez.
Os documentos que tardiamente foram juntos pela Administração Fiscal, e já muito depois do despacho de reversão, não têm a virtualidade de abalar a prova que foi produzida a favor do recorrente, porquanto se tratam de documentos não correlacionados com a questão sub judicio, o que tudo determina a ilegalidade da reversão.
É assertivo, à luz da prova produzida, que a AT não demonstrou qualquer circunstância de facto apta a permitir inferir a gerência do recorrente em qualquer daqueles referidos anos de 2000, 2002 e 2003, e com referência aos factos do caso sub judice, o que, acarreta, necessariamente, que, no caso vertente, se conclua pela inverificação dos pressupostos legais à responsabilização subsidiária da recorrente, enquanto gerente da executada originária, sendo, por isso, aliás, parte ilegítima para a execução.
Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos de 2000 a 2003, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.
Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Antes de avançar, crê-se pertinente aludir ao exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.
A partir daqui, e independentemente da análise que venha ser feita da questão suscitada nos autos, não pode acompanhar-se a tese da Recorrente quando, no âmbito do seu discurso, coloca em crise neste âmbito o despacho de reversão, referindo que, na altura, a Fazenda Pública limitou-se a verificar documentalmente a qualidade de gerente nominal do obrigado subsidiário, e, constatada a qualidade de gerente de direito, limitou-se a propor a reversão da execução, sem alegar e provar um único facto que pudesse demonstrar o exercício efectivo e de facto da gerência da “Garagem N..., Lda.” por parte do ora requerente, daí se concluir que não gozando a Fazenda Pública de qualquer presunção legal, cabia-lhe alegar e demonstrar, factos que comprovem o exercício de facto da gerência pelo aqui recorrente, sobretudo logo quando citou o recorrente do processo de reversão, o que não fez.
Com efeito, como se colhe do aresto agora descrito, que traduz jurisprudência do Pleno do S.T.A., não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência, não podendo proceder a alegação do Recorrente quanto a este ponto.
Nesta sequência, e sendo consequente com o exposto, cabe indagar da posição assumida pela AT quanto a esta matéria no âmbito da contestação presente nos autos.
Pois bem, na sua contestação, que tem apenas 8 artigos, a AT alega que:
3º Pese embora a precedente informação, o oponente reconhece, de forma expressa, que exerceu, por um período que não especifica, as funções de sócio-gerente da executada originária, mais esclarecendo que a decisão de adquirir uma participação social da executada originária foi concretamente motivada, numa óptica de investimento, pela participação nos lucros de exploração eventualmente decorrentes do exercício daquela.
4º Ora, o oponente, justificando o seu alegado alheamento dos destinos da sociedade executada, com o mero exercício paralelo de uma outra actividade de prestação de serviços, nada acrescenta de relevante que permita decisivamente abalar a sua responsabilidade material de gestor criterioso e diligente.
5º Sendo ainda certo que, quer na letra quer no espírito da norma ínsita no artigo 78º do Código das Sociedades Comerciais, cabe aos gerentes, nominais ou materiais, a responsabilidade da prática, de todos os actos tendentes à protecção dos credores sociais, com respeito pelo respectivo objecto social. …”.
Com este pano de fundo, sendo ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência, é manifesto que a presente oposição deveria ter sido julgada de imediato procedente, dado que, se é certo que não é necessário que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, tal situação não se estende para lá do momento acima apontado, ou seja, em sede de contestação, a AT teria de enumerar os tais factos concretos que evidenciam o apontado exercício de funções de gerente por parte do ora Recorrente.
Isto significa que assiste total razão a este último quando discute a oportunidade da junção de documentos efectuada pela FP em sede de alegações.
Neste ponto, o art. 523º nº 1 do C. Proc. Civil (actual art. 423º) refere que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes e se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado - nº 2 do artigo 523º do C. Proc. Civil ( o actual normativo admite a junção de documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ).
Ora, no caso presente, não está em causa a possibilidade de junção de documentos, na medida em que é a apresentação de alegações que constitui o encerramento da discussão da causa na 1.ª instância (artigo 120.º do CPPT) o termo final do prazo para apresentação de documentos em 1.ª instância, a questão está em que esses documentos apenas poderiam ser admitidos enquanto elementos de prova com referência à alegação da Fazenda Pública sobre a matéria em discussão nos autos.
Pois bem, sobre a questão da gerência de facto, a Fazenda Pública não alegou qualquer facto sobre a realidade que envolve os autos, o que significa que, não se colocando qualquer situação de ocorrência posterior, os documentos em crise são imprestáveis para o efeito visado, dado que, nada foi alegada no domínio apontado, o que impõe a eliminação dos pontos 11) a 13) do probatório, porquanto, nos termos do disposto no disposto no artigo 264º nº 2 do Código de Processo Civil, o juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes e esta regra vale também no direito processual tributário, como decorre dos artigos 99º nº 1, da Lei Geral Tributária e 13º nº 1, parte final, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, além de que tem-se entendido que a resposta à matéria de facto, na parte em que incida sobre matéria de facto não alegada directamente ou por remissão para documentos, designadamente os que componham o processo administrativo, deve ser «considerada não escrita, o que pode ser oficiosamente declarado pela Relação, sem necessidade de anulação e repetição do julgamento» (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., pág. 292). Trata-se de um entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm extraído da solução legal adoptada no artigo 646º nº 4, do Código de Processo Civil, para situações semelhantes.
Termos em que se decide considerar não escrita a resposta à matéria de facto que integra os pontos 11) a 13) dos factos provados.

Avançando, em função da realidade vertida no probatório, é ponto assente que:
“7) O Oponente explora há muitos anos, uma oficina de reparação automóvel que gira sob a designação Garagem N..., em Lordelo.
8) O Oponente deslocava-se diariamente a esta oficina, aí contactando com clientes, fornecedores, tratando de documentos e supervisionando o trabalho de oficina.
9) Não era o Oponente quem, no posto de combustível explorado pela sociedade Executada originária, abastecia os carros nem quem cobrava o dinheiro dos combustíveis.
10) O Oponente tornou-se sócio da sociedade executada em Julho de 1998.”
Desde logo, e numa primeira linha de análise, temos de ter presente que a presunção a que alude o art. 11º nº 3 do Código do Registo Comercial tem o seu efeito limitado à situação jurídica e não abrange a situação fáctica que lhe subjaz no que diz respeito ao efectivo exercício dos poderes correspondentes à detenção da posição jurídica de gerente.

Depois, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra o ora Recorrente ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que o Oponente foi gerente de facto da sociedade.

Com efeito, para além da nomeação do ora Recorrente como gerente, tal como Humberto Seixas de Carvalho, sendo que para obrigar a sociedade era necessária a assinatura conjunta dos dois gerentes, nada consta dos autos, nem foi alegado em tempo oportuno pela AT, sendo que em sede de petição inicial quando refere que exerceu as funções de sócio gerente da Garagem N... por um determinado período, o ora Recorrente está a referir-se à gerência nominal, pois que, logo a seguir, aponta que era apenas um sócio de capital na medida em que a sua actividade profissional era, e é, desde há muito tempo, a de reparação de automóveis.

Quanto ao elemento apontado, este não se revela decisivo, na medida em que, embora estivesse estabelecida a referia forma de obrigar a sociedade no sentido de assegurar o giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura dos dois sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado.

Isto porque a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.

A partir daqui, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrente, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora Recorrente, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte do Recorrente, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT, sendo que, como logo se fez notar, a posição da AT está comprometida ab initio, a partir do momento em que desprezou em sede de contestação a alegação dos factos capazes de evidenciarem a apontada gerência de facto, a qual se traduz numa conclusão que deverá ser extraída a partir da análise da realidade factual que envolve a situação, neste caso, do aqui Recorrente, situação que a AT negligenciou de forma fatal, o que impõe a conclusão de que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso, com a consequente procedência da presente oposição.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a presente oposição à execução fiscal, com a consequente extinção da execução e aps. a que se alude nos autos no que concerne às dívidas descritas (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos de 2000 a 2003).
Custas pela Recorrida apenas em 1ª instância.
Notifique-se. D.N..
Porto, 15 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves