Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01241/16.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Mário Rebelo
Descritores:PRESCRIÇÃO DE DÍVIDAS À SEGURANÇA SOCIAL
INTERRUPÇÃO COM EFEITO DURADOURO E INSTANTÂNEO
Sumário:1. O prazo de prescrição aplicável às dívidas à segurança social é de 5 anos.
2. O n.º 3 do art. 49º LGT é de aplicação subsidiária às dívidas da segurança social, com adaptações.
3. Os factos interruptivos da prescrição das dívidas tributárias elencados no n.º 1 do artigo 49.º da LGT têm todos eles efeito duradouro.
4. Alguns factos interruptivos da prescrição das dívidas à segurança social, - como a notificação para audiência prévia -, têm efeito meramente instantâneo.
5. A limitação a uma das interrupções da prescrição das dívidas à segurança social apenas vale para as que têm o efeito duradouro.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:H...
Recorrido 1:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

H…, melhor identificado nos autos, recorre da sentença proferida em 7/6/2017 pelo MMº juiz do TAF de Aveiro que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho que lhe indeferiu o pedido de declaração de prescrição das dívidas, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

A - A douta sentença sob recurso pronuncia-se pela manutenção do despacho do órgão de execução fiscal.
B - A sentença pronuncia-se sobre a Reclamação até data de 18/11/2016.
C - Salvo o devido respeito e com a devida vénia, considerando, os argumentos, mais fundamentados e o contributo para o processo, por parte da Segurança Social, o que não teve para com o Recorrente, a Segurança Social, esclarece, o Tribunal a quo com informações e fundamentos, que não teve para com a Recorrente.
D - Contudo, não fez uso da disposição a que está obrigada nos termos do artº 175º do CPPT, de considerar prescritos os processos evidenciados em 5, 6 e 7 deste Recurso, como é sua obrigação, poder-dever e não mera faculdade.
E - O processo executivo fiscal por dívidas à Segurança Social é regulado em todas as suas fases pelo CPPT, artº 148º e ss. e, de acordo com o artº 103º da LGT é um processo judicial.
F - Nestes termos, os processos com as respectivas quantias exequendas sob recurso estão prescritas, devendo ser extintos por prescrição.
G - Pelo que, deve ser revogada, a sentença sob recurso, para que deste modo, se faça a boa justiça.
Nestes termos e nos demais de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente declaração de procedência da extinção por prescrição das processos supra evidenciados, com todas as consequências legais.

CONTRA ALEGAÇÕES.
A recorrida contra alegou e, sem conclusões, pugnou pela improcedência do recurso.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 657º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença recorrida errou ao não julgar prescritas as dívidas de contribuições à Segurança Social reclamadas no processo de execução fiscal n.º 00101200701009150 e apensos.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
A) Por dívidas relativas a Contribuições e Cotizações de Trabalhador Independente foram instaurados na Secção de Processos de Aveiro contra o aqui reclamante H… nºs 0101200701009150 (2005/11 a 2006/12, EUR 7 998,97) e apensos 0101200701052284 (2007/01 a 2008/12, EUR 779,00), 0101200900072370 (2008/03 a 2008/12, EUR 2 249,28), 0101200900072389 (2008/03 a 2008/12, EUR 4 856,42), 0101201000068810 (2002/02 a 2004/09 e 2009/08 a 2010/01, EUR 2 188,74 não estando a ser exigidas dívidas anteriores relativas a 2002 a 2004, conforme valores a zero constantes da notificação) e 0101201000068829 (2002/09 a 2004/09 e 2009/08 a 2010/01, EUR 4 709,54, não estando a ser exigidas dívidas anteriores relativas a 2002 a 2004, conforme valores a zero constantes da notificação), tudo no montante global de EUR 22 781,95 (fls. 4 a 5 39 a 42 e 60 a 63 dos Autos);
B) As citações nos processos identificados em A) ocorreram respectivamente em 16/04/2007 (0101200701009150), 28/05/2007 (0101200701052284), 26/06/2009 (0101200900072370 e 0101200900072389) e 30/03/2010 (0101201000068810 e 0101201000068829) (fls. 115 dos Autos e admitido);
C) Em 10/05/2007, 14/06/2007, 15/07/2009 16/12/2009 e 30/03/2011 o Reclamante apresentou 5 pedidos de pagamento da dívida exequenda em prestações englobando os supra identificados processos que lhe foram deferidos em 05/11/2007, 05/11/2007, 15/07/2009, 16/12/2009 e 05/12/2011 e ulteriormente rescindidos por incumprimento (fls. 10 a 14, 45 a 49, 54, e 68 a 70 dos Autos e admitido);
D) O último pagamento efectuado pelo Reclamante ao abrigo do plano prestacional identificado em C) ocorreu em 11/07/2014 (fls. 80 dos Autos). E) Em 20/05/2016 o Reclamante foi notificado para proceder ao pagamento das quantias em dívida onde se incluíam os processo identificados em A) (fls. 82 a 86 dos Autos);
F) Tendo apresentado requerimento em 02/06/2016 invocando já ter pago alguns dos valores incluídos na notificação e certidão actualizada das dívidas ainda pendentes (fls. 77 a 101 dos Autos);
G) Por despacho datado de 09/11/2016 foi declarada a não prescrição da dívida, considerado o efeito duradouro da interrupção da contagem do prazo prescricional determinado pelas citações ocorridas em 16/04/2007 (0101200701009150), 28/05/2007 (0101200701052284), 26/06/2009 (0101200900072370 e 0101200900072389) e 30/03/2010 (0101201000068810 e 0101201000068829) (fls. 102 a 108 dos Autos);
H) Apresentando a presente Reclamação em 18/11/2016 (fls. 109 dos Autos);
I) Da notificação identificada em F) constam as exequendas em dívida de, respectivamente EUR 380,31, 432,80, 2 092,85, 4 518,56, 693,00 e 1 496,26 EUR e Juros de Mora de EUR 565,68, 202,46, 1 251,59, 2 705,93, 351,77 e 759,01, tudo no montante global de EUR 15 450,22 – valor reclamado (fls. 103 a 105 dos Autos).
Não se provaram outros factos relevantes para a decisão a proferir. IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O Contribuinte deduziu reclamação contra o despacho proferido pelo IGFSS que lhe negou o reconhecimento da prescrição das dívidas exigidas em vários processos de execução fiscal alegando, no essencial, que tendo sido citado para a execução em 16/4/2007, 28/5/2007, 26/6/2009 (dois processos), e 30/3/2010 (dois processos) todos os processos estão prescritos.
Sustenta ainda que não é legalmente admissível a atribuição de eficácia duradoura à interrupção decorrente da citação por não se poder invocar a analogia para aplicar normas como as do art.º 323º a 327º do Código Civil, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária e reserva de lei formal.
Além disso, defende que a notificação viola o princípio da legalidade, bem como a garantia dos contribuintes em conformidade com o n.º 2 do art.º 103º da CRP.

Respondendo, disse o IGFSS que o Reclamante celebrou acordos de pagamento em prestações para regularização das dívidas e legais acréscimos, o que foi interrompido por falta de pagamento e que as citações ocorridas no processo de execução fiscal tiveram como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente e que o prazo de prescrição legal se suspende em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas.

O MMª juiz julgou improcedente a Reclamação quanto às duas causas de pedir invocadas.

Concretamente, na parte respeitante à prescrição, o raciocínio do MMº juiz incidiu sobre a dívida mais antiga – relativa a novembro de 2005 que teria de ser paga até 15 de dezembro do mesmo ano -, pelo que o prazo prescricional de cinco anos se consumaria em 15 de dezembro de 2010, caso não ocorressem factos interruptivos ou suspensivos da prescrição.
Mas em 16/4/2007 ocorreu a citação para a execução que constitui um acto de natureza interruptiva com efeito duradouro.

Depois, louvando-se no ac. do STA n.º 0984/16 de 12/10/2016, distingue os actos interruptivos com efeito instantâneo (qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida – art.º 63º n.º 3 da Lei n.º 17/2000.) e a queles que têm efeito interruptivo duradouro como é o caso da citação para a execução. O efeito interruptivo duradouro resultante da citação implica que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art.º 327º/1 do Código Civil).
Ora, tendo a citação ocorrido em 16/4/2007 interrompeu-se nessa data a prescrição. E essa interrupção tem efeito duradouro significando que a prescrição não ocorreu até ao presente. Isto para além de o prazo também ter sido suspenso na sua contagem pelo deferimento dos planos prestacionais de pagamento, o último dos quais deferido em 05/12/2011.

Adiantemos desde já que sentença decidiu bem e nenhuma censura nos merece.

Com efeito, o prazo de prescrição aplicável às dívidas à segurança social é de 5 anos, as quais são objecto de disciplina especial em relação às demais dívidas tributárias no que ao prazo e factos interruptivos da prescrição respeita (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 49.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, os n.ºs 3 e 4 do artigo 60.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro e os n.ºs 1 e 2 do artigo 187º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro).

O n.º 3 do art. 49º LGT é de aplicação subsidiária às dívidas da segurança social, porquanto a especialidade do regime da prescrição das dívidas à segurança social respeita apenas ao prazo (5 anos e não 8), respectivo “dies a quo” (a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida) e factos interruptivos (quaisquer diligências administrativas, realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducentes à liquidação ou à cobrança bem como, desde a entrada em vigor do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, a apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação), sendo de aplicar as regras da LGT no que não está especialmente regulado atenta a vocação desta Lei para regular a generalidade das relações jurídico-tributárias, afirmada no seu artigo 1.º (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2.ª ed., 2010, p. 126).

Só assim não seria se o legislador, no domínio da Segurança Social, (i) tivesse afastado a aplicação dessa norma, o que não fez - nem quando aprovou a Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007), nem quando aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, cuja aprovação e entrada em vigor ocorreram já após a alteração ao artigo 49.º n.º 3 da LGT introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 -, ou se (ii) o regime especial previsto para tais obrigações fosse incompatível com a aplicação da norma do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, o que não é o caso porquanto o facto de no domínio da segurança social serem factos interruptivos da prescrição quaisquer diligências administrativas tendentes à liquidação ou à cobrança da dívida de que seja dado conhecimento ao responsável pelo pagamento apenas significa que o legislador se dispensou de, em concreto, as enumerar, preferindo utilizar como técnica legislativa uma cláusula geral, ou, finalmente, se se (iii) descortinassem razões pelas quais se fosse levado a entender que o regime que vale para a generalidade das obrigações tributárias desde 1 de Janeiro de 2007 não deve valer igualmente para as dívidas à segurança social, o que também se não descortina Seguimos de perto o douto acórdão do STA n.º 01500/14 de 20-05-2015 Relator: ISABEL MARQUES DA SILVA.

Acresce que sempre entendeu a jurisprudência, que os n.ºs 2 e 3 do artigo 48.º da LGT, bem como o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, revogado pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro, são disposições subsidiariamente aplicáveis às dívidas à Segurança Social, em conformidade, aliás, com o âmbito de aplicação que a LGT define para si própria (cfr. o seu artigo 1.º) e com a natureza jurídica tributária das dívidas à segurança social – cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STA de 12 de Abril de 2012, rec. n.º 115/12, de 9 de Maio de 2012, rec. n.º 282/12 e de 31 de Outubro de 2012, rec. n.º 761/12.

Por conseguinte, a norma do n.º 3 do artigo 49.º da LGT é aplicável à interrupção da prescrição das dívidas à segurança social, embora com adaptações.

Enquanto os factos interruptivos da prescrição das dívidas tributárias elencados no n.º 1 do artigo 49.º da LGT têm todos eles efeito duradouro (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., pp. 57/58 e 69/72), assim não é quanto aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à segurança social, alguns dos quais - como a notificação para audiência prévia -, têm efeito meramente instantâneo, enquanto outros têm também efeito duradouro (como a citação para a execução, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil).

Daí que, por paridade de razões com o que se verifica para as demais dívidas tributárias, se entende que a limitação a uma das interrupções da prescrição das dívidas à segurança social apenas vale para as que têm o efeito duradouro de impedir que novo prazo comece a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

No caso dos autos, a primeira interrupção da prescrição de que os autos dão notícia foi a que ocorreu com a citação em 16/4/2007 (no processo de execução fiscal n.º 101200701009150, nos outros a citação verificou-se posteriormente).

Com esta interrupção, inutilizou-se para a prescrição todo o tempo anteriormente decorrido, não começando novo prazo de prescrição a correr enquanto não findar o processo executivo no qual aquela interrupção se verificou (art. 327º/1 do Código Civil, que não é aplicável por analogia, mas sim, quando muito, subsidiariamente).

Assim sendo, parece claro que a dívida exequenda mais antiga reclamada nos processos de execução fiscal não está prescrita, sendo irrelevante determinar se o prazo de prescrição se suspendeu em virtude do deferimento de planos prestacionais de pagamento das dívidas porque o efeito duradouro da interrupção da prescrição impede o início de novo prazo de prescrição enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art. 327º/1 do Código Civil).
E se não está prescrita a dívida mais antiga, as mais recentes também não estão.

Argumenta ainda o Recorrente que “... os argumentos, mais fundamentados e o contributo para o processo, por parte da Segurança Social, o que não teve para com o Recorrente, a Segurança Social, esclarece, o Tribunal a quo com informações e fundamentos, que não teve para com a Recorrente. (Conclusão C) e no n.º 16 das doutas alegações reitera “...a falta de fundamentação por parte dos serviços da Segurança Social, na comunicação/notificação da sua reclamação”.
Esta questão foi apreciada pelo MMº juiz "a quo" que lhe negou provimento.

O Recorrente “reitera” neste recurso o mesmo vício, mas não esclarece em que é que a sentença errou ao julgar improcedente esta parte do seu pedido parecendo alhear-se do decidido.

Ora, sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (art. 676º CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada. Cfr. ac. do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013 Relator: FRANCISCO ROTHES e o ac. do TCAN n.º 01806/09.0BEBRG de 15-02-2012 - Relator: Catarina Almeida e Sousa Sumário: III - Se, em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial de oposição, não ataca o julgado, pelo que não pode o Tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 684.º do C.P.C.

Assim, por não contrariar os fundamentos da sentença, não se conhece o mérito do recurso na parte referente à conclusão C.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 28 de setembro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira