Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00094/19.5BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/12/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA; TRIBUNAL TERRITORIALMENTE COMPETENTE; NO N.º1 DO ARTIGO 82º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:
O tribunal territorialmente competente para a notificação judicial avulsa de uma pluralidade de pessoas é o tribunal do domicílio do maior número de requeridos, face ao disposto no n.º1 do artigo 82º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CAFC
Recorrido 1:EAMC
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Notificação Judicial Avulsa
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

CAFC, CNFC e FNFC, vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 04.03.2019, pela qual foi indeferido o requerimento de deprecada para a notificação judicial avulsa dos requeridos EAMC e MSVT.
Invocaram para tanto, e em síntese, que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 79° e 172° do Código de Processo Civil.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1.ª Vem o presente recurso interposto do despacho de 04.03.2019, proferido pelo Tribunal a quo que, no âmbito de um processo de notificação judicial avulsa, indeferiu o requerimento dos Recorrentes de expedição de cartas precatórias para notificação de dois Requeridos que, segundo foi apurado, prestam atualmente serviço nas Caldas da Rainha e no Porto.
2.ª Entendeu-se no despacho que, residindo os notificandos em locais correspondentes a diferentes áreas judiciais, a notificação dos mesmos deve caber a cada um dos tribunais competentes territorialmente, concluindo que os Requerentes deverão formular os pedidos de notificação diretamente aos Tribunais Administrativos e Fiscais de Leiria e do Porto.
3.ª Foi objecto do pedido inicial dos ora Recorrentes a notificação judicial avulsa de nove pessoas: o CHUC, E.P.E., e oito médicos, com domicílio profissional na MDDM, sita na Rua M…, em Coimbra, de acordo com as informações de que os Recorrentes dispunham.
4.ª Pelo que os Recorrentes não poderiam ter feito o requerimento senão neste Tribunal, tendo cumprido escrupulosamente o disposto no artigo 79.° do Código de Processo Civil, requerendo a notificação no tribunal da área do domicílio profissional das pessoas a notificar.
5.ª Deferido que foi o pedido de notificação judicial avulsa de todos eles, e apesar de informados os Recorrentes de que a notificação estava cumprida, verificou-se que foi lavrada uma certidão negativa datada de 11.02.2019, relativa à não notificação dos Requeridos EAMCB e MSVT, por já não estarem ao serviço na MDDM, mas sim no HCR e no IPO do Porto, respectivamente.
6.ª Vieram então os Recorrentes solicitar que os autos prosseguissem os seus termos, deprecando-se a notificação daqueles Requeridos, o primeiro ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, e a segunda ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
7.ª Como sempre tem sido entendido de forma pacífica, a competência fixa-se no momento em que a acção é proposta, justificando-se raciocínio análogo no caso do requerimento de notificação judicial avulsa.
8.ª Assim, se o Tribunal tinha competência quando o requerimento deu entrada e foi deferido, tal competência não sofre alterações subsequentes designadamente pelo facto de se verificar que o notificando ou algum dos notificandos não reside, afinal, na área da competência territorial do Tribunal.
9.ª Se uma acção é proposta no local do domicílio do réu, por ser este o tribunal territorialmente competente, como é regra geral, nem por isso o tribunal onde a ação foi proposta deixa de ser competente por se verificar que o réu afinal reside numa morada fora da área de competência territorial desse tribunal, devendo apenas diligenciar-se pela citação do réu na morada que seja apurada como sendo a sua, seja lá onde for.
10.ª A entender-se de forma diversa teríamos, salvo o devido respeito, resultados totalmente contrários aos mais básicos princípios da economia de meios e processual, com a necessidade de apresentar e fazer correr sucessivos requerimentos de notificação judicial avulsa, por diversos tribunais, um por cada morada ou domicílio profissional que viesse a ser encontrado.
11.ª Basta pensar que, no caso dos autos, se os Requeridos já não estiverem a trabalhar no HCR ou no IPO do Porto, mas noutras instituições de saúde, situadas nas áreas de competência de outros tribunais, teriam que ser, de acordo com o entendimento sufragado no despacho recorrido, intentados novos requerimentos de notificação judicial avulsa, e assim sucessivamente.
12.ª Com a não pequena agravante de obrigar os Requerentes a pedirem novos apoios judiciários, um para cada novo requerimento de notificação judicial avulsa, a darem lugar a outros tantos processos junto do Instituto da Segurança Social.
13.ª Salvo o devido respeito, o sistema não pode permitir um desperdício de meios deste calibre.
14.ª No caso, o legislador oferece solução prática para o problema: prevê, no artigo 172.° do Código de Processo Civil, a possibilidade de solicitar os actos a outros tribunais através de carta precatória.
15.ª As cartas precatórias servem precisamente para resolver esta situação sem necessidade de proliferação de processos: um tribunal que é competente ab initio mas que não tem competência territorial para determinado acto, deve solicitá-lo ao tribunal competente.
16.ª Ao contrário do que se faz no despacho, a lei não distingue, a propósito das cartas precatórias, «actos-meio e dependentes» e «actos-fim e independentes», distinção que deriva de uma classificação meramente doutrinal.
17.ª Finalmente, o recurso é admissível, nos termos do artigo 257.° do Código de Processo Civil, que estabelece que do despacho de indeferimento da notificação cabe recurso até à Relação, portanto até à 2.ª instância, devendo entender-se que a possibilidade de recurso abrange não apenas o despacho liminar, mas outros que posteriormente venham a ser proferidos e dos quais resulte o indeferimento de diligências tendo em vista a notificação neste sentido, vd. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21.05.2007, acima citado.
18. Foram violados, no despacho recorrido, os artigos 79.° e 172.° do Código de Processo Civil.
19. Devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que ordene a expedição de cartas precatórias ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, para a notificação judicial avulsa do Requerido EAMCB, e ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, para a notificação judicial avulsa da Requerida MSVT, nas moradas acima indicadas.
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II –Matéria de facto.
Importa alinhar os seguintes factos, documentados nos autos:
1. Os ora Recorrentes requereram, em 06.02.2019, a notificação judicial avulsa de nove pessoas: o CHUC, E.P.E., e oito Médicos, entre eles os requeridos EAMC e MSVT, indicando como domicílio profissional a MDDM, sita na Rua M…, em Coimbra – ver folhas 1 e seguintes do articulado inicial no SITAF.
2. Por despacho de 07.02.2019 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi ordenada a notificação judicial avulsa requerida – folha 46 no SITAF.
3. Foram lavradas, em diversas datas, certidões de notificação do legal representante do referido Centro Hospitalar e de seis Médicos – folhas 47, 48, 49, 52, 53, 54, 55 e 56 no SITAF.
4. Foi lavrada, em 27.02.2019, certidão negativa de notificação dos dois Médicos ora Recorridos – folha 50 no SITAF.
5. Por despacho de 27.02.2019 foram os Requerentes, ora Recorrentes, informados de que “a notificação avulsa apresentada neste Tribunal se encontra cumprida” – folha 57 no SITAF.
6. Em 28.02.2019, após consulta do processo, e tendo tomando conhecimento da certidão negativa acima referida, os Requerentes, ora Recorrentes, vieram requerer que se deprecasse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a notificação judicial avulsa do médico EAMC, com domicílio profissional no CHCR, e da médica MSVT, com domicílio profissional no IPOP, ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – folha 60 no SITAF.
7. Com a data de 04.03.2019 foi tomada a decisão ora recorrida de que se extrai o seguinte:
“(…)
Nos presentes autos foi requerida a notificação judicial avulsa do CHUC, EPE, e demais requeridos médicos, tendo os requerentes indicado como domicílio profissional destes a MDDM, em Coimbra.
Por despacho de 7/02/2019 foi ordenada a realização das notificações requeridas.
Sucede porém, que conforme resulta da certidão negativa de 11/02/2019, os requeridos EAMC e MSVT não se encontram já a prestar serviço junto daquela Maternidade, mas sim, respetivamente, no HCR e no IPO do Porto.
Requereram assim os requerentes que a notificação judicial avulsa dos requeridos fosse deprecada ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no primeiro caso, e Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no segundo caso.
Sucede porém, que o ora requerido terá de ser indeferido.
A notificação judicial avulsa é realizada nos termos do disposto no artigo 256.° do CPC, mediante despacho prévio que a ordene.
Nos presentes autos foi determinada a notificação judicial avulsa dos notificandos para a morada indicada pelos requerentes, tendo assim sido dado cumprimento ao requerido e que constituía o objeto dos autos. Porém, como se deixou dito, em relação a dois dos notificandos foi lavrada certidão negativa, atento o facto de os mesmos terem deixado de ter domicílio na MDDM, e bem assim na área deste Tribunal.
As situações em que o notificando não resida, ou não tenha domicílio, na área do Tribunal a que foi requerida a notificação, não se mostram abrangidas pela referida norma.
Com efeito, estabelece o artigo 79.° do CPC, que "(A)s notificações judiciais avulsas são requeridas no Tribunal em cuja área resida a pessoa a notificar". Residindo as pessoas em locais correspondentes a diferentes áreas judiciais, as notificações das mesmas deverão ser requeridas em cada um dos Tribunais territorialmente competentes para o efeito. No caso em apreço, considerando o domicílio profissional dos dois requeridos em causa, deverão os requerentes formular diretamente ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, e ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o pedido de notificação judicial avulsa.
Concomitantemente, prescreve o artigo 172.° do CPC que "(A) prática de atos processuais que exijam intervenção dos serviços judiciários pode ser solicitada a outros tribunais ou autoridades por carta precatória ou rogatória, empregando-se a carta precatória quando a realização do ato seja solicitada a um tribunal (...)".
Os atos em causa terão de ser entendidos como os "atos-meio e dependentes", isto é, aqueles atos que servem de meio ou instrumento no âmbito de um processo para lograr o fim do mesmo, fim esse que não se limitará ao objetivo direto da notificação. Situação distinta é aquela da notificação judicial avulsa. Ao invés, esta configura um "ato-fim e independente", destinando-se toda a atividade processual que nela se exerce à concretização da própria notificação, não se podendo pois considerar abrangida pelo âmbito do artigo 172.° do CPC.
Pelo exposto, considerando os citados artigos 79.°, 172.° e 256.° do CPC, indefere-se o requerido.
(…)”.
- Folha 63 no SITAF.
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III - Enquadramento jurídico.
A notificação feita aos Requerentes, embora possa – e deva - ser interpretada no sentido de que a notificação judicial avulsa requerida tinha sido cumprida na parte em que o Tribunal entendia dever ser cumprida, pecou por defeito e, assim, induziu em erro os Requerentes, dado não os informar de que dois dos notificandos não tinham sido notificados por não terem domicílio profissional na área de jurisdição do Tribunal a quo.
Dito isto:
É certo que a competência se fixa no momento da propositura da acção mas nada nos autos comprova que quando o requerimento deu entrada no Tribunal a quo os ora Recorridos tinham o mesmo domicílio profissional dos demais Médicos Requeridos, área de jurisdição do Tribunal a quo.
Caso tivessem já as actuais residências o facto de não terem sido notificados seria imputável, em princípio e salvo circunstância excepcional não invocada, aos próprios Requerentes, bem como as respectivas consequências legais e processuais daí decorrentes.
Mas, para o caso, como veremos adiante, o domicílio profissional destes dois Médicos é irrelevante para fixar a competência territorial do Tribunal a quo.
Por outro lado, ao contrário do defendido pelos Recorrentes, a regra da competência territorial relativa, em concreto, à notificação judicial avulsa, não se destina a evitar a multiplicação de processos pela simples razão de que não se destina à realização de um processo, mas, tão-só, à prática de um acto judicial, uma notificação avulsa. Sempre deverão ser feitas tantas notificações quantas as pessoas a notificar. Seja em que tribunal for. Tal regra destina-se a assegurar a maior proximidade territorial possível entre o tribunal e o acto a realizar.
Avançando:
Como se refere na decisão recorrida e no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.12.2016, no processo 19859/16.3 T8 LSB.L1.-2 (ponto I do sumário):
“A notificação judicial avulsa é um acto-fim e independente, isto é, toda a atividade que nela se exerce é conducente à notificação, distinguindo-se das notificações relativas a processos pendentes, as quais são atos-meio e dependentes, porque servem de instrumento ou de meio num processo em curso, cujo fim nada tem que ver com o objetivo direto da notificação”.
Mas precisamente por ser acto-fim segue as mesmas regras de competência fixadas para a generalidade dos meios processuais.
Determina o invocado artigo 79º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:
“As notificações avulsas são requeridas no tribunal em cuja área resida a pessoa a notificar”.
Simplesmente esta norma, como as antecedentes e a do artigo 80º do mesmo diploma, sobre competência em razão do território, destinam-se a regular, apenas, os casos de um único réu ou requerido.
No caso presente, de uma pluralidade de requeridos, vale a regra específica para esta situação, a do n.º 1 do artigo 82º do Código de Processo Civil:
“Havendo mais de um réu na mesma causa, devem ser todos demandados no tribunal do domicílio do maior número; se for igual o número nos diferentes domicílios, pode o autor escolher o de qualquer deles”.
Como a maioria dos Requeridos tem domicílio profissional no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o tribunal territorialmente competente para a notificação judicial avulsa de todos eles é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
Não tendo os dois Recorridos domicílio profissional no CHUC, deverá a sua notificação judicial avulsa ser deprecada aos tribunais das áreas jurisdicionais em que se integra o domicílio de cada um, como requerido – nº1 do artigo 173º do Código de Processo Civil.
Termos em que o recurso merece provimento.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
1. Revogam a decisão recorrida.
2. Determinam a baixa do processo para que se ordenem as deprecadas requeridas, para notificação judicial avulsa.
Não é devida tributação por não ter havido qualquer oposição ou contra-alegações.
Porto, 12.04.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre