Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01103/08.9BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:PROCESSO CONTRA – ORDENAÇÃO; DESPACHO; ARTIGO 64º, Nº 2 DO RGCO; NULIDADE DA DECISÃO.
Sumário:I. No recurso da decisão de aplicação de coima, o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido e o Ministério Público não se oponham [artigo 64º, nº 2 do RGCO].
II. Basta a oposição de qualquer deles - arguido ou Ministério Público - para o juiz não poder decidir por despacho.
III. A decisão do recurso por despacho no caso em que a arguida a tal se opôs, consubstancia a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, o que configura uma nulidade processual enquadrável no artigo 120º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Penal (CPP).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
A…, S.A., pessoa colectiva nº 5… com sede na Avenida…, nº …, Gafanha da Nazaré, Ílhavo, impugnou a decisão administrativa proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo, que lhe aplicou a coima de € 19.337,34.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro foi proferida sentença, em 19.10.2011, que julgou improcedente o recurso, mantendo a condenação, decisão com que a arguida não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1) Apesar de a Recorrente, através de requerimento que fez dar entrada nos autos do processo em epígrafe em 07/10/2011, ter declarado que se opunha a que a decisão fosse proferida por simples despacho, o tribunal a quo, sem que previamente tivesse procedido à inquirição das testemunhas arroladas no recurso interposto da decisão de aplicação da coima proferida pelo Serviço de Finanças de Ílhavo em 26/04/2007, proferiu a Sentença de que ora se recorre.
2) Assim tendo sucedido, foi cometida nulidade processual (cfr. art. 120º-2/d do CPP, aplicável por via do disposto no artigo 3º/b do RGIT e do disposto no artigo 41º do RGCO), pelo que deverá a decisão ora recorrida ser revogada e determinar-se que a mesma substituída por outra que designe data para a realização da audiência de julgamento.
Sem conceder,
3) Tendo em consideração os factos dados como provados na Sentença recorrida, o tribunal a quo não poderia ter concluído, como efectivamente concluiu, pela inexistência de uma contra-ordenação continuada.
4) Com referência ao alegado pela Recorrente, o tribunal a quo, na Sentença recorrida, concluiu pela inexistência de qualquer contra-ordenação continuada, por entender, designadamente, que «tanto na altura em que foram praticadas as infracções tributárias que originaram os aludidos processos contra­ordenacionais, como na altura em que foi proferida a decisão recorrida, vigorava a norma pela qual as sanções aplicadas às contra -ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material - redacção dada pela Lei 55-N2010, de 31 de Dezembro.».
5) Para chegar a tal conclusão, o tribunal a quo teria de ter apensado aos autos do processo em epígrafe todos os vinte e um processos de contra-ordenação (conforme foi requerido pela ora Recorrente no recurso interposto da decisão de aplicação da coima proferida pelo Serviço de Finanças de Ílhavo em 26/04/2007), e, posteriormente, teria de ter dado como provada a respectiva existência.
6) Sucede que em momento algum dos “Factos provado” é feita referência à existência desses vinte e um processos.
7) Verifica-se, por isso, uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr art 410º-2/a do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 3º/b do RGIT e do disposto no artigo 74º-4 do RGCO), uma vez que só dando como provada a existência dos processos n2s 0108200606016286, 0108200606016294, 0108200606016308, 0108200606016316, 0108200606016324, 0108200606016332, 0108200606016499, 0108200606016340, 0108200606016359, 0108200606016367, 0108200606016375, 0108200606016383, 0108200606016391, 0108200606016405, 0108200606016413, 0108200606016421, 0108200606016448, 0108200606016456, 0108200606016464, 0108200606016472 e 0108200606016480 é que o tribunal a quo poderia ter concluído, como efectivamente concluiu, que não assistia razão à Recorrente quanto à verificação de uma única contra-ordenação continuada.
8) Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, ordenando-se, em consequência, o reenvio do processo ao tribunal a quo para nova decisão relativamente à concreta questão acima mencionada, proferindo-se a final nova sentença.
Ainda sem conceder,
9) Ainda que assim não se entendesse, no caso em apreço não só seria admissível como se impunha a punição da Recorrente por uma única contra-ordenação continuada.
10) Perante a realização plúrima do mesmo tipo contra-ordenacional (ou tipos que protegem o mesmo bem jurídico), há que verificar, antes de mais, se é aplicável o regime da infracção continuada.
11) Se esse regime não for aplicável (v.g. por não ocorrer uma única resolução criminosa), colocar-se-á então a questão do concurso de contra-ordenações a que alude o art. 25º do RGIT.
12) Contrariamente àquele que foi o entendimento vertido na Sentença recorrida, a punição a título de contra-ordenação continuada não está de forma condicionada pelo facto do art. 25º do RGIT impor o cúmulo material das coimas.
13) Conforme resulta da própria estatuição dessa norma, a questão do cúmulo material das coimas respeita unicamente “às contra-ordenações em concurso”.
14) Estão em causa, pois, duas realidades absolutamente distintas (contra­ordenação continuada e concurso de contra-ordenações), tendo cada uma delas o seu regime próprio.
15) Atentos os condicionalismos do caso sub judice, verifica-se que, de forma distinta ao que se concluiu na Sentença recorrida, a conduta da Recorrente se integra numa única contra-ordenação continuada no tempo.
16) Uma vez que, conforme foi dado como provado naquela Sentença, à Recorrente “foram levantados outros autos de notícia pelo mesmo comportamento referido em 2)”, verifica-se, desde logo, que há unicidade no que respeita ao tipo de contra-ordenação em causa.
17) Por outro lado, as acções levadas a cabo pela Recorrente ter-se-ão desenvolvido sempre da mesma forma (falta de entrega do imposto retido na fonte) e num espaço temporal concentrado.
18) Assim, a circunstância de a Recorrente, após as alegadas primeiras acções ilícitas, não ter sofrido qualquer consequência, sempre teria condicionado e facilitado a repetição dessas acções, tornando-se cada vez menos sustentável exigir-lhe que se comportasse de maneira diferente.
19) Tendo a Autoridade Administrativa (Serviço de Finanças de Ílhavo) entendido que a Recorrente praticou as supra referidas contra-ordenações, sempre a mesma teria de ter considerado, atento o acima exposto, que esse facto resultou de uma atitude menos reflectida, e que, por isso, a sua culpa estava consideravelmente diminuída para efeitos do disposto no art. 30º-2 do Código Penal.
20) Não estando prevista no RGIT nem no RGCO punição para a contra-ordenação continuada, a Autoridade Administrativa (Serviço de Finanças de Ílhavo) sempre deveria ter aplicado o preceituado no art. 79º do Código Penal (subsidiariamente aplicável ex vi do disposto nos arts. 3º/b do RGIT e 32º do RGCO) e, em consequência, punido a ora Recorrente com a coima correspondente à conduta mais grave que integra a continuação.
21) Ao não ter a Autoridade Administrativa (Serviço de Finanças de Ílhavo) organizado um só processo de contra-ordenação, e, posteriormente, ao não ter aplicado à Recorrente uma coima única, foi cometida uma ilegalidade que inquina a decisão proferida em 26/04/2007, uma vez que a infracção que aí vem imputada à Recorrente, a ter ocorrido, integra-se numa única contra-ordenação continuada.
22) Por sua vez, ao não ter o Tribunal a quo apensado todos os processos de contra-ordenação onde foram levantados autos de notícia (cfr. arts. 24º e 29º-2 do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vido disposto no art. 3º/b do RGIT e do disposto no art. 41º do RGCO), e, posteriormente, ao não ter aplicado à Recorrente uma única coima correspondente à conduta mais grave que integra a contra contra-ordenação continuada, foi cometida uma ilegalidade que afecta a Sentença recorrida e que deverá determinar a respectiva revogação.
23) Termos em que deverá a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o recurso interposto da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo em 26/04/2007, com as legais consequências.
Em todo o caso, e sempre sem conceder,
24) Ainda que se entendesse que, no caso sub judice, não havia lugar à aplicação do regime da contra-ordenação continuada (no que não se concede e apenas se admite por cuidados de patrocínio), sempre o Tribunal a quo deveria ter fixado à Recorrente, em cúmulo jurídico, uma coima única resultante do concurso de infracções.
25) Apesar de o art. 25º do RGIT actualmente prever o cúmulo material de sanções, o regime do cúmulo jurídico resultante da entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, deve, ex vi do preceituado no art. 29º da CRP, bem como do preceituado no art. 2º-4 do Cód. Penal (aplicável por remissão do disposto no art. 32º do RGCO e do art. 3º/b do RGIT), ser aplicado ao caso sub judice, por redundar numa sanção mais favorável para a Recorrente.
26) Conforme referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos em anotação ao art. 5º do RGIT (“Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado”, 4ª Edição 2010, Áreas Editora, pág. 63), “se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão transitada em julgado (n.º 4 do art. 2.º do C. Penal e n.º2 do art. 3.º do RGCO)”.
27) É inequívoco, pois, que a ora Recorrente sempre teria direito a que se aplicasse o regime do concurso jurídico de infracções (art. 25º do RGIT, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31-12) ao processo de contra-ordenação que deu origem ao processo em epígrafe e aos restantes processos de contra-ordenação em que foram levantados autos de notícia pela mesma conduta, devendo, para esse efeito, proceder-se à respectiva apensação.
28) Pelo exposto, sempre a Sentença recorrida deverá ser revogada e, em consequência, ser ordenada a baixa dos autos ao tribunal a quo para que aí seja efectuada a apensação de processos e proferida decisão de aplicação de uma coima única à Recorrente, nos termos do art. 25º do RGIT, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31-12.
29) A Sentença recorrida violou o disposto nos arts. 2º-4 e 79º do Código Penal (subsidiariamente aplicáveis ex vi do disposto nos arts. 3º/b do RGIT e 32º do RGCO), 24º e 29º-2 do Código de Processo Penal (aplicáveis ex vi do disposto no art. 3º/b do RGIT e do disposto no art. 41º do RGCO), 25º do RGIT (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31-12), 64º-2 do RGCO e 29º da CRP, normas essas que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido supra descrito.
Nestes termos e nos mais de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir:
· Da nulidade processual assacada a sentença sob recurso – art. 120º n.º 2 al. d) do Código Processo penal, aplicável por via do art. 3º, al. b) do RGIT e do art. 41º do RGCO, por ter apresentado requerimento expresso a opor-se a que a decisão fosse proferida por simples despacho e sem ter procedido à produção da prova testemunhal indicada, o que veio a ocorrer;
· Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao não ter considerado a existência outros vinte e um processos de contra-ordenação em que a Recorrente é arguida;
· Se o Tribunal a quo errou ao ter concluído pela inexistência de uma contra-ordenação continuada; e
· Se o Tribunal a quo errou ao não ter aplicado à arguida, ora Recorrente, em cúmulo jurídico, uma coima única.
III–FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1. A arguida tem sede na Avenida dos Bacalhoeiros, Ílhavo;
2. A 18 de Novembro de 2006, foi levantado auto de notícia, imputando à arguida a não entrega, até 20.07.2005, de imposto retido na fonte no montante de € 93.417,12 respeitante ao período 2005/06;
3. A 26.04.2007, foi proferida pelo Chefe do Serviço de Ílhavo decisão de aplicação da coima no montante de € 19.337,34;
4. Consta da decisão referida a fls. 03:
Descrição Sumária dos factos:
À arguida foi levantado auto de notícia pelos seguintes factos: 1. Valor da prestação tributária retida: 93.417,12 Eur.; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00 Eur.; 3. Data de cumprimento da obrigação: 20/07/2005; 4. Período a que respeita a infracção: 2005/06; 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 20/07/2005;, os quais se dão como provados”
Normas Infringidas e Punitivas
Os Factos relatados constituem violação dos artigos abaixo indicados, punidos pelos artigos do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação
Normas Infringidas, CIRS, artigo 98 CIRS – Falta de entrega do imposto retido na fonte, RGIT Artº 114 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT – Falta entrega
prest. Tributária dentro prazo
Período Tributação 200506
Data infracção 2005-07-20
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do arguido deriva do artigo 7º do Dec-Lei nº 433/82 de 27/10, aplicável por força do Artº 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pela arguida e como autora material da contra-ordenação identificada supra.
Medida da coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao arguido em relação à contra-ordenação praticada tem como limite mínimo o valor de Eur.18.683,42 e limite máximo o montante de Eur. 30.000,00, dado tratar-se de pessoa colectiva.
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da contra-ordenação praticada, para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº 27 do RGIT):
Requisitos/Contribuintes
Actos de Ocultação Não
Benefício Económico 0,00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Desconhecida
Tempo decorrido desde a prática da infracção mais 6 meses
Despacho
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no artigo 79º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 19.337,34 cominada nos artigos 114º, nº 2 e 26 nº 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26 do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.”
5. A arguida não entregou nos cofres do Estado a quantia relativa a IRS retido na fonte no montante de € 93.417,12 referente ao período 2005/06 até ao dia 20.07.2005;
6. A arguida foi notificada a 14.05.2007 para proceder ao pagamento da coima referida em 3);
7. A arguida apresentou recurso a 11.06.2007;
8. Foram levantados outros autos de notícia pelo mesmo comportamento referido em 2)
Mais consta:
“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente.
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto resultou da análise crítica da documentação junta aos autos, nomeadamente - ordenação junto aos autos; e o próprio recurso interposto pela arguida.
De Direito.”
III – 2. Decidindo
A…, S.A. veio nos termos do disposto no art. 80ºdo RGIT interpor recurso da decisão administrativa proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo, que lhe aplicou a coima de 19.337,34 € pela prática da contra-ordenação p. e p. nos art.114º, n.º 2 e 26º n.º 4 do RGIT, em conjugação com o art. 98º do CIRS.
Sustenta, em suma, que os factos que constam da decisão recorrida não integram qualquer contra-ordenação, nulidade insuprível decorrente da circunstância de a decisão recorrida conter uma incorrecta e insuficiente indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima e a existência de contra-ordenação continuada e ilegalidade decorrente da violação do disposto nos art. 30º n.º 2 e 79º do Código Penal.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente o recurso, considerando que: se encontra preenchido o elemento objectivo da contra-ordenação em causa; que a decisão recorrida contém alguns dos elementos referidos no artigo 27ºRGIT, indicadores da gravidade objectiva e subjectiva da infracção, em função dos quais foi graduada a coima aplicar; e que na altura em que foram praticadas as infracções tributárias que originaram os aludidos processos contra-ordenacionais, como na altura em que foi proferida a decisão recorrida, vigorava a norma pela qual as sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material – redacção dada pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
Insurge-se contra o assim decidido, a recorrente.
Conforme deixamos indiciado no ponto II deste Acórdão – aquando da enunciação das questões a decidir, cumpre de antemão apreciar e decidir se a decisão recorrida se encontra corrompida de nulidade, em virtude de a mesma, não obstante a oposição da arguida/recorrente, ter sido proferida sem ter sido realizada audiência de julgamento.
Invoca a Recorrente, a este propósito, que, apesar de através de requerimento apresentado em 07/10/2011, ter declarado que expressamente se opunha a que a decisão fosse proferida por simples despacho (cfr. fls. 180 dos autos físicos), o tribunal a quo, sem que previamente tivesse procedido a inquirição das testemunhas arroladas no recurso de interposição da decisão de aplicação da coima impugnada, proferiu a decisão recorrida.
Sobre esta questão, debruçou-se o Acórdão deste TCA Norte de 25 de outubro de 2012 [processo n.º 01098/08.9BEVIS ], em que a Recorrente igualmente assumia a qualidade de Recorrente e em causa estava aplicação de coima, por não entrega de imposto retido na fonte nos termos do artigo 98º do CIRS. Iremos, pois, limitar-nos a transcrever a fundamentação da decisão proferida naquele acórdão, à qual se adere integralmente (cfr. artigo 8º, nº 3 do CC), sem prejuízo das especialidades decorrentes da factualidade apurada nestes autos e da apreciação concreta da relevância dos mesmos, do seguinte teor:
(…) A decisão recorrida foi proferida ao abrigo do disposto no artigo 64º, nº 2 do Regime Geral das Contra - Ordenações (RGCO).
De acordo com o disposto nesta norma, o juiz decidirá o recurso por simples despacho, quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Publico a tal não se oponham.
Portanto, se o recurso não for rejeitado, o juiz terá que apreciar se o decide por despacho nos termos do citado artigo 64º, nº 2 do RGCO.
Assim, em primeiro lugar, o juiz deve ponderar perante a impugnação deduzida pelo arguido e as concretas questões que nela são suscitadas, se tais questões assumem a natureza de questões jurídicas e, portanto, podem ser decididas por despacho, ou, se, sendo questões de facto, a sua apreciação não depende da realização de diligências de prova, nomeadamente por o processo fornecer já todos os elementos necessários para o seu conhecimento - cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributarias, anotado, pág. 490.
Em segundo lugar, caso o juiz não considere necessária a audiência de julgamento, é ainda necessária a não oposição de ambas as partes (arguido e Ministério Publico) a que o recurso se decida por despacho. Ou seja, antes de decidir por despacho, o juiz tem de ouvir o arguido e o Ministério Público e se um deles deduzir oposição, o juiz, ainda que considere essa oposição infundada, terá de designar dia para julgamento, ficando, assim, impedido de decidir o recurso por despacho. Portanto, basta a oposição de qualquer deles - arguido ou Ministério Publico - para o juiz não poder decidir por despacho.
No caso dos autos, o Tribunal a quo entendeu, atentas as questões suscitadas no recurso e dada a não oposição de ambas as partes, decidir por despacho, sem realizar previamente audiência de julgamento. Com efeito, consta expressamente do relatório da decisão recorrida que “Notificadas a arguida e o Ministério Publico para, querendo, se oporem à decisão do recurso por despacho, tendo ambos declarado que não se opunham a que a decisão fosse proferida por simples despacho.” Porém, tal afirmação não corresponde à realidade. É certo que por despacho de 22/6/2011, a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ordenou a notificação da recorrente (arguida) e do Ministério Publico para declararam se se opunham a que a decisão fosse proferida por simples despacho nos termos do artigo 64º, nº 2 do RGCO, referindo ainda que se entenderia, caso nada dissessem, que não se opunham (cfr. fls. 174 dos autos).
Na sequência da notificação desse despacho às partes (por ofícios datados de 27/9/2011), veio a arguida, através de requerimento apresentado (…) – via site, dizer que se opunha a que a decisão fosse proferida por simples despacho, antes da prolação da mesma (cfr. fls. 180 dos autos.
Face à oposição tempestivamente manifestada pela arguida, estava o Tribunal a quo impedido de decidir (como decidiu) por simples despacho [cfr. artigo 64º, nº 2 do RGCO].
A decisão do recurso por despacho neste caso - em que a arguida a tal se opôs -, sem a realização da audiência de julgamento, consubstancia a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, o que configura uma nulidade processual dependente de arguição, enquadrável no artigo 120º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Penal (CPP). Nulidade que pode ser arguida no recurso da decisão pela parte que se tiver oposto a tal forma de decisão, sem necessidade de ser previamente arguida junto do tribunal a quo [cfr. artigos 410º, nº 3 do CPP 73º, nº 1, alínea e) do RGCO] e que tem como consequência a anulação do acto, bem como os que dele dependerem [cfr. artigo 122º do CPP], incluindo a decisão recorrida.”
Em conformidade com a fundamentação do acórdão transcrito, a que se adere, procede o presente recurso nesta parte, o que acarreta a prejudicialidade do conhecimento das demais questões suscitadas.
IV- DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, em consequência, anular a decisão recorrida.
Sem custas.
Porto, 15 de Fevereiro de 2013

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro