Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00991/17.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:FATURAS NÃO REGISTADAS NA CONTABILIDADE; PRESUNÇÃO DE VERACIDADE; VERDADE MATERIAL; INQUISITÓRIO; GASTOS FISCALMENTE DEDUTÍVEIS; TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA;
Sumário:I – Por força do n.º 1, do artigo 75.º, da LGT que apenas fruem da presunção de veracidade e de boa fé (1) as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei e (2) os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando organizadas nos termos da legislação aplicável.

II – Se as faturas não constam da contabilidade da Recorrente, só poderiam ser admitidas e consideradas como gasto se esta tivesse provado, sem margem para dúvidas, que elas correspondem a transações comerciais efetivamente ocorridas, como decorre da regra geral do ónus da prova, consagrada no n.º 1 do artigo 342.º do CCiv e igualmente acolhida no artigo 74.º, n.º 1, da LGT.

III – O exercício dos poderes de investigação previstos no artigo 58.º da LGT, pressupõe que a parte cumpriu minimamente o ónus que sobre ela prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se para demonstrar os factos que invocou e cujo ónus probatório lhe assiste, não podendo esses princípios configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes da parte.

IV - Perante ato ou facto abrangido pela presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, basta à AT provar a factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade da declaração ou dos registos constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte.

V – Na economia do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redação vigente à data dos factos tributários aqui em crise, apenas serão fiscalmente dedutíveis os gastos que apresentam conexão com os rendimentos a obter ou com a manutenção da fonte produtora. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. E., Lda., devidamente identificada nos autos, e a Autoridade Tributária e Aduaneira, vêm recorrer da sentença proferida pelo TAF do Porto em 20.12.2018, que anulou parcialmente a liquidação de IRC n.º 2014 8310035625 e respetivos juros compensatórios, respeitante ao ano de 2013, no valor de 134.447,76€

1.2. A Recorrente E., Lda. terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A) Vem o presente Recurso interposto da Sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial do ato tributário de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referente ao período de tributação de 2013, no valor de €133.447,76, bem como da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, autuado com o número 1821.2016.0000138.
B) O presente recurso tem por objeto as correções efetuadas pela AT em sede de ação inspetiva quanto às divergências no inventário final de mercadorias, (ponto 2.3. da sentença) e ainda a parte da decisão recorrida que julgou improcedente a existência de falta de fundamentação e de violação do princípio da verdade material.
C) No âmbito da inspeção realizada, os SIT projetaram alterações ao valor das compras e ao valor do inventário final de mercadorias e, consequentemente, corrigiram o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas declarado pela Recorrente, no valor total de € 252.663,00.
D) A Recorrente, no exercício do seu direito de audição, invoca a existência de outras faturas de aquisição de mercadorias, efetuadas em 2013, que, por lapso, não foram contabilizadas, mas que respeitam a reais aquisições à empresa “B.”, no valor total de €102.415,00.
E) Para tanto, e tendo em vista que aquele montante fosse considerado para efeitos de correção do valor do CMVMC, abatendo-se ao valor da correção projetada pela AT o montante das aquisições efetivamente efetuadas, a Recorrente juntou ao processo de inspeção as faturas n.ºs 45 a 48, emitidas entre 2013/03/11 e 2013/03/21, e outros documentos relacionados com as referidas transações. (cf. fls. 94 a 97 e 310 a 342 - Pg. 50 RIT)
F) Não obstante, perfilhando as conclusões da AT, o tribunal a quo conclui que: “(...) Relativamente ao exposto, a Impugnante nada logrou provar no que toca ao fornecimento pela empresa B. dos bens referidos nas 4 faturas de compra supra referidas, tendo inclusive a testemunha R., comissionista da Impugnante, afirmado não conhecer tal empresa, pelo que se mantêm as considerações tecidas no RIT, decisão de reclamação graciosa e recurso hierárquico quanto a esta matéria, de que “face às informações emanadas da Administração Fiscal da República Checa e independentemente da documentação apresentada pelo contribuinte poder indiciar a existência de operações de aquisição de bens, a verdade é que, a terem existido, todos os factos apontam para que o fornecedor efetivo dos mesmos não corresponda àquele que o contribuinte identificou [B.], pelo que nos termos do art. 23.º do CIRC se consideram, os gastos não contabilizados, agora dados a conhecer, não dedutíveis” (cf. facto provado n.º 3) (...)”.
G) Tendo em conta o princípio da presunção de veracidade e de boa-fé das declarações dos contribuintes a que alude o art. 75.° da LGT, e verificando-se que constam das faturas apresentadas os elementos exigidos pelo n.° 4 do artigo 23.° do CIRC, para que pudessem ser contabilizados os respetivos gastos, não tinha a Recorrente o ónus de apresentar qualquer comprovativo de pagamento, nem qualquer documento de transporte das mercadorias adquiridas à referida empresa.
H) Apresentadas as faturas de aquisição das mercadorias e verificando-se que as mesmas foram emitidas de acordo com o cumprimento das exigências legais, quer dos requisitos de natureza substantiva, quer de natureza formal, as mesmas presumem-se verdadeiras, nos termos do art. 75.° LGT.
I) Por outro lado, tendo por referência o disposto no artigo 19.º e 36.º do CIVA, não compete à Recorrente que controle ou esteja munida de documentos atinentes à natureza jurídica ou identidade do sujeito passivo que lhe preste serviços ou bens e lhe emite as faturas, mas, somente, assegurar-se que o documento que sustenta os gastos que pretende sejam considerados contenham os elementos a que se refere o n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.
J) Pelo que competirá à AT, em primeira instância, abalar a referida presunção com base em indícios sérios e objetivos de que a operação subjacente às facturas apresentadas não corresponde à realidade, só depois passando a competir à Recorrente o ónus de provar a existência das transações colocadas em crise pela AT.
K) Os indícios adiantados pela AT e que desencadeiam suspeitas sobre a verdadeira aquisição dos bens subjacente às faturas emitidas pelo fornecedor “B.”, como se referiu, não são suscetíveis de por em causa a presunção de veracidade das faturas apresentadas pela Recorrente, como só poderiam sustentar uma qualquer decisão de desconsideração de faturas, se a AT já tivesse previamente posto em causa a efetiva realização das aquisições.
L) Não sendo esse o caso sub judice, não estava, e não está, a AT em condições nem de abalar a referida presunção de veracidade das faturas apresentadas pela Recorrente, e muito menos de rejeitar os respetivos gastos como dedutíveis, com base nos fundamentos referidos.
M) A verdade é que, nem a AT, nem o Tribunal a quo sustentam a fundamentação da não aceitação dos gastos não contabilizados pela Recorrente, na inexistência de qualquer operação de aquisição de bens subjacente às referidas faturas, antes se insurgindo contra o facto de o fornecedor efetivo dos referidos bens não corresponder àquele que a Recorrente identificou [B.], admitindo, até, que a documentação apresentada pela Recorrente em sede de inspeção indicia a existência de operações de aquisições de bens.
N) Não tendo a AT feito a prova que lhe competia, não ilidindo, assim, a presunção da veracidade de que goza a contabilidade da Recorrente [cf. artigo 75°, n.° 1 da LGT] desnecessário se torna analisar se esta logrou ou não provar, em tribunal, o fornecimento pela empresa “B.” dos bens referidos nas 4 faturas de compra.
O) Assim, seguindo a convicção de que competia à Recorrente provar a existência das operações tituladas pelas faturas constantes da contabilidade da Recorrente, o tribunal a quo cometeu um erro sobre os pressupostos de direito ao concluir pela improcedência da impugnação judicial, nesta sede.
P) Na verdade, o tribunal a quo não retira qualquer conclusão de mérito sobre os indícios em que a AT sustentou a sua fundamentação, não se pronunciando sequer sobre a prova de tais indícios nos presentes autos.
Q) Face ao exposto, deve a decisão a quo ser revogada e substituída por outra que, concluído pela insuficiência da prova dos pressupostos legais que legitimam a atuação da AT, ou seja, pela insuficiência de indícios sérios de que as operações constantes das faturas que não considerou não correspondem à realidade, determine a procedência da Impugnação Judicial e, em consequência, sejam as faturas em crise admitidas e consideradas como gastos, abatendo-se o montante de €102.415,00 ao valor da correção ao CMVMC projetado pela AT (€ 252.663,00), passando a correção a ascender apenas ao montante de €150.248,00.
R) Quase a terminar, quanto à invocada violação do princípio da verdade material, entendeu o Tribunal a quo que “In casu, e tendo em conta o relatório de inspeção tributária [cf. facto provado número 3] a Administração Tributária teve em conta os vários factos alegados pela Impugnante, nomeadamente os alegados e comprovados por documentos no exercício do seu direito de audição - cf. ponto IX.1) do RIT-, tendo analisado exaustivamente tais argumentos – cf. ponto IX.2) e decidido, de forma fundamentada (como vimos), pela necessidade de correções à matéria tributável. Nestes termos, não houve violação do artigo 58.º da LGT, pelo que improcede esta alegação da Impugnante.”.
S) No caso dos presentes autos, - pelo menos no que concerne à correção projetada pela AT no item III.7). Divergências no Inventário final de mercadorias, notas de crédito não consideradas e compras de mercadorias não declaradas -, como se explicou, a AT violou claramente o art. 58º da LGT, posto que lhe era exigível a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
T) A AT não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto da sociedade contribuinte, apenas baseando a sua fundamentação na ausência de documentação que, como se referiu, não foi solicitada, e na não credibilidade sobre a identidade do sujeito passivo que emitiu as faturas, não diligenciando no sentido de investigar e aprofundar a realidade dos factos.
U) Pelo que, também por este motivo deveria o Tribunal a quo ordenar a anulação do ato de liquidação objeto de impugnação, uma vez que, todas as faturas questionadas e não aceites pela AT correspondem a reais aquisições realizadas pela Recorrente, devendo ser consideradas para efeitos de correção ao CMVMC.
V) Relativamente ao invocado vício de falta de fundamentação o Tribunal a quo decidiu que: “(...) Pelo exposto, improcede o vício de falta de fundamentação alegado pela Impugnante.”.
W) Ora, pelas razões que já se alegaram, com o devido respeito, discorda-se da posição assumida pelo Tribunal a quo, pelo que deveria ter sido julgado procedente a invocada falta de fundamentação, pelo menos no que concerne à correção projetada pela AT no item III.7). Divergências no Inventário final de mercadorias, notas de crédito não consideradas e compras de mercadorias não declaradas.
X) Por referência à fundamentação apresentada pela AT, só pode concluir-se que os factos que sustentam a decisão de não dedutibilidade dos gastos a que se referem as faturas de aquisição, não são claros nem suficientes para indiciar a inexistência ou a simulação das operações subjacentes, e consequentemente, não são suficientes para, afastando a presunção de veracidade a que alude o artigo 75.° da LGT, legitimar a AT a não considerar tais gastos na correção CMVMC que projetou.
Y) Pelo que, em face da retórica que consta do RIT, deveria o Tribunal a quo ter conhecido do vício de fundamentação, suscetível de à luz da al. c), do art. 99° do CPPT, o qual afeta a validade intrínseca do ato tributário stricto sensu, em que se traduz a liquidação adicional, que conduziria à anulação dos atos tributários por vício de forma.
Z) Concomitantemente, deverá o Tribunal ad quem revogar a decisão em recurso, substituindo-a por outra que anule o ato de liquidação de IRC referente ao período de tributação de 2013, por erro quanto aos pressupostos de direito e violação do princípio da verdade material, bem como condene a AT no pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.° da LGT.
AA) Em suma, decidindo como decidiu o Tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 23.° do CIRC, art. 58.°, 74.° e 75.° da LGT e 99.° do CPPT.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá ser revogada a sentença a quo, com o que se fará a Sã e Habitual
JUSTIÇA!».

1.3. A Recorrente Fazenda Pública terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«A- Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico nº 1821201610000138 deduzido do indeferimento da reclamação graciosa nº 1821201504001125 instaurada contra o ato de liquidação de IRC nº 2014 8310035625 e respetivos juros compensatórios, relativo ao exercício de 2013, no valor de € 133.447,76.
B- O presente recurso tem por objeto as correções efetuadas à Embarcação “X” e às despesas não devidamente documentadas (ponto 2.1. e ponto 2.4 da sentença). Para assim decidir, considerou a douta sentença que:
“2.1 Embarcação “X”
(...)
Decorre dos factos provados nºs 1, 3 e 7 a 9 que:
- em dezembro de 2013 a Impugnante tinha como objeto social também a promoção da atividade de operador turístico;
- a Impugnante adquiriu a embarcação “X” para a poder alugar a diversos operadores comerciais e turistas para realização de passeios turísticos no Rio Douro;
- tal embarcação entrou imediatamente na posse da Impugnante e foi sujeita a obras de melhoria e adaptação para o exercício da atividade que se pretendia; - devido a dificuldades na transferência da propriedade da embarcação “X” da A. para a Impugnante, tal embarcação não pôde operar em 2013 por falta da inspeção, seguro e licenciamento necessários decorrentes do direito de propriedade.
Este último ponto explica o motivo do não exercício efetivo da atividade pela Impugnante, o que impediu a geração de receitas em 2013 decorrentes da mesma.
Contudo, a embarcação foi devidamente preparada para o exercício efetivo da atividade, tendo sido efetuadas obras de adaptação e melhoria, conforme facto provado nº 8, apenas não se tendo conseguido tal exercício em virtude de dificuldades na transferência da propriedade para a Impugnante, dificuldades essas que impossibilitaram os procedimentos legais necessários (inspeção, seguros e licenciamento) para o exercício efetivo da atividade em 2013, conforme facto provado nº 9.
Deste modo, os gastos efetuados pela Impugnante com a embarcação (Gastos indicados no Quadro 5 do RIT), bem como a sua depreciação, num montante total de 40.052,68 €, devem ser considerados fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23º, nº 1, alíneas a) e g) do CIRC, pois são comprovadamente (cf. documentos que os suportam que constam do quadro 5 do RIT – cf. facto provado nº 3) indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, porquanto se inserem no objeto social da Impugnante que também promovia a atividade de operador turístico e apenas não geraram proveitos por dificuldades na transferência da propriedade por parte de entidade alheia à impugnante – cf. factos provados nºs 1 e 9.
Termos em que assiste razão à Impugnante quanto a esta correção, devendo a mesma ser anulada.
(...)
2.4 Despesas não devidamente documentadas
Da análise efetuada pela AT (cf. facto provado nº 3) decorre que a mesma considerou como não documentadas despesas que a Impugnante contabilizou como empréstimos ao seu colaborador H., resultando também já dos esclarecimentos prestados em sede de inspeção (cf. facto provado nº 3) que os montantes em causa se deviam a empréstimos efetuados ao colaborador H., o que se provou nos presentes autos (cf. facto provado nº 10). Com efeito, os montantes registados na conta SNC 2781002 “H.” referem-se a empréstimos a favor de H., funcionário da Impugnante à data dos factos, efetuados através de vários tipos de movimentos (levantamentos, cheques, pagamentos), que viriam a ser reembolsados pelo mesmo a partir de 2015. Estando os montantes registados e identificada a natureza/origem, finalidade e o beneficiário destas despesas, não podem as mesmas ser objeto de tributação autónoma nos termos do artigo 88º, nº 1 do CIRC.
Neste sentido, procede o alegado pelo Impugnante relativamente a esta matéria, sendo de anular a tributação autónoma no montante de 46.492,40 €.”
C) A Impugnante foi objeto de ação inspetiva, credenciada pela Ordem de Serviço OI201303428, com referência aos anos de 2012, âmbito parcial IVA, e 2013, de âmbito geral. No âmbito da inspeção realizada, os SIT verificaram, de acordo com o contrato de compra e venda celebrado em 2013/03/19, que a impugnante adquiriu à A., Lda. (NIPC (…)) uma embarcação usada, marca Prestige, Modelo 38S/2008, registada, à data com o nome “X”, pelo valor global de € 160.000,00 (IVA incluído). Constando essa embarcação reconhecida contabilisticamente no ativo da empresa, pelo valor supra referenciado (160.000,00 €).
D) Constataram os SIT que a impugnante, em 2013, deduziu o IVA suportado nas aquisições efetuadas de bens e serviços relacionados com a manutenção e conservação da referida embarcação, no montante global de € 2.601,25 e considerou esses gastos no valor de € 12.956,75, fiscalmente dedutíveis em sede de IRC (cfr. quadro 5 de fls. 17 do RIT). A impugnante reconheceu ainda como fiscalmente dedutível em sede de IRC, o gasto com a depreciação da embarcação, num montante de € 27.095,93.
E) A impugnante procedeu ao alargamento do seu objeto social, apenas em dezembro de 2013, incluindo no mesmo a atividade de “operador marítimo – turístico”, contudo nunca veio a exercer essa atividade, e de acordo com os documentos apresentados aos SIT em 2014/05/14 já prometia a venda da embarcação, ou seja, cerca de 5 meses depois de ter alterado o seu objeto social. O que revela, salvo o devido respeito por opinião diversa, que nunca teve interesse em exercer a atividade de operador turístico. Até porque como referiu a testemunha L., já havia comprado uma outra embarcação à impugnante, de seu nome “Y” (Inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 19:28 a minuto 20:10), pelo que não foi o primeiro caso de embarcações que a impugnante usa e não se consta que quisesse desenvolver qualquer atividade turística com essa embarcação.
F) A impugnante nunca foi proprietária da embarcação e pelos documentos apresentados pela mesma, cujo conteúdo é confuso e até incoerente, no que respeita às datas em que os mesmos são assinados, é quase impossível concluir que entre 2013 e 2014 teve na sua posse a embarcação “X”.
G) Em sede de inquirição de testemunhas ficou sobejamente demonstrado que a impugnante não exerceu qualquer atividade de operador turístico no ano de 2013, assim como não foi gerada qualquer receita afeta a esta atividade:
1- L., Gestor, à data dos factos na sociedade A.:
- Quando questionado pelo Ilustre mandatário da impugnante “Esse barco foi comprado pela E. com que objetivo? (Inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 05:55) respondeu “ Ao que me recordo havia a ideia da E. fazer... havia a ideia não só da E., generalizada aqui no Norte que o Douro se prestava a ganhar muito dinheiro portanto havia a ideia generalizada de uma série de clientes de fazer charters aqui no Douro ... aluguer de barcos, na terminologia náutica chama-se charter e então a ideia era essa pese embora o barco não fosse totalmente adequado a este tivemos que fazer alterações ao barco para se adequar porque o Porto acaba por ter um clima modelo diferente do sul e este barco era aberto portanto cá fora e havia necessidade de climatizar a zona social e montar uma divisória cá atrás. Fazer ali algumas adaptações. Mas havia essa ideia de fazer charter do barco (Inquirição de 28/06/2018, minuto 05:57).
- À pergunta do ilustre mandatário da impugnante “o barco não operou, não havia rentabilidade associada à sua utilização daquela embarcação, sabe se por via disso o barco mais tarde veio a ser vendido?” (inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 16:30) a testemunha respondeu “Sim. Depois pediram para vender o barco e depois vendemos o barco a outra empresa.” (inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 16:40).
- Quando questionado pelo representante da Fazenda Pública sobre a questão do Alvará, necessário para o exercício da atividade de operador turístico a testemunha referiu que “antes de exercer a atividade... sim. É um documento que se pede por internet (inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 26:07), não fazendo ideia se a impugnante o havia solicitado (inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 26:16).
- Contudo, à pergunta do representante da Fazenda Pública “ é condição sine qua non para o exercício?” (inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 26:21) a testemunha respondeu “ Sim. Sim. É antes de começar o aluguer sim.” (Inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 26:21)
2- M., contabilista certificado, arrolada pela impugnante,
- Quando questionado pelo ilustre mandatário da Impugnante à pergunta “Só que a Autoridade Tributária verificou que no ano de 2013 não houve qualquer receita afeta a esta atividade. Confirma?” (Inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 50:42) respondeu “Confirmo” (inquirição de 28/06/2018, minuto 50:44).
- E quando questionado pelo Ilustre Mandatário da impugnante “Porquê”? (Inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 50:46) a testemunha respondeu “Porque havia a intenção... o que me dá a entender na altura... o R.. disse-me isso, ainda não havia a legalização, portanto ainda não estava atribuída... portanto a legalização ao barco, portanto a licença. (Inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 50:47).
- E posteriormente à pergunta do ilustre mandatário da impugnante “E porquê? Sabe?” (inquirição de testemunhas de 28/06/2018, minuto 51:00) respondeu “Não sei” (Inquirição de testemunhas de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 51:01) tendo concluído mais à frente que “não podia obter receita daquilo... tinha tido gastos mas não poderia ter esse rendimento.” (Inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 51:31)
H) Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pela Impugnante, tal como qualquer outro gasto, depende de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (corpo do n.º 1). Ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o encargo de financiamento suportado e a atividade desenvolvida pela impugnante e no caso sub judice a impugnante nunca exerceu a atividade de operador turístico no ano de 2013.
I) A impugnante nunca reuniu os pressupostos legais para o exercício de tal atividade, nomeadamente a licença que permitiria o exercício da atividade marítimo-turística, tais factos ficaram sobejamente demonstrados no RIT tendo sido corroborados depois pela prova testemunhal arrolada pela impugnante que esta nunca exerceu a atividade marítimo – turística, nem tão pouco obteve quaisquer proveitos relacionados com esta.
J) No âmbito da inspeção efetuada verificaram também os SIT que a contabilidade exibida pela impugnante, evidencia em 2013/12/31 um saldo devedor no montante de € 92.984,79, numa conta de terceiros, a conta SNC 2781002 “H.”, significando, esse saldo um crédito a favor da impugnante. Os documentos de suporte aos registos efetuados nessa conta correspondem a extratos bancários das contas à ordem da impugnante sediadas no Banco BPI, Barclays e Millennium BCP, onde constam assinalados diversos movimentos a débito (na ótica do registo bancário) referentes a contas diversas, e estão em causa, na maior parte dos pagamentos efetuados através de cartão de débito, despesas em lojas de vestuário, de perfumes e outras, bem como o levantamento de cheques. (cfr. Anexo 11 ao RIT - documentos de suporte a dois registos constantes da referida conta)
K) Foi a impugnante notificada para informar a que se referiam os montantes contabilizados e a que título foram as correspondentes despesas pagas, através de contas da impugnante, tendo sido respondido pela impugnante que “São empréstimos ao colaborador”, sem que juntasse qualquer documento comprovativo, referentes às despesas propriamente ditas, desconhecendo os SIT em nome de quem foram os mesmos emitidos, e quem foi o beneficiário final das mesmas, ou qual a ligação destes movimentos com a atividade exercida pela impugnante.
L) Como dispõe o nº 2, alínea a) do artigo 123º do CIRC “Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário.” Ora, a contabilidade da impugnante, no que concerne a estas despesas, é desprovida de tais justificativos, pois os mesmos não existem ou não se mostram suficientes para conhecer a realidade das transações que pretendem justificar, pelo que, devem as mesmas, nos termos legais, serem consideradas como encargos não documentados e por conseguinte sujeitos a tributação autónoma.
M) Os documentos juntos, em sede de inquirição, de alegados pagamentos destes empréstimos eram absolutamente desconhecidos da impugnante (Inquirição de testemunhas de 13/09/2018 inserta no SITAF, minuto 11:52), o que bem indicia que não havia empréstimo algum, sendo coincidência que merece destaque que tal prática se iniciou após ter conhecimento do relatório inspetivo e correspondente liquidação.
N) Em sede de direito de audição nada foi dito pela impugnante quanto a estas correções. E, acresce também que tais documentos não se fazem acompanhar dos respetivos documentos de quitação, nem sequer foram demonstrados os lançamentos contabilísticos destas transações.
O) Foi referido em sede de inquirição de testemunhas foi dito pelo contabilista da impugnante, M., que “Nos primeiros movimentos que apareceram nos bancos começou a surgir essa questão do H., H. e eu não sabia quem era. Questionei o gerente da empresa e perguntei-lhe quem era o H.. Eu já sabia que existia um H. como funcionário comercial da empresa ... que trabalhou na empresa, sabia disso e então perguntei porque razão o H....como era um comercial importante na empresa, ele precisava de alguma coisa e a empresa financiava, de certa forma emprestava-lhe esse dinheiro. E foi isso que ele me informou. E eu perguntei-lhe quando é que isso seria reembolsado porque de certa forma não poderia utilizar isso, teríamos de pensar nisso. Ele disse vamos indo, vamos vendo. Em 2015 começaram a regularizar a situação” (Inquirição de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 58:20 a minuto 59:30).
Foi ainda dito pela referida testemunha quando inquirida pelo representante da Fazenda Pública à pergunta “acha que tinha a ver com a atividade da empresa”? (inquirição de testemunhas de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 01:12:56) que “Não me recordo, se estavam lá no banco é porque tinham a ver com a atividade da empresa” (Inquirição de 28/06/2018, minuto 01:12:57).
Quando o representante da Fazenda Pública lhe perguntou “E se eu lhe disser que foi feita a maior parte das despesas em lojas de roupa, perfumes e outras?” (inquirição de testemunhas de 28/06/2018, inserta no SITAF, minuto 01:13:04) a testemunha referiu “talvez... não sei.... Não me recordo bem” (Inquirição de testemunhas de 28/06/2018 inserta no SITAF, minuto 01:13:12).
P) Um facto digno de registo é o colaborador H., ter andado até 2015 sem pagar qualquer quantia e depois num ano pagar quase € 90.000,00 em depósitos, em dinheiro, e todos esses pagamentos terem sido efetuados após a inspeção levada a cabo à impugnante. Ora, o H. foi inquirido em sede de audiência de inquirição de 13/09/2018 e quanto aos pagamentos efetuados afirmou que “já tinha alguns recursos. Eu levantava do cartão de crédito e mandava fazer os depósitos quase diariamente, sempre valores pequenos. Estava a pagar todos os dias quase... 2 ou 3 vezes por semana fazia depósitos. Há medida que tinha disponibilidade.” (Inquirição de testemunhas de 13/09/2018 inserta no SITAF, minuto 07:06).
Nesse seguimento foi perguntado à testemunha pelo representante da Fazenda Pública “Espero que tenha correspondência com a declaração de IRS que apresentou no ano em curso.” (Inquirição de testemunhas de 13/09/2018 inserta no SITAF, minuto 17:48), tendo a testemunha afirmado “Claro” (Inquirição de testemunhas de 13/09/2018 inserta no SITAF, minuto 17:51).
Q) Não há qualquer suporte que permita aferir o fim que estes pagamentos tiveram, pois não basta um escrito manual no talão de depósito, até porque foram feitos pelo próprio ou por um alegado seu funcionário, era necessária a junção aos autos dos respetivos recibos de quitação, lançamentos contabilísticos e todas as incumbências legais que daí advém, o que in casu, não existe. Assim, tais despesas devem considerar-se despesas não documentadas uma vez que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, sendo, por essência, indocumentadas, e desta forma, nos termos do artigo 88º, nº 1 do CIRC devem ser tributadas à taxa de 50%.
R) A sentença proferida pelo Tribunal a quo dá como factos provados aos factos apurados em sede de inspeção, nomeadamente nos § 3., § 9. e § 10. dos “Factos Provados”. Entende pois a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por opinião diversa, que perante a factualidade dada como provada, bem como a prova testemunhal produzida, o Tribunal a quo não poderia ter decidido como decidiu, ou seja, anulando as correções efetuadas à impugnante nestas questões.
S) Deste modo, a douta sentença enferma em erro de julgamento em matéria de facto e por se considerar relevante para a boa decisão da causa, requer-se a ampliação da matéria de facto de modo a que da mesma passe a constar:
“11. A impugnante nunca exerceu a atividade de operador marítimo-turística no exercício de 2013, pelo que os encargos suportados pela impugnante não apresentam um carater de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.
12. A contabilidade da impugnante, no que concerne às despesas registadas na conta “H.”, é desprovida de documentos justificativos, datados pois os mesmos não existem ou não se mostram suficientes para conhecer a realidade das transações que pretendem justificar.
13. Aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74º da LGT, competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitima a sua atuação.
14. Feita esta prova, passa a recair sobre a impugnante o ónus da prova de que os encargos suportados apresentam um carater de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora no âmbito do exercício da atividade turístico-marítima, bem como demonstrar que as despesas insertas na conta “H.” têm suporte documental que permita aferir quer da origem, quer da natureza dos seus beneficiários, o que nos presentes autos não sucedeu.”
T) O Tribunal a quo teria que dar como provado que a AT fez a prova da verificação dos pressupostos da existência, qualificação e quantificação dos factos tributários, face ao não cumprimento do ónus da prova que incumbia ao impugnante, concluindo desta forma pela improcedência da impugnação.
U) Pelo que, a douta sentença incorreu, pois, em nosso entender, em erro de julgamento sobre a matéria de facto, e ainda em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciado este em errada interpretação e aplicação dos artigos 23º, 34º, nº 1, alínea e), 123º, nº 2, alínea a) e 88º, todos do CIRC, e ainda artigo 74º, nº 1 da LGT, pelo que não se deverá manter no ordenamento jurídico.
Pelo exposto e pelo muito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, revogada a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.».

1.4. A E., Lda. apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
«A. Vêm as presentes Alegações apresentadas no âmbito do recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida no processo n.° 991/17.2BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Impugnante, ora Alegante, que aí pugnava pela anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao período de tributação de 2013, no valor de €133.447,76.
B. Pretexta a Fazenda Pública que não se conforma com a douta decisão julgou procedente por considerar que “(...) perante a factualidade dada como provada, bem como a prova testemunhal produzida, o Tribunal a quo não poderia ter decidido como decidiu (...). Deste modo, a douta sentença enferma em erro e julgamento da matéria de facto e por se considerar relevante para a boa decisão da causa, requer-se a ampliação da matéria de facto (...)”.
C. Ao invés da posição assumida pela Representante da Fazenda Pública, entende a Recorrida ser justa, adequada e legalmente fundamentada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, pelo que a parte da sentença objeto de recurso não merece qualquer censura, devendo ser mantida qual tale.
D. Esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.° 039405, de 19-10-2005, que “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
E. De modo que, o tribunal de recurso deve limitar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência que não é razoável a solução da primeira instância.
F. Neste enquadramento, ainda que a lei admita a alteração da decisão sobre a matéria de facto, (nalguns casos mesmo oficiosamente), não pode ela basear-se na mera discordância sobre a valoração da prova alegada por uma das partes.
G. Da tese recursiva apresentada pela Fazenda Pública, outra não pode ser a conclusão de que aquilo que verdadeiramente pretende é a reapreciação da matéria de facto, alegando, sem sustentabilidade alguma, que a sentença a quo enferma de erro de julgamento da matéria de facto.
H. Não só a Recorrente despreza por completo a prova testemunhal produzida nos presentes autos, isolando as partes dos depoimentos que são convenientes às suas conclusões, como não apresenta qualquer argumentação capaz de demonstrar que o tribunal a quo deveria ter concluindo num sentido diverso daquele a que chegou na decisão recorrida, limitando-se a reproduzir os argumentos de que já havia lançado mão em sede inspetiva e em sede de contestação, pugnando por uma conclusão diversa daquela a que chegou o tribunal a quo.
I. Na verdade, a decisão a quo analisou todos os depoimentos, sintetizando-os e explicando, fundamentadamente, quais as razões que levaram o Tribunal a considerá-los determinantes na resposta aos pontos de facto para cuja resposta positiva contribuíram.
J. Tanto da leitura da motivação, quanto das conclusões da Recorrente resulta cristalinamente que o presente recurso em matéria de facto se limita a procurar abalar a convicção do tribunal a quo.
K. A Recorrente não põe em causa a credibilidade dos depoimentos que fundamentaram a convicção do tribunal a quo, questionando, apenas, as ilações que deles se retiraram pelo tribunal recorrido e que, em sua opinião, é desajustada. Ou seja, a discordância da Recorrente limita-se a questionar a valoração da prova pelo Tribunal, valoração essa, livremente formada e fundamentada.
L. Acresce que, a Recorrente não demonstrou cabalmente que do confronto da prova produzia se impunha ao tribunal a quo proferir decisão diversa.
M. Não obstante, a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.
N. Pelo que não pode igualmente ser desprezada, nem ignorada, a convicção do julgador na posição que assumiu relativamente à matéria de facto e à sua veracidade no contexto global da prova produzida, dado que a convicção de quem decide é formada, também, pelo contacto direto com as testemunhas, em face da oralidade e imediação que orientam a tomada de posição sobre a matéria.
O. Como fica patente da análise da motivação de facto, o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objetiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos não merecem censura.
P. Neste contexto e com o propósito de alterar a matéria de facto, caberia à Fazenda Pública apontar concretamente as verdadeiras razões, depoimentos ou documentos carreados para o processo de impugnação, que verdadeiramente impusessem uma decisão diversa daquela que o Tribunal a quo perfilhou.
Q. Todavia, ao arrepio desta obrigação processual a Fazenda Pública limita-se a pôr em crise, de forma vaga e genérica a prova produzida, não apontando quaisquer motivos factuais suscetíveis de imporem decisão diversa quanto aos factos dados como provados APENAS levantando uma leve [e insignificante] nuvem de poeira com o único intuito de criar uma imagem distorcida da factualidade.
R. Assim, com o devido respeito, que é todo, a argumentação da tese de recurso é frágil e ignora aspetos fundamentais da prova produzida, pelo que não pode colher o sentido da decisão proposta pela Fazenda Pública.
S. Em face do bem decidido e fundamentado pela Sentença a quo (e para a qual, brevitatis causae se remete) dir-se-á apenas ser inaceitável o argumento esgrimido pela Recorrente para imputar ao Tribunal a quo erro de direito.
T. Como bem sustenta a Decisão recorrida, (i) os gastos efetuados pela Recorrida, bem como a sua depreciação, num montante total de € 40.052,68, devem ser considerados fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.° n. °1, al. a) e g) do CIRC, pois são comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, inserindo-se no objeto social da impugnante que também promovia a atividade de operador trístico e apenas não geraram proveitos por dificuldades na transferência da propriedade por parte de entidade alheia à Recorrida; (ii) tendo-se demonstrado que os montantes estão registados e identificado a natura/origem, finalidade e o beneficiário das despesas, não devem as mesmas ser objeto de tributação autónoma nos termos do artigo 88.°, n.° 1 do CIRC.
U. Mostra-se, pois, insuficiente para a manutenção do ato impugnado a prova que a Recorrente fez da verificação dos pressupostos da existência, qualificação e quantificação dos factos tributários, à luz do artigo 74.° da LGT, e totalmente irrelevante os argumentos em que sustenta a sua pretensão da alteração e ampliação da matéria de facto.
V. Neste enfoque, todos os argumentos que vêm de se expor são bem elucidativos da legalidade da decisão proferida, pelo que Sentença recorrida não merece qualquer censura.
W. Pelo que deverá manter-se a decisão recorrida, nos termos da qual se determinou julgar parcialmente procedente a impugnação judicial e, nessa medida, manter-se a anulação das liquidações de IRC e juros compensatórios, referente ao ano de 2013.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá ser rejeitado o recurso em resposta e confirmada a Sentença Recorrida, com o que V. Exas. farão a sã e costumada
JUSTIÇA!».

1.5. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal que, em 22.05.2019, declarou acompanhar o entendimento vertido na sentença recorrida e, por os recursos interpostos não merecerem provimento, concluiu que tal sentença deve ser mantida na ordem jurídica.

Colhidos os vistos legais junto dos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações das Recorrentes, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento de direito e de facto que lhe vêm apontados, sendo concretamente:
- no recurso da Impugnante, por não se ter considerado (i) violado o princípio da presunção da veracidade das faturas, vertido no artigo 75.º da LGT, pois os artigos 19.º e 36.º do CIVA não exigem que o comprador esteja munido de documentos identificativos do vendedor/ emitente da fatura, sendo certo que a AT não apresentou factos que indiciem a falsidade da fatura nem pôs em causa a realização das operações subjacentes; que (ii) a AT violou o princípio da verdade material porquanto não solicitou os documentos que considerou em falta nem averiguou a identidade do emitente das faturas e (iii) por não ter considerado que se verificava o arguido vício de falta de fundamentação, na medida em que os factos em que se sustenta não são claros nem suficientes para indiciar a existência ou a simulação das operações subjacentes;
- no recurso da ATA, porque o Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova produzida, a qual indiciava que a Impugnante nunca pretendeu exercer a atividade de operador turístico e porque as despesas sujeitas a tributação autónoma não estão devidamente documentadas nem permitem identificar o respetivo beneficiário final.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
1. Em dezembro de 2013 a Impugnante tinha como objeto social a importação, exportação, representações, instalação, manutenção e comercialização de equipamentos e programas informáticos; a consultoria em equipamento informático; a fabricação de aparelhos e de equipamentos para comunicações e a promoção da atividade de operador turístico (cf. fls. 25 verso, 26 e 31 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos autos).
2. A Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção geral relativa ao exercício de 2013, no âmbito da qual foram efetuadas correções à tributação autónoma no montante de €46.492,40 e à matéria coletável, de natureza meramente aritmética, no montante de 336.404,95€, atingindo a matéria coletável corrigida o montante de 337.922,29€ (cf. fls. 42 verso e 54 e 55 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos autos).
3. No dia 9 de dezembro de 2014 foi elaborado relatório de inspeção tributária, o qual se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 25 a 56 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos autos) e no qual consta o fundamento de tais correções e tributação autónoma, transcrevendo-se aqui o mesmo na parte com interesse para a decisão:
«III). Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas ao imposto e matéria coletável
III.1). Embarcação “X” – IVA indevidamente deduzido e Gastos não dedutíveis em IRC
De acordo com o contrato de compra e venda de embarcação usada, celebrado em 2013/03/19, a E. adquiriu à A. LDA, NIF (…), uma embarcação usada, marca Prestige, Modelo 38S/2008, registada, à data com o nome “X”, pelo valor global de € 160.000,00, IVA incluído.
Essa embarcação encontra-se reconhecida contabilisticamente no ativo da empresa, pelo valor acima referenciado.
Constatou-se que o sujeito passivo deduziu, em 2013, o IVA suportado nas aquisições efetuadas de bens e serviços relacionados com a manutenção e conservação da referida embarcação, no montante global de € 2.601,25, e considerou esses gastos, no valor de € 12.956,75, fiscalmente dedutíveis em sede de IRC.
Apresenta-se, resumidamente, os documentos referentes às referidas aquisições:
Quadro 5:
[Ver quadro no documento original]
O contribuinte reconheceu, ainda, como fiscalmente dedutível em sede de IRC, o gasto com a depreciação do barco, num montante de € 27.095, 93.
De acordo com a inscrição 5, na certidão permanente da empresa, resultante da apresentação n.º 7/20131216, constata-se que o objeto social da E. foi, então, alargado à “fabricação de aparelhos e de equipamentos para comunicações e promoção da atividade de operador turístico”.
Em 2013, não consta que tivessem sido obtidos quaisquer rendimentos derivados, nomeadamente, da atividade de operador turístico.
(...)
Tendo em consideração todos os factos relatados, sublinhando aqui, apenas, a data em que o objeto social da E. passou a incluir atividades de promoção de turismo (Dezembro de 2013) e o facto da embarcação ainda não constar, nesta data, como propriedade da E., conclui-se que, claramente, durante o exercício de 2013, nunca houve a intenção de exercer a atividade marítimo-turística.
(…)
Correcção em sede de IRC
Pelos motivos atrás expostos, considera-se nos termos do art. 23.º do CIRC e al. e) do n.º 1 do art. 34.º do mesmo normativo, que os gastos reconhecidos relacionados com a embarcação “X” não são fiscalmente dedutíveis, sendo, por isso, de acrescer, para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício de 2013, o valor de € 40.052,68 (Gastos indicados no Quadro 5 + depreciações).
[…]

III.7). Divergências no Inventário final de mercadorias, notas de crédito não consideradas e compras de mercadorias não declaradas
De acordo com a contabilidade exibida no âmbito da presente ação inspetiva, em 2013 – ano de início efetivo de atividade – o valor do inventário inicial de mercadorias é igual ao valor do inventário final, isto é, zero, concluindo-se, em princípio, que tudo aquilo que foi adquirido para venda foi, efetivamente, vendido.
No entanto, foram identificadas duas faturas de fornecedores, as que descrevemos de seguida, contabilizadas a título de compra de mercadorias, relativamente às quais não foi possível efetuar a correspondência com a respetiva fatura de venda emitida pela E.:
- Fatura n.º 365, emitida em 2013/06/28, pela G., LDA, NIF (…), no valor de € 33.750,00 + IVA (€ 7.762,50), doc. Contabilístico n.º 2060025;
- Fatura n.º 91, emitida em 2013/11/25, pela L., NIF (…) (registado em IVA na Letónia, cessado no VIES desde 2014/02/10), no valor de € 124.900,00, aquisição que o fornecedor não declarou enquanto transmissão intracomunitária de bens, e que, em 2013/12/31, de acordo com a contabilidade exibida pelo sujeito passivo inspecionado, constava em dívida.
Mais, relativamente ao fornecedor L., e, de acordo com a informação constante do VIES, este não teria efetuado qualquer transmissão intracomunitária de bens, em 2013, para a E. (corresponde a uma das divergências apontadas no ponto II.3.5.1). deste relatório).
(...)
Em face do exposto, conclui-se:
- o stock final de mercadorias declarado em 2013 está subvalorizado em € 33.750,00, valor das mercadorias adquiridas à G., LDA, cfr. Fatura n.º 365, emitida em 2013/06/28, ainda não vendidas;
- o valor das compras de mercadorias contabilizado/declarado está sobrevalorizado em € 124.900,00, na medida em que as mercadorias supostamente adquiridas à L. através da Fatura n.º 91, emitida em 2013/11/25, nunca fizeram parte do stock de mercadorias da E.. Esta transação nunca ocorreu.
Por outro lado, conforme se expôs no ponto II.3.5.1), foram ainda detetadas divergências entre as transmissões intracomunitárias declaradas no VIES pelos fornecedores T., K. e N. e as aquisições reconhecidas contabilisticamente pela E..
Solicitados esclarecimentos sobre as referidas divergências, o contribuinte apresentou, relativamente aos fornecedores T. e K., as faturas, supostamente, por lapso, não contabilizadas, as quais descrevemos de seguida:
- Fatura n.º 7882, emitida em 2013/12/30, pelo fornecedor T., relativa à aquisição de telemóveis no valor de € 20.510,00;
- Fatura n.º 130100326, emitida em 2013/11/07, pelo fornecedor K., relativa à aquisição de telemóveis no valor de € 4.455,00;
- Fatura n.º 130100329, emitida em 2013/11/08, pelo fornecedor K., relativa à aquisição de telemóveis no valor de € 4.050,00.
Considerando estas faturas emitidas pelos fornecedores T. e K. em epígrafe, ainda assim, o n.º total de unidades de mercadorias vendidas (48.105) é superior ao total das adquiridas (47.523).
Assim sendo, serão as mesmas consideradas para efeitos de correção do custo das mercadorias vendidas.
Já no que se refere ao fornecedor N., relativamente ao qual se constata que o valor das transmissões intracomunitárias declaradas no VIES são inferiores às aquisições intracomunitárias declaradas pela E., o contribuinte inspecionado limitou-se a confirmar os movimentos registados na respetiva conta corrente.
Acontece porém que, obtida, em 2014/10/22, informação no âmbito do pedido de cooperação administrativa efetuado junto da Administração Fiscal da Letónia, confirmamos que o fornecedor em epígrafe emitiu, em 2013, para o cliente E. os seguintes documentos, cfr. conta corrente em anexo (Anexo 1):
- Valor total das faturas emitidas = € 563.945,00
- Valor total das notas de crédito emitidas = € 123.028,00;
Ou seja, o valor das aquisições intracomunitárias de bens ao fornecedor N., em 2013, é de € 440.917,00 e não € 563.945,00, como declarou a E., o que significa que o valor do custo das mercadorias vendidas pela E. está sobrevalorizado em €123.028, 00.
As alterações propostas ao valor das compras e ao valor do inventário final de mercadorias, aqui descritas, têm como consequência uma correção negativa ao custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas declarado, que ascende a:
Correção ao CMVMC = € 33.750,00 + € 124.900,00 - € 20.510,00 - € 4.455,00 + 123.028,00= € 252.663,00
(...)
Correção em sede de IRC:
Com base nos fundamentos apresentados, que resultam no apuramento de um custo das mercadorias vendidas inferior ao apurado pelo contribuinte, propõe-se a correção ao resultado fiscal em sede de IRC, declarado em 2013, no montante de € 252.663,00. (...)
III.9). Despesas não devidamente documentadas: Tributação autónoma – IRC
A contabilidade exibida pela E. evidencia, em 2013/12/31, um saldo devedor no montante de € 92.984,79, numa conta de terceiros, a conta SNC 2781002 “H.”, significando, esse saldo, um crédito a favor da E., cfr. Anexo 10.
Os documentos de suporte aos registos efetuados na referida conta correspondem aos extratos bancários das contas à ordem da E. sediadas no Banco BPI, Barclays e Millenium BCP, onde constam assinalados diversos movimentos a débito (na óptica do registo bancário) referentes a compras diversas.
Juntamos em anexo os documentos de suporte a dois dos registos constantes da referida conta (cfr. Anexo 11).
Notificou-se o contribuinte para informar a que se referiam os montantes contabilizados e a que título foram as correspondentes despesas pagas, através de contas bancárias da E..
Em resposta o contribuinte, apenas informou “São empréstimos efetuados ao colaborador.” Sem juntar qualquer documento que o comprovasse.
Conforme se conclui da consulta aos documentos constantes do Anexo 11 (conclusão esta, transversal a todos os documentos registados na referida conta), estão em causa, na maior parte dos casos pagamento efetuados, através de cartão de débito, de despesas diversas (nomeadamente, em lojas de vestuário, de perfumes, e outras) e ainda levantamento de cheques.
Em ambas as situações não foram apresentados os documentos referentes às despesas propriamente ditas, pelo que se desconhece em nome de quem foram os mesmos emitidos e, bem assim, quem foi o beneficiário final das mesmas. Mais, não é possível vislumbrar, atendendo ao tipo de atividade do sujeito passivo, a ligação destes movimentos com a atividade.
Face ao exposto, considera-se que as despesas em epígrafe pagas pela E. não se encontram documentadas, pelo que, nos termos do art. 88.º, n.º 1 do CIRC se propõe a sua tributação autónoma à taxa de 50%, no montante de € 92.984,79*50% = €46.492,40.
(...)
IX. 1) Exercício do direito de audição
(...)
Quanto à correção proposta, descrita no ponto III.2).:
“III.2). Mais-Valia com permuta de imóvel não tributada em sede de IRC”
[…]
Relativamente à correção proposta, descrita no ponto III.7).:
“III.7) Divergências no Inventário final de mercadorias, notas de crédito não consideradas e compras de mercadorias não declaradas
O contribuinte, mais uma vez, declarou aceitar parcialmente, invocando a existência de outras faturas de aquisição de mercadorias, efetuadas em 2013, que, por lapso, não foram contabilizadas mas que respeitam a reais aquisições.
Assim, informa o contribuinte, que “... adquiriu à empresa B.” produtos que vendeu ao seu cliente “A.”, sem que as respectivas facturas de compra n.ºs 45, 46, 47 e 48 daquele fornecedor, tenham sido contabilizadas...”.
O contribuinte juntou em anexo cópia das respetivas faturas de aquisição, num total de € 102.415,00, e outros documentos supostamente relacionados com as referidas transações, solicitando que este montante seja considerado para efeitos de correção ao valor do CMVMC (...).
Antes de se pronunciar especificamente sobre cada uma das restantes correções, o contribuinte achou por bem tecer as seguintes considerações sobre a Análise Contabilística desenvolvida pela AT no ponto II.3.4). do Relatório (...), designadamente, quanto esta aponta como causa para a baixa rentabilidade fiscal da empresa – dada a dimensão consideravelmente elevada do volume de negócios declarado em 2013 – a diminuta margem de lucro sobre as vendas:
“...não pode a AT desconhecer que o ramo de negócio – comércio por grosso de equipamento informático, telemóveis e outras tecnologias de informática e telecomunicações – em que se insere a exponente no mercado europeu, funciona num contexto de distribuição “box-moover”...em que a ideia é, ..., cada um dos operadores tentar adquirir os produtos ao preço mais baixo possível e vendê-los ao melhor preço que conseguir, o que depende essencialmente da procura e de quanto o cliente está disposto a pagar, ou seja da oportunidade do negócio
Com um mercado tão volátil e instável, os operadores não conseguem margens brutas de comercialização elevadas, situando-se entre os 1,5% e os 3%, o que, sob pena de absorção completa da margem, implica especiais cuidados nos investimentos iniciais, conduzindo a que os operadores no mercado recorram frequentemente a subcontratos de estruturas já existentes.
Desta forma, a margem bruta de comercialização revelada pela exponente em 2013, assim como a rentabilidade fiscal, situam-se dentro dos parâmetros normais para o sector de actividade económica em que se insere...”
Relativamente à correção em sede de IVA e IRC proposta no ponto III.1).:
“III.1). Embarcação “X” – IVA indevidamente deduzido e Gastos não dedutíveis em IRC”
O contribuinte discordou totalmente, sintetizando-se, de seguida os motivos (...):
- Contrariamente ao concluído pela AT – de que nunca houve a intenção de exercer a atividade marítimo-turística – a exponente viu a possibilidade de complementar o seu negócio na área do turismo, alugando, a partir de dezembro de 2013, a embarcação X para passeios de fins de semana de visita às caves do vinho do Porto, ao longo do Rio Douro;
- Com esse fim, celebrou contrato de compra e venda com a “A.” em Abril de 2013, adquirindo a embarcação que se encontrava em liquidação por parte do “Banco …” junto do seu cliente “I.”;
- Foram necessárias obras de adaptação e melhoria das condições da embarcação para a prossecução do fim em vista, tais como a colocação de uma divisória para se poder pernoitar e equipamento de segurança adequado (Facturas 20130022 e 20130061 da A.), tendo ainda a embarcação de se deslocar à Marina de Vilamoura – único local onde é possível realizar este serviço – para colocação de bomba de água automática para a boa utilização da casa de banho;
- Apesar de se encontrar tudo preparado para o licenciamento da embarcação, não foi possível iniciar a projetada atividade de aluguer da embarcação, pois ocorreram dificuldades na concretização do contrato de compra e venda com a A., no que respeita à transferência da propriedade para a E., o que impossibilitou, entre outros, a realização dos necessários seguros.
-Tendo em conta as dificuldades assinaladas, nomeadamente, na aquisição da embarcação, a E. cedeu em 2014/10/16, à empresa G., tudo conforme documentos juntos.
- Posto isto, era clara a intenção de fazer negócio com a embarcação, daí o alargamento do objeto social da exponente à atividade de “promoção da atividade de operador turístico” no período do investimento;
- E, apesar de se ter frustrado posteriormente a obtenção de rendimentos com o aluguer da embarcação, no momento em que os custos com a mesma foram efetuados, estes eram adequados e necessários para que a embarcação pudesse vir a gerar lucros no âmbito da sua atividade de “operador turístico”, isto é, foram contraídos no interesse da E. para gerar potenciais proveitos ou rendimentos no prosseguimento do seu objeto social.
- Assim sendo, conclui o contribuinte, “... não pode a AT deixar de considerar os custos com a embarcação e a dedução do respetivo IVA, sob pena de, ao não proceder desta forma, se ingerir nos critérios da bondade e da oportunidade das decisões económicas da exponente na gestão da empresa, numa intolerável intromissão da sua liberdade e autonomia de gestão...”
IX.2). Apreciação dos factos e fundamentos suscitados no exercício do direito de audição
(...)
III.2). Mais-Valia com permuta de imóvel não tributada em sede de IRC
[…]
III.7). Divergências no Inventário final de mercadorias, notas de crédito não consideradas e compras de mercadorias não declaradas
Mais uma vez, o contribuinte não se opõe às correções propostas, mas reclama que lhe sejam considerados gastos incorridos não contabilizados. Os referidos gastos encontram-se documentados através das faturas n.ºs 45 a 48, emitidas entre 2013/03/11 e 2013/03/21, relativas à aquisição de mercadorias ao fornecedor intracomunitário B., N.º de IVA 01420461, num total de € 102.415,00.
Em anexo, o contribuinte juntou, em formato digital, cópia (Fls. 94 a 97 e 310 a 342):
- Das faturas de venda de mercadorias emitidas pela B. à E. acima referenciadas;
- Das faturas emitidas pela E. ao cliente intracomunitário A. SRL, que, segundo informa, respeitam à venda da mercadoria adquirida à B., conforme faturas n.ºs 45 a 48, que esta supostamente emitiu;
- Dos comprovativos dos pagamentos efetuados pelo cliente intracomunitário A. SRL à E., referentes às faturas referidas no ponto anterior;
- De e-mails enviados pela E. a plataformas logísticas localizadas em Espanha, solicitando a entrega das mercadorias vendidas à A. SRL, nos quais consta aposta informação de quem supostamente recebeu a mercadoria;
- De documentos identificados como “S.. Copy” onde é identificado o “S..” como sendo “L. BV”, na Holanda, e “S.. To” “For G.,” ou “G., – T.”, em Espanha, referente a transportes de mercadorias entre a Holanda e a Espanha;
- De CMR’s, onde expedidor e destinatário coincidem com os identificados no ponto anterior como “S” e “S.. To”, respetivamente, sendo que dois dos três documentos apresentados, não contém qualquer assinatura ou carimbo.
Analisados os documentos apresentados, considera-se pertinente referir o seguinte:
- Não constam quaisquer comprovativos de pagamento das mercadorias adquiridas pela E. à B.;
- Em nenhum dos documentos de transporte de mercadorias apresentados consta a menção à B.;
- De acordo com as informações constantes das faturas emitidas pela B. à E., conclui-se que esta última vendeu por € 92.476,90, mercadorias que lhe custaram € 102.415,00. Constata-se, assim, a quebra do preço na venda de todas as mercadorias em questão.... Conforme atrás se transcreveu do direito de audição apresentado, o contribuinte justificou as quebras de preço, com o facto de operar num mercado muito volátil e instável, no que diz respeito ao preço... e muitas vezes para não se perder o negócio ou o cliente, se seja forçado a vender abaixo do preço de custo... No entanto, neste caso, não se percebe o que justificará esta venda com prejuízo. As faturas de aquisição e de venda das mercadorias em questão têm a mesma data de emissão, ou data muito aproximada. Logo, porquê consumar a compra de mercadoria se à partida terá prejuízo com a venda (Cfr. Anexo 12)...
Por outro lado, conforme exposto no ponto III.8.2.1.). deste relatório, constatou-se, através da consulta ao Sistema de Troca de Informações do IVA (VIES), que o emitente das faturas de aquisição intracomunitária de mercadorias agora apresentadas, a B., SRO (designação constante na contabilidade da E.), N.º IVA 01420461, não se encontra registado no cadastro, e, como seria de prever, aquelas aquisições não foram declaradas no VIES.
Mais, da resposta obtida no âmbito de pedido de cooperação administrativa à Administração Fiscal da República Checa sobre aquela entidade, que abaixo de repete, constata-se que a B. se trata de:
“...
- Contribuinte não registado para efeitos de IVA;
- Nem a empresa B. SRO nem os seus diretores executivos ou sócios permanecem na República Checa, nunca entregaram quaisquer declarações de IVA e não são sujeitos passivos de IVA. Não conhecemos qualquer outro sector de atividade da empresa na República Checa. De acordo com o “Business Register” a sede da empresa é na morada “(…)”, escritório do procurador da empresa JU Dr. (J.) Sr. S., que informou que tinha apenas tratado do registo da empresa, não dispondo de quaisquer documentos. - A sede da empresa e a caixa de correio não estão relacionados no endereço mencionado, que é um edifício residencial com vários escritórios.
- Não é conhecida a conta da empresa
- As empresas E. e B. têm o mesmo director executivo, R..
- São sócios da B., R. e H. .
...”
Face às informações emanadas da Administração Fiscal da República Checa e independentemente da documentação apresentada pelo contribuinte poder indiciar a existência de operações de aquisição de bens, a verdade é que, a terem existido, todos os factos apontam para que o fornecedor efetivo dos mesmos não corresponda àquele que o contribuinte identificou, pelo que nos termos do art. 23.º do CIRC se consideram, os gastos não contabilizados, agora dados a conhecer, não dedutíveis, mantendo-se a correção proposta neste ponto III.7). (de acordo com o valor apurado no Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, datado de 2014/11/03).
III. 1). Embarcação “X”- IVA indevidamente deduzido e Gastos não dedutíveis em IRC
O contribuinte opõe-se à correção em epígrafe, na medida em que, do seu ponto de vista, era clara a intenção de vir a exercer a atividade de “operador marítimo-turístico”, tendo, por isso, procedido ao alargamento do seu objeto social – em dezembro de 2013. Mais, considera que não é o facto de não ter obtido rendimentos provenientes da referida atividade que põe em causa a necessidade e adequação dos gastos incorridos na expetativa de que a mesma pudesse vir a gerar lucros. O contribuinte apresentou, em formato digital, os seguintes documentos (Fls. 3 a 42):
- Contrato de compra e venda de embarcação usada (a “X”), celebrado em 2013/04/24, entre a I., Lda. (vendedora), NIF (…), e a A. (compradora), por € 140.000,00. Do contrato exibido não é possível identificar os representantes das entidades referidas;
- Contrato de compra e venda de embarcação usada (a “X”), celebrado em 2013/03/19, entre a A. (vendedora), e a E. (compradora), por € 160.000,00. A data de entrega prevista do bem era 2013/04/22, estando prevista a transferência de propriedade com reserva a favor da vendedora até pagamento integral do preço;
- Comprovativos dos pagamentos efetuados pela E. à A.;
- 2.ª via do Livrete da embarcação onde consta como proprietário a entidade S., SA, NIF (...);
- Faturas emitidas pela A. em 2013 referentes a serviços prestados à E. relacionados com a embarcação;
- Documento de liquidação do Imposto Único de Circulação emitido em nome da I., cujo pagamento, como comprova foi efetuado pela E.;
- Fatura de venda do “X” emitida pela A. à E. em 2014/10/15, por € 160.000,00, onde consta a referência de que “Os artigos e serviços facturados foram colocados à disposição do adquirente em 2014/10/15, ao abrigo do art.º 36, n.º 5 alínea f) do”;
- Fatura de venda do “X” emitida pela E. à G., Lda., NIF (…), por 147.500,00, em 2014/10/16, onde consta a referência de que “Os artigos e serviços facturados foram colocados à disposição do adquirente em 2014/10/15, ao abrigo do artº 36, n.º 5, alínea f) do “;
- Declaração para registo de propriedade e contrato de compra e venda da embarcação “X” celebrado em 2014/05/26, entre a E. e a G., por €147.500€;
- Contrato promessa de compra e venda da embarcação X entre a S. SA, representada pelo locatário E., e a G., em 2014/05/14;
De acordo com a informação constante da base de dados da AT (cfr. Anexo 13) a embarcação em questão é propriedade da S., SA, desde 2008/07/16, sendo locatário da mesma a I., desde 2008/08/04. Esta informação é compatível com a constante da 2.ª Via do Livrete apresentada pelo contribuinte,
Conforme se constata do elenco de documentos apresentados pelo contribuinte, na generalidade, contratos, não foi apresentado um único, em que a efetiva proprietária do barco interviesse. Ou seja, as entidades identificadas com adquirentes “compraram” um bem que as vendedoras não tinham. Mais, questiona-se a legitimidade da E., quando intervém a título de representante da S., SA e na qualidade de locatária da embarcação (Contrato de promessa de compra e venda de 2014/05/14).
Pelos documentos apresentados pelo contribuinte, cujo conteúdo é confuso e não raras vezes incoerente, nomeadamente, no que se refere às datas em que os mesmos são assinados, é quase impossível concluir, quem, entre 2013 e 2014, teve na sua posse a embarcação “X”.
O que resulta da informação mais fiável- a constante da base de dados da AT e a do livrete da embarcação – é a de que será a I., pela sua qualidade de locatária.
De referir, por último, que a E. refere ter visto “... a possibilidade de complementar o seu negócio na área de turismo, alugando, a partir de dezembro de 2013, a embarcação X para passeios de fins de semana de visita às caves do vinho do Porto, ao longo do Rio Douro...” mas não demonstra em que se baseou para tal, não sendo expetável, que uma entidade com poucos meses de existência e quase nenhum de atividade propriamente dita, cujo “core business” é tão distinto, “veja” uma possibilidade de negócio e parta de imediato para a concretização do necessário investimento, que, atendendo à performance da E. até então, se pode dizer de vulto.
Ainda assim, parece-nos de sublinhar o facto de que a E. alterou o objeto social em dezembro de 2013, incluindo a atividade de “Operador Marítimo-Turístico”, sem, na realidade, deter o alvará necessário para o exercício da mesma, e numa altura em que já teria consciência das dificuldades em conseguir a propriedade do barco. Tanto é que, de acordo com os documentos apresentados, em 2014/05/14, a E. já prometia a venda da embarcação... Certo é que, a embarcação mantém-se na propriedade da S., SA.
Assim, reafirmando tudo quanto se expôs no ponto III.1). deste relatório e acrescentando todas as dúvidas levantadas acerca da propriedade e real posse da embarcação, decorrentes da análise dos documentos agora apresentados, mantêm-se as correções aqui em apreciação.
(...)
IX.3). Resumo das correções meramente aritméticas apuradas: IVA e IRC – Após análise do direito de audição
(...)
Em sede de IRC:
De acordo com os factos e fundamentos descritos nos pontos III.1)., III.2)., III.3)., III.6) e III.7)., e face às alterações resultantes da análise efetuada aos elementos apresentados pelo contribuinte em sede de direito de audição, as correções meramente aritméticas apuradas passam de € 343.778,68 para € 336.404,95, propondo-se a correção da matéria coletável declarada, de € 379,34 para € 337.922,29, como se expõe:
Quadro 14:
[Ver quadro no documento original]»
(cf. fls. 31 a 55 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos autos).
4. Na sequência das correções efetuadas, em 19/12/2014, foi emitida a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, com o n.º 20148310035625, referente ao exercício de 2013, no montante global de 134.447,76€, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 18/2/2015 (cf. fls. 57 a 61 do processo administrativo e fls. 24 verso a 25 verso do suporte físico do processo).
5. Em 5/6/2015 a Impugnante apresentou reclamação graciosa referente ao ato de liquidação referido no n.º anterior, a qual foi indeferida em 24/05/2016, com os fundamentos constantes de fls. 72 a 73 do procedimento de reclamação graciosa apensos aos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cf. fls. 61 do processo administrativo e procedimento de reclamação graciosa apensos aos autos).
6. Em 21/6/2016 a Impugnante apresentou recurso hierárquico referente ao ato de liquidação referido em 4), o qual foi indeferido em 11/11/2016, com os fundamentos constantes de fls. 43 a 50 do procedimento de recurso hierárquico apensos aos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cf. fls. 61 do processo administrativo e procedimento de recurso hierárquico apensos aos autos).
7. Em 2013, a Impugnante adquiriu à A. a embarcação “X” para a poder alugar a diversos operadores comerciais e turistas para realização de passeios turísticos no Rio Douro, tendo a embarcação imediatamente entrado na posse da Impugnante (cf. depoimento das testemunhas L. e M.).
8. Em 2013, na posse da embarcação referida no n.º anterior e com vista à sua operacionalidade no Rio Douro, a Impugnante procedeu, na marina de Vilamoura, a obras de adaptação e melhoria das suas condições, como climatização da parte social, colocação de divisória e cumprimento de requisitos legais de inspeção para aluguer da mesma, nomeadamente sistema de combate a incêndios e bombas de água mais fortes, conforme faturas constantes do quadro 5 do relatório de inspeção tributária (cf. depoimento das testemunhas L. e M.).
9. Devido a dificuldades na transferência da propriedade da embarcação “X” da A. para a Impugnante, tal embarcação não pôde operar em 2013 por falta da inspeção, seguro e licenciamento necessários decorrentes do direito de propriedade (cf. depoimentos das testemunhas L. e M.).
10. Os montantes registados em 2013 na conta SNC 2781002 “H.” referem-se a empréstimos a favor de H. , funcionário da Impugnante à data dos factos, efetuados através de vários tipos de movimentos (levantamentos, cheques, pagamentos), que viriam a ser reembolsados pelo mesmo a partir de 2015 (cf. depoimento das testemunhas M. e H. , fls. 78 a 100 do suporte físico do processo e pasta apensa aos autos “H. – Pagamentos E. – 2015, 2016, 2017, 2018”).
Factos não provados:
A) A Impugnante adquiriu à empresa “B.” os produtos com as faturas de compra n.ºs 45 a 48 que vendeu ao seu cliente “A.”.
Motivação:
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso, conforme indicado em cada um dos números.
Quanto aos factos provados números 7 a 10 e facto não provado A), além da prova documental quando aplicável, foi determinante o depoimento das testemunhas inquiridas conforme atas de fls. 101 a 105 do suporte físico do processo, a saber L., R., M. e H. , que se mostraram:
- credíveis e coerentes, dado que apresentaram um discurso seguro e congruente, sem hesitações de relevo, não resultando do seu depoimento incoerências internas nem contradições;
- isentas, pois não revelaram qualquer interesse pessoal na resolução da causa;
- e demonstraram ter conhecimento direto dos factos pelas razões infra discriminadas.
L. demonstrou ter conhecimento direto dos factos em causa nos presentes autos porquanto, através da empresa A., que representava como diretor comercial, manteve relações comerciais com a Impugnante, vendendo-lhe um barco de nome “X” em 2013. A testemunha explicou ao Tribunal que a aquisição deste barco teria como fito que o mesmo funcionasse como charter no rio Douro (aluguer de barco), para efeitos de operações turísticas, o que motivou a sua adaptação para este efeito: climatização da parte social, montagem de divisória na parte de trás e cumprimento de requisitos legais de inspeção para aluguer do mesmo, nomeadamente sistema de combate a incêndios e bombas de água mais fortes. Estas intervenções ocorreram e foram prestados no Algarve (marina de Vilamoura). A testemunha mencionou que acompanhou o processo, não se tendo conseguido a transferência da propriedade do barco da A. para a Impugnante por força do incumprimento de entidades terceiras (S. e I.) e, dessa forma, tão pouco a inspeção e seguros necessários para início de atividade de operador turístico, apesar da posse do barco estar já na E., bem como a sua adaptação ter sido realizada para charter no Douro. Tal motivou a venda da embarcação a outra empresa em 2014.
R. demonstrou ter conhecimento direto dos factos por ter trabalhado como comissionista/prestador de serviços para a Impugnante. No seu depoimento afirmou não conhecer a empresa B. e que vender mercadorias abaixo do custo não deve ser normal no setor.
M. demonstrou ter conhecimento direto dos factos porquanto era técnico oficial de contas da Impugnante à data dos factos. Explicou ao Tribunal que a Impugnante adquiriu uma embarcação com vista ao exercício de atividade de operador de turístico, tendo alterado o CAE junto da AT, para efeitos de diversificação de negócio, com aluguer do barco no Rio Douro. Para tal tiveram de ser realizadas obras na embarcação, o que contabilizou como gastos, bem como também contabilizou a depreciação da embarcação. A testemunha referiu que houve problemas com o procedimento de transferência da propriedade da embarcação para a Impugnante (atrasos de ordem administrativa e burocrática), pelo que acabariam por vender a embarcação posteriormente. Mais explanou a questão relativa à permuta de imóvel, referindo que os impostos sobre o património não foram contabilizados pela AT na inspeção tributária. Quanto à conta SNC 278, conta H., explicou que se tratava de um funcionário da empresa, importante em termos comerciais, a quem a empresa emprestava dinheiro, que começou a ser reembolsado em 2015 através de depósitos na conta da empresa. Tratava-se de uma conta empréstimo a favor do devedor H., movimentada através de vários tipos de movimentos (levantamentos, cheques, pagamentos).
H. demonstrou ter conhecimento direto dos factos porque trabalhou para a Impugnante à data dos factos, sendo comercial na área do exterior (estrangeiro). Explicou que a Impugnante lhe efetuou empréstimos através de conta corrente “H.” e que a partir de 2015 começou a reembolsar a Impugnante, o que aconteceu ainda em 2018.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Antes de entrarmos na análise dos recursos interpostos, vejamos a fundamentação de direito acolhida na sentença recorrida, na parte que aqui importa reapreciar:
«(…)
A) Da falta de fundamentação
A Impugnante entende que a fundamentação apresentada pelo Fazenda Pública não é clara nem suficiente, nem congruente, razão pela qual o ato tributário deve ser anulado.
A Fazenda Pública entende que os atos tributários se encontram suficientemente fundamentados, motivo pelo qual são válidos.
Vejamos.
J. afirma a existência no procedimento tributário de um princípio da obrigatoriedade de fundamentação da decisão (ROCHA, Joaquim Freitas da, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5ª edição, Coimbra Editora, pp. 133 a 136).
Com efeito, a fundamentação de todos os atos administrativos encontra-se prevista constitucionalmente – art. 268.º, n.º 3 da CRP. Além disso, constitui um princípio estruturante no âmbito do procedimento tributário, ganhando um maior relevo na fase de decisão – art. 77.º, n.º 1 da LGT. Trata-se de permitir a um destinatário normal a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
A fundamentação abrange quer o dever de motivação (exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, nomeadamente quando existirem espaços discricionários), quer o dever de justificação (a referência ordenada aos pressupostos de facto e de direito que suportam tal decisão). Em todo o caso, deve ser feita de uma forma oficiosa, completa, clara, atual e expressa.
A falta destes requisitos (fundamentações incompletas, obscuras, abstratamente remissivas), bem assim como a falta da própria fundamentação, constitui ilegalidade, suscetível de conduzir à anulação do ato em causa, mediante meios graciosos ou contenciosos – cf. art.º 99.º, alínea c) do CPPT.
De notar que a fundamentação do ato tributário deve ser contemporânea ao mesmo, não sendo admissível fundamentação a posteriori - ver a propósito acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 04/04/2001, no rec. 025611.
Como resulta dos factos provados números 3 e 6 os atos tributários estão devidamente fundamentados, sendo possível ao intérprete reconstituir o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão e determinar a liquidação adicional, nos seguintes termos:
- no que toca à embarcação “X”: a AT considerou que, apesar do alargamento do objeto social em 2013 à “fabricação de aparelhos e de equipamentos para comunicações e promoção da atividade de operador turístico”, nunca houve a intenção de exercer a atividade marítimo-turística, pois o objeto social da E. passou a incluir atividades de promoção de turismo apenas em dezembro de 2013 e a embarcação ainda não constava na data de elaboração do RIT como propriedade da E.. Ademais, em 2013, não consta que tivessem sido obtidos quaisquer rendimentos derivados, nomeadamente, da atividade de operador turístico. A AT considerou esta embarcação como barco de recreio - cf. aplicação da al. e) do n.º 1 do art. 34.º do CIRC -. Deste modo, entendeu que não estão cumpridos os requisitos para a consideração destes gastos como custo fiscal nos termos do artigo 23.º do CIRC;
- no respeitante à mais-valia com permuta de Imóvel não tributada em sede de IRC: a AT considerou que a Impugnante obteve uma mais-valia contabilística de 15.451,27€, o que não foi reconhecido contabilisticamente e, consequentemente, não foi objeto de tributação;
- quanto às divergências no Inventário final de mercadorias: a AT procedeu a alterações ao valor das compras e ao valor do inventário final de mercadorias, que tiveram como consequência uma correção negativa ao custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas no montante de 252.663,00 €, correção que tem por base as subvalorizações e sobrevalorizações resultantes das seguintes facturas:
- fatura n.º 365 no valor de 33.750€ (mercadorias adquiridas à G.,);
- fatura n.º 91 no valor de 124.900€ (mercadorias supostamente adquiridas à L.);
- fatura n.º 7882 no valor de 20.510€ (aquisição de telemóveis à T.);
- fatura n.º 130100326 no valor de 4.455€ (aquisição de telemóveis à K.);
- fatura n.º 130100329 no valor de 4.050€ (aquisição de telemóveis à K.);
- valor do custo das mercadorias vendidas pela E. (adquiridas à N.) sobrevalorizado em 123.028€;
- quanto à despesas não devidamente documentadas objeto de tributação autónoma, a AT considerou que não foram apresentados os documentos referentes às despesas propriamente ditas, pelo que se desconhece em nome de quem foram os mesmos emitidos e, bem assim, quem foi o beneficiário final das mesmas, pelo que entendeu tributar as mesmas autonomamente nos termos do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC.
Pelo exposto, improcede o vício de falta de fundamentação alegado pela Impugnante.
B) Da violação de lei (princípios da legalidade e da verdade material e erro quanto aos pressupostos de facto e de direito das correções efetuadas).
1. Da violação do princípio da verdade material
A Impugnante alega que a Administração Fiscal violou o artigo 58.º da LGT, pois lhe era exigível a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
A Fazenda Pública entende que não houve violação do artigo 58.º da LGT, pois os serviços de inspeção tributária realizaram um conjunto alargado de diligências, analisando, reunindo e validando todos os elementos necessários e suficientes para efetuar a requalificação das operações que foram objeto de correção. Alegam ter efetuado um exame efetivo e criterioso dos elementos da escrita da Impugnante, tendo confrontado os valores insertos na contabilidade com outros elementos existentes na base de dados da AT, efetuaram pedidos de cooperação administrativa junto da AT do Reino Unido e da Roménia e inquiriram o responsável legal da Impugnante, solicitando-lhe informação sempre que necessário.
O artigo 58.º da LGT diz respeito ao princípio do inquisitório que obriga a administração tributária a proceder a todas as diligências que se mostrem necessárias para a descoberta da verdade material, independentemente de serem requeridas ou não pelo particular. Este dever da Administração tributária “deve ser interpretado em termos hábeis, sendo importante, nomeadamente, ter em atenção que não poderá significar a obrigatoriedade de realizar todas as diligências que sejam requeridas ou mais tarde reclamadas, nem a admissibilidade absoluta e inquestionável de todos os meios probatórios, mas apenas a vinculação da realidade e da verdade dos factos, admitindo e valorando as provas com as quais os interessados podiam razoavelmente confiar como provas atendíveis, para em seguida decidir sobre essa base” (ROCHA, op. cit., p. 124). Em sentido semelhante, veja-se o Recurso n.º 540/16-30 do Supremo Tribunal Administrativo, cujo Acórdão foi proferido em 1-2-2017.
In casu, e tendo em conta o relatório de inspeção tributária [cf. facto provado número 3] a Administração Tributária teve em conta os vários factos alegados pela Impugnante, nomeadamente os alegados e comprovados por documentos no exercício do seu direito de audição - cf. ponto IX.1) do RIT-, tendo analisado exaustivamente tais argumentos – cf. ponto IX.2) e decidido, de forma fundamentada (como vimos), pela necessidade de correções à matéria tributável.
Nestes termos, não houve violação do artigo 58.º da LGT, pelo que improcede esta alegação da Impugnante.
2. Da violação do princípio da legalidade e do erro quanto aos pressupostos de facto e de direito das correções efetuadas
A Impugnante entende que a AT violou o princípio da legalidade e incorreu em erro quanto aos pressupostos de facto e de direito das correções efetuadas, pelo que o ato de liquidação é ilegal.
A Fazenda Pública alega que o ato de liquidação não padece de tais vícios.
Analisemos, uma a uma, as correções em causa para verificar a sua legalidade.
2.1. Embarcação “X”
Relativamente a esta matéria a Impugnante insurge-se contra o acréscimo de 40.052,68€ (Gastos indicados no Quadro 5 do RIT + depreciações) ao apuramento do resultado fiscal do exercício de 2013 em virtude da não consideração como fiscalmente dedutíveis dos gastos relacionados com a embarcação “X”.
A Fazenda Pública considera que, apesar do alargamento do objeto social em 2013 à “fabricação de aparelhos e de equipamentos para comunicações e promoção da atividade de operador turístico”, nunca houve a intenção de exercer a atividade marítimo-turística, pois o objeto social da E. passou a incluir atividades de promoção de turismo apenas em dezembro de 2013 e a embarcação ainda não constava na data de elaboração do RIT como propriedade da E.. Ademais, em 2013, não consta que tivessem sido obtidos quaisquer rendimentos derivados, nomeadamente, da atividade de operador turístico (cf. facto provado n.º 3). A AT considerou esta embarcação como barco de recreio - cf. aplicação da al. e) do n.º 1 do art. 34.º do CIRC -. Deste modo, entende que não estão cumpridos os requisitos para a consideração destes gastos como custo fiscal nos termos do artigo 23.º do CIRC.
Vejamos.
Em primeiro lugar, importa ter em consideração que o facto tributário no IRC se considera praticado a 31 de dezembro (cf. artigo 8.º, n.º 9 do CIRC na redação vigente à data dos factos), pelo que será esta a data relevante para aferição do objeto social da Impugnante.
Seguidamente, leve-se em consideração, que a redação do artigo 23.º do CIRC aplicável à data dos factos era a seguinte:
Artigo 23.º
Gastos
1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;
b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;
f) De natureza fiscal e parafiscal;
g) Depreciações e amortizações;
h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;
i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;
j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;
l) Menos-valias realizadas;
m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
(...)” (destacados nossos).
Uma análise jurisprudencial deste artigo pode ser encontrada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (doravante STA) de 5/11/2014, in processo n.º 0570/13, cujo sumário pela sua importância se transcreve:
“I - Os custos que nos termos do artigo 23 do CIRC relevam fiscalmente serão todos aqueles que directamente interfiram no objecto social prosseguido pela impugnante.
II - Sendo o objecto social da recorrente o apoio a nível nacional nas áreas de informação em campos de especialização manifesta como é o caso da medicina, psicologia e formação profissional a revista produzida e distribuída pela recorrente é um meio comunicacional adequado e expedito para a prossecução de tal finalidade da recorrente.
II - Os custos relacionados com a sua feitura e distribuição onerosa ou gratuita não podem deixar por isso de ser considerados indispensáveis para efeitos do disposto no artigo 23 do CIRC.
III - O conceito de indispensabilidade dos custos é um conceito indeterminado tendo cabido à jurisprudência o seu preenchimento, mas de forma casuística não tendo surgido de tal labor uma definição concreta do mesmo.
IV - Mas essa indeterminação não consente que a Administração Tributária para a sua relevância o possa fazer sob o critério da sua razoabilidade ou mesmo necessidade ou de conveniência.” (destacados nossos).
Neste acórdão se cita também jurisprudência resultante do acórdão do STA de 29/03/2006, in processo n.º 01236/05, em cujo texto se afirma que “O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis. O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.” (destacados nossos).
No mesmo sentido da jurisprudência citada, ver acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16/10/2014, in processo n.º 06754/13.
Analisemos agora o caso dos autos.
Decorre dos factos provados n.ºs 1, 3 e 7 a 9 que:
- em dezembro de 2013 a Impugnante tinha como objeto social também a promoção da atividade de operador turístico;
- a Impugnante adquiriu a embarcação “X” para a poder alugar a diversos operadores comerciais e turistas para realização de passeios turísticos no Rio Douro;
- tal embarcação entrou imediatamente na posse da Impugnante e foi sujeita a obras de melhoria e adaptação para o exercício da atividade que se pretendia;
- devido a dificuldades na transferência da propriedade da embarcação “X” da A. para a Impugnante, tal embarcação não pôde operar em 2013 por falta da inspeção, seguro e licenciamento necessários decorrentes do direito de propriedade.
Este último ponto explica o motivo do não exercício efetivo da atividade pela Impugnante, o que impediu a geração de receitas em 2013 decorrentes da mesma. Contudo, a embarcação foi devidamente preparada para o exercício efetivo da atividade, tendo sido efetuadas obras de adaptação e melhoria, conforme facto provado n.º 8, apenas não se tendo conseguido tal exercício em virtude de dificuldades na transferência da propriedade para a Impugnante, dificuldades essas que impossibilitaram os procedimentos legais necessários (inspeção, seguros e licenciamento) para o exercício efetivo da atividade em 2013, conforme facto provado n.º 9.
Deste modo, os gastos efetuados pela Impugnante com a embarcação (Gastos indicados no Quadro 5 do RIT), bem como a sua depreciação, num montante total de 40.052,68€, devem ser considerados fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alíneas a) e g) do CIRC, pois são comprovadamente (cf. documentos que os suportam que constam do quadro 5 do RIT – cf. facto provado n.º 3) indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, porquanto se inserem no objeto social da Impugnante que também promovia a atividade de operador turístico e apenas não geraram proveitos por dificuldades na transferência da propriedade por parte de entidade alheia à Impugnante – cf. factos provados n.ºs 1 e 9.
Termos em que assiste razão à Impugnante quanto a esta correção, devendo a mesma ser anulada.
2.2. Mais-valia com permuta de imóvel
[]
2.3. Divergências no inventário final de mercadorias
A Impugnante alega que adquiriu à empresa B. produtos que vendeu ao seu cliente A., sem que as respetivas faturas de compra n.ºs 45, 46, 47 e 48 daquele fornecedor tenham sido contabilizadas num total de 102.415€, motivo pelo qual, em sede de direito de audição, aceitou parcialmente as correções realizadas com fundamento neste item. Mais alega que se encontram perfeitamente justificadas as diretrizes que nortearam a elaboração do inventário, dado que a margem bruta de comercialização revelada pela Impugnante em 2013 se situa dentro dos parâmetros normais para o setor de atividade económica em que se insere, pelo que devem improceder as correções efetuadas pela AT.
A Fazenda Pública considera que as 4 faturas de compra ao fornecedor B. que a Impugnante não registou na sua contabilidade e que quer ver aceite já foram analisadas em sede de inspeção e, não obstante a existência das mesmas, foram recolhidas informações que apontam no sentido de que o fornecedor efetivo não foi na verdade o B.. Quanto à correção propriamente dita efetuada pelos SIT no montante de € 252.663,00 relativa a um conjunto de faturas de fornecedores que não foram contabilizadas ou incorretamente contabilizadas (páginas 26 e 27 do RIT – fls. 36 verso e fls. 37 do procedimento de reclamação graciosa apenso ao PA), a Impugnante nada diz em contrário, apenas refere de um modo geral que as conclusões a que os SIT chegaram são imprecisas, inexatas e que distorcem a realidade operativa da Impugnante, mas não concretiza a sua opinião.
Relativamente ao exposto, a Impugnante nada logrou provar no que toca ao fornecimento pela empresa B. dos bens referidos nas 4 faturas de compra supra referidas, tendo inclusive a testemunha R., comissionista da Impugnante, afirmado não conhecer tal empresa, pelo que se mantêm as considerações tecidas no RIT, decisão de reclamação graciosa e recurso hierárquico quanto a esta matéria, de que ¯face às informações emanadas da Administração Fiscal da República Checa e independentemente da documentação apresentada pelo contribuinte poder indiciar a existência de operações de aquisição de bens, a verdade é que, a terem existido, todos os factos apontam para que o fornecedor efetivo dos mesmos não corresponda àquele que o contribuinte identificou [B.], pelo que nos termos do art. 23.º do CIRC se consideram, os gastos não contabilizados, agora dados a conhecer, não dedutíveis” (cf. facto provado n.º 3).
Quanto à correção propriamente dita efetuada pelos SIT no montante de € 252.663,00 relativa a um conjunto de faturas de fornecedores que não foram contabilizadas ou incorretamente contabilizadas (páginas 26 e 27 do RIT – fls. 36 verso e fls. 37 do procedimento de reclamação graciosa apenso ao PA), a Impugnante nada diz em contrário, limitando-se a tecer considerações sobre as baixas margens de comercialização da mesma. No entanto, tais considerações, embora corroboradas pelas testemunhas da Impugnante, não têm como efeito alterar as conclusões a que chegaram os SIT, uma vez que as correções se deveram a um conjunto de faturas de fornecedores que não foram contabilizadas ou foram incorretamente contabilizadas - cf. factos provados n.º 3 e 6-, onde se refere que a correção negativa ao custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas no montante de 252.663,00 € tem por base as seguintes facturas:
- fatura n.º 365 no valor de 33.750€ (mercadorias adquiridas à G.,);
- fatura n.º 91 no valor de 124.900€ (mercadorias supostamente adquiridas à L.);
- fatura n.º 7882 no valor de 20.510€ (aquisição de telemóveis à T.);
- fatura n.º 130100326 no valor de 4.455€ (aquisição de telemóveis à K.);
- fatura n.º 130100329 no valor de 4.050€ (aquisição de telemóveis à K.);
- valor do custo das mercadorias vendidas pela E. (adquiridas à N.) sobrevalorizado em 123.028€.
Trata-se assim de meras correções aritméticas, resultantes da correta contabilização das faturas supra mencionadas, pelo que os argumentos invocados pela Impugnante sobre margem de comercialização não levam a alterações em tais correções.
Termos em que improcede o alegado pela Impugnante quanto a esta matéria.
2.4. Despesas não devidamente documentadas
A Impugnante alega que a AT não alega um único facto que permita identificar as despesas tributadas como não documentadas, cabendo-lhe alegar factos que identificassem o beneficiário, a operação, o contrato, para depois concluir se estão deficiente ou suficientemente documentadas. Mais alega que a decisão da AT é errada por outro naipe de razões, pois a Impugnante registou como custo as despesas em causa (o documento que o suporta está contabilizado) e a AT não o pôs em causa, daí que a simples divergência quanto à interpretação do extrato bancário não permite concluir que tenha sido utilizado no pagamento de outras despesas. A Impugnante alega que se encontra identificado o destinatário da verba em exame e explicado que essa mesma verba se destinou a realizar empréstimo a um colaborador, inexistindo motivos que legitimem a realização de tributação autónoma.
A Fazenda Pública alega que os documentos de suporte aos registos efetuados na conta SNC 2781002 “H.” correspondem a extratos bancários das contas à ordem da Impugnante sediadas no Banco BPI, Barclays e Millenium BCP, onde constam assinalados diversos movimentos a débito (na ótica do registo bancário) referentes a diversas compras, estando em causa na maior parte dos casos pagamento efetuados através de cartão de débito, de despesas diversas, nomeadamente em lojas de vestuário, de perfumes e outras) e ainda levantamento de cheques. Em ambas as situações não foram apresentados documentos referentes às despesas propriamente ditas, desconhecendo-se em que nome foram os mesmos emitidos e também quem foi o beneficiário final das mesmas, não se conseguindo vislumbrar atendendo ao tipo de atividade da Impugnante a ligação destes movimentos com a atividade, pelo que devem as mesmas ser consideradas como encargos não documentados e por conseguinte sujeitos a tributação autónoma.
Vejamos.
O artigo 88.º, n.º 1 do CIRC vigente à data dos factos dispunha o seguinte:
“1 - As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º.”
Decorre do facto provado n.º 3 que a tributação autónoma levada a cabo pela AT tem a seguinte fundamentação:
“III.9). Despesas não devidamente documentadas: Tributação autónoma – IRC
A contabilidade exibida pela E. evidencia, em 2013/12/31, um saldo devedor no montante de € 92.984,79, numa conta de terceiros, a conta SNC 2781002 “H.”, significando, esse saldo, um crédito a favor da E., cfr. Anexo 10.
Os documentos de suporte aos registos efetuados na referida conta correspondem aos extratos bancários das contas à ordem da E. sediadas no Banco BPI, Barclays e Millenium BCP, onde constam assinalados diversos movimentos a débito (na óptica do registo bancário) referentes a compras diversas.
Juntamos em anexo os documentos de suporte a dois dos registos constantes da referida conta (cfr. Anexo 11).
Notificou-se o contribuinte para informar a que se referiam os montantes contabilizados e a que título foram as correspondentes despesas pagas, através de contas bancárias da E..
Em resposta o contribuinte, apenas informou “São empréstimos efetuados ao colaborador.” Sem juntar qualquer documento que o comprovasse.
Conforme se conclui da consulta aos documentos constantes do Anexo 11 (conclusão esta, transversal a todos os documentos registados na referida conta), estão em causa, na maior parte dos casos pagamento efetuados, através de cartão de débito, de despesas diversas (nomeadamente, em lojas de vestuário, de perfumes, e outras) e ainda levantamento de cheques.
Em ambas as situações não foram apresentados os documentos referentes às despesas propriamente ditas, pelo que se desconhece em nome de quem foram os mesmos emitidos e, bem assim, quem foi o beneficiário final das mesmas. Mais, não é possível vislumbrar, atendendo ao tipo de atividade do sujeito passivo, a ligação destes movimentos com a atividade.
Face ao exposto, considera-se que as despesas em epígrafe pagas pela E. não se encontram documentadas, pelo que, nos termos do art. 88.º, n.º 1 do CIRC se propõe a sua tributação autónoma à taxa de 50%, no montante de € 92.984,79*50% = €46.492,40.”.
De acordo com a jurisprudência do STA despesas não documentadas são aquelas que não apresentam ou têm por base qualquer documento de suporte que as justifique. Segundo o acórdão do STA de 19/04/2017, in processo n.º 01320/16, disponível em www.dgsi.pt:
“I - A terminologia empregue no art.º 23.º e 81.º é suficientemente esclarecedora de que o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental.
II - Tendo neste caso sido possível identificar as pessoas que no relatório de inspecção se referem ser trabalhadores/prestadores de serviços que receberam tais quantias, identificados pelos nomes, estamos perante identificação dos prestadores de serviços incorrecta, mas ainda assim, identificação daqueles.
III - Tais despesas não podem ser objecto de tributação autónoma porque estão documentadas embora de forma insuficiente, não havendo elementos que as permitam enquadrar nos específicos tipos de despesas objecto de tributação autónoma e concretamente referenciados no referido art.º 81.º do CIRC.”.
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07/02/2012, in processo n.º 04690/11, em cujo sumário se afirma que “Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação.” e em cujo texto se recorda que «devem considerar-se despesas confidenciais ou não documentadas as que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, sendo, por essência, indocumentadas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/12/2003, rec.1283/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.219 e seg.)».
Da análise efetuada pela AT (cf. facto provado n.º 3) decorre que a mesma considerou como não documentadas despesas que a Impugnante contabilizou como empréstimos ao seu colaborador H., resultando também já dos esclarecimentos prestados em sede de inspeção (cf. facto provado n.º 3) que os montantes em causa se deviam a empréstimos efetuados ao colaborador H., o que se provou nos presentes autos (cf. facto provado n.º 10). Com efeito, os montantes registados na conta SNC 2781002 “H.” referem-se a empréstimos a favor de H. , funcionário da Impugnante à data dos factos, efetuados através de vários tipos de movimentos (levantamentos, cheques, pagamentos), que viriam a ser reembolsados pelo mesmo a partir de 2015. Estando os montantes registados e identificada a natureza/origem, finalidade e o beneficiário destas despesas, não podem as mesmas ser objeto de tributação autónoma nos termos do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC.
Neste sentido, procede o alegado pelo Impugnante relativamente a esta matéria, sendo de anular a tributação autónoma no montante de 46.492,40€.
[…] ».

3.2.2. Recurso da Impugnante
3.2.2.1. Violação do princípio da presunção da veracidade
Na perspetiva desta Recorrente, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao não considerar violado o princípio da presunção da veracidade, consagrado no artigo 75.º da LGT, e do qual, segundo afirma, beneficiam as faturas que apresentou no âmbito do procedimento inspetivo, em sede de audiência prévia. Sustenta que tais faturas, emitidas por “B.” e, por lapso, não contabilizadas, respeitam a reais aquisições no valor total de €102.415,00, montante este que devia ter sido considerado pela AT para efeito de correção do valor do CMCMC. Entende que, por força do aludido princípio, as ditas faturas presumem-se verdadeiras e que os indícios adiantados pela AT não são suscetíveis de pôr em causa tal presunção. Mais refere que nem a AT nem o Tribunal sustentam a não aceitação destes gastos na inexistência da operação subjacente, antes se insurgindo contra o facto de o fornecedor não corresponder ao emitente das faturas. Refere que o Tribunal a quo não retira qualquer conclusão de mérito sobre os indícios em que a AT se sustentou, não se pronunciando sobre os mesmos, pelo que deve a sentença ser revogada e substituída por outra que, concluindo pela insuficiência dos pressupostos legais que legitimam a atuação da AT, ou seja, pela insuficiência de indícios sérios de que as operações constantes das faturas não correspondem à realidade, determine a procedência da impugnação.
O n.º 1, do artigo 75.º, da LGT estatui do seguinte modo: «Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos e que depende a dedutibilidade dos gastos.». Do teor desta norma resulta, então, que apenas fruem da presunção de veracidade (1) as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei e (2) os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando organizadas nos termos da legislação aplicável.
Ora, as faturas emitidas pela sociedade “B.” não configuram declarações dos contribuintes e, por terem sido omitidas à contabilidade desta Recorrente, também não constituem dados ou apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita.
Nesta medida, as ditas faturas, emitidas por terceiros a favor da Impugnante e por esta omitidas à sua contabilidade, não fruem da presunção de veracidade e boa-fé a que alude o artigo 75.º da LGT.
Por assim ser, tais faturas só poderiam ser admitidas e consideradas como gasto da ora Recorrente se esta tivesse provado, sem margem para dúvidas, que as mesmas correspondem a transações comerciais efetivamente ocorridas. Tal é o que resulta da regra geral do ónus da prova, consagrada no n.º 1 do artigo 342.º do CCiv, segundo o qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.», e igualmente acolhida no artigo 74.º, n.º 1, da LGT onde se determina que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.».
Sucede que a ora Recorrente não cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, pois não demonstrou que as faturas em causa titulavam efetivas operações comerciais ocorridas entre si e a respetiva emitente. E, assim sendo, nenhuma censura merece a sentença recorrida, nesta parte.
Improcedem, portanto, as concussões C) a Q) das alegações de recurso da Impugnante.

3.2.2.2. Violação do princípio da verdade material
Sobre esta questão, alega a Recorrente E. que, relativamente à correção constante do ponto III.7) do RIT (Divergências no Inventário final de mercadorias, notas de crédito não consideradas e compras de mercadorias não declaradas), em violação do artigo 58.º da LGT, a ATA não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto da sociedade contribuinte, apenas baseando a sua fundamentação na ausência de documentação, que não solicitou, e não na credibilidade sobre a identidade do sujeito passivo que emitiu as faturas, não diligenciando no sentido de aprofundar a realidade dos factos.
Portanto, estamos ainda no âmbito das faturas emitidas pela sociedade “B.”, mas, ao contrário do que a Recorrente E. alega, a ATA diligenciou, sim, no sentido de “aprofundar a verdade dos factos”. Relembremos o teor do RIT, na parte já transcrita no ponto 3 dos factos provados:
«(…) o contribuinte não se opõe às correções propostas, mas reclama que lhe sejam considerados gastos incorridos não contabilizados. Os referidos gastos encontram-se documentados através das faturas n.ºs 45 a 48, emitidas entre 2013/03/11 e 2013/03/21, relativas à aquisição de mercadorias ao fornecedor intracomunitário B., N.º de IVA 01420461, num total de € 102.415,00.
Em anexo, o contribuinte juntou, em formato digital, cópia (Fls. 94 a 97 e 310 a 342):
- Das faturas de venda de mercadorias emitidas pela B. à E. acima referenciadas;
- Das faturas emitidas pela E. ao cliente intracomunitário A. SRL, que, segundo informa, respeitam à venda da mercadoria adquirida à B., conforme faturas n.ºs 45 a 48, que esta supostamente emitiu;
- Dos comprovativos dos pagamentos efetuados pelo cliente intracomunitário A. SRL à E., referentes às faturas referidas no ponto anterior;
- De e-mails enviados pela E. a plataformas logísticas localizadas em Espanha, solicitando a entrega das mercadorias vendidas à A. SRL, nos quais consta aposta informação de quem supostamente recebeu a mercadoria;
- De documentos identificados como “S… Copy” onde é identificado o “S..” como sendo “L. BV”, na Holanda, e “S… To” “For G.,” ou “G., – T.”, em Espanha, referente a transportes de mercadorias entre a Holanda e a Espanha;
- De CMR’s, onde expedidor e destinatário coincidem com os identificados no ponto anterior como “S…” e “S.. To”, respetivamente, sendo que dois dos três documentos apresentados, não contém qualquer assinatura ou carimbo.
Analisados os documentos apresentados, considera-se pertinente referir o seguinte:
- Não constam quaisquer comprovativos de pagamento das mercadorias adquiridas pela E. à B.;
- Em nenhum dos documentos de transporte de mercadorias apresentados consta a menção à B.;
- De acordo com as informações constantes das faturas emitidas pela B. à E., conclui-se que esta última vendeu por € 92.476,90, mercadorias que lhe custaram € 102.415,00. Constata-se, assim, a quebra do preço na venda de todas as mercadorias em questão... Conforme atrás se transcreveu do direito de audição apresentado, o contribuinte justificou as quebras de preço, com o facto de operar num mercado muito volátil e instável, no que diz respeito ao preço... e muitas vezes para não se perder o negócio ou o cliente, se seja forçado a vender abaixo do preço de custo... No entanto, neste caso, não se percebe o que justificará esta venda com prejuízo. As faturas de aquisição e de venda das mercadorias em questão têm a mesma data de emissão, ou data muito aproximada. Logo, porquê consumar a compra de mercadoria se à partida terá prejuízo com a venda (Cfr. Anexo 12)...
Por outro lado, conforme exposto no ponto III.8.2.1.). deste relatório, constatou-se, através da consulta ao Sistema de Troca de Informações do IVA (VIES), que o emitente das faturas de aquisição intracomunitária de mercadorias agora apresentadas, a B., SRO (designação constante na contabilidade da E.), N.º IVA 01420461, não se encontra registado no cadastro, e, como seria de prever, aquelas aquisições não foram declaradas no VIES.
Mais, da resposta obtida no âmbito de pedido de cooperação administrativa à Administração Fiscal da República Checa sobre aquela entidade, que abaixo de repete, constata-se que a B. se trata de:
“...
- Contribuinte não registado para efeitos de IVA;
- Nem a empresa B. SRO nem os seus diretores executivos ou sócios permanecem na República Checa, nunca entregaram quaisquer declarações de IVA e não são sujeitos passivos de IVA. Não conhecemos qualquer outro sector de atividade da empresa na República Checa. De acordo com o “Business Register” a sede da empresa é na morada (…)”, escritório do procurador da empresa JU Dr. (J.) Sr. S., que informou que tinha apenas tratado do registo da empresa, não dispondo de quaisquer documentos. - A sede da empresa e a caixa de correio não estão relacionados no endereço mencionado, que é um edifício residencial com vários escritórios.
- Não é conhecida a conta da empresa
- As empresas E. e B. têm o mesmo director executivo, R..
- São sócios da B., R. e H. .
...”
Face às informações emanadas da Administração Fiscal da República Checa e independentemente da documentação apresentada pelo contribuinte poder indiciar a existência de operações de aquisição de bens, a verdade é que, a terem existido, todos os factos apontam para que o fornecedor efetivo dos mesmos não corresponda àquele que o contribuinte identificou, pelo que nos termos do art. 23.º do CIRC se consideram, os gastos não contabilizados, agora dados a conhecer, não dedutíveis, mantendo-se a correção proposta neste ponto III.7). (de acordo com o valor apurado no Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, datado de 2014/11/03).».

Como se extrai do acórdão do STA de 03.09.2014, rec. 0718/14, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d2ab26bad81107fb80257d6b003d92f7?OpenDocument&ExpandSection=1 «(...) pode e deve existir uma actividade de averiguação por parte do órgão decisor com vista à determinação da verdade material que a prova apresentada pelo requerente pretende afirmar, pois tal proibição constituiria uma afronta ao princípio da investigação que informa o procedimento tributário (art. 58º da LGT) e que traduz o poder/dever que a administração tem de esclarecer autonomamente os factos sujeitos à sua apreciação, com vista à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, só limitada pela existência de princípios como a da economia processual e da razoabilidade.

Porém, o exercício desses poderes de investigação pressupõe que a parte cumpriu minimamente o ónus que sobre ela prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se para demonstrar os factos que invocou e cujo ónus probatório lhe assiste, não podendo esses princípios configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes da parte.».

No caso, Recorrente só apresentou as faturas em questão em sede de direito de audição, não cumprindo, pois, o dever de colaboração ao longo de todo o procedimento inspetivo e, se tivesse na sua posse outros elementos que indubitavelmente comprovassem a efetividade das operações tituladas pelas faturas em causa, certamente já os teria apresentado, como devia.
O certo é que a AT realizou as diligências probatórias “necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material”, de modo exaustivo, como se percebe através do excerto do RIT acima transcrito, pelo que observou o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58.º da LGT.
Improcedem, por isso, as conclusões R) a U) das alegações da Recorrente E..

3.2.2.3. Falta de fundamentação
Mais entende esta Recorrente que a sentença recorrida errou ao não julgar verificado o alegado vício de falta de fundamentação, porquanto os factos em que a AT se sustenta para não aceitar as faturas emitidas pela “B.” não são claros nem suficientes para indiciar a inexistência das operações por elas tituladas.
Em face do que já vai considerado no ponto 3.2.2.1. supra, entendemos que a ATA não está onerada com o dever de fundamentar a inexistência das operações subjacentes às ditas faturas.
Com efeito, vem sendo uniformemente entendido pela jurisprudência dos nossos Tribunais que, quando perante ato ou facto abrangido pela presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, basta à AT provar a factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade da declaração ou dos registos constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte. Isto é, compete à AT evidenciar a existência de factos que, segundo as máximas da experiência comum, são seriamente indiciadores de que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a transações comerciais efetivamente ocorridas, não lhe sendo exigível demonstrar a falsidade das faturas ou a existência de um conluio entre o emitente das faturas e o respetivo beneficiário. A prova exigível à AT é, portanto, a da existência de “indícios fundados” (objetivos, sólidos e consistentes) que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, não se lhe impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que refletem – cfr. neste mesmo sentido, o ac. do TCAS de 11/10/2018, proc. 1594/09.0BELRA.
Ora, se, como vimos, desde logo as faturas em crise não fruem da presunção de veracidade, não cabia à AT observar o apontado ónus probatório, não importando, ainda, que o Tribunal se dedique a apreciar se está ou não cumprido um ónus probatório à partida inexistente.
Improcedem, por isso, também as conclusões V) a Y) das alegações de recurso da E. e, nesta medida, o seu recurso não merece provimento.

3.2.3. Recurso da Fazenda Pública
A ATA não se conforma com a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a impugnação deduzida, quanto às correções aos gastos declarados com a embarcação “X” e às despesas não devidamente documentadas, contabilizadas como empréstimos ao colaborador H..
3.2.3.1. Embarcação “X”
Sobre esta matéria, sustenta a Fazenda Pública, em síntese, que a Impugnante nunca teve interesse em exercer a atividade de operador turístico, nem nunca foi proprietária da embarcação e pela documentação que apresentou, cujo teor é confuso e até incoerente, é quase impossível concluir que entre 2013 e 2014 teve na sua posse a embarcação “X”. Alega que da prova testemunhal produzida resulta sobejamente demonstrado que que a Impugnante não exerceu qualquer atividade de operador turísticos em 2013, assim como não foi gerada qualquer receita afeta a esta atividade. Refere também que a Impugnante nunca reuniu os pressupostos para o exercício da atividade, concluindo que inexiste nexo de causalidade entre o encargo financeiro suportado e a atividade desenvolvida.
Tal não foi, porém, a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, em consequência do julgamento de facto a que procedeu e que, no presente recurso, não vem posto em crise.
Veja-se, em concreto, a factualidade vertida nos pontos 1, 7, 8 e 9 dos factos provados, da qual resulta inequivocamente que a Impugnante se propôs exercer a atividade de operador turístico, a qual integrava o seu objeto social, tendo encetado todas as diligências necessárias à preparação da embarcação para essa finalidade, a qual só não foi possível concretizar em 2013 devido a dificuldades na transferência da propriedade da embarcação.
Na conclusão S), esta Recorrente requer a ampliação da matéria de facto assente de modo a que da mesma passe a constar que «11. A impugnante nunca exerceu a atividade de operador marírimo-turistica no exercício de 2013, pelo que os encargos suportados pela impugnante não apresentam um carater de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.».
Como é fácil de ver, a ampliação da matéria de facto pretendida pela Fazenda Pública não pode ser provida, desde logo porque, quanto à primeira parte (A impugnante nunca exerceu a atividade de operador marírimo-turistica no exercício de 2013 ), a Recorrente não identifica qual o meio probatório de onde retira tal facto, sendo certo que da prova testemunhal cujos excertos transcreveu apenas resulta, com relevo nesta matéria, que a Impugnante não possuía a licença legalmente exigível para o exercício da atividade de operador turístico nem registou na contabilidade qualquer proveitos resultantes desta atividade. Já a segunda parte da redação proposta (“pelo que os encargos suportados pela impugnante não apresentam um carater de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora”) é uma nítida conclusão de direito que não pode integrar o elenco dos factos provados ou não provados
Em suma, a factualidade assente não permite concluir no sentido pretendido pela Fazenda Pública, ora Recorrente.
Dispunha o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redação vigente à data dos factos tributário aqui em crise, que “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Portanto, na economia desta norma apenas serão fiscalmente dedutíveis os gastos que apresentam conexão com os rendimentos a obter ou com a manutenção da fonte produtora.
Ora, em face da factualidade provada, não sobram dúvidas em como os gastos respeitantes à embarcação em causa se destinavam a obter rendimentos sujeitos a IRC, provenientes da atividade de operador turístico, a qual integrava o objeto social da ora Recorrida e que esta pretendia exercer, daí que tenhamos de reconhecer a existência da mencionada conexão.
Isto posto, têm de improceder as conclusões C) e I) das alegações da Recorrente Fazenda Pública.
3.2.3.2. Despesas não devidamente documentadas
As despesas não documentadas em crise ascendem a € 92.984,79, inscritos como saldo devedor na conta de terceiros SNC 2781002-H., tendo como suporte extratos bancários de contas à ordem da Impugnante sediadas nos bancos BPI, Barclays e Millennium BCP, e respeitam a pagamentos efetuados através de cartões de débito em lojas de vestuário, perfumes e outras, bem como ao levantamento de cheques. A Impugnante esclareceu tratar-se de empréstimos ao seu colaborador H. e, já perante o Tribunal de 1.ª instância, juntou documentos comprovativos da restituição dos “valores emprestados”, os quais a Fazenda Pública questiona por não terem sido emitidos os atinentes recibos de quitação.
A Recorrente Fazenda Pública entende que, nesta particular questão, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, requerendo, também nesta parte, a ampliação da matéria de facto de modo a que da mesma passe a constar que «12. A contabilidade da impugnante, no que concerne às despesas registadas na conta “H.”, é desprovida de documentos justificativos, datados pois os mesmos não existem ou não se mostram suficientes para conhecer a realidade das transações que pretendem justificar» e «13. Aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitima a sua atuação» e, ainda, «14. Feita esta prova, passa a recair sobre a impugnante o ónus da prova de que os encargos suportados apresentam um carater de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora no âmbito do exercício da atividade turístico-marítima, bem como demonstrar que as despesas insertas na conta “H.” têm suporte documental que permita aferir quer da origem quer da natureza dos seus beneficiários, o que nos presentes autos não sucedeu.».
No que respeita ao facto que a Recorrente pretende seja aditado sob o n.º 12, está o mesmo em contradição com o que já se encontra vertido no ponto 10 da factualidade assente e, não tendo a Recorrente atacado o julgamento de facto nesta parte (nem se nos afigurando que o mesmo deva ser alterado), não pode proceder o aditamento pretendido.
Já no que respeita ao teor proposto dos pontos 13 e 14, é evidente que se trata, exclusivamente, de matéria de direito a qual, como já referimos, nunca poderia integrar o elenco dos factos provados ou não provados.
Mantendo-se inalterado o julgamento de facto, nesta parte, igualmente deve ser mantido o julgamento de direito, já supra transcrito, sustentado, aliás, em jurisprudência do STA que se mantém atual, mantendo-se a sentença recorrida nesta parte, improcedendo, consequentemente, também as conclusões S) a U) das alegações da Recorrente Fazenda Pública.


4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento a ambos os recursos interpostos, mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo de ambas as Recorrentes.


Porto, 21 de maio de 2020

Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio