Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01271/11.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/26/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
INIMPUGNABILIDADE
LESIVIDADE
Sumário:I – Tanto o acto de determinação do valor patrimonial tributário definitivo de imóvel como o acto de indeferimento do pedido formulado em procedimento tributário que o alienante do imóvel, enquanto sujeito passivo de IRC, tenha instaurado para prova do preço efectivo da transmissão por virtude de o valor de venda declarado ser inferior ao valor patrimonial tributário fixado (artigos 58.º-A e 129.º do CIRC, a que correspondem os actuais artigos 64.º e 139.º), afectam, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos desse sujeito passivo, e, por isso, há que assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a estes dois actos (pese embora a lei apenas considere aquele primeiro como “destacável” para efeitos contenciosos), com a possibilidade da sua impugnação contenciosa autónoma e imediata, subtraída ao regime regra da impugnação unitária.
II – Pelo que a este sujeito passivo de imposto sobre o rendimento assistem os seguintes meios contenciosos: (i) impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; (ii) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento tributário que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no artigo 58.º-A do CIRC, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável efectuada ao abrigo do mesmo preceito legal, sendo de notar que nesta impugnação pode ainda invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Banco..., S.A.
Recorrido 1:Direção Geral dos Impostos
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

Banco…, S.A., NIPC 5…, com sede na Rua Tenente Valadim, n.º 284, Porto, intentou a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública [MFAP], visando a anulação do acto administrativo que identifica ser «o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto, Exmo. Sr. C..., datado de 8 de Fevereiro de 2011, exarado na Informação n.º 06/2011 daquele Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direcção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 10594/0208, datado de 12 de Janeiro de 2011, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Autor, em 13 de Janeiro 2011, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Código do IRC), com referência à alienação do prédio urbano (i) sito na freguesia e concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…-A; do prédio urbano (ii) sito na freguesia de Baixa da Banheira, concelho de Moita, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…-D; do prédio urbano (iii) sito na freguesia de Guilhabreu, concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8…-C; do prédio urbano (iv) sito na freguesia e concelho de Tondela, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…, e na parte rústica sob o artigo 1…; do prédio urbano (v) sito na freguesia de Leça da Palmeira, concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…-T; e do prédio urbano (vi) sito na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, inscrito na matriz predial sob o artigo 1…-C».
No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi proferido despacho saneador, em 31/05/2013, que julgou procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada da instância, decisão com que a Autora não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1.ª O despacho recorrido julgou verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado deduzida pelo Réu, no âmbito da sua contestação, absolvendo-o da instância;
2.ª Com efeito, o Tribunal recorrido considerou que o ato tributário consubstanciado no despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto, Exmo. Sr. C..., datado de 08.02.2011, exarado na Informação n.º 06/2011 daquele Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direcção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 10594/0208, datado de 12.01.2011, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Autor, em 13.01.2011, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Código do IRC), com referência à alienação do prédio urbano (i) sito na freguesia e concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…-A; do prédio urbano (ii) sito na freguesia de Baixa da Banheira, concelho de Moita, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…-D; do prédio urbano (iii) sito na freguesia de Guilhabreu, concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8…-C; do prédio urbano (iv) sito na freguesia e concelho de Tondela, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…, e na parte rústica sob o artigo 1…; do prédio urbano (v) sito na freguesia de Leça da Palmeira, concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…-T; e do prédio urbano (vi) sito na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, inscrito na matriz predial sob o artigo 1…-C, não constitui um ato autonomamente impugnável considerando que as ilegalidades respeitantes ao procedimento de prova do preço efetivo, assim como as atinentes ao despacho supra identificado, só podem ser invocadas em sede de impugnação judicial do ato de liquidação ou do ato de correção do lucro tributável que venham a ser emitidos pela administração tributária;
3.ª Não pode, todavia, proceder o entendimento vertido no despacho recorrido;
4.ª Com efeito, e desde logo, o Tribunal recorrido entendeu que a decisão que pôs termo ao procedimento de prova do preço efetivo desencadeado pelo Recorrente é um ato interlocutório do procedimento que, como tal, só seria impugnável assumindo a natureza de ato destacável e/ou lesivo, como impõe o artigo 54.º do CPPT;
5.ª Contudo, a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo sub judice é um ato final do procedimento e, deste modo, suscetível de impugnação contenciosa imediata conforme resulta do artigo 60.º do CPPT, respeitante à definitividade dos atos praticados pela autoridade fiscal competente;
6.ª Não constituindo o ato sub judice sendo um ato interlocutório, é inaplicável, o disposto no artigo 54.º do CPPT, o qual estabelece as condições de impugnabilidade de atos interlocutórios;
7.ª De facto, o ato sub judice consiste na decisão final de um procedimento regulado no artigo 139.º do Código do IRC e que visa demonstrar que o preço efetivamente praticado na transmissão de direitos reais sobre imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis (IMT), assumindo natureza autónoma do procedimento de liquidação, sendo assim evidente o erro de julgamento em que o despacho recorrido incorreu ao qualificar a decisão sub judice como um ato interlocutório;
8.ª E não se diga que pela circunstância de, em consequência da decisão que for proferida no âmbito do procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 139.º do Código do IRC, poder vir a ser emitido um ato tributário de liquidação de imposto, que aquela decisão não é uma decisão final no procedimento;
9.ª Com efeito, não só o próprio órgão decisor do procedimento de prova do preço efetivo sub judice qualificou o ato sub judice como uma decisão final do procedimento, ao estabelecer a sua recorribilidade hierárquica, como da legislação contenciosa tributária, designadamente do artigo 62.º do CPPT, resulta a manifesta autonomia entre o procedimento de prova do preço efetivo e o procedimento de liquidação, sem que ambas as decisões deixem de ser consideradas finais em cada um dos procedimentos;
10.ª Assim, uma vez evidenciado que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo sub judice não constitui um ato interlocutório, mas um ato final do procedimento, não subsiste qualquer dúvida quanto à sua impugnabilidade contenciosa imediata, nos termos do artigo 60.º do CPPT, bem como quanto à inaplicabilidade do artigo 54.º do CPPT ao caso concreto e, por conseguinte, quanto à improcedência da exceção invocada;
11.ª Razão pela qual, se conclui que, ao considerar que o ato sub judice era um ato interlocutório, o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento, impondo-se a sua anulação;
12.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que se considerasse que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo constitui um ato interlocutório, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre se dirá, ainda assim, que que o despacho recorrido padece de erro ao qualificar tal ato como ato não destacável e assim insuscetível de impugnação autónoma;
13.ª Com efeito, incorre em erro o Tribunal a quo neste ponto, uma vez que a admissibilidade legal de impugnação direta do ato em causa, enquanto ato destacável, encontra-se prevista no artigo 86.º, n.º 1, da LGT, quando aí se refere que “a avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa”;
14.ª Uma vez que os atos de avaliação direta, atos preparatórios no procedimento tributário de liquidação de imposto são atos cuja destacabilidade é incontroversa, e sendo manifesto que o ato em apreço consubstancia um ato de avaliação direta, então, nesta medida a sua destacabilidade e impugnabilidade autónoma são igualmente inequívocas;
15.ª Resulta por demais notório que o passo intermédio que aqui está em causa na determinação dos rendimentos tributáveis em IRC não é uma operação de mero cálculo matemático e, por outro lado, que também não constitui um dos casos estritamente tipificados de avaliação através de métodos indiciários em que, por impossibilidade de avaliação direta, se procura atingir não o valor real dos rendimentos mas o valor mais aproximado possível do real;
16.ª Na verdade, a determinação da matéria tributável de IRC, tal como prevista nos artigos 64.º e 139.º do Código do IRC, corresponde a uma avaliação direta da matéria tributável, razão pela qual os vícios do procedimento de avaliação e do ato tributário de avaliação direta carecem de ser impugnados por via contenciosa, sob pena de não poder ser posteriormente atacável a matéria tributável fixada, quer nas situações em que haja liquidação de imposto, quer quando a não haja;
17.ª Neste sentido, identifica-se um erro de julgamento de direito no despacho recorrido ao concluir pela inimpugnabilidade autónoma, quando o mesmo é impugnável nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 1, da LGT;
18.ª Assim, tratando-se da avaliação direta de rendimento em IRC impõe-se, no caso vertente, a impugnação contenciosa autónoma sob pena de impossibilidade ulterior de sustentar que a matéria tributável a considerar é outra que não a determinada;
19.ª Com efeito, a disposição legal referida – artigo 86.º, n.º 1, da LGT – impõe a impugnação contenciosa direta dos atos de avaliação direta uma vez que se tratam de atos materialmente definitivos que constituem pressupostos necessários e prejudiciais dos atos tributários em sentido estrito;
20.ª Em face de todo o exposto, resultando por demais demonstrada a natureza de ato destacável do ato impugnado nos autos, consubstanciando aquele um ato de avaliação direta do rendimento para efeitos de tributação em sede de IRC, cuja impugnabilidade contenciosa autónoma se encontra expressamente prevista na lei – artigo 86.º, n.º 1, da LGT - não pode deixar de concluir-se pela existência de erro de julgamento do despacho recorrido, impondo-se a respetiva revogação;
21.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que não procedesse o que acima se aduziu, o que apenas se admite por dever de patrocínio, sem conceder, sempre se dirá que o ato sub judice é um ato lesivo dos direitos do contribuinte e suscetível de imediata impugnação contenciosa;
22.ª Com efeito, importa referir que a menção ao artigo 139.º, n.º 7, do Código do IRC não permite sustentar, de longe, a alegada falta de lesividade do ato;
23.ª De facto, a circunstância de, como decorre daquela norma, a impugnação judicial da liquidação de imposto emitida na sequência de correções efetuadas nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, ou das correções ao lucro tributável efetuadas ao abrigo do mesmo preceito, depender de prévia apresentação do pedido de prova do preço efetivo em nada contribui a determinação da lesividade do ato;
24.ª Assim, uma vez que a impugnabilidade contenciosa imediata do ato depende, apenas, da lesão de direitos do contribuinte, conclui-se de forma inequívoca pela improcedência do entendimento do Tribunal recorrido suportado na redação daquela norma;
25.ª Acresce que, contrariamente ao que resulta do despacho recorrido, não é verdade que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo não afete os direitos ou interesses do Recorrente;
26.ª Efetivamente, a imediata lesividade do ato decorre da circunstância de a decisão que negar provimento ao pedido de prova do preço efetivo fazer cristalizar na ordem jurídica que o preço praticado pelo Recorrente na transmissão de determinado imóvel não foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT e, consequentemente, determinar o acréscimo, para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais, do montante correspondente à diferença entre o valor constante do contrato de transmissão do imóvel e o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT;
27.ª Para além de todo o acima exposto, e a evidenciar ainda a lesividade imediata da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, como tal, a sua impugnabilidade direta, está a circunstância de, quando confrontado com aquela decisão, o contribuinte desconhecer, em regra, se haverá, ou não, a emissão de uma liquidação de imposto ou, sequer, se apurará lucro tributável no exercício em questão;
28.ª A possível ocorrência de tal situação é, pois, quanto basta para que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo tenha natureza de ato lesivo;
29.ª Com efeito, é evidente que, em caso de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, e mesmo sabendo que será realizado um acréscimo para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais na sua declaração periódica de rendimentos modelo 22, o contribuinte não tem forma de saber, em regra, se haverá liquidação de imposto que possa, posteriormente, vir a contestar;
30.ª Trata-se de situação que não sucede, designadamente, ao nível do procedimento de revisão da matéria coletável por métodos indiretos, em que, uma vez notificado da decisão do pedido de revisão da matéria coletável, o contribuinte sabe, de imediato, se apura matéria coletável e imposto, caso em que poderá impugnará o ato de liquidação que vier a ser emitido, ou se, ao invés, apura prejuízo para efeitos fiscais ou matéria coletável nula, caso em que impugnará a própria decisão de avaliação indireta (cf. o n.º 3 do artigo 86.º da LGT);
31.ª Atendendo a que este conhecimento antecipado sobre qual o ato a contestar pode não ocorrer aquando da notificação da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, impõe-se, por forma a garantir o direito à tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos através da impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos (cf. Artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), o reconhecimento da imediata lesividade da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, por conseguinte, da sua impugnabilidade direta;
32.ª Com efeito, a interpretação do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, no sentido de que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo não constitui um ato lesivo dos direitos do contribuinte e impugnável contenciosamente, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais;
33.ª Por fim, cumpre mencionar ainda que, no caso sub judice, está-se perante uma decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo que não conhece do mérito do pedido e que se suportou exclusivamente na falta de apresentação dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos administradores do Recorrente relativamente aos exercícios de 2009 e de 2010, o que evidencia mais a lesividade, particularmente quando se perspetiva que dali resultou a emissão de uma liquidação de imposto;
34.ª Acresce que, considerar, como fez o Tribunal recorrido, que a apreciação da legalidade da decisão se fará em sede de impugnação judicial da liquidação de imposto que for emitida encaminha para o domínio do contencioso de anulação – como é o contencioso tributário – a apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, sem que o Tribunal tributário possa substituir-se à administração tributária, o que, à luz do direito à tutela judicial efetiva, não constituirá a solução que melhor se compagina com os direitos e interesses do contribuinte;
35.ª Em face do exposto, resulta evidente a lesividade do ato e a sua imediata impugnabilidade, pelo que improcede o exposto no despacho recorrido a este respeito, devendo o mesmo ser revogado e a exceção invocada pela Fazenda Pública ser julgada improcedente;
36.ª Sendo o presente recurso julgado procedente, como entende o Recorrente, e considerando esse Ilustre Tribunal que, para além da revogação da sentença recorrida, nada obsta à apreciação das questões que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a fixação da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida;
37.ª Assim, impõe-se a esse Ilustre Tribunal, por força do disposto nos artigos 712.º, n.º 4 do CPC, aplicável por força do disposto no artigos 140.º e seguintes do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 97.º, n.º 2, do CPPT, que ordene a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, por impossibilidade de o Tribunal ad quem julgar em substituição, uma vez que o pedido e a causa de pedir formulados pelo ora Recorrente impõem o conhecimento de matéria de facto que não foi fixado no âmbito do despacho recorrido;
38.ª É que, desaparecida a questão prejudicial acima mencionada, decorrente da sua pronúncia em sentido diferente da do Tribunal recorrido quanto à existência de inimpugnabilidade do ato, impõe-se, nos termos dos citados preceitos legais, a remessa dos autos para a primeira instância, para prolação de nova decisão, com preliminar fixação, motivação e fundamentação da matéria de facto.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação do despacho recorrido e, nessa medida, a remessa dos autos para a primeira instância, para fixação, motivação e fundamentação da matéria de facto e prolação de nova decisão, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
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O MFAP apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
a) De acordo com a regra geral da impugnabilidade contenciosa dos actos administrativos, constante no n.° 1 do artigo 51.º do CPTA, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos ainda que inseridos num procedimento administrativo.
b) No entanto, pese embora o disposto no CPTA, no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, plasmado no artigo 54.° do CPPT, nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos e deveres.
c) Estando este artigo 54.º inserido entre as disposições gerais do procedimento tributário, é de concluir que o princípio da impugnação unitária será aplicável à generalidade dos procedimentos, inclusivamente àqueles que visam a prolação de actos administrativos sobre questões tributárias que não comportem apreciação de legalidade do acto de liquidação, relativamente aos quais se prevê que a impugnação contenciosa siga os termos da acção administrativa especial (alínea p) do n.° 1 e n.° 2 do artigo 97.° do CPPT).
d) Esta remissão para as “normas sobre processo nos tribunais administrativos” reportar-se-á apenas às que regulam o processo e não às que definem os actos que são impugnáveis, sendo esta interpretação a que está em sintonia com o texto do artigo 54.°, que só admite a impugnabilidade imediata dos actos procedimentais não lesivos quando haja “disposição expressa em sentido diferente” - Jorge Lopes de Sousa em Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, pag. 423 e segs.
e) No mesmo sentido dispõe o artigo 66.° da LGT, ao estabelecer que os contribuintes podem reclamar de quaisquer actos ou omissões praticados pela administração tributária, mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os contribuintes impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade.
f) No âmbito do procedimento ou do processo tributário, os actos administrativos inseridos num procedimento de liquidação, só são susceptíveis de impugnação contenciosa quando forem «imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte»; ou houver disposição expressa nesse sentido; ou no caso de actos de determinação da matéria tributável - distintos e necessariamente prévios ao acto de liquidação -, quando estes não derem origem à liquidação de qualquer tributo - n.º 4 do artigo 86.° da LGT.
g) Ora, a decisão de indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, não é em si um acto imediatamente lesivo dos direitos do contribuinte.
h) Essa lesão, só opera com o acto de liquidação do tributo, este sim o acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte e que determina a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos e deveres.
i) Inexiste igualmente qualquer «disposição expressa em sentido diferente», isto é, inexiste uma norma que possibilite a impugnabilidade contenciosa autónoma da decisão que recair sobre o requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, como existe, por exemplo, no caso da decisão de avaliação da matéria colectável das manifestações de fortuna, no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT.
j) Pelo contrário, o n.º 7 do artigo 139.° do CIRC, determina expressamente sobre a «impugnação judicial da liquidação de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.°, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável».
k) Por fim, a presente decisão de determinação da matéria tributável dá origem à liquidação de IRC, e será deste acto final que caberá impugnação contenciosa.
l) Com efeito, o acto procedimental de indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis é impugnável mediatamente, através do acto de liquidação que vier a ser praticado, pelo que fica assegurado, desta forma, a possibilidade de controlar judicialmente a sua legalidade.
m) Por outro lado, se não vier a ser praticado nenhum acto de liquidação, não pode ser reconhecida qualquer lesividade ao acto de indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, pelo que não há necessidade de reconhecer aos destinatários desses actos o direito de recorrerem aos tribunais.
n) A este propósito já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no Recuso n.° 0989/12 de 06/02/2013, invocado no despacho ora recorrido.
o) No âmbito do procedimento de prova de preço efectivo de um imóvel, abstractamente considerado, importa reter o seguinte:
p) Em primeiro lugar, a administração tributária visa aferir da realidade subjacente ao negócio, no sentido de eventualmente prevenir a emissão de uma liquidação.
q) Segundo, por via da presunção prevista no artigo 64.° do CIRC, é ao contribuinte que cumpre efectuar a prova de que o preço declarado é o preço efectivo da transmissão do imóvel.
r) Terceiro, não estamos perante uma derrogação de sigilo bancário de iniciativa da Administração Tributária mas sim da iniciativa do contribuinte, se este pretender ilidir a presunção ínsita no artigo 64.° do CIRC.
s) Importa reiterar a este propósito que a renúncia à derrogação ao sigilo bancário é, nos termos do artigo 139.° do CIRC, um acto voluntário. Não é a Administração Tributária que acede à informação bancária sem autorização do contribuinte.
t) É ainda de importância extrema sublinhar que a informação bancária, não é divulgada a uma qualquer entidade, mas sim à Administração Tributária, o que significa que esses dados continuam a estar abrangidos por um dever de sigilo - o sigilo fiscal -, cuja violação é tipificada como crime de violação de segredo profissional (cf. artigos. 62.° da LGT, 91.º do RGIT e 195.° e 383°, ambos do Código Penal).
u) Citando o Acórdão n.º 442/2007, do Tribunal Constitucional: «Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente susceptível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração tributária representa uma lesão muito diminuta do bem protegido.»
v) Ora se a lesão do bem jurídico - o direito da reserva à intimidade da vida privada - se tem por muito diminuta em caso de quebra do sigilo bancário por iniciativa da Administração Tributária, forçosamente se deve considerar inexistente quando por iniciativa do contribuinte, como é o caso do n.º 6 do artigo 139.° do CIRC.
w) Acresce o facto de o sacrifício desse bem se justificar pelos interesses Superiores, de natureza pública, que a Administração Fiscal visa atingir através da derrogação do sigilo bancário.
x) Tal como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/07, atrás referido «Atendendo ao peso relativo dos interesses aqui ligados à tutela da privacidade e ao diminuto grau da sua afectação, em concreto, pelo levantamento do sigilo bancário, por um lado, e à intensidade da exigência de efectivação da justiça fiscal, por outro, pode concluir-se que, em certas condições, é constitucionalmente legítima a restrição, com este fundamento, do direito à privacidade.», «... a exigência da autorização dos acessos à informação bancária dos administradores não viola o art. 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) na medida em que a tributação da empresa incide fundamentalmente sobre o rendimento real, concedendo margem para a tributação por métodos indirectos, manifestações exteriores de riqueza, regime simplificado e presunções. É entendimento do Tribunal Constitucional e da jurisprudência do STA que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos. Estas têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos devendo dar-se prevalência à protecção do interesse público no combate à fuga e à evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal.»
y) É, face ao exposto, evidente que o n.º 6 do artigo 139.° do CIRC, não incorre em violação do direito à reserva da intimidade privada, previsto no n.° 1 do artigo 26.° da Constituição da República Portuguesa (CRP).
z) Importa, ainda, sublinhar que como ratio legis do artigo 64.° do CIRC, está a tensão dialéctica entre o combate à evasão e à fraude fiscal e a autorização da derrogação de sigilo bancário por parte do sujeito passivo e seus administradores.
aa) Ora, parece evidente que a autorização de acesso à informação bancária se constitui como uma medida adequada à obtenção da verdade material que porventura possa estar oculta pelo sigilo bancário.
bb) Mais, considerando o legislador que o dever fundamental de pagar impostos está posto em causa - ratio do disposto no artigo 64.° do CIRC -, face a uma alienação de imóvel que sai necessariamente dos padrões de normalidade da actividade económica, parece-nos evidente a adequação da medida face ao fim visado.
cc) De igual forma se encontra preenchido o conceito de necessidade, pois que demonstrada que está a pertinência do conhecimento dos dados bancários para a decisão da administração tributária - até para um eventual ilidir da «presunção de evasão fiscal» prescrita pelo artigo 64°. do CIRC -, fica na disponibilidade do contribuinte a preservação ou não do segredo bancário.
dd) Não pode o tribunal revogar o despacho, conforme o pedido formulado pelo Recorrente.
ee) Isto porque a faculdade que a Administração Tributária tem de aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes do período em que ocorreu a transmissão e do exercício anterior é uma mera condição do procedimento.
ff) Do acesso à informação bancária - ou até da inconstitucionalidade da condição do procedimento defendida pelo Recorrente - não resulta uma prova absoluta de que o preço efectivamente praticado corresponde ao valor constante do contrato.
gg) Assim, a prova de que o preço efectivo corresponde ao valor constante do contrato depende, não só do acesso à informação bancária, mas também da justificação das condições anormais de mercado em que se realizou a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do bem imóvel transmitido.
hh) Disso mesmo nos dá conta o disposto no n.º 2 do artigo 139.° do CIRC, ao determinar:
«Para efeitos do disposto no número anterior [para efeitos prova do preço efectivo na transmissão de imóveis], o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.»
ii) É, deste modo, patente que a eventual revogação do despacho, conforme a pretensão do Recorrente implica, necessariamente, a emissão de um juízo de valor, de índole técnica, inserido na margem de livre apreciação da Administração Tributária.
jj) Assim andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
Nos termos supra expostos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se o douto despacho recorrido.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 244/245 dos autos, suscitando a excepção da incompetência do TCAN, em razão da hierarquia, para o conhecimento do presente recurso.
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Notificadas as partes, não emitiram qualquer pronúncia.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, que se prendem com o erro de julgamento que determinou a absolvição da instância por verificação da excepção de inimpugnabilidade autónoma do acto impugnado, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações; bem como a questão suscitada pelo Ministério Público, referente à competência deste Tribunal Central Administrativo.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

O Despacho Saneador recorrido tem o seguinte teor:
“(…)
3. 2 Da suscitada exceção de inimpugnabilidade
Vem suscitada na contestação (de fls. 86 ss.) a exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato aqui impugnado. Sustenta para o efeito a Entidade Demandada que a decisão aqui impugnada, pelo qual o pedido formulado pela Autora em 13 de janeiro 2011, de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis nos termos do artigo 139.° do CIRC, com referência à alienação dos prédios urbanos ali identificados, foi indeferido, arquivando-se o procedimento de demonstração do preço, não é suscetível de impugnação judicial autónoma sob a forma de ação administrativa especial, alegando em suma (nos termos que expõe nos artigos 1º a 6º da contestação) que tendo tal decisão sido proferida no âmbito de uma matéria regulada nos termos do procedimento de revisão da matéria coletável a pedido do contribuinte (cfr. artigos 91º e 92º da LGT, para os quais remete o nº 5 do artigo 139º do CIRC) ela constitui um ato interlocutório face ao procedimento de liquidação que só poderá ser atacado contenciosamente a final; que tal é o que resulta do disposto no artigo 66º nº 2 da LGT que consagra o principio unitária do ato tributário ou em matéria tributária; que assim deveria o Autor ter impugnado a decisão a final, a liquidação do imposto (cfr. artigo 99º do CPTT).
Notificado para o efeito (cfr. fls. 111 ss.) o Autor veio responder (a fls. 115 ss.), pugnando pela sua improcedência. Defende para o efeito, em suma (nos termos que expõe nos artigos 6º a 38º daquele seu articulado) que o despacho em causa constitui um ato destacável do procedimento, produzindo efeitos externos e definindo desde logo a situação jurídica do Autor, pondo fim ao procedimento; que à luz do disposto nos artigos 268º nº 4 e 20º da CRP e 9º nºs 1 e 2, 95º nºs 1 e 2 e 96º da LGT são imediatamente impugnáveis todos os atos que sejam suscetíveis de afetar negativamente a esfera jurídica dos particulares, quer retirando-lhes direitos ou obrigações, quer recusando-lhe o reconhecimento de direitos ou satisfação de pretensões; que não existe qualquer remissão do nº 5 do artigo 139º do CIRC para alguma norma que preveja a inimpugnabilidade da decisão objeto dos presentes autos; que dos preceitos dos artigos 91º e 92º da LGT para que remete o nº 5 do artigo 139º do CIRC não decorre qualquer impossibilidade de impugnação contenciosa direta da decisão do procedimento para a prova do preço efetivo na transmissão de imóveis; que o nº 5 do artigo 139º do CIRC não remete para o nº 3 do artigo 86º da LGT que prevê a impossibilidade de impugnação contenciosa direta da decisão do procedimento de revisão tributária, pelo que é de excluir a sua aplicação no procedimento para a prova do preço efetivo na transmissão de imóveis e que de qualquer forma a situação não configura uma avaliação indireta, por métodos indiretos, não sendo de aplicar assim os preceitos que a ela respeitam.
Apreciando e decidindo.
O aqui Autor visa através da presente Ação Administrativa Especial (Tribunal em 21/04/2011 – fls. 1 dos autos), a anulação do ato que identifica ser «o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Sr. C..., datado de 8 de fevereiro de 2011, exarado na Informação nº 06/2011 daquele Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.° 10594/0208, datado de 12 de janeiro de 2011, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Autor, em 13 de janeiro 2011, nos termos do disposto no artigo 139.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), com referência à alienação do prédio urbano (i) sito na freguesia e concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…-A; do prédio urbano (ii) sito na freguesia de Baixa da Banheira, concelho de Moita, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…-D; do prédio urbano (iii) sito na freguesia de Guilhabreu, concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8…-C; do prédio urbano (iv) sito na freguesia e concelho de Tondela, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…, e na parte rústica sob o artigo 1…; do prédio urbano (v) sito na freguesia de Leça da Palmeira, concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial urbano sob o artigo 3…-T; e do prédio urbano (vi) sito na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, inscrito na matriz predial sob o artigo 1…-C».
Trata-se tal ato, como refere, do despacho de 08/02/2011 que foi proferido pelo Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR), que nos termos da Informação nº 6/2011 a que aderiu (que é junta sob Doc. nº 8 com a Petição Inicial, a fls. 74 ss. dos autos), indeferiu o pedido que o Autor havia formulado por requerimento apresentado em 13/01/2011 (constante de fls. 11 ss. do Processo Administrativo apenso) com vista à prova do preço efetivo na transmissão de vários imóveis, que ali identifica, ao abrigo do disposto no artigo 139° do CIRC.
Ora sobre a questão em apreço pronunciou-se entretanto o STA no seu recente Acórdão de 06/02/2013, Proc. 0989/12, in, www.dgsi.pt/jsta, de cujo sumário de lê, entre o demais, o seguinte: “atento do disposto no n.º 5 do art. 129.º do CIRC, a esse procedimento são aplicáveis, com as devidas adaptações, as regras dos arts. 91.º, 92.º e 86.º, n.º 4 da LGT, o que significa, designadamente, que da decisão final aí proferida não cabe impugnação judicial autónoma”.
Conclusão que ali é retirada com base nos seguintes fundamentos ali expostos, que seguiremos de perto, citando-o, sempre que adequado, até por simplicidade expositiva.
Vejamos.
De harmonia com o disposto no artigo 64º do CIRC (após a republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, aplicável à situação dos autos) “os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto”(nº 1) e “sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável” (nº 2). A consideração do Valor Patrimonial Tributário (VPT) para efeito de determinação do lucro tributável em IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui assim uma presunção de rendimentos. Se essa presunção assumisse a natureza de presunção inilidível, para além de contraria o disposto no artigo 73º da LGT, de acordo com o qual “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, sempre poderia suscitar problemas quanto à sua conformidade constitucional, designadamente, por violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no artigo 104º nº 2 da CRP, de acordo com o qual “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.
O mecanismo previsto no artigo 139º do CIRC, de que na situação dos autos lançou mão o Autor, constitui o mecanismo adequado à ilisão daquela presunção, permitindo assim ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT, afastando assim a presunção resultante do artigo 64º do CIRC. Procedimento que é instaurado “mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos” (cfr. nº 3 do artigo 139º do CIRC).
Esse procedimento “rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei”, como expressamente dispõe o nº 5 do artigo 139º do CIRC. Pelo que, como se diz no Acórdão do STA de 06/02/2013, Proc. 0989/12, tal “significa, designadamente, que a lei equipara este procedimento ao pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos, permitindo que na impugnação do ato tributário de liquidação (ou do ato de correção do lucro tributável de que não resulta liquidação) sejam discutidas, não só as ilegalidades desse ato, como também todas as ilegalidades verificadas ao longo do procedimento do art. 129.º do CIRC [atual artigo 139º – cfr. republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, aplicável à situação dos autos], cerceando apenas essa possibilidade relativamente ao valor que tenha sido encontrado por acordo entre os peritos, tudo como decorre do princípio da impugnação unitária”.
Procedimento que além do mais constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, como resulta expressamente do n.º 7 do artigo 139º do CIRC que dispõe que “a impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correções efetuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º, ou, se não houver lugar a liquidação, das correções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa”, como também foi entendido no citado Acórdão do STA de 06/02/2013, Proc. 0989/12.
Pelo que, a um tempo este procedimento “visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui um condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis” como foi dito no citado Acórdão do STA, e a outro tempo, como nele também se disse, as ilegalidades de tal procedimento, “que a própria lei equipara ao pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos”, “só podem ser invocadas na impugnação judicial do ato de liquidação ou, não havendo lugar à liquidação, na impugnação do ato de correção do lucro tributável” (cfr. artigo 139º nº 5 do CIRC). Tratando-se, assim, de uma “manifestação do referido princípio da impugnação unitária”.
Pelo que, como bem sustenta a Entidade Demandada na sua contestação, o aqui Autor não pode impugnar autonomamente a decisão da Administração Tributária proferida no âmbito daquele procedimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, previsto no artigo 139º do CIRC.
Assim, e como também se entendeu no citado Acórdão do STA, é no âmbito da impugnação judicial da liquidação (ou não havendo lugar a liquidação, na impugnação do ato de correção do lucro tributável) que deverão ser invocados, não só qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação, “como também no procedimento destinado à prova do preço efetivo”.
O que vai também de encontro ao princípio da impugnação unitária tal como se encontra consagrado no artigo 54.º do CPPT, de acordo com o qual “salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida” e no artigo 66º nº 2 da LGT.
E como diz Jorge Lopes de Sousa, in, Código de Procedimento e Processo Tributário, Volume I, Áreas Editora, 2011, anot. 2 ao artigo 54º pág. 467, “no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, nos termos do qual, em regra, só há impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que afeta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres”, referindo como concretização deste princípio o previsto no artigo 86º nºs 3 e 4 da LGT (de acordo com o qual nos casos em que a liquidação se baseou em matéria tributável determinada através da avaliação indireta, não pode ser impugnado o ato de avaliação, admitindo-se apenas a impugnação do ato de liquidação, ainda que fundado em vícios atinentes àquele) e bem assim no artigo 66º da LGT, em que se estabelece o regime dos atos interlocutórios do procedimento tributário, que determina que os contribuintes e outros interessados podem reclamar de quaisquer atos ou omissões praticados pela administração tributária, mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade.
No CPTA estabeleceu-se um princípio geral diferente (cfr. artigo 51º nº 1 do CPTA), admitindo-se como regra a impugnabilidade contenciosa dos atos administrativos dotados de eficácia externa, prevendo que “ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Na verdade o artigo 51.º do CPTA abriu caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de atos procedimentais (desde que dotados de eficácia externa) e não apenas àqueles que ponham fim ou termo ao procedimento ou incidente, abandonando, enquanto requisito de impugnabilidade contenciosa, o conceito da “definitividade horizontal” visto a pedra de toque se centrar agora no conceito de “eficácia externa” - vide, neste sentido, Mário Aroso Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, Almedina, págs. 258 ss.; Mário Aroso de Almeida in, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2003, Almedina, págs. 117 ss. e em “Implicações de direito substantivo da reforma do contencioso administrativo” in, CJA n.º 34, págs. 74 a 76; Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Volume I, Almedina 2004, págs. 343 ss., nota VII.
O que foi também expresso na exposição da proposta de lei que deu origem ao CPTA (publicada in, Reforma do Contencioso Administrativo, vol. III, p. 29, Coimbra Editora, 2003) onde se lê o seguinte: “procurou definir-se o ato administrativo impugnável tendo presente que ele não pode ser lesivo de direitos ou interesses individuais, mas sem deixar, de harmonia com o texto constitucional, de sublinhar o especial relevo que a impugnação de atos administrativos assume nesse caso. Por outro lado, deixa de ser prever a definitividade como um requisito geral de impugnabilidade, não se exigindo que o ato tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental ou no exercício de uma competência exclusiva para poder ser impugnado ”.
Porém, como refere Jorge Lopes de Sousa, in, Código de Procedimento e Processo Tributário, Volume I, Áreas Editora, 2011, anot. 2 ao artigo 54º pág. 467 “não tendo sido feita qualquer alteração aos artigos 54º e 60º do CPTT, é de concluir que se pretendeu manter no contencioso tributário um regime diferente”, entendimento que reforça com a circunstância de no anteprojeto da LGT e do CPTT à reforma do contencioso administrativo não terem sido previstas alterações quanto às regras gerais sobre a impugnabilidade de atos acolhidas nos artigos 66º da LGT e 54º do CPTT, do que extrai “que haverá uma intenção legislativa no sentido de manter o regime anteriormente vigente sobre a matéria, designadamente afastando a impugnabilidade imediata de atos interlocutórios do procedimento tributário, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida ” e que assim é de concluir que “não se estendeu ao contencioso tributário a regra da impugnabilidade contenciosa imediata de atos procedimentais com eficácia externa adotada no art. 51º nº 1 do CPTA”.
E como também entendeu o citado Acórdão do STA, é aqui de aplicar o Princípio da impugnação unitária em face da remissão feita pelo nº 5 do artigo 139º do CIRC para o nº 4 do artigo 86º da LGT que dispõe que “na impugnação do ato tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo”.
Impõe-se, assim, em face do vimos, dar razão à Entidade Demandada, reconhecendo não caber no caso, como invocou na sua contestação, impugnação autónoma da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido, apresentado pelo aqui Autor, de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis ao abrigo do artigo 139º do CIRC.
Traduzindo-se o respetivo despacho, que aqui vem impugnado, num ato autonomamente inimpugnável, sendo que as ilegalidades respeitantes a este procedimento de prova do preço efetivo, e bem assim as atinentes ao despacho que nele foi proferido, apenas podem ser invocadas em sede de impugnação judicial do ato de liquidação (ou não havendo lugar a liquidação, na impugnação do ato de correção do lucro tributável).
Procede, por conseguinte, a suscitada exceção dilatória, o que obsta ao conhecimento do mérito da presente ação, e determina a absolvição da instância da Entidade Demandada – artigos 89º nº 1 alínea c) do CPTA e artigo 288º nº1 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA e 97º nº 2 do CPPT.
O que se decide, com os devidos efeitos legais.
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3.3 Das demais exceções suscitadas
Julgada procedente, nos termos supra expostos, a suscitada exceção dilatória de inimpugnabilidade autónoma do despacho aqui impugnado, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões, não cumprindo assim delas conhecer – artigo 660º nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA e 97º nº 2 do CPTT.
4. Do valor da causa
Em conformidade com o disposto no artigo 315º nºs 1 e 2 do CPC e artigo 34º nº 2 do CPTA, e tal como indicado pelo Autor, o que não mereceu oposição, fixa-se como valor da presente causa o valor de 30.001,00 € (cfr. artigos 6º do ETAF e 31º da Lei nº 52/2008).
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Nos termos e com os fundamentos supra explanados, julgo procedente a suscitada exceção de inimpugnabilidade autónoma do despacho aqui impugnado, o que obsta ao conhecimento do mérito da presente ação, e determina a absolvição da instância da Entidade Demandada – artigos 89º nº 1 alínea c) do CPTA e artigo 288º nº1 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA e 97º nº 2 do CPTT.
O que se decide, com os devidos efeitos legais.
(…)”

2. O Direito

Tendo sido suscitada pelo digníssimo Magistrado do Ministério Publico a questão da incompetência deste tribunal para apreciar o recurso, por não haver controvérsia factual a dirimir, importa conhecer de tal questão dado que a mesma merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 13.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Na verdade, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria – cfr. artigo 13.º do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT.
A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 16.º do CPPT).
A declaração de incompetência em razão da hierarquia permite que o interessado requeira a remessa do processo ao tribunal competente, que deve ser indicado na decisão que a declare, para o que dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação daquela decisão (cfr. artigo 18.º, n.º 2, do CPPT).
Para apreciar a questão da competência deste tribunal em razão da hierarquia, vamos louvar-nos no acórdão do STA, de 14 de Janeiro de 2014, proferido no processo 1495/12.
A mesma posição foi também adoptada no acórdão do STA, de 12 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 1847/13, que passamos a reproduzir quase integralmente.
A acção administrativa especial é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 97.º do CPPT («O recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos».), sendo que, por força do disposto no artigo 191.º do CPTA («A partir da data da entrada em vigor deste Código, as remissões que, em lei especial, são feitas para o regime do recurso contencioso de anulação de actos administrativos consideram-se feitas para o regime da acção administrativa especial».), a remissão que nesta norma é feita para o regime do recurso contencioso tem de considerar-se feita para o regime da acção administrativa especial (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 4 ao artigo 97.º, pág. 35.).
O presente recurso é interposto do despacho saneador proferido na acção administrativa especial instaurada contra acto administrativo que determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo Autor, aqui Recorrente, em 13 de Janeiro 2011, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código de IRC.
Ou seja, o presente recurso jurisdicional, interposto da decisão proferida no âmbito de uma acção administrativa especial, encontra-se sujeito às regras previstas no CPTA, como resulta do estatuído no n.º 2 do artigo 279.º do CPPT («Os recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos».).
Com efeito, a acção administrativa especial constitui um meio processual comum à jurisdição administrativa e tributária e do artigo 279.º do CPPT resulta inequivocamente que o regime de recursos que nele se encontra previsto só se aplica aos processos regulados nesse mesmo Código. Pelo que, na falta de indicação do regime de recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária, há que aplicar o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT.
Aliás, o n.º 2 do artigo 97.º do CPPT impõe que se aplique às acções administrativas especiais (antigo recurso contencioso) o regime previsto nas normas sobre processo nos tribunais administrativos, e nesse regime inserem-se, naturalmente, as normas referentes aos recursos jurisdicionais que nesses processos sejam interpostos (Sobre esta matéria, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 14 ao artigo 97.º, pág. 49, e IV volume, anotação 3 ao artigo 279.º, pág. 321.).
Neste contexto, importa ter em conta o disposto no artigo 151.º, n.º 1, do CPTA, segundo o qual o recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo só pode ocorrer «Quando o valor da causa seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável e as partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito (...)».
Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, 3.ª edição, Almedina, 2010, anotação 1 ao artigo 151.º, pág. 999.), este recurso per saltum só é admitido desde que se encontrem preenchidos os seguintes requisitos: «(a) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (b) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos artigos 32.º e seguintes, seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável (artigo 151.º, n.º 1); (c) incida sobre decisão de mérito; (d) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (artigo 151.º, n.º 2)».
Assim sendo, atento o disposto no já citado n.º 1 do artigo 151.º do CPTA, verifica-se, pelo menos, uma circunstância (o recurso não incidir sobre decisão de mérito) que, desde logo, exclui que o recurso possa assumir-se como uma revista a dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo.
Concluímos, portanto, pela competência, em razão da hierarquia, desta Secção do Tribunal Central Administrativo Norte para conhecer do presente recurso.
Nem se diga que ao caso não se aplica o disposto no artigo 151.º do CPTA por a distribuição da competência entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos, no que se refere ao contencioso tributário, dever ser a que resulta dos artigos 26.º e 38.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], motivo por que sempre competiria à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito [cfr. artigo 26.º, alínea b) do ETAF] e à Secção de Contencioso Tributário dos tribunais centrais administrativos conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na referida alínea b) do artigo 26.º [cfr. artigo 38.º, alínea a) do ETAF].
Na verdade, sendo certo que a repartição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos, em regra, se efectua nos termos daqueles preceitos, nada obsta a que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica (apesar de o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ter sido aprovado por lei (Lei n.º 13/2002, de 15 de Fevereiro) e o Código de Procedimento e de Processo Tributário o ter sido por decreto-lei (Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro), entre a lei e o decreto-lei não existe relação de hierarquia. Para maior desenvolvimento, J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 166 e segs.), regulem de modo que conduza a resultado diverso noutras situações, como sucede, v.g., no artigo 151.º do CPTA, quando aplicável no contencioso tributário por remissão do n.º 2 do artigo 279.º do CPPT.
De todo o exposto decorre que o recurso interposto nos autos deve ser julgado como apelação neste Tribunal Central Administrativo Norte. Pelo que improcede a excepção de incompetência em razão da hierarquia invocada pelo Ministério Público.

A decisão recorrida julgou verificar-se a excepção invocada de inimpugnabilidade do acto administrativo proferido em 08/02/2011.
A questão colocada no recurso interposto pela Autora é a de saber se a decisão errou ao julgar que o acto que constitui o objecto da acção é insusceptível de impugnação contenciosa autónoma.
Como ficou transcrito, na decisão recorrida entendeu-se ser aqui de aplicar o Princípio da impugnação unitária em face da remissão feita pelo n.º 5 do artigo 139.º do CIRC para o n.º 4 do artigo 86.º da LGT que dispõe que “na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo”.
Nessa sequência, o tribunal recorrido deu razão à Entidade Demandada, reconhecendo não caber no caso, como invocou na sua contestação, impugnação autónoma da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido, apresentado pela aqui Autora, de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis ao abrigo do artigo 139.º do CIRC.
É contra esta decisão que a Autora, ora Recorrente, se insurge, advogando que nela se incorreu em erro de julgamento, nomeadamente, por desacertada interpretação do direito aplicável, na medida em que o acto de indeferimento em crise não pode deixar de qualificar-se como um acto lesivo dos seus direitos e interesses legítimos e, nessa medida, susceptível de reacção judicial autónoma.
Sobre situação idêntica, decidiu recentemente o STA, no seu Acórdão de 03/12/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0881/12, que, pela sua pertinência e por facilidade, iremos reproduzir parcialmente, pois inexistem razões para, em tão curto lapso de tempo, nos afastarmos do aí decidido:
“(…) Em causa está o pedido formulado pela Autora, ora Recorrente, de anulação do acto administrativo (em matéria tributária) de indeferimento de um recurso hierárquico, por si interposto, da decisão que recaiu sobre pedido de prova de preço efectivo na transmissão de imóvel. (…), de acordo com a decisão recorrida, «não havendo disposição legal expressa que estabeleça a impugnação de acto integrante do procedimento em causa - designadamente o acto de indeferimento de recurso hierárquico interposto da decisão proferida no âmbito do mesmo procedimento - o mesmo não consubstancia um acto destacável, não sendo, por isso, susceptível de impugnação contenciosa autónoma», considerando, ademais, que “a aplicabilidade do disposto no nº 4 do artigo 86º da LGT ao procedimento em causa (cfr. nº 5 do artigo 129º do CIRC) vem, aliás, reforçar esta mesma conclusão ao dispor que na impugnação do acto de liquidação pode ser invocada qualquer ilegalidade do procedimento que lhe esteve subjacente, o que nos leva a concluir que foi intenção do legislador manter, na matéria a que respeita os autos, o princípio geral da impugnação unitária.».
Conclui-se, assim, na decisão recorrida, que se está «perante um acto interlocutório que não é imediatamente lesivo dos direitos do contribuinte nem pode ser impugnado autonomamente em virtude de inexistir disposição expressa nesse sentido, pelo que se trata de acto inimpugnável.». (…)
Como se sabe, a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis, que é obtida através da fórmula prevista no artigo 38º e seguintes do Código do IMI, e que procura uma aproximação aos valores de mercado com vista a proporcionar maior equidade na tributação do património, tem importantes consequências a nível fiscal, designadamente a nível de tributação do rendimento, particularmente quando o valor de transacção do imóvel diverge do seu valor patrimonial tributário (VPT). Na verdade, pese embora não haja reflexos quando o valor efectivo da transmissão é maior que o valor patrimonial tributário (dado que é o valor efectivo da transmissão a base fiscal para o IMT, o IRS, e o IRC – cfr. arts. 12º do CIMT, 31º-A do CIRS e 58º-A do CIRC), já assim não acontece quando o valor efectivo da transmissão é inferior ao que posteriormente vier a ser fixado como VPT, com a agravante de que este valor patrimonial tributário definitivo pode ser apenas conhecido e/ou fixado num exercício fiscal diferente daquele em que a transmissão ocorreu.
E essas consequências afectam tanto o alienante do bem como o seu adquirente, pois para além das consequências imediatas em sede de IMT e IMI, obrigam a ajustamentos fiscais no âmbito dos impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas.
Na verdade, o artigo 58º-A do CIRC (a que corresponde o actual artigo 64º após a republicação do Código operada pelo Dec. Lei nº 159/2009, de 13.07) dispõe do seguinte modo:
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato; (nosso sublinhado)
b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos. (nosso sublinhado)
5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.
Donde resulta que a norma estabelece, como princípio base, que os vendedores e compradores de direitos reais de imóveis devem adoptar, nas suas transacções, valores de mercado que não poderão ser inferiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação de IMT. Pelo que sempre que se verifiquem desvios negativos entre o valor declarado pelas partes e o respectivo valor patrimonial definitivo, será este o valor relevante para efeitos de determinação do lucro tributável. Por conseguinte, para determinação do lucro tributável referente às transacções de imóveis em sede de IRC, prevalece o VPT fixado para efeitos de IMT sobre o preço declarado da transacção, sempre que o primeiro seja superior ao segundo.
A aplicação desta regra implicará, assim, em termos de imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas, e de forma necessária, a obrigação para o vendedor de efectuar uma correcção relativamente à declaração fiscal de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a transmissão (correcção correspondente à diferença entre o valor declarado e o VPT fixado), o que, na prática, envolve uma nova e imediata obrigação tributária de natureza contabilística e declarativa, e implicará, em princípio, uma mediata obrigação tributária de pagar mais imposto; por outro lado, para o comprador, as implicações traduzem-se no facto de ele poder considerar para efeitos fiscais o VPT fixado, o que, na prática, implicará um aumento das amortizações fiscais e um aumento da base fiscal do imóvel na sua futura venda.
Em suma, a aplicação deste regime obriga os sujeitos passivos de IRC ao cumprimento (actual) de obrigações de natureza contabilística e declarativa, para além da eventual (futura) obrigação de entrega de imposto.
Tratando-se, porém, de um preceito com a natureza de norma especial anti-abuso, que visa corrigir, para efeitos de determinação do lucro tributável, os valores de venda/aquisição dos imóveis, ela só pode operar na sequência de um procedimento legal tributário que possibilite a demonstração, perante a administração tributária, que os valores das transacções praticados foram efectivamente inferiores aos valores patrimoniais tributários respectivos. Razão por que foi instituída a possibilidade de os sujeitos passivos exibirem elementos de prova que comprovem que o valor declarado e registado na contabilidade é o verdadeiro preço de compra (no caso do comprador) e o verdadeiro preço de venda (no caso do alienante), em conformidade com o disposto no art. 129º do CIRC (a que corresponde o actual art. 139º após a republicação do CIRC operada pelo DL nº 159/2009), que reza assim:
1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o nº 3 do artigo 62º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no nº 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no nº 2 do artigo 58º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 - O procedimento previsto no nº 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização. (Redacção dada pelo art. 52º da Lei nº 53-A/2006 de 29/12).
7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no nº 2 do artigo 58º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no nº 3, não havendo lugar a reclamação graciosa (Redacção dada pelo art. 52º da Lei nº 53-A/2006 de 29/12).
8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.
A lei criou, assim, um procedimento tributário em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado é inferior ao VPT fixado e, assim, afastar a presunção resultante do referido artigo 58º-A do CIRC, procedimento que é instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a transmissão (caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado) ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva (nos restantes casos) e que se rege «pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei» (nº 5 do art. 129º).
Equiparou-se, assim, este procedimento àquele outro previsto nos artigos 91º e 92º da LGT (pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos), constituindo tal procedimento uma condição necessária à abertura da via contenciosa (nº 7 do art. 129º). Ou seja, o procedimento que visa a demonstração, pelo sujeito passivo, de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT definitivamente fixado, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.
Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o sujeito passivo (no caso, o vendedor) pode ou não sindicar judicialmente, de forma imediata e autónoma, a decisão que lhe indefere o pedido de prova do preço efectivo no procedimento que instaurou para o efeito, ou se, pelo contrário, só pode atacar a legalidade dessa decisão na impugnação que deduza contra o acto tributário final – isto é, na impugnação do acto de liquidação de imposto que resultar das correcções efectuadas por aplicação do nº 2 do art. 58º-A, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável efectuada ao abrigo do mesmo preceito legal. (…)
Estabelece o artigo 54º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que «1- Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.».
Tal preceito consagra o denominado princípio da impugnação unitária, segundo o qual só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento, e não já os actos interlocutórios ou procedimentais, dado que só o acto final atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica do contribuinte, fixando a posição da administração tributária perante este e definido os seus direitos e obrigações. E dele resulta, ainda, que no contencioso tributário, ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo, o critério da impugnabilidade dos actos é o da sua lesividade imediata, ou seja, é a lesividade objectiva, imediata, actual, e não a lesividade meramente potencial.
Na verdade, enquanto a partir da entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e da opção legislativa materializada no nº 1 do seu artigo 51º, a lesividade imediata do acto administrativo deixou de constituir atributo da sua impugnabilidade, pois que deixou de se exigir que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental, passando essa impugnabilidade a depender somente da externalidade do acto, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere (lesividade potencial), já no âmbito do contencioso tributário a impugnabilidade do acto continua a depender da sua lesividade imediata e actual, da produção de efeitos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte, pela violação dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
E porque é a esta luz que deve ser visto o princípio da impugnação unitária, inviabilizador da impugnabilidade dos actos procedimentais, compreende-se que ele só deva ceder naqueles casos em que (i) o legislador consagrou norma expressa em sentido contrário, ou naqueles casos em que (ii) se verifica a lesividade imediata do acto e em que, por isso, se torna imprescindível assegurar a tutela judicial efectiva em relação a esse tipo de acto, sendo que o conceito engloba apenas as situações de lesão imediata e actual, estando excluídas da garantia os actos cuja lesividade seja apenas potencial.
Deste modo, e concluindo, os actos interlocutórios do procedimento tributário, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não são, em princípio, lesivos dos interesses do contribuinte, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida. Razão por que a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo. A menos que se trate (ii) de actos procedimentais cujo escrutínio judicial imediato e autónomo se encontre expressamente previsto na lei (os chamados “actos destacáveis”), que na falta de impugnação imediata se consolidam na ordem jurídica, ficando precludido o direito ou a faculdade processual de posteriormente discutir a sua legalidade e afastada a possibilidade de impugnar, com base na sua ilegalidade, a liquidação que desse acto partiu, ou (ii) de actos que, embora inseridos no procedimento e anteriores à decisão final, sejam imediatamente lesivos, abrindo-se então a possibilidade da sua impugnação imediata, sem prejuízo de a sua ilegalidade poder ainda ser suscitada na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto final, pois que do art. 54º do CPPT não decorre a preclusão desse direito para os actos não destacáveis, e tal dimanar, similarmente, da regra contida no nº 3 do art. 51º do CPTA, de aplicação supletiva ao contencioso tributário.
Em suma, havendo um acto imediatamente lesivo dos direitos do contribuinte, ainda que esse acto esteja inserido num dado procedimento e seja antecedente de uma decisão final, ele tem a faculdade de o impugnar autónoma e imediatamente, não ficando, todavia, limitado o seu direito de impugnar a decisão final. (…)
Todavia, não se tratando de um acto previsto na lei como um acto destacável, a sua impugnabilidade contenciosa directa, imediata e autónoma, dependerá da sua qualificação como acto imediatamente lesivo.
À primeira vista, essa decisão parece não constituir um acto imediatamente lesivo, por aparentemente não ser susceptível de provocar, por si, efeitos jurídicos negativos imediatos na esfera jurídica do sujeito passivo alienante do imóvel, a qual só seria atingida com o acto final de liquidação do imposto sobre o rendimento ou com o acto de correcção do lucro tributável no caso de não haver lugar a liquidação de imposto. Pelo que se compreende que, numa primeira leitura, se tenda a sustentar a posição sufragada na decisão recorrida.
Importa, contudo, recordar o que acima deixámos referido no que toca às consequências fiscais da determinação do valor patrimonial tributário a nível de tributação do rendimento quando o valor de transacção do imóvel é inferior ao VPT definitivo. É que, nessa situação, nasce imediatamente para o vendedor a obrigação fiscal de efectuar a correcção dos rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a transmissão (correcção correspondente à diferença entre o valor declarado e o VPT fixado), o que, na prática, envolve não só uma nova e actual obrigação contabilística como, também, uma nova e imediata obrigação declarativa, de apresentação de declaração Modelo 22 de substituição, independentemente de se vir ou não a constituir uma futura obrigação tributária de pagar mais imposto.
E a falta de apresentação dessa declaração fiscal – que, no caso vertente, teria de ser feita logo no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que o VPT se tornou definitivo, caso não fosse instaurado o procedimento para prova do preço efectivo da transmissão, já que este tem efeito suspensivo sobre o procedimento para a liquidação do imposto na parte correspondente ao valor do ajustamento – acarreta mesmo a instauração de procedimento contra-ordenacional, com todos os efeitos nefastos daí decorrentes.
Quer isto dizer que não só o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel (que a lei considera destacável para efeitos contenciosos) como, também, o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel, afectam, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, torna-se imprescindível assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a este tipo de actos, com a possibilidade de impugnação autónoma e imediata, subtraída ao regime regra da impugnação unitária.
Por conseguinte, é de considerar que ao sujeito passivo vendedor de imóvel assistem os seguintes meios contenciosos: (i) impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; (ii) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no art. 58º-A do CIRC, sendo de notar que nela pode invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação ou no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado. (…)”
O exposto é suficiente para decidir que a decisão recorrida não pode manter-se.
Aceitando-se e concluindo-se, pois, pela sindicabilidade directa e autónoma do acto impugnado e, consequentemente, pela inerente impugnabilidade, verifica-se, assim, o alegado erro de julgamento na sentença recorrida, a clamar pela respectiva revogação e pela consequente baixa dos autos à instância a quo, para prossecução dos autos, se a tanto nada mais obstar – cfr. artigo 149.º, n.º 4 do CPTA.

Conclusões/Sumário

I – Tanto o acto de determinação do valor patrimonial tributário definitivo de imóvel como o acto de indeferimento do pedido formulado em procedimento tributário que o alienante do imóvel, enquanto sujeito passivo de IRC, tenha instaurado para prova do preço efectivo da transmissão por virtude de o valor de venda declarado ser inferior ao valor patrimonial tributário fixado (artigos 58.º-A e 129.º do CIRC, a que correspondem os actuais artigos 64.º e 139.º), afectam, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos desse sujeito passivo, e, por isso, há que assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a estes dois actos (pese embora a lei apenas considere aquele primeiro como “destacável” para efeitos contenciosos), com a possibilidade da sua impugnação contenciosa autónoma e imediata, subtraída ao regime regra da impugnação unitária.
II – Pelo que a este sujeito passivo de imposto sobre o rendimento assistem os seguintes meios contenciosos: (i) impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; (ii) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento tributário que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no artigo 58.º-A do CIRC, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável efectuada ao abrigo do mesmo preceito legal, sendo de notar que nesta impugnação pode ainda invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso interposto pela Autora, revogar a decisão recorrida na parte em que julgou procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto e que, em consequência, absolveu a Entidade Demandada da instância, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, para prosseguimento da acção, se a tal nada mais obstar.

Custas a cargo da Entidade Recorrida, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

D.N.

Porto, 26 de Fevereiro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves