Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00415/11.9BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA E POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PAGAMENTO POR CONTA
COIMA
PRESSUPOSTOS
Sumário:I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
II) Em relação à nulidade da sentença por falta de fundamentação, há que ter em atenção que aquilo que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade, sendo que a decisão recorrida conheceu da matéria em apreciação nos autos, elencando a realidade de facto que esteve na base da decisão, a qual foi enquadrada em termos que permitiram à ora Recorrente apreender tal situação, tal como o presente recurso bem evidencia.
III) As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável.
IV) Se as referidas entidades não procederem a esse pagamento, ainda que parcialmente, no prazo de 90 dias, contado do terminus de cada uma daquelas “prestações”, incorrem, pelo menos, na prática de uma infracção punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro ou, sendo essa infracção imputada a título de negligência, variável entre 15% e metade do imposto em falta (arts. 104º nº 1 al. a) do CIRC e 114º nºs 2 e 5 al. f) do RGIT).
V) Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do nº 1 do artigo 90º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, devendo o sujeito passivo proceder à sua entrega nos termos do nº 1 do art. 104º do CIRC.
VI) Não comete a infracção referida em IV) o sujeito passivo que num determinado ano procede tempestiva e integralmente ao pagamento por conta por referência ao imposto que à data desse pagamento se encontrava liquidado relativamente ao ano anterior, ainda que posteriormente, por força da apresentação de nova declaração de rendimentos (Mod. 22) venha a ser liquidado, relativamente ao ano transacto, um imposto de valor superior.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO

“M…, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 04-10-2012, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO relacionada com a decisão proferida em 10-02-2011 pelo Sr. Chefe da Divisão de Justiça Tributária, invocando a respectiva delegação do Sr. Director de Finanças, pela qual a sociedade Recorrente foi condenada no pagamento de uma coima no valor de € 24.923,89, por falta de entrega de pagamento por conta nos termos do art. 96º nº 1 al. a) do Código do IRC.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 137-153), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1. A Sentença recorrida é ilegal por erro de julgamento, omissão de pronún­cia, vício de fundamentação e violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material.
2. A Sentença Recorrida comete omissão de pronúncia ao não se pronunciar sobre o pedido formulado pela Recorrente na PI, de que fosse requerido ao Fisco, a junção aos autos do Relatório de Inspecção à Recorrente ao exer­cício de 2007, o qual se encontra na base do presente processo, em viola­ção do disposto no art. 95.º n.º 1 do CPTA.
3. A Sentença recorrida viola o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, constantes do disposto no art. 95.º n.º 2 do CPTA ao não permitir prova da cabal sobre a factualidade que se encontra subjacente ao presente processo.
4. A Sentença recorrida não refere um único facto sobre as infracções em análise.
5. A Sentença recorrida padece de vicio de fundamentação, porquanto, em relação à alegação da Recorrente, de que a decisão proferida no processo de contra-ordenação vertente viola o art. 29.º n.º 5 da CRP, a Sentença re­corrida apresente apenas um juízo conclusivo de que tal não sucede, sem se apresentar fundamentada de facto ou de direito.
6. A Sentença recorrida não explica porque motivo considera que a decisão de aplicação de coima em crise nos presentes autos não viola o princípio de "ne bis in idem".
7. A infracção tributária em causa nos presentes autos - realização de paga­mentos por conta em 2008, de valor inferior ao devido - resulta de um erro no apuramento da colecta de IRC do ano de 2007.
8. A Recorrente errou a determinação da colecta de IRC do ano de 2007.
9. Assim, em 2008, errou os apuramentos dos pagamentos por conta a efec­tuar naquele exercício que tomaram por base o imposto do exercício de 2007 (nos termos do actual art. 105º do CIRC).
10. Em 2009, a Recorrente foi alertada do erro, apresentou declaração de substituição, pagou o imposto que era devido, com juros compensatórios, pelo retardamento da liquidação e juros moratórios por ter efectuado pa­gamentos por conta de valor inferior ao correcto.
11. Na sequência da apresentação da declaração de substituição a Recorrente pediu a determinação da coima competente e pagou-a.
12. Em 2008 a Recorrente não tinha como não errar os pagamentos por conta, pois desconhecia o erro no apuramento da colecta de 2007, pelo que, a in­fracção no apuramento dos pagamentos por conta foi motivada e é consumida por outra infracção prévia - o erro no apuramento da colecta de 2007.
13. Logo, a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao manter a de­cisão de aplicação de coima à Recorrente pelo erro nos montantes dos pa­gamentos por conta efectuados, já que viola o princípio de "ne bis in idem", ao sancionar duplamente a mesma conduta - o apuramento incor­recto da colecta em 2007, já que os pagamento por conta são actos conse­quenciais a tal apuramento.
14. A Sentença recorrida é também ilegal por erro de julgamento ao conside­rar não ser de aplicar à recorrente uma coima especialmente atenuada.
15. Segundo o disposto no art. 32.º n.º 2 do RGIT, caso o infractor reconheça a sua responsabilidade e regularize a situação tributária até à decisão do processo deve ser-lhe aplicada uma coima especialmente atenuada.
16. A Recorrente assumiu que errou os apuramentos e realização dos paga­mentos por conta realizados de 2008, ao pagar os juros moratórios pelo atraso no pagamento dos valores correctos dos referidos pagamentos.
17. A Recorrente assumiu igualmente que os pagamentos por conta realizados em 2008 estavam errados, ao apresentar a declaração de rendimentos de IRC de 2007, de substituição, e ao pagar o respectivo imposto, pois a co­lecta de 2007, é a base dos pagamentos por conta de 2008, nos termos dos arts. 96.º e 97.º (na redacção em vigor em 2008).
18. A Recorrente regularizou a situação ao pagar o imposto de 2007 devido e os juros moratórios pelos atrasos nos pagamentos por conta em 2008.
19. Logo, a Sentença recorrida violou o disposto no art. 32.º n.º 2 do RGIT ao não considerar que, no limite, a ser aplicada uma coima à Recorrente a mesma deveria ser especialmente atenuada.
TERMOS EM QUE REQUER A ANULAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA E A ANULAÇÃO DA DECISAO DE APLICAÇÃO DE COIMA ARBITRADA NO PRESENTE PROCESSO COM TODAS AS CONSEQUENCIAS LEGAIS,

JUSTIÇA”

Não foram produzidas contra alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, ema analisar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação bem como apreciar o invocado erro de julgamento tendo presente que decisão recorrida concluiu no sentido da verificação dos pressupostos com referência ao ilícito imputado à ora Recorrente, sem olvidar a matéria da aplicação da coima no sentido de a mesma dever ser especialmente atenuada.



3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A - Foi elaborado pelo Serviço de Finanças da Lousã, o «Auto de Notícia» com o n.º C0001149676/2010 (cfr. doc. a fls. 4 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B - Foi expedido ofício dos Serviços de Finanças da Lousã intitulado «Notificação de Defesa/Pagamento c/Redução Artº 70 RGIT», para a sede da Recorrente (cfr. docs. a fls. 6 a 8 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
C - A Recorrente através do seu Advogado apresentou junto dos serviços de Finanças da Lousã, uma exposição escrita que designou por «Defesa Escrita» (cfr. docs. a fls. 9 a 14 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
D - Por despacho do Sr. Chefe da Divisão Tributária de 23.09.2010, aposto na informação n.º 209/2010, foi determinado que a Recorrente seria notificada para exercer de novo a sua defesa (cfr. doc. a fls. 40 a 42 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
E - Foi expedido ofício dos Serviços de Finanças da Lousã intitulado «Notificação de Defesa/Pagamento c/Redução Artº 70 RGIT», para a sede da Recorrente (cfr. docs. a fls. 43 a 44 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
F - Por despacho do Sr. Chefe da Divisão de Justiça Tributária, invocando a respectiva delegação do Sr. Director de Finanças, datado de 10.02.2011, aposto na informação n.º 12/2011 foi dada a concordância a aplicação da coima valorada em € 24.923,98 (cfr. doc. a fls. 48 a 55 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
G - Foi expedido ofício dos Serviços de Finanças da Lousã intitulado «Notificação de Defesa/Pagamento c/Redução Artº 70 RGIT», para a sede da Recorrente (cfr. doc. a fls. 60 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
H - Em documento intitulado «Decisão da Fixação de Coima», com data de 10.02.2011, encontra-se exarado despacho do Sr. Chefe da Divisão de Justiça Tributária, do qual se retira que foi aplicado à Recorrente a "[ ... ] coima de Eur. 24.923,89, cominada no(s) Art(s)º 114 nº2, 5 f) e 26 nº 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 51,00), nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 Fevereiro […]" (cfr. doc. a fls. 57 a 58 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
I - A Recorrente foi notificada da decisão referida na alínea anterior por carta registada expedida pelos serviços de Finanças da Lousã em 22.02.2011 (cfr. docs. a fls. 60 a 61 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
J - Em 22.03.2011, a Recorrente através do seu Advogado, deu entrada no serviço de Finanças da Lousã, de uma exposição escrita que designou por «Alegações» (cfr. doc. a fls. 62 a 91 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
*
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação.
Inexistindo matéria de facto controvertida, não se revelou necessária a realização de qualquer diligência de prova ou a recolha de outros elementos para o efeito.”
Levando em consideração que a factualidade subjacente aos autos em análise se baseia essencialmente em prova documental, este Tribunal julga provados mais os seguintes factos que se reputam relevantes para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do art. 431º, al. a), do C. P. Penal (“ex vi” do art. 3º, al. b), do R.G.I.T. e do art. 74º, nº 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo D.L. nº 433/82, de 27/10):
K) Com referência ao exercício do ano de 2007, a ora Recorrente apresentou em 07-05-2008 um declaração de IRC, modelo 22 com matéria colectável apurada no montante de € 276.721,28 e colecta no valor de € 53.344,26 (fls. 49 destes autos).
L) Nesta sequência, a Recorrente efectuou três pagamentos por conta do ano de 2008, de € 15.681,00 cada (fls. 86 a 88 destes autos).
M) Em 17-03-2009, a ora Recorrente apresentou uma declaração de substituição com referência ao exposto em K), resultando matéria colectável no valor de € 1.016.464,09 e colecta no valor de € 203.292,81 (fls. 49 destes autos).
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se, desde logo, indagar da pertinência da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação nos termos apontados pela Recorrente, com referência ao disposto no art. 379º nº 1 als. a) e c) do C. Proc. Penal.
Nas suas alegações, a Recorrente refere que a Sentença Recorrida comete omissão de pronúncia ao não se pronunciar sobre o pedido formulado pela Recorrente na PI, de que fosse requerido ao Fisco, a junção aos autos do Relatório de Inspecção à Recorrente ao exer­cício de 2007, o qual se encontra na base do presente processo, em viola­ção do disposto no art. 95.º n.º 1 do CPTA, apontando depois que a Sentença recorrida padece de vicio de fundamentação, porquanto, em relação à alegação da Recorrente, de que a decisão proferida no processo de contra-ordenação vertente viola o art. 29.º n.º 5 da CRP, a Sentença re­corrida apresente apenas um juízo conclusivo de que tal não sucede, sem se apresentar fundamentada de facto ou de direito, sendo que a Sentença recorrida não explica porque motivo considera que a decisão de aplicação de coima em crise nos presentes autos não viola o princípio de "ne bis in idem".

A partir daqui, é manifesto que a Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação, dado que, é ponto assente que a decisão recorrida conheceu da matéria em apreciação nos autos, elencando a realidade de facto que esteve na base da decisão, a qual foi enquadrada em termos que permitiram à ora Recorrente apreender tal situação, tal como o presente recurso bem evidencia.
Tal significa que não tem qualquer virtualidade a alegação de que a sentença não está fundamentada de facto e de direito, até porque a decisão aponta que “Na presente situação, a Recorrente, ao contrário do que alega, não veio a ser duplamente sancionada pelo mesmo facto, resultando do acto recorrido apenas um facto que serve de base a uma punição e a uma coima. Não há aqui, ou noutros autos que se conheçam, uma duplicação da mesma punição sobre o mesmo facto”, o que traduz a apreciação da realidade em apreço, impondo-se sublinhar que o facto de o Tribunal recorrido ter, segundo a Recorrente, valorado de forma indevida determinados elementos envolve apenas matéria que poderá colocar o valor doutrinal da referida decisão e não justificar a suscitada nulidade da sentença.

Por outro lado, em relação à matéria da omissão de pronúncia, cabe notar que deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se é diferente de deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, na medida em que quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista, sendo essencial é que o tribunal decida a questão posta, não tendo que analisar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, ou seja, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições, apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas, o que significa que só haverá nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quando o julgador não tiver conhecido de questões que aquelas submeteram à sua apreciação.
Ora, a matéria do pedido formulado pela Recorrente na PI, de que fosse requerido ao Fisco, a junção aos autos do Relatório de Inspecção à Recorrente ao exer­cício de 2007 não constitui uma verdadeira questão nos termos acima descritos, estando apenas em causa a avaliação do juiz que avançou para a decisão sem considerar o elemento descrito pela Recorrente, situação que não pode fundamentar a presente arguição de nulidade da sentença, mas apenas um eventual erro de julgamento da decisão final que venha a ser proferida, nessa medida inquinando o seu valor doutrinal da decisão proferida, por carecida da prova não considerada.

Avançando, diga-se que o cerne da realidade em análise no âmbito do presente recurso jurisdicional prende-se com a bondade da sentença posta em crise que julgou improcedente o recurso apresentado pela ora Recorrente da decisão de aplicação de coima proferida em 10-02-2011 pelo Sr. Chefe da Divisão de Justiça Tributária, invocando a respectiva delegação do Sr. Director de Finanças, pela qual a sociedade Recorrente foi condenada no pagamento de uma coima no valor de € 24.923,89, por falta de entrega de pagamento por conta nos termos do art. 96º nº 1 al. a) do Código do IRC e 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f) e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.

Para desatender a pretensão da ora Recorrente, a decisão recorrido ponderou, além do mais, que:
“…
Na presente situação, a Recorrente, ao contrário do que alega, não veio a ser duplamente sancionada pelo mesmo facto, resultando do acto recorrido apenas um facto que serve de base a uma punição e a uma coima. Não há aqui, ou noutros autos que se conheçam, uma duplicação da mesma punição sobre o mesmo facto.
Por isso, improcede a apontada infracção ao referido princípio constitucional.
2 - Da alegada violação do n.º 2 do art.º 32.º do RGIT e da revisão da coima.
O Recorrente afirma, em segundo lugar, que se verificou uma violação do n.º 2 do art.º 32.º do RGIT, devendo a coima aplicada ser especialmente atenuada, ou seja, revista.
Ora, o n.º 2 do art.º 32.º do RGIT estatui que a coima pode ser especialmente atenuada se o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo. No entanto, da matéria factual trazida a ambos os autos não resulta que o Recorrente tenha alguma vez neles se penitenciado pelas infracções que lhe foram imputadas e, logo assim, não há factualidade subsumível e integrável na norma citada e que determine um especial atenuar da pena.
Ora, a requerida atenuação especial, é instituto jurídico distinto da revisão, este previsto nos artigos 85.º e 86.º do RGIT e 80.º e 81.º do RGCO. Assim, aqui o que o Recorrente pretende é que seja modificada a decisão proferida, neste sentido, revista a decisão de aplicação de coima e não pretende lançar mão da referida forma processual de revisão supra enunciada que aqui, ex abudanti se diga, não poderia ter lugar.
Por isso, inexistem razões factuais e legais que sustentem a pedida atenuação especial.
3 - De eventuais nulidades de conhecimento oficioso.
Cabe, igualmente, referir que o presente procedimento e o acto punitivo não padecem de nulidades do conhecimento oficioso e que ao Tribunal cumprisse aferir, designadamente as que poderiam resultar de um eventual incumprimento das regras contidas no art.º 63.º do RGIT e no demais estatuído no art.º 79.º do enunciado diploma legal. …”.

Nas suas alegações, a Recorrente insiste que a infracção tributária em causa nos presentes autos - realização de paga­mentos por conta em 2008, de valor inferior ao devido - resulta de um erro no apuramento da colecta de IRC do ano de 2007, sendo que a Recorrente errou a determinação da colecta de IRC do ano de 2007 e em 2008, errou os apuramentos dos pagamentos por conta a efec­tuar naquele exercício que tomaram por base o imposto do exercício de 2007 (nos termos do actual art. 105º do CIRC).
Em 2009, a Recorrente foi alertada do erro, apresentou declaração de substituição, pagou o imposto que era devido, com juros compensatórios, pelo retardamento da liquidação e juros moratórios por ter efectuado pa­gamentos por conta de valor inferior ao correcto e na sequência da apresentação da declaração de substituição a Recorrente pediu a determinação da coima competente e pagou-a.
Em 2008 a Recorrente não tinha como não errar os pagamentos por conta, pois desconhecia o erro no apuramento da colecta de 2007, pelo que, a in­fracção no apuramento dos pagamentos por conta foi motivada e é consumida por outra infracção prévia - o erro no apuramento da colecta de 2007, logo, a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao manter a de­cisão de aplicação de coima à Recorrente pelo erro nos montantes dos pa­gamentos por conta efectuados, já que viola o princípio de "ne bis in idem", ao sancionar duplamente a mesma conduta - o apuramento incor­recto da colecta em 2007, já que os pagamento por conta são actos conse­quenciais a tal apuramento.

Que dizer?
Desde logo, importa ter presente que o então art. 97º do CIRC estabelecia o seguinte:
“1 - Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 83º relativamente ao exercício imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea f) do n.º 2 do mesmo artigo.

2 - Os pagamentos por conta dos contribuintes cujo volume de negócios do exercício imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos seja igual ou inferior a (euro) 498 797,90 correspondem a 70 % do montante do imposto referido no número anterior, repartido por três montantes iguais, arredondados, por excesso, para euros.

3 - Os pagamentos por conta dos contribuintes cujo volume de negócios do exercício imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos seja superior a (euro) 498 797,90 correspondem a 90 % do montante do imposto referido no n.º 1, repartido por três montantes iguais, arredondados, por excesso, para euros.

4 - No caso referido na alínea d) do n.º 4 do artigo 8º, o imposto a ter em conta para efeitos do disposto no n.º 1 é o que corresponderia a um período de 12 meses, calculado proporcionalmente ao imposto relativo ao período aí mencionado.

5 - Tratando-se de sociedades de um grupo a que seja aplicável pela primeira vez o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os pagamentos por conta relativos ao primeiro exercício são efectuados por cada uma dessas sociedades e calculados nos termos do n.º 1, sendo o total das importâncias por elas entregue tomado em consideração para efeito do cálculo da diferença a pagar pela sociedade dominante ou a reembolsar-lhe, nos termos do artigo 96º.

6 - No exercício seguinte àquele em que terminar a aplicação do regime previsto no artigo 63º, os pagamentos por conta a efectuar por cada uma das sociedades do grupo são calculados nos termos do n.º 1 com base no imposto que lhes teria sido liquidado relativamente ao exercício anterior se não estivessem abrangidas pelo regime.

7 - No exercício em que deixe de haver tributação pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, observa-se o seguinte:

a) Os pagamentos por conta a efectuar após a ocorrência do facto determinante da cessação do regime são efectuados por cada uma das sociedades do grupo e calculados da forma indicada no número anterior;

b) Os pagamentos por conta já efectuados pela sociedade dominante à data da ocorrência da cessação do regime são tomados em consideração para efeito do cálculo da diferença que tiver a pagar ou que deva ser-lhe reembolsada nos termos do artigo 96º.

Por seu lado, o então art. 96º nº 1 al. a) do CIRC dispunha o seguinte:
“1 - As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respectivo período de tributação; …”


Além disso, refere o art. 114º do RGIT, aprovado pela Lei n.º15/2001, de 5 de Junho, com a epígrafe “Falta de entrega da prestação tributária” o seguinte:
“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, lendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.
5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: (...) f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
(...).”
Em função do que fica exposto, resulta claro que as entidades a que aludia o então art. 96º do CIRC deviam proceder ao pagamento do imposto em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável e se o não fizerem, ainda que de forma parcial, no prazo de 90 dias contado do terminus de cada uma daquelas “prestações” incorriam, pelo menos, na prática de uma infracção, a qual é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro ou, sendo essa infracção imputada a título de negligência, variável entre 15 % e metade do imposto em falta. Numa e noutra das situações a coima nunca poderá ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
Pois bem, é sabido que, com referência ao exercício do ano de 2007, a ora Recorrente apresentou em 07-05-2008 um declaração de IRC, modelo 22 com matéria colectável apurada no montante de € 276.721,28 e colecta no valor de € 53.344,26 e nesta sequência, a Recorrente efectuou três pagamentos por conta do ano de 2008, de € 15.681,00 cada, sendo que em 17-03-2009, a ora Recorrente apresentou uma declaração de substituição com referência ao exposto em K), resultando matéria colectável no valor de € 1.016.464,09 e colecta no valor de € 203.292,81.
Tal significa que a apresentação de tal declaração de rendimentos de substituição implicou a variação do pagamento por conta a efectuar em 2008, pelo facto de ser diverso o montante de imposto autoliquidado relativo a 2007, defendendo a Recorrente que a in­fracção no apuramento dos pagamentos por conta foi motivada e é consumida por outra infracção prévia - o erro no apuramento da colecta de 2007.

Nesta matéria, crê-se pertinente a alusão ao Ac. do TCA Sul de 09-03-2017, Proc. nº 3110/15.6BESNT, www.dgsi.pt, e onde se refere que “… uma vez que a obrigação se cumpriu com a entrega do pagamento por conta em Setembro por referência ao valor que efectivamente se mostrava apurado naquela data, sendo irrelevantes, para efeitos de mero ilícito contra-ordenacional as alterações (rectificações/substituições) que o sujeito passivo venha a realizar na declaração pontualmente apresentada. Dito de outro modo: se o sujeito passivo procedeu, em conformidade com a declaração apresentada e com o imposto então apurado, ao pagamento por conta do imposto, no tempo legalmente oportuno, não pode, de todo, entender-se que, sendo apresentada uma nova declaração (substituição), do qual resulte o apuramento de um valor de imposto superior, que aquele contribuinte não cumpriu a sua obrigação, isto é, que não pagou na totalidade o valor relativo ao “pagamento por conta” e que, consequentemente, cometeu a infracção que a nossa recorrida vem acusada.
Aliás, não pode ignorar-se a específica função e natureza destes pagamentos: o pagamento por conta é uma antecipação do imposto que será devido a final, calculado com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, o qual poderá, ou não, coincidir com o valor que venha a ser efectivamente devido, razão pela qual a lei prevê, inclusive, que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante ou, sendo o valor do lucro tributável do exercício em curso inferior ao do anterior e se comprovar que os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, isto é, correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido, o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta (cfr.artºs.96, nº.4, e 99, nº1, do C.I.R.C.). E tais pagamentos antecipados do imposto “a final devido” constitui uma imposição do Estado determinada por interesses próprios de arrecadação de valores que, em bom rigor ou por princípio, não fora esta determinação legal de “antecipação” apenas seriam entregues/pagos ulteriormente. O que significa que, seguramente, não pode ter estado na mente do legislador abarcar no ilícito em causa a punição do sujeito passivo que observando integralmente a sua obrigação - determinada pelas condições ou pressupostos de facto e direito existentes à data em que essa obrigação deva ser cumprida -, se vê confrontado, posteriormente, com alterações das circunstâncias de facto que de todo não podia ter considerado aquando do cumprimento daquela obrigação.
Aliás, e se bem vemos, o que a factualidade apurada revela é que a Administração Tributária não pretende punir a arguida por não ter cumprido a sua obrigação ou porque desconheça que nessa data outro comportamento lhe era exigível mas, sim, porque tendo apresentado posteriormente uma declaração de substituição dela resultou um valor de imposto a pagar superior, o que, em nosso entender não cabe na previsão da norma e constitui mesmo uma pretensão arrepiante à luz dos princípios fundamentais que estão subjacentes ao ordenamento jurídico-penal. …”.

Perante a bondade do que fica exposto, relativamente ao qual não se vê razão para divergir, até porque a matéria em apreciação nestes autos é essencialmente idêntica, tal significa que, mais do que uma in­fracção no apuramento dos pagamentos por conta motivada e consumida por outra infracção prévia - o erro no apuramento da colecta de 2007, pode, isso sim, afirmar-se um juízo de censura sobre a decisão proferida nos autos, o que equivale a dizer que a sentença recorrida não pode manter-se, devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso, com a presente fundamentação, ficando prejudicado o conhecimento do mais suscitado no âmbito do presente recurso.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, nesta medida, julgar procedente o recurso judicial e, em consequência, anular a decisão administrativa que aplicou à Recorrente a coima aqui em causa.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 08 de Março de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos