Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00048/18.9BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/17/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RECONHECIMENTO DE PROPRIEDADE; DIREITO À CONSTRUÇÃO; USUCAPIÃO;
Sumário:1 – Os tribunais administrativos são absolutamente incompetentes em razão da matéria para decidir sobre o pedido formulado no sentido de ser reconhecida a titularidade de identificado Prédio Urbano.

2 – O problema do licenciamento das edificações encontra-se conexionado com a clássica questão do direito administrativo que está em saber se o Jus aedificandi é uma componente essencial do direito de propriedade do solo ou se é uma faculdade atribuída ao particular pelo direito público.

É hoje incontroverso que o Jus Aedificandi não constitui uma faculdade que decorre diretamente do direito de propriedade do solo mas um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário nos termos e condições definidas pelas normas jurídico- urbanísticas.

3 – Perante a confessada realização de obras em desconformidade com o licenciamento municipal, está a entidade administrativa legalmente vinculada a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística (v. art. 102, nº 1, alínea b), do RJUE), seja nos termos do disposto no art. 102º-A (quando for possível assegurar a conformidade da operação urbanística com as disposições legais e regulamentares em vigor), seja nos termos do disposto no art. 106º, do mesmo diploma legal (quando a legalização não for possível ou quando o interessado não responda ao repto que, para isso, lhe tenha sido efetuado).
É inquestionável que o direito à construção é insuscetível de ser adquirido por usucapião, pois não se integra no direito de propriedade, direito em relação ao qual funciona o referido instituto jurídico (artigos 1287º e seguintes do Código Civil).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.J.G.P. e M.R.F.T.P.
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
J.J.G.P. e M.R.F.T.P., devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa, intentada contra o Município de (...), peticionaram:
“a) que seja o Réu condenado a reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito em (...), composto de Casa de habitação, com rés do chão, andar, sótão e anexos, com a área de 176 metros quadrados e um Pavilhão com a área de 576 metros quadrados;
b) que seja o Réu condenado a reconhecer que o pavilhão existente está construído desde 1992, tendo-se consolidado nos Autores o direito de o manterem tal como o construíram, face à aquisição por usucapião;
c) se abstenha de emitir qualquer ordem de demolição do referido pavilhão; e, d) seja o Réu condenado a emitir Licença de Utilização do Pavilhão, mesmo que para arrumos.
Por decisão de 14 de junho de 2019 veio a decidir-se no TAF de Viseu, o seguinte:
“(...) julga-se este Tribunal absolutamente incompetente para conhecer do mérito da lide, no que ao pedido formulado no ponto a) respeita, em razão da matéria, e, consequentemente, absolve-se o Réu da instância (artigos 14º, nº 2, e 89º, nº 1 e nº 4, alínea a), ambos do CPTA).
Mais foi decidido, a final, quanto ao demais peticionado, julgar “a presente ação totalmente improcedente”

Inconformado com a decisão proferida vieram as Autoras recorrer em 10 de setembro de 2019, ai tendo concluído:
“A) Os recorrentes construíram no Ano de 1992 um pavilhão com área superior à Licenciada pela Camada Municipal de (...).
B) Durante mais de 20 possuíram publica, pacifica, de boa fé e ininterruptamente o pavilhão construído.
C) A inércia da CMV em exercer o direito de limitação do direito de construção dos recorrentes, consolidou neles o direito de manter o que construíram.
D) Fica assim obrigada a autoridade administrativa obrigada a respeitar o efeito erga omnes do Direito de propriedade dos recorrentes.
E) E impedida da ordenar a sua demolição
Entendem assim violadas as normas previstas nos artigos 1287º, 1302º, 1305º, 1311º, 1315º, 1316º, 1344,
Nos termos expostos, se defende a procedência do presente recurso substituindo-se a Douta decisão recorrida por outra que reconheça contra a recorrida, o direito de propriedade dos autores ao prédio descrito nos autos, com a área construída existente, e a obrigação de ela o respeitar. Em prol da reposição da Justiça do caso concreto.”

Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso
Em 5 de novembro de 2019 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso Jurisdicional interposto.
O Ministério Público, notificado em 16 de novembro de 2019, veio a emitir Parecer em 22 de novembro de 2019, no qual se pronuncia no sentido da improcedência do Recurso.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar as questões colocadas pelos Recorrentes as quais se reportam expressa e exclusivamente à questão da usucapião, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
“A) A 18/01/1994, o Autor marido apresentou nos serviços do Réu um pedido de licenciamento de um “barracão para arrumos com chapa com 30x12=360m2”, licenciado como construção do “tipo alpendre”, destinada a arrumos, o qual deveria permanecer “sem as paredes exteriores” (cfr. fls. 9 a 11 do PA 27/1994);
B) Na sequência de uma queixa apresentada por J.P.C., em 11/06/2007, os serviços do Réu efetuaram uma fiscalização ao local, tendo-se constatado a existência de um barracão em desacordo com o licenciado, a existência de um outro barracão sem qualquer licenciamento, sendo o que o mesmo estava a ser utilizado como oficina automóvel sem a devida licença municipal (cfr. PA 52/2007);
C) A 06/09/2007, pela Divisão de Edificações e Fiscalização do Réu foi emitida a informação nº 843/2007, propondo a instauração de procedimento contraordenacional ao Autor marido e à notificação deste para, no prazo de 45 dias, proceder à legalização das obras executadas ilegalmente, sob pena de atuação municipal, sobre a qual recaiu despacho em conformidade (cfr. fls. 5 e 18 a 20 do PA 52/2007);
D) Apesar de notificados os Autores, mantiveram-se os mesmos silentes (cfr. fls. 25 do PA 52/2007);
E) A 05/05/2008, os serviços do Réu proferiram a informação nº 460/2008, propondo que fosse solicitada pronúncia sobre a intenção de ordenar a demolição dos trabalhos indevidamente executados, informação sobre a qual recaiu o despacho de concordância a 20/05/2008, e comunicado ao Autor por ofício datado de 16/06/2008 (cfr. fls. 40 e ss. do PA 52/2007);
F) A 04/08/2008, pelo Réu foi proferido despacho a ordenar a demolição dos trabalhos levados a cabo pelos Autores, despacho este que lhes foi comunicado a 11/08/2008 (cfr. fls. 48 a 50 do PA 52/2007);
G) A 08/04/2010, foi o Autor notificado para, no prazo de 10 dias, vir dar cumprimento ao ordenado em agosto de 2008 (cfr. fls. 86 e ss. do PA 52/2007)
H) A 07/05/2010, o Autor remeteu aos serviços do Réu uma pronúncia, requerendo a sustação da ordem de demolição, afirmando que iria proceder à necessária legalização do edificado (cfr. fls. 91 e ss. do PA 52/2007);
I) Perante a inércia dos Autores, os serviços do Réu decidiram promover a efetiva demolição das obras, a tomada de posse administrativa do imóvel e a comunicação ao Ministério Público do desrespeito da ordem de demolição (cfr. fls. 190 e ss. do PA 52/2007);
J) Em maio de 2014, o Autor novamente requereu a legalização do indicado pavilhão, o que passaria pela demolição parcial da construção existente, prevendo-se a uma diferente ocupação funcional, uma oficina automóvel (cfr. fls. 32 e 95 do PA 27/1994);
K) A 18/05/2015, os serviços do Réu emitiram a informação nº 180/2015, no sentido de ser aprovado o projeto de arquitetura apresentado, sob condição de ser requerido o destaque da parcela onde se encontrava a pretensão, informação sobre a qual recaiu despacho de concordância datado de 28/05/2015 (cfr. fls. 103 e ss. do PA 27/1994);
L) Perante a inércia do Autor em requerer a emissão do alvará, foi determinada a sua audiência prévia sobre a intenção de declaração da caducidade do pedido de licenciamento, e que foi pessoalmente comunicada ao Autor a 10/10/2017 (cfr. fls. 229 e 240 do PA 27/1994);
M) Atento o silêncio do Autor, os serviços do Réu retomaram o procedimento administrativo com vista à reposição da legalidade (cfr. fls. 242 e ss. do PA 27/1994);
N) A 16/11/2017, a Câmara Municipal do Réu deliberou declarar a caducidade do procedimento administrativo de licenciamento (cfr. fls. 243 do PA 27/1994);
O) A 28/12/2017, os serviços do Réu comunicaram aos Autores a obrigação de cessar a utilização do estabelecimento, sob pena da determinação do despejo administrativo do imóvel (cfr. fls. 481 e ss. do PA 52/2007).”

IV – Do Direito
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª Instância:
“Começam os Autores por pedir a condenação do Réu a reconhecer que o pavilhão existente no prédio de que são proprietários está construído desde 1992, tendo-se consolidado na sua esfera jurídica o direito de o manterem tal como o construíram, face à aquisição por usucapião. Alegam, para tal, que o imóvel está construído há mais de 20 anos, de forma pública, pacífica e à vista de toda a gente, sem que tenha sido ordenada a sua demolição, ou sem que alguém legitimamente demonstre violação de direitos protegidos, motivo pelo qual já não poderá ser demolido coercivamente.
Em sede de contestação, alega o Réu que não tem a pretensão dos Autores qualquer fundamento factual ou legal, não sendo aplicável nesta sede a tese civilística da usucapião, mais arguindo que a única construção licenciada foi um barracão para arrumos, que não qualquer pavilhão, e que foram os próprios Autores que deixaram caducar o ato de licenciamento.
Desde já se adiante ser manifestamente improcedente o peticionado pelos Autores, pelos motivos doutamente aduzidos pelo Ministério Público deste Tribunal em sede de parecer.
Comece por se afirmar que, contrariamente ao afirmado pelos Autores em sede de petitório, e como decorre do probatório coligido, foi proferida pelo Réu uma ordem de demolição do edificado, já em agosto de 2008, facto que aqueles não podiam desconhecer.
Mas deve o Tribunal atender, concretamente, à causa de pedir que sustenta o pedido, in casu, o instituto da usucapião. Ora, como melhor afirmado pela Digna Magistrada do Ministério Público, o ius aedificandi não está integrado no direito de propriedade, direito em relação ao qual funciona o referido instituto jurídico (artigos 1287º e seguintes do Código Civil).
Efetivamente, o direito a construir não consubstancia um direito real, sendo que a sua sujeição a normas de licenciamento se justifica tendo em vista a necessidade de tutela de outros interesses públicos igualmente relevantes, como o urbanismo, o ordenamento do território e a defesa do ambiente (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/09/2009, P. 0564/08, disponível em www.dgsi.pt), interesses estes perseguidos pela Administração no âmbito dos poderes que lhe são legalmente atribuídos.
Ao não ser o direito de construção suscetível de ser “adquirido” por via da usucapião, está o presente pedido condenado à sua manifesta improcedência, o que desde já se declara. Prosseguindo,
Vêm ainda os Autores peticionar que seja o Réu condenado a abster-se de emitir qualquer ordem de demolição do referido pavilhão. Na sua contestação, veio o Réu defender-se por impugnação, concluindo pela improcedência do peticionado.
Também aqui não assiste qualquer razão aos Autores, seguindo este Tribunal de perto o doutamente exposto pela Digna Magistrada do Ministério Público, na pronúncia quanto ao mérito da presente lide.
Efetivamente, e como já antes se afirmou, proferiu o Réu, já em 2008, uma ordem de demolição do edificado aqui em causa, por irregularidade urbanística, atuando na prossecução do seu poder-dever previsto no artigo 102º-A do Regime Jurídico das Urbanizações e das Edificações (doravante abreviadamente RJUE), decisão esta que os Autores não impugnaram.
Por outro lado, e quanto à presente matéria, impõe o nº 2 do artigo 39º do CPTA o seguinte: “A condenação à não emissão de atos administrativos só pode ser pedida quando seja provável a emissão de atos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos e a utilização dessa via se mostre imprescindível.”
Ora, em momento algum vieram os Autores provar, ou sequer alegar, factos que possam sustentar a imprescindibilidade desta via processual.
Com efeito, e caso venha a ser proferida nova ordem de demolição do edificado que reputem de inválida, sempre estará na disponibilidade dos Autores a propositura da competente ação de impugnação de atos administrativos.
Nestes termos, não se revelando imprescindível o recurso ao presente pedido condenatório, conforme exigido no nº 2 do artigo 39º do CPTA, está o mesmo votado à improcedência, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos, o que desde já se declara.”

No essencial, os Recorrentes limitaram-se a vir retomar no Recurso interposto a argumentação que haviam esgrimido em 1ª Instância, não sendo esse o objeto nem o objetivo de um Recurso.
Em qualquer caso, para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, importa analisar, ponderar o suscitado.
Vejamos:
Recorda-se que a sentença recorrida declarou os tribunais administrativos absolutamente incompetentes em razão da matéria para decidir sobre o pedido formulado em a), absolvendo o Réu da instância, julgando totalmente improcedentes os restantes pedidos.

Inconformados com a sentença, os Autores interpuseram o presente recurso que, cingindo-se o Recurso a “uma única questão, do ponto de vista dos interesses dos recorrentes, ligada à interpretação do conteúdo e efeitos da posse e usucapião.”

Mais afirmaram que “Pretendem os Autores que uma obra clandestina (no caso clandestina parcialmente) possa, por efeito da passagem do tempo da usucapião consolidar-se no património e esfera jurídica dos possuidores, sem que possa vir a ser demolida contra a sua vontade, uma vez verificadas as condições legais da usucapião.”

Incontornavelmente, afirma-se expressamente no final das conclusões do recurso que deverá singelamente ser proferida sentença que reconheça contra a requerida, o direito de propriedade dos autores ao prédio descrito nos autos, com a área construída existente, e a obrigação de ela o respeitar”, ignorando que a própria sentença “declarou a incompetência absoluta em razão da matéria do tribunais administrativos para decidirem sobre a al. a) pedido inicial, na qual se peticionara o reconhecimento de que os Autores, aqui Recorrentes “(...) são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito em (...), composto de Casa de habitação, com rés do chão, andar, sótão e anexos, com a área de 176 metros quadrados e um Pavilhão com a área de 576 metros quadrados”

Afirmando expressamente o Recurso que o mesmo se cinge ao reconhecimento da Usucapião do direito edificativo, resulta do referido, ter transitado em julgado a declarada “incompetência absoluta em razão da matéria dos Tribunais Administrativos” para julgar a questão da propriedade dos controvertidos edifícios.

Em qualquer caso, e por se cingir o recurso à questão da Usucapião edificativa, sempre e dirá o seguinte:

Como o aqui relator desenvolveu em “Direito do Urbanismo - ESAI 2002”, “O problema do licenciamento das edificações encontra-se conexionado com a clássica questão do direito administrativo que está em saber se o Jus aedificandi (Direito de Construir) é uma componente essencial do direito de propriedade do solo ou se é uma faculdade atribuída ao particular pelo direito público.
Com efeito, podemos considerar que uma perspetiva que considere o Jus Aedificandi como uma componente essencial do direito de propriedade, nos dá uma visão distorcida da realidade. Veja-se desde logo o facto do proprietário não possuir a faculdade de decidir se pode construir no seu terreno.
A regulamentação da possibilidade de construir é feita integralmente pelo Direito Público.
Originariamente as licenças de construção tinham um carácter meramente permissivo, traduzindo assim, a mera permissão para exercer o Jus Aedificandi, compreendido no direito de propriedade do solo.
No entanto, as modificações operadas nas necessidades de urbanização, que se traduzem na adequação da construção privada a valores gerais e unitários parece legitimar a deslocação da chamada licença de construção de um domínio em que apenas importa assegurar o não contraste entre o direito privado, para um outro em que a presença de valores públicos muito mais complexos, como seja a planificação ou a construção de vias e infraestruturas, aponta para a negação de um direito originário de construção. Tal direito apenas decorrerá de uma autorização constitutiva em que se traduzem as licenças de construção.
O entendimento atual da figura da licença de edificação entronca na ideia de que o proprietário que pretende construir no seu terreno terá de obter uma autorização e consequentemente, subordinar essa pretensão ao respeito de certas regras que visam a proteção de interesses públicos.
Sintetizando, refira-se o seguinte:
O Jus Aedificandi não constitui uma faculdade que decorre diretamente do direito de propriedade do solo mas um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário nos termos e condições definidas pelas normas jurídico- urbanísticas.

Seguindo agora de perto o referido no Parecer do MP, afirma o próprio STA no seu Acórdão de 18/02/04, no rec. 663/03, que “O jus aedificandi não se apresenta à luz da Constituição como parte integrante do direito fundamental da propriedade privada”.

Com efeito, o direito consagrado no art. 62º, da Constituição da República Portuguesa, não é um direito de propriedade específico, mas apenas o direito à propriedade privada, isto é, o direito de não ser expropriado ou esbulhado, salvo por utilidade pública e mediante indemnização – Acs. do STA, de 1/03/2000, proc. 43993, e de 06/11/2002, proc. nº 0981/02, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra editora, 1980, págs. 163.

Como se afirmou igualmente no Ac. do STA de 21/05/2009, proc. nº 0518/08, “o direito de propriedade só tem natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos previstos no art. 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, enquanto categoria abstrata, entendido como direito de propriedade, ou seja, como suscetibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e à sua livre fruição e disponibilidade (núcleo essencial), e não como direito subjetivo de propriedade, isto é, com poder direto, imediato e exclusivo sobre concretos e determinados bens”; e que, como aí se acrescenta, “a sujeição do direito de construção a normas de licenciamento não afronta, naturalmente, o direito de propriedade, antes visa discipliná-lo em vista da tutela de outros interesses públicos igualmente relevantes, como o urbanismo, o ordenamento do território, a defesa do ambiente”.

Como se referiu ainda no Ac. do STA de 30/09/2009, proc. nº 0564/08, a necessidade do licenciamento não afronta o direito de propriedade tal como está gizado na Constituição (art. 62º), devendo o direito de construir ser sempre exercido dentro dos condicionamentos urbanísticos legalmente estabelecidos, de molde a não serem afrontados outros direitos e deveres também constitucionalmente consagrados.

Assim sendo, e face à confessada realização de obras de construção em desconformidade com o licenciamento municipal, está a entidade administrativa legalmente vinculada a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística (v. art. 102, nº 1, alínea b), do RJUE), seja nos termos do disposto no art. 102º-A (quando for possível assegurar a conformidade da operação urbanística com as disposições legais e regulamentares em vigor), seja nos termos do disposto no art. 106º, do mesmo diploma legal (quando a legalização não for possível ou quando o interessado não responda ao repto que, para isso, lhe tenha sido efetuado).

O afirmado, sempre determinaria a improcedência no peticionado na alínea b) da PI, com a correspondente confirmação do sentido da Sentença Recorrida.

Conclui-se assim que o direito de construção é insuscetível de ser adquirido por usucapião o que desde logo compromete a pretensão recursiva dos Recorrentes.

Finalmente, e no que concerne ao pedido de condenação do Município a abster-se de emitir ordem de demolição do pavilhão construído clandestinamente pelos Recorrentes, o mesmo sempre teria deve igualmente de improceder.

Com efeito, estando os municípios legalmente vinculados ao poder/dever de adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística (v. art. 102, nº 1, alínea b),102º A e 106 do RJUE), não poderiam os tribunais, sem qualquer motivo, condenar o Réu a abster-se de qualquer ordem de demolição.
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelos Recorrente.

Porto, 17 de janeiro de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa