Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01710/09.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA, GERÊNCIA DE FACTO VERSUS GERÊNCIA DE DIREITO, ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA,
CAPACIDADE PROFISSIONAL
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal – cfr. n.º 1 do artigo 23.º da LGT.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária, por dívidas da executada originária, a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III - A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da Lei Geral Tributária e de declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação – cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT.

IV - A declaração dos pressupostos da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre, sem prejuízo do labor da AT na realização de diligências, na recolha de elementos e informações pertinentes nesse sentido durante todo o procedimento de reversão.

V - Incumbe à AT o ónus de alegação e prova dos requisitos que permitem a reversão. Falhando a alegação da gerência de facto no momento da reversão, está vedada a sua prova a posteriori pela AT e inviabilizada a respectiva sindicância pelo tribunal da real verificação do pressuposto da reversão.

VI - O Decreto-Lei n.º 38/99, de 06/02, aplicável à data, consagrava o regime jurídico da actividade de transporte rodoviário de mercadorias. Especificamente o seu artigo 6.º versa sobre a capacidade profissional para o exercício da actividade de transporte rodoviário de mercadorias e respectiva certificação, não se retirando de tal normativo qualquer presunção legal do efectivo exercício da gerência de facto, para efeitos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M. e J.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. Relatório

M. e J., contribuintes n.ºs (…) e (…), respectivamente, com os demais sinais dos autos, interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 29/06/2013, que julgou improcedente a Oposição deduzida contra o processo de execução fiscal n.º 1821200401041851 e apensos, instaurado contra a sociedade “D., Lda.”, por dívidas de IVA dos anos de 2000 a 2004, no valor global de €48.474,31, e contra eles revertidas.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

“A - Os Recorrentes nunca em momento algum praticaram quaisquer actos inerentes à gerência daquela sociedade nem tão pouco houve da sua parte qualquer responsabilidade na diminuição do património da sociedade.
B - Os Recorrentes não são por isso responsáveis pelo pagamento das dívidas fiscais aqui em causa, uma vez que não estão preenchidos os pressupostos legais que sustentam a Responsabilidade Subsidiária.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente Recurso revogando-se a Sentença Recorrida, julgando procedente a Oposição
Fazendo-se desta forma Justiça.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar os Recorrentes parte legítima na execução fiscal, uma vez que exerceram de facto a gerência da executada originária.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

“Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:
a) Contra a sociedade "D., Lda." foi instaurado no Serviço de Finanças de Matosinhos o processo executivo n° 1821200401041851 e apensos (n°s 1821200401045105 e 1821200401051202) relativo a dívidas de IVA dos anos de 2000, 2001, 2003 e 2004, no valor global de €48.474,31 (cf. fls. 60 a 64 e 124 a 127 dos autos). ---
b) Em 30/10/2006, foi elaborado o projecto de despacho para audição (reversão) nos termos do disposto no art. 23° da LGT, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

c) (cf. fls. 90 a 94 dos autos).
d) Em 28/11/2006 foi elaborado o oficio de citação para reversão contra os, aqui, oponentes (cf. fls. 95 a 101 dos autos).
e) Os oponentes, juntamente com M. eram sócios e gerentes da primitiva devedora, sendo certo que aquela sociedade obrigava-se mediante a assinatura de dois gerentes, sendo uma delas obrigatoriamente a de M. (cf. doc. de fls. 81 a 86 ec119 a 123 dos autos).
f) O oponente J. assinou, em 24/08/1992, na qualidade de representante legal daquela sociedade, a declaração de alterações da primitiva devedora (cf. fls. 117 a 118 dos autos).
g) O oponente J. apresenta descontos efectuados como membro de órgão estatutário da primitiva devedora (cf. fls. 151 a 156 dos autos).
h) O Oponente J. na sua qualidade de gerente deu capacidade profissional à primitiva devedora, uma vez que era detentor da capacidade técnica e profissional que implicava a concessão de ou manutenção do Alvará de Transportes (art. 24° da PI).
i) O oponente recebeu remunerações como membro do órgão estatutário da primitiva devedora (cf. fls. 94, 103 a 105 dos autos).
j) A oponente M. tinha conhecimento de tudo o que se passava na empresa porque assinava obrigatoriamente tudo o que era necessário (cf. depoimento de M. e J.).
k) O oponente J. tinha conhecimento da vida da empresa (cf. depoimento da testemunha M.).
l) A M. e o irmão J. diziam à mãe o que iam fazer na empresa (cf. depoimento da testemunha M.).

Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.
O Tribunal não considerou o depoimento da testemunha A. uma vez que o mesmo nada sabia acerca da sociedade tanto assim é que disse não ter presente como é que a sociedade se obrigava pois só lidava com a M..
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O tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos, no depoimento da sócia gerente M. e da testemunha J..”

2. O Direito

Os Recorrentes insurgem-se contra a sentença proferida que julgou a oposição improcedente, pretendendo discutir, essencialmente, a gerência de facto, dado insistirem que em momento algum praticaram quaisquer actos inerentes à gerência da sociedade originária.

Os revertidos opuseram-se à execução fiscal invocando a falta do pressuposto para a reversão do exercício da gerência de facto à data a que respeitam os factos tributários – IVA dos anos de 2000, 2001, 2003 e 2004.

Insistem, neste recurso, não serem responsáveis pelas dívidas exequendas, por não terem exercido a gerência de facto, e que a AT, a quem cabe o ónus dessa prova, nunca demonstrou terem praticado quaisquer actos inerentes à gerência da sociedade.

Para decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar verificado o requisito da gerência de facto para reverter a execução ao abrigo do artigo 24.º da LGT, temos, necessariamente, que compulsar o procedimento de reversão ínsito no processo de execução fiscal em causa, considerando todo o labor da Fazenda Pública na recolha de elementos e na realização de diligências, que terá culminado com a decisão de reversão em apreço e, depois, com a respectiva citação.

A reversão é, efectivamente, a decisão do órgão da execução fiscal pelo qual é chamado ao processo executivo alguém que não consta do título executivo como devedor.
É pela reversão que se efectiva a responsabilidade subsidiária, ou seja, o chamamento à execução fiscal dos responsáveis subsidiários (cfr. artigo 23.º, n.º 1, da LGT).

A decisão de reversão deve, pois, obedecer a todos os requisitos das decisões administrativas, designadamente, às exigências de fundamentação impostas pelo artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo artigo 77.º da LGT e, especificamente no caso de reversão, pelo artigo 23.º, n.º 4, da LGT, que dispõe: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e de declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».

Assim, o despacho de reversão e a sua fundamentação serão a base da nossa análise, tanto mais que era à Fazenda Pública que competia alegar a verificação de todos os pressupostos para operar a reversão, designadamente a invocação de que os Recorrentes exerceram efectivas funções como gerentes no período a considerar.

O procedimento de reversão culminou com a decisão de reversão, cuja motivação se mostra reproduzida nas alíneas b) a d) da decisão da matéria de facto.
Sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno da Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.»

Nesta conformidade, não se pode pretender que a Fazenda Pública fique dispensada de alegar a gerência efectiva, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do artigo 24.º da LGT. Tanto mais que se mostra inviabilizada a análise substancial (sindicância da veracidade/realidade) do pressuposto se o mesmo não se encontra declarado.

Regressando ao caso em análise, e tendo presente a doutrina acolhida pela jurisprudência citada, temos que no despacho de reversão - como se extrai da transcrição do projecto, que se converteu em decisão definitiva, vertido na alínea b) da matéria de facto - se alude à análise das informações existentes no processo executivo, designadamente a auto de diligências, onde se verificou que a sociedade executada não possui bens penhoráveis que permitissem o pagamento das dívidas fiscais.

No despacho refere-se ainda que, em relação às dívidas e períodos em causa e segundo os elementos recebidos pela conservatória do registo comercial, constam como gerentes: M., J. e M.. Não existindo a menção de qualquer normativo ou enquadramento jurídico.

Nesta decisão de reversão não existe qualquer alusão à gerência de facto nem a quaisquer diligências ou documentos recolhidos no sentido de a demonstrar.

Analisado todo o procedimento de reversão e todo o processo de execução fiscal, observa-se que somente constam diligências no sentido de apurar a existência de bens penhoráveis e cópia da inscrição da matrícula da devedora principal na Conservatória.

A execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA, referentes aos anos de 2000, 2001, 2003 e 2004, e os oponentes foram chamados a essa execução através do mecanismo da reversão e com vista à efectivação da sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento daquelas dívidas.

É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que estando em causa dívidas cujos factos constitutivos ocorreram na vigência da Lei Geral Tributária, é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º desta Lei.

Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”

Resulta inequivocamente deste normativo legal que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

Ora, é sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT]. Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária.

Como se refere no Acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28/02/2007, Recurso n.º 1132/06, a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova.

Ora, se nada consta quanto à prática de actos de gestão da devedora originária, não será possível, consequentemente, a AT efectuar essa prova.

Salientamos que o facto de os oponentes constarem da matrícula da sociedade como gerentes de direito da sociedade originária devedora, por si só, é apenas indiciador duma possível gestão de facto, mas que é contraditada na íntegra pelo conteúdo da petição inicial. A verdade é que o pressuposto de reversão relativo à gerência efectiva não se mostrava declarado no despacho de reversão, nem vertido em nenhum momento do procedimento de reversão.

Compulsando, novamente, o teor do despacho de reversão, verificamos que inexiste a indicação da norma legal que determinou a imputação da responsabilidade subsidiária aos revertidos.

De facto, nenhuma menção é efectuada quanto ao exercício efectivo da gerência, nem a relacionando com a sua extensão temporal, desconhecendo-se se o prazo legal de pagamento das dívidas em questão terminou no período de exercício da sua gerência ou se o respectivo facto constitutivo ocorreu no período de exercício da sua gerência.

Portanto, ao contrário do decidido no tribunal recorrido, o problema reside na total omissão de alegação ou de mera declaração de todos os pressupostos da reversão. Existe somente menção à inexistência de bens penhoráveis da sociedade originária devedora, aos anos a que respeitam as dívidas e à gerência que decorre da matrícula na Conservatória de Registo Comercial (que se reconduz à administração/gerência nominal), nenhuma declaração resultando acerca da efectiva administração e da extensão temporal da gerência de facto, exigível como pressuposto da reversão.

Na linha do mencionado acórdão do Pleno do STA, não se impõe que do despacho de reversão constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido; ainda assim, não consta do despacho de reversão em crise qualquer alegação, declaração ou alusão ao exercício efectivo das funções dos gerentes revertidos.

A matéria de facto vertida na decisão recorrida [cfr. alíneas f), g), h) e i)] surge após a contestação da Fazenda Pública nesta oposição, que, somente nessa sede, optou por chamar à colação factualidade cuja averiguação não foi contemporânea do procedimento de reversão e, portanto, também não é coeva da prolação do despacho de reversão, pois os documentos de suporte, alegadamente relevantes, somente foram anexos com a contestação, após diligências (eventualmente tardias) que terão sido encetadas pela Administração Tributária; referimo-nos especificamente aos extractos de remuneração auferida pelo Recorrente J. na qualidade de Membro de Órgão Estatutário, aos requerimentos para pagamento de dívidas ou à declaração periódica de IVA. Logo, não influenciaram nem podiam ter influenciado a decisão de reversão, pelo que, pela sua superveniência, se apresentam irrelevantes para efeitos de apreciação da verificação dos pressupostos da reversão, dado que não será possível provar (agora) o que não se mostra alegado no momento temporal da reversão (a gerência de facto).

A declaração dos pressupostos da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre, sem prejuízo do labor da AT na realização de diligências, na recolha de elementos e informações pertinentes nesse sentido durante todo o procedimento de reversão.

Resumindo, não é possível o tribunal confirmar a verificação do pressuposto da efectiva gerência, se a AT nem lhe fez referência no procedimento de reversão. Relembramos ser à AT que incumbe o ónus de alegação e prova dos requisitos que permitem a reversão, nomeadamente, da gerência de facto. In casu, como vimos, falhou tal alegação no momento da reversão.

O Tribunal não pode considerar fundamentos que não constam do acto e que só foram alegados posteriormente ao terminus do procedimento de reversão, por tal corresponder à prática de administração activa, o que manifestamente está vedado aos tribunais.

Ainda assim, não podemos deixar de analisar a abordagem que a sentença recorrida efectuou relativamente ao Recorrente J.:
“(…) Relativamente ao oponente J., adiantamos desde já que o tribunal recolheu indícios suficientes que nos levam a concluir que ele era gerente de facto e de direito.

Concretizemos.
Pois bem, diz o oponente J. na petição inicial (art. 24°), que foi nomeado gerente tão só para dar capacidade profissional à primitiva devedora, uma vez que era detentor de uma mais valia, e por outro lado a concessão de Alvará ou manutenção do Alvará de Transportes implicava que na gerência estivesse alguém com essa capacidade.

Ora, a emissão do referido Alvará implicava a existência de um administrador, director ou gerente que detivesse poderes para obrigar a sociedade, isolada ou conjuntamente e que a dirigisse em permanência e efectividade, facto que obrigava o J. a ser gerente de facto e não apenas de direito, tal como decorre do disposto no DL 38/99 de 06/02, situação que o oponente não tem como ignorar.

Dispunha o art. 6° daquele diploma legal da seguinte forma:
Artigo 6.°
Capacidade técnica ou profissional
1 - A capacidade técnica ou profissional consiste na existência de recursos humanos que possuam conhecimentos adequados para o exercício da actividade, atestados por certificado de capacidade profissional, e de outros requisitos técnicos a definir por portaria.
2 - A capacidade profissional deve ser preenchida por um administrador, director ou gerente que detenha poderes para obrigar a empresa, isolada ou conjuntamente, e que a dirija em permanência e efectividade.
3 - Será emitido pela DGTT um certificado de capacidade profissional, para transportes rodoviários de mercadorias, nacionais ou internacionais, consoante o caso, às pessoas que:
a) Obtenham aprovação em exame realizado de acordo com as regras constantes do anexo II, complementadas por regulamento a definir por portaria, sobre as matérias referidas na lista do anexo f ou
b) Comprovem curricularmente ter, pelo menos, cinco anos de experiência prática ao nível de direcção numa empresa licenciada para transportes rodoviários de mercadorias, nacionais ou internacionais, e obtenham aprovação em exame específico de controlo que obedecerá a regras a definir por portaria.
4 - As pessoas diplomadas com curso do ensino superior ou com curso reconhecido oficialmente, que implique bom conhecimento de alguma ou algumas matérias referidas na lista do anexo ao presente diploma, podem ser dispensadas do exame relativamente a essa ou a essas matérias.
5 - A DGTT reconhecerá os certificados de capacidade profissional para transportes rodoviários de mercadorias, emitidos pelas entidades competentes de outros Estados membros da União Europeia, nos termos da Directiva n.º 96/26/CE, do Conselho, de 29 de Abril de 1996, modificada pela Directiva n.º 98/76/CE, do Conselho, de 1 de Outubro de 1998.
6 - Até ser publicada a portaria a que se refere o n." 1, considera-se preenchido o requisito da capacidade técnica ou profissional da empresa pela comprovação do disposto no n." 2 deste artigo.

Assim, o oponente J. nos moldes daquele diploma tinha que ser gerente e dirigir em permanência e efectividade os destinos da primitiva devedora. (…)”

Como vimos e reiteramos, a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova.

Todavia, a dúvida que poderia permanecer cinge-se ao facto de este Recorrente ter afirmado na petição inicial, no seu artigo 24.º, que foi nomeado gerente da sociedade “tão-só para dar capacidade profissional” e até que ponto tal infirma a sua declaração de que efectivamente não exerceu funções de gerente, mas apenas de motorista. Com efeito, a sentença recorrida viu esta alegação como um reforço, e não o inverso, da sua ingerência na administração da referida sociedade, pois o Recorrente detinha o know how, os conhecimentos técnicos e profissionais, para que a sociedade pudesse exercer, cabalmente, a actividade a que se propôs.

Embora o Recorrente admita que, através da sua capacidade profissional, facilitou a obtenção do alvará de transportes nacionais e internacionais a quem não podia, face às exigências do Decreto-Lei n.º 38/99, de 06/02, isso, por si só, não indicia a gestão de facto (sem prejuízo de poder configurar infracção de outra natureza que não cabe no objecto dos presentes autos). Efectivamente, não podemos esquecer que a sociedade devedora originária tem como objecto social a indústria de transportes de mercadorias em automóveis pesados em regime de aluguer.

O diploma em causa consagra o regime jurídico da actividade de transporte rodoviário de mercadorias, os artigos 3.º, 4.º e 6.º versam sobre a capacidade profissional para o exercício da actividade de transporte rodoviário de mercadorias e respectiva certificação, de tais normativos não se retira qualquer presunção legal do efectivo exercício da gerência de facto, para efeitos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT - cfr. Acórdão do TCA Sul, de 10/07/2015, proferido no âmbito do processo n.º 08654/15.

Erra o Tribunal quando entende que o Recorrente exerceu a gerência de facto, por força do requisito imposto pelo Decreto-Lei n.º 38/99, de 06/02, (artigos 3.º, 4.º e 6.º), relativamente à actividade de transportador de mercadorias, exigindo que o gerente com capacidade profissional dirija “em permanência e efectividade”, pois, assim, está a presumir a gerência de facto de uma gerência de direito – cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos deste TCA Norte, de 08/03/2018 e de 22/03/2018, proferidos no âmbito dos processos n.º 891/09.0BEVIS e n.º 893/09.6BEVIS, respectivamente.

Nesta conformidade, reafirmamos, não ser possível o tribunal confirmar a verificação do pressuposto da efectiva gerência, se a AT nem lhe fez referência no procedimento de reversão.

Assim sendo, na medida da suficiência do já exposto, urge conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição procedente, com as legais consequências.

Conclusões/Sumário

I - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal – cfr. n.º 1 do artigo 23.º da LGT.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária, por dívidas da executada originária, a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III - A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da Lei Geral Tributária e de declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação – cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT.

IV - A declaração dos pressupostos da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre, sem prejuízo do labor da AT na realização de diligências, na recolha de elementos e informações pertinentes nesse sentido durante todo o procedimento de reversão.

V - Incumbe à AT o ónus de alegação e prova dos requisitos que permitem a reversão. Falhando a alegação da gerência de facto no momento da reversão, está vedada a sua prova a posteriori pela AT e inviabilizada a respectiva sindicância pelo tribunal da real verificação do pressuposto da reversão.

VI - O Decreto-Lei n.º 38/99, de 06/02, aplicável à data, consagrava o regime jurídico da actividade de transporte rodoviário de mercadorias. Especificamente o seu artigo 6.º versa sobre a capacidade profissional para o exercício da actividade de transporte rodoviário de mercadorias e respectiva certificação, não se retirando de tal normativo qualquer presunção legal do efectivo exercício da gerência de facto, para efeitos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição procedente, com extinção da instância executiva quanto aos Recorrentes.
*
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
*
Extraia-se certidão da petição inicial, e do presente acórdão, e remeta-se ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT), para conhecimento da actuação do Recorrente J. e para os efeitos que entender por convenientes.
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Porto, 13 de Maio de 2021


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Conceição Soares