Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:0377/09.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Moura
Descritores:MAIS-VALIAS. CÓDIGO DO IRS, ARTIGO 10.º, N.º 3 – A), PRESUNÇÃO A FAVOR DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.
Sumário:I – O artigo 10.º, n.º 3, alínea a) do Código do IRS estabelece uma presunção a favor da Administração Tributária, segundo a qual ocorre um rendimento patrimonial sujeito a mais-valias, quando haja um contrato-promessa de compra e venda em que se verifique a tradição do bem, caso a Administração Tributária tenha conhecimento desse contrato ou dessa transmissão.

II – Se ocorre a tradição do bem na data da celebração do contrato-promessa e este não é declarado à Administração Tributária, nem esta tem conhecimento, por qualquer via, dessa tradição do bem, não pode o sujeito passivo pretender beneficiar da presunção referida em I, mormente depois do prazo de caducidade do direito à liquidação, até porque aquela presunção não está estabelecida em seu favor.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da Sentença que julgou procedente a Impugnação deduzida por M. contra a liquidação de IRS do ano de 2004, respeitante a mais-valias decorrentes da venda de um imóvel.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. A questão a decidir nos autos prende-se com a determinação do momento em que se verifica o facto tributário sujeito a IRS, a título de mais-valias, cuja liquidação foi impugnada.
2. O facto tributário sujeito a IRS encontra-se previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do Código do IRS (CIRS), sob a epígrafe Mais-Valias, e respeita à alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, sendo que o mesmo se verifica no momento estabelecido na alínea a) do nº 3 da referida disposição legal, ou seja, com pertinência para a questão controvertida, «nos casos de promessa de compra e venda (...), presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens (...)».
3. A presente impugnação tem por objecto uma liquidação de IRS (nº 20085004697677), do ano de 2004, efectuada oficiosamente em 2008-12-04, de que resultou o valor a pagar de € 38.680,01, que visa corrigir a liquidação anterior, na sequência da declaração de IRS apresentada pelo próprio sujeito passivo, em 2005-05-17, onde constam identificados, no anexo G (Mais-Valias), os prédios, rústico com o artigo matricial 1310 e urbano com o artigo matricial 161, bem como a data de realização da transmissão – Dezembro de 2004 (data da escritura pública de compra e venda) – para efeitos de liquidação do imposto sobre os rendimentos obtidos a título de mais-valias (categoria G do 1RS) relativo à transmissão onerosa dos direitos reais.
4. A alteração dos rendimentos declarados efectuada pela Administração Tributária (artigo 65º nº 4 do CIRS), apenas visou corrigir o valor de realização do prédio urbano de € 12.469,95 (indicado pelo sujeito passivo) para € 210.670,00 (decorrente da avaliação patrimonial), face à «existência de erro na indicação do valor de realização não consentâneo com o disposto no artigo 44º do Código do IRS» (cfr. projecto de decisão e despacho de alteração do rendimento colectável, junto ao processo administrativo), o que decorre da sua conjugação com o nº 1 do artigo 12º e artigo 16º do Código do IMT.
5. No que respeita à avaliação patrimonial do prédio urbano efectuada em 2006-08-16, de que resultou o valor patrimonial tributário de € 210.670,00, dela foi o sujeito passivo notificado, na qualidade de vendedor, para, querendo, requerer a 2ª avaliação; o que não sucedeu, tendo-se conformado com o resultado da 1ª avaliação.
6. Nunca o sujeito passivo comunicou à Administração Tributária a alegada transmissão dos referidos prédios, para efeitos de liquidação do IRS devido, por força da tradição ou posse dos bens, em 1995, na sequência de promessa de compra e venda.
7. A promitente-compradora dos prédios objecto de contrato promessa de compra e venda, passados mais de 9 anos da data da sua realização, e dois dias antes da celebração da escritura pública de compra e venda, apresentou-se no Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a fim de declarar «que pretende pagar a sisa que for devida, com referência à aquisição que efectuou em 17/8/1995, data de contrato promessa com tradição, a M., N1F (…), solteira maior, residente no lugar da (…), de um prédio rústico, sito em (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 1310, pelo preço de 2493,99 Eur., com o valor patrimonial de 3,77 Eur.» (cfr. termo de declaração de SISA nº 2348/108/2004, junto ao processo administrativo; sublinhado e itálico nossos).
8. Não foi a Administração a estabelecer esse facto, nem podia, até porque desconhecia a sua ocorrência.
9. A al. a) do nº 3 do artigo 10º do CIRS, estabelece uma presunção a favor da Administração Tributária, de se considerar que o ganho, nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens, com vista a evitar que o sujeito passivo, protelando indefinidamente o momento da celebração da escritura pública de compra e venda, possa pôr em causa a liquidação dos impostos, devido à caducidade (entendimento que é defendido no Acórdão do TCA-Norte, de 2004-10-21, proferido no proc. 92/04, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt).
10. Assim, por inadequada valoração da factualidade relevante e pela falta de subsunção da mesma à norma da alínea a) do nº 3 do artigo 10º do CRS, pura e simplesmente omitida como fundamento de direito, terá sido feito errado julgamento.
Termos em que, concedido provimento ao recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e a impugnação ser julgada improcedente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente.
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Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto.
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.
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As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber em que data se deve considerar realizada a transmissão do imóvel para efeitos de sujeição a ganhos a título de rendimentos da categoria G do IRS.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
II – Factos:
1. Por escritura de compra e venda outorgada em 30.12.2004, nos termos do doc nº 1 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido, a impugnante formalizou a venda do prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de (…)
2. A transmissão de tal prédio para a compradora já tivera lugar em 17.08.1995, na sequência de contrato promessa celebrado.
3. Desde essa data que o promitente-comprador vêm possuindo o prédio, reconstruindo-o, e nele vive e faz a sua vida.
4. A A.T. considerando a data de realização da escritura (30.12.2004), procedeu a avaliação do prédio da impugnante em 210.670,00 euros, o que deu lugar à fixação do rendimento colectável em 127.293,18 euros e ao pagamento de IRS no montante de 38.680,01 euros, nos termos dos docs. nº 2 e 3 juntos com a p.i. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
5. A A.T. considerou, para efeitos de cobrança de SISA ao comprador, a data referida em 2.
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A formação da convicção do Tribunal acerca de cada facto baseou-se essencialmente numa apreciação livre (art.ºs 396º do Código Civil e 655º, n.º 1 do Código de Processo Civil) da prova testemunhal produzida, em conjugação com a prova documental constante dos autos. Recorreu, ainda, algumas vezes, o Tribunal, às regras da experiência comum.
As testemunhas mostraram-se credíveis, isentas e convincentes, nos seus depoimentos. J. confirmou ter sido quem reconstruiu o prédio ali existente e para lá foi morar, logo após contrato promessa ter sido celebrado, em 1995. P. confirmou que o irmão J. comprou o prédio em ruínas à impugnante, em 1995 e foi para lá morar, depois de o reconstruir. Por sua vez, J. confirmou a versão dos outros dois.
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Apreciação jurídica do recurso.

A Fazenda Pública considera que a sentença padece de erro de julgamento em relação aos factos, assim como relativamente às normas jurídicas aplicadas.

Assim, entende que a factualidade não foi devidamente valorada, sendo a sua subsunção em relação apenas aos Códigos da Sisa e do IMT e não ao Código do IRS, como devia ter sido, por ser este quem estabelece o momento em que se considera verificado o ato tributário (a mais-valia aqui em causa).

Compete saber em que momento se deve considerar ter ocorrido o facto tributário, tendo em consideração o regime jurídico que ao caso deve ser aplicável, que é o que consta do Código do IRS.

Para efeito da análise do recurso, mostra-se necessário ampliar a matéria de facto ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, uma vez que se tratam de documentos que constam dos autos ou do processo administrativo apenso.

Conforme refere o Conselheiro Abrantes Geraldes refere em anotação ao artigo 635.º do CPC, no seu livro, “Recursos em Processo Civil”, (6.ª edição, 2020, Almedina), a págs. 137-138: Por seu lado, é legítimo considerar na fundamentação do acórdão proferido no âmbito do recurso de apelação ou de revista, por aditamento ou por alteração da decisão do tribunal a quo, factos que estejam plenamente provados por documento, confissão ou acordo das partes, desde que tenham sido oportunamente alegados, tal como devem ser oficiosamente desatendidos outros que foram considerados provados a partir de meios de prova legalmente insuficientes.

Em face do exposto, procede-se ao aditamento da seguinte matéria de facto:
6)
No dia 17 de agosto de 1995, a Impugnante, na qualidade de vendedora e primeira outorgante celebrou um contrato-promessa de compra e venda com J. e M., como compradores e segundos outorgantes, cujo teor é o seguinte: (vide fls. 9 e 10 do PA)
«a)-Pelo presente contrato e na qualidade de dona e legítima proprietária, promete vender ao segundo outorgante o PRÉDIO MISTO, composto de casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar, logradouro e olival, com superfície coberta de cento e vinte metros quadrados (S.C. 120m2), o logradouro de duzentos e setenta e dois metros quadrados (log. 272m2) e olival com trezentos e quinze metros quadrados (315m2), sito no lugar de (…), descrito na Conservatória do Registo predial de Viana do Castelo sob o n.º (…)/(…) e inscrito na respectiva matriz predial sob os artigos 161 urbano e 1.310 rústico, da dita freguesia de (…).-------------------------------------------------
b)-Esta venda é feita pelo valor de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), sendo 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos) da parte urbana e 500.000$00 (quinhentos mil escudos) da parte rústica, quantia que declara já ter recebido na sua totalidade e da qual dá a respectiva quitação.-------------
c)-A escritura de compra e venda correspondente a este contrato será efectuada no prazo de um ano a contar da presente data, para o que a primeira outorgante avisará o segundo outorgante da data em que a mesma será celebrada, com a antecedência mínima de 8 (oito) dias.-----------------------
d)-Este contrato está sujeito a execução específica, nos termos do nº 1 do art. 830 do Cód. Civil.---».
7)
No dia 28 de dezembro de 2004, foi pago o Imposto Municipal de Sisa, sob o Termo de Declaração n.º 2348 / 108 / 2004, pela compradora M., a qual declarou para o efeito no Serviço de Finanças «que pretende pagar a sisa que for devida, com referência à aquisição que efectuou em 17/8/1995, data do contrato promessa com tradição, a M. (…), de um prédio rústico, sito em (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 1310, pelo preço de 2493,99 Eur, com o valor patrimonial de 3,77 EUR». (fls. 11 dos autos, idem a fls. 12 PA)
8)
No dia 30 de dezembro de 2004, no Cartório Notarial de Ponte de Lima, foi celebrada escritura de compra e venda, pelo preço global de catorze mil novecentos e sessenta e três euros e noventa e quatro cêntimos, do prédio misto, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro e olival, inscrito na matriz predial sob os artigos 161 urbano e 1310 rústico, com o valor patrimonial global de € 936,60 e os atribuídos doze mil quatrocentos e sessenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos; e dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos, respetivamente. Tendo declarado os outorgantes compradores que entraram na posse do imóvel em 17 de agosto de 1995. Mais ficou em arquivo o termo de declaração de Sisa n.º 2348. (fls. 3 a 5 dos autos e fls. 21 a 24 do PA)
9)
A Impugnante foi notificada do projeto de decisão de alteração do rendimento coletável sem recurso a métodos indiretos, para se pronunciar sobre o seguinte:
«Fundamentação: Existência de erro da indicação do valor de realização não consentâneo com o artº 44.º do Código do IRS, devendo ser considerado € 210670,00, relativamente ao prédio urbano, inscrito sob o Artº urb 161 que deu origem ao art 1234 da freguesia de (...), correspondente ao valor que incide o IMT.». (vide fls. 6 a 9 dos autos e fls. 37 a 39 do PA)
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A questão a tratar, resume-se em saber em que momento ocorre o facto tributário, se em 1995 ou se em 2004.
Refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS, que, nos casos de promessa de compra e venda presume-se que os ganhos se consideram obtidos logo que verificada a tradição ou posse do bem.
Portanto, o próprio preceito estabelece uma presunção tributária explícita (vide Lei Geral Tributária anotada e comentada, de Jorge Lopes de Sousa e outros, pág. 651, anotação ao artigo 73.º). Conforme refere o artigo 73.º da LGT, as presunções consagradas nas normas de incidência admitem sempre prova em contrário, o que significa que as presunções são estabelecidas a favor da Administração Tributária.
Assim, tratando-se de uma presunção a favor da Administração Tributária, apenas funciona quando esta tenha conhecimento de que ocorreu a tradição ou posse do bem. Se a Administração Tributária não tem conhecimento da tradição ou posse do bem e o contrato promessa também não diz que o comprador fica logo com a posse do bem, não pode funcionar a presunção em apreço.
Desta forma, a presunção não podia funcionar, na medida em que o contrato promessa não refere que o promitente comprador entra de imediato na posse do bem. Assim, mesmo que a Administração Tributária tivesse acesso ao dito documento, não beneficiaria da presunção de incidência tributária, na medida em que nada consta no mesmo sobre a posse imediata do bem.
Aliás, a Impugnante entra em contradição, na medida em que pretende reportar a mais-valia ao ano de 1995, através desta presunção, quando poderia nesse ano ter declarado em sede de IRS as mais-valias, pois que refere ter recebido o preço nessa ocasião. Assim, estava na sua inteira disponibilidade declarar em 1995 as mais-valias em apreço, pelo que não o tendo feito não pode agora pretender fazer valer-se da sua inércia, tanto mais que não deu conhecimento do contrato promessa à Administração Tributária, nem lhe comunicou que entregou a posse do imóvel em causa. Desta forma, não pode beneficiar do facto de ter omitido as suas obrigações fiscais, para pretender ficar dispensada desse rendimento.
E nem sequer a prova testemunhal, ouvida em Tribunal, logra alterar este entendimento, na medida em que pretender com as testemunhas provar uma presunção estabelecida em a favor da Administração Tributária, está em contradição com a possibilidade real de poder funcionar a presunção tributária no momento em que poderia ter funcionado, ou seja, na data da tomada de posse do bem. Assim, não pode a contribuinte pretender que uma presunção tributária possa funcionar sem ter tido nenhuma oportunidade para poder operar no devido tempo. Ou seja, não pode a contribuinte pretender que depois ocorrer o prazo de caducidade do direito à liquidação de IRS lhe seja reconhecido o direito à presunção estabelecida a favor da Administração Tributária, se a mesma impediu o funcionamento dessa presunção.
Significa isto, que não podendo funcionar a presunção, aplica-se a regra geral estabelecida na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, que é a da verificação dos ganhos na data da venda efetiva do imóvel.
Assim, a mais-valia ocorre no momento da alienação efetiva titulada pela celebração da escritura de compra e venda, em 30 de dezembro de 2004.
Aliás, é este o entendimento deste Tribunal em casos semelhantes, conforme se pode ver pelo que ficou exarado no Acórdão do TCA Norte de 21/10/2004, proferido no processo n.º 00092/04 (em www.dgsi.pt), cujo sumário é o seguinte:
1. Para efeitos de sujeição a IRS dos ganhos obtidos com mais valias, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato, nos casos de promessa de compra e venda ou troca (artigo 10º, nºs 1 e 3 a) do CIRS).
2. Verificado o facto tributário deve o sujeito passivo declarar o respectivo rendimento relativamente ao ano em que correr o facto tributário à Administração Tributária.
3. Se o sujeito passivo não declarou o rendimento, nem o promitente comprador pagou a respectiva sisa no ano em que a impugnante afirma ter-se verificado a tradição do imóvel para aquele, e não tendo a Administração Tributária outra forma de conhecer a transmissão, nem estando obrigada a conhecê-la oficiosamente, tem de considerar-se verificado o facto tributário, para efeitos de caducidade do direito de liquidação, no momento da celebração da escritura pública de compra e venda. É que só nessa data a Administração Tributária deverá legalmente considerar-se conhecedora da transmissão e não no momento da celebração do contrato promessa ou de qualquer acto revelador da transmissão que não lhe foi comunicado.

A dado passo refere o mencionado Acórdão o seguinte:
Dispõe o artigo 10º, nº 3, a) do CIRS, após estabelecer no seu nº 1 a noção de mais valias para efeitos do Código, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no nº 1, sem prejuízo de nos casos de promessa de compra e venda ou de troca se presumir que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato.
Estamos aqui perante uma presunção estabelecida a favor da Fazenda Pública, de modo a evitar que os contribuintes, em caso de tradição ou posse do bem ou direito, pudessem protelar indefinidamente a liquidação do imposto, bastando-lhes arrastar a data da celebração da respectiva escritura de compra e venda.
Deste modo, existindo a tradição do imóvel, e mesmo que não celebrada a escritura definitiva, o ganho considera-se obtido logo que verificada a tradição ou posse do bem, pelo que o contribuinte deverá comunicar o facto à Fazenda Pública ou esta poderá efectuar a respectiva liquidação oficiosamente, se o facto chegar ao seu conhecimento.
Tratando-se de liquidação oficiosa, poderá o contribuinte ilidir a presunção provando que não se verificou a tradição ou posse ou que a mesma não teve lugar na data considerada pela Fazenda Pública.
No caso dos autos, o que a recorrida pretende é inverter o sentido e alcance da referida norma, isto é, pretende ser ela a provar que a data da tradição e posse por parte do promitente comprador é anterior à data da respectiva escritura e que, em consequência, será essa a data da obtenção do ganho.
Porém, salvo o devido respeito, a recorrida carece de razão.
É que a lei apenas permite que o contribuinte (sujeito passivo) faça prova de que a tradição se não verificou em certa data considerada pela Administração Tributária, a fim de ilidir a presunção acima referida e tendo em vista beneficiá-lo.
No caso de se verificar a tradição é o próprio sujeito passivo que está obrigado a comunicar à Administração o facto tributário, para que se proceda à liquidação do respectivo imposto.
Se o sujeito passivo o não fizer, para além de se sujeitar ao respectivo procedimento contra-ordenacional, poderá ter lugar a liquidação oficiosa do imposto se o facto chegar ao conhecimento da Administração Tributária.
Se esse facto não chegar ao seu conhecimento, o prazo para a caducidade do direito de liquidação só começa a correr após esse conhecimento. No caso dos autos, só com a comunicação da realização da celebração da escritura pública a Administração tributária teve conhecimento da transmissão e da obtenção do ganho sujeito a IRS, sendo certo que nem a existência do contrato promessa lhe foi comunicada, nem a lei lhe exige e nem seria possível estar a apurar a existência de contratos promessa em que se verificasse a tradição ou posse do imóvel ou do direito.
É que a caducidade do direito de liquidação, tal como a prescrição, constitui, de certo modo uma “punição” para o não exercício atempado do direito. Porém, o exercício do direito depende do conhecimento da sua existência por parte do seu titular. Ora, se a recorrente não comunicou à Administração Tributaria, oportunamente, os factos que agora pretende serem-lhe favoráveis, aquela não poderia exercer o referido direito.
A tese da recorrida viria premiar os contribuintes faltosos nos casos em que, havendo tradição, a não comunicassem à Administração Tributária e deixassem propositadamente passar o prazo de caducidade, só celebrando o contrato definitivo após decorrido esse prazo e confiando em que aquela não descobrisse a verificação do facto tributário, antes da caducidade.
Temos então que a recorrente, a ter-se verificado a tradição e posse para o promitente comprador anteriormente à escritura, deveria ter efectuado à Administração Tributária a competente comunicação e pedido de liquidação ( no caso, deveria ter declarado o rendimento na declaração do IRS do ano em que diz ter ocorrido a tradição).
Não o tendo feito e uma vez que se prova que a Administração Tributária só teve conhecimento do facto tributário com celebração da escritura pública, efectuada em 21.10.1996, é essa a data relevante para efeitos de caducidade do direito à liquidação.
Deste modo, e por aplicação do disposto no artigo 33º, nº 1, 1ª parte, do CPT, em vigor à data dos factos, a caducidade do direito de liquidação só ocorreria em 31.12.2001, sendo certo que a recorrente foi notificada da liquidação antes dessa data (v. fls. 10).
6.2. Nas suas contra-alegações a recorrida pretende que se dêem como provados os factos constantes dos artigos 31º a 41º da petição, dos quais decorre que a transmissão e posse do bem teve lugar anteriormente à escritura, mais concretamente em 1994.
Porém, pelo que acima ficou dito, esta matéria é irrelevante para a decisão uma vez que a recorrida não deu conhecimento à Administração Tributária dos referidos factos, oportunamente, e esta não estava obrigada a conhecê-los oficiosamente.
Aqui chegados, há então que concluir que procedem as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida.

Tendo em conta que não pode funcionar a presunção estabelecida na alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS, resulta que a tributação apenas pôde ser realizada aquando da celebração da escritura pública de compra e venda, que foi em dezembro de 2004.
Significa isto, então, que somente se podem aplicar as regras vigentes em 2004, pelo que não se pode aplicar o regime jurídico em vigor no ano de 1995.

E nem sequer a questão da SISA liquidada por reporte ao ano de 1995, altera esta interpretação, uma vez que não foi liquidada oficiosamente, mas perante o declarado pela compradora. Nesta medida, a Administração Tributária limitou-se a emitir um «termo de declaração», ou seja, emitiu uma guia de imposto, conforme o declarado pelo sujeito passivo desse imposto, que foi a compradora.

Para além disso, a SISA que é invocada reporta-se apenas ao prédio rústico, enquanto a correção efetuada refere-se ao prédio urbano – vide «Termo de Declaração de SISA n.º 2348» para efeitos de liquidação de SISA, onde apenas se menciona o artigo rústico n.º 1310 – vide pontos 7) e 9) aditados por este Acórdão.

Para além disso, na data em que se deve considerar operada a transmissão (dezembro de 2004), já não estava em vigor o imposto de SISA, mas antes o imposto de IMT – Imposto Municipal de Transmissões Onerosas sobre Imóveis, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.

Desta forma, o regime legal aplicável é o que consta do Código do IRS e não o do Código da SISA, pelo que tendo de considerar ocorrer o facto tributário no ano de 2004, apenas pode ser aplicável regime legal vigente nesta data, como foi.
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Em face do exposto, o recurso merece provimento, devendo a Sentença recorrida ser revogada e a Impugnação ser julgada totalmente improcedente.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

I – O artigo 10.º, n.º 3, alínea a) do Código do IRS estabelece uma presunção a favor da Administração Tributária, segundo a qual ocorre um rendimento patrimonial sujeito a mais-valias, quando haja um contrato-promessa de compra e venda em que se verifique a tradição do bem, caso a Administração Tributária tenha conhecimento desse contrato ou dessa transmissão.

II – Se ocorre a tradição do bem na data da celebração do contrato-promessa e este não é declarado à Administração Tributária, nem esta tem conhecimento, por qualquer via, dessa tradição do bem, não pode o sujeito passivo pretender beneficiar da presunção referida em I, mormente depois do prazo de caducidade do direito à liquidação, até porque aquela presunção não está estabelecida em seu favor.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.
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Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.
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Porto, 25 de março de 2021.

Paulo Moura
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles