Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00946/09.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/15/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:SGPS.
ART. 31 N.º 2 DO EBF.
CIRCULAR N.º 7/2004, DE 30 DE MARÇO.
Sumário:1. Na vigência do n.º 2 do art. 31 do EBF na redação introduzida pela Lei n.º pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, as mais valias e as menos valias realizadas pelas SGPS mediante transmissão onerosa de partes de capital, desde que detidas por período não inferior a um ano e bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável das sociedades.
2. O método de apuramento de quais os encargos financeiros suportados com a aquisição daquelas partes sociais, deve visar um critério de imputação directa e real e não o critério indirecto ou presumido previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.
3. As interpretações veiculadas nas circulares emanadas pela ATA devem respeitar as normas jurídicas primárias que lhes servem de referência, sob pena de assim se estar a introduzir norma jurídica inovatória, e por isso ilegal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S..., SGPS, S.A.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
Mediante procedimento interno de inspecção relativamente ao IRC de 2004, a ATA corrigiu a matéria tributável do exercício de 2004 efectuando um acréscimo de € 3.293.920,36.

Este valor resultou da não consideração como custos de parte dos encargos financeiros suportados pela impugnante, sociedade dominante do grupo, no valor de € 3.237.838,62 e de parte dos encargos financeiros suportados pela sociedade dominada S… Management, SGPS, SA, no valor de € 56.081,74.

Estas correcções foram baseadas na interpretação veiculada pela Circular n.º 7/2004, de 30 de Março do n.º 2 do artigo 31 do EBF, na redação introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro
A MMª juiz do TAF do Porto julgou totalmente procedente a impugnação.

O recurso.
Inconformada com a sentença, a Exma. Representante da Fazenda Pública dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:
A. A Fazenda Pública não se conforma com a douta sentença exarado nos autos, por entender que a mesma incorreu em erro de julgamento de facto e erro na aplicação do direito, ao julgar procedente a impugnação judicial, conhecendo “qualificação do facto tributário” Usamos a terminologia da douta sentença, a fls. 8, no vício que declara conhecer: ”3.3.1 (2) Da incorrecta qualificação do facto tributário”., e definindo como a questão central a decidir “a de saber se os encargos financeiros incorridos pela impugnante (…) com a aquisição de participações sociais, podem ser considerados ou não como custo fiscal”, atendendo ao disposto no art. 32º, nº 2 do EBF “e (…) se os encargos apurados se encontram correctamente quantificados”, concluiu que “havendo dúvidas fundadas relativamente à quantificação do imposto” se impunha a anulação do acto de liquidação com todas as consequências Destacado nosso..

B. Não existe divergência entre as partes no que concerne ao conceito e definição dos encargos financeiros a que se refere o art. 32º do EBF, pelo que a questão controvertida não passava por uma diferente noção de quais sejam os encargos financeiros que aquela norma manda desconsiderar como custo, ou seja, não se trata um problema de qualificação e, ainda que assim não se considerasse, no que não concedemos, a referência do art. 100º do CPPT a “qualificação” foi substituída pela Lei 3-B/2000 de 4 de Abril, que aprovou o Orçamento para o ano de 2000, pela palavra “quantificação”, porquanto a qualificação é uma questão jurídica e, no campo da aplicação do direito o tribunal não pode ficar com dúvidas, tendo o dever de julgar mesmo nos casos de falta ou obscuridade da lei, nos termos do disposto no art. 8º, nº 1 do Código Civil Cabendo-lhe o dever de julgar a questão jurídica atinente à qualificação que se lhe apresentasse e mostrando-se a decisão a favor do contribuinte nos casos de dúvida sobre a questão jurídica da qualificação dos factos tributários como uma aplicação do critério interpretativo in dúbio contra fisco, que foi rejeitado pela LGT, que determina, no art. 11º, nº 1, deverem ser observados, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos tributários, as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. A este respeito, desenvolve O Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, na anotação 5 ao art. 100º, no Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, Volume II, 6º Edição, 2011, Lisboa.

Encontravam-se em perspectiva nesta acção, no que concerne à vertente em que a douta sentença centralizou, a nosso ver bem, a questão a decidir “Questão central a decidir a de saber se os encargos financeiros incorridos pela impugnante e pela sua participada (…) com a aquisição de participações sociais, podem ser considerados ou não como custo fiscal”, atendendo ao disposto no art. 32º, nº 2 do EBF “e (…) se os encargos apurados se encontram correctamente quantificados”., com todo o respeito devido, os seguintes vectores fundamentais (que não foram tidos em conta na abordagem efectuada):

C. A definição de quem tem a obrigação legal de alcançar a quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis em função do estabelecido pela concatenação do disposto no art. 23º do CIRC com o art. 32º do EBF e efectuar a sua desconsideração no âmbito do apuramento do lucro tributável e preenchimento da declaração anual onde efectua a autoliquidação do IRC a pagar – como adiante se desenvolve – é a impugnante.

D. A factualidade decorrente dos autos implica que, pela impugnante, no exercício em causa, foram incorridos encargos financeiros, que se encontram englobados no total dos encargos financeiros por ela considerados como custo fiscal na respectiva declaração de rendimentos, sem que a mesma tenha procedido, na mesma declaração ao acréscimo correspondente ao valor dos encargos não fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto no art. 23º do CIRC e art. 31º, nº 2 do EBF.

E. Mostrando-se provado que nenhum apuramento ou diligência nesse sentido foi efectuada pela impugnante No exercício em causa ou em qualquer outro até à data actual., não tendo esta desconsiderado qualquer custo por aplicação do disposto naquele normativo legal e, impondo-se à AT corrigir o LT apurado em virtude de este se encontrar influenciado por encargos financeiros que não eram dedutíveis nos termos do art. 23º do CIRC e 31º do EBF e, não fornecendo a impugnante através da sua documentação com relevância fiscal elementos que permitam apurar em concreto os custos respeitantes àqueles encargos Ou por qualquer outro meio demonstrando quais foram em concreto esses encargos.:
a. Não pode considerar-se em sentença judicial verificar-se a fundada dúvida a que se refere o art. 100º, nº 1 do CPPT, fazendo funcionar uma presunção de veracidade dos actos dos contribuintes, para efeitos da anulação do acto tributário produzido, por entender que a AT ”não logrou demonstrar que os valores a que chegou referem-se a efectivos encargos financeiros com a aquisição das participações sociais e não a outros encargos”, atendendo a que a dúvida em causa é inerente à quantificação de custos, cujo ónus da prova da respectiva quantificação e dedutibilidade, para efeitos do correcto apuramento de imposto efectuado na autoliquidação, incumbia ao sujeito passivo (que assume não ter efectuado a sua repercussão).

F. A regra do art. 100º do CPPT consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra enunciada no art. 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque e, estando a regra prevista no procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário, na medida em que a ponderação de interesses baseada nas regras da normalidade que justifica a repartição do ónus da prova no procedimento tributário é a mesma que deve presidir ao processo judicial, sendo o critério de repartição o mesmo como impõe a coerência valorativa e axiológica.

G. Neste seguimento, Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao art. 100º do CPPT Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, Volume II, 6º Edição, 2011, Lisboa., prossegue, explicitando que, não se compreenderia que, com base num determinado critério sobre o ónus da prova, se levasse a AT a praticar o acto de liquidação, valorando contra o contribuinte uma situação de dúvida sobre factos por ele invocados (o que face ao art. 74º, nº 1 da LGT é legal), designadamente porque este tem o ónus de provar a dedutibilidade fiscal dos custos relevados, “para, depois, no processo judicial em que é impugnado esse acto se inverter o ónus da prova sobre os mesmos factos, levando o tribunal a decretar a anulação desse acto, por ilegalidade consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto, sem que sobreviesse qualquer alteração da matéria de facto”.

H. Nos termos das disposições conjugadas dos art. 17º, 23º e 98º, nº 3 a) do CIRC Actual 123º, nº 2, a)- com o art. 31º, nº 2 do EBF, as verbas escrituradas na contabilidade da impugnante como seu custo, não se encontravam suportadas por documentos bastantes para dar a conhecer da sua existência, causa e indispensabilidade de realização para a obtenção dos proveitos, que autorizasse a sua qualificação como custos ao nível fiscal, na medida em que não exteriorizavam nem permitiam a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, especificamente, aqueles cujo produto foi aplicado na aquisição de partes de capital que reúnem as condições do art. 31º, nº 2 do EBF para não concorrerem para a formação do lucro tributável.

I. A lei impõe um quadro sancionatório à violação destas obrigações acessórias, em função dos ponderosos interesses fiscais (e não só) tutelados pelos comandos desse calibre, vertendo-se, ao nível dos custos fiscais, a sanção, na indedutibilidade sobre o rendimento, estipulando-se que a relevância fiscal da perda pressupõe um adequado suporte documental, compelindo o sujeito passivo que a contrai à obtenção do correspondente título, ou seja, da comprovação da legalidade da sua consideração como custo a nível fiscal.

J. O Orçamento do Estado para 2003 procedeu a uma alteração no regime de tributação das mais-valias das SGPS, seguindo, numa óptica de reforço da competitividade dessas sociedades, a tendência comum à maioria dos países membros da Comunidade Europeia Como afirma Rui Camacho Palma, “o legislador procurou aproximar o regime aplicável às SGPS à disciplina da participation exemption vigente em diversos países europeus”, in “Algumas questões em aberto sobre o regime de tributação das SGPS” , Revista Fisco n.° 115/116, pág. 34., ou seja, excluindo da tributação as mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas há mais de um ano e não considerando dedutíveis para efeitos fiscais nem as perdas sofridas em virtude da alienação de partes sociais em idênticas condições, nem os encargos financeiros suportados para a aquisição de activos da mesma natureza.

K. Em face das dúvidas suscitadas sobre a aplicação do novo regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, atenta a extrema dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo poderia gerar, veio a ser transmitido, através da Circular n.° 7/2004, de 30/03, da Direcção de Serviços do IRC, o entendimento da Administração Tributária sobre esta matéria, bem como o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.

L. O principio geral da indispensabilidade dos custos informa o disposto no artigo 23.° do Código do IRC, no qual se estabelece que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” e então, os encargos financeiros que tenham sido suportados com a aquisição de participações sociais não concorrem para a formação do lucro tributável nos mesmos termos das mais ou menos valias realizadas, tratando-se da imputação do encargo ao regime fiscal aplicável ao resultado da operação para a qual foi assumido.

M. Competindo ao sujeito passivo, com referência a cada período de tributação, a determinação do lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efectivo, deve este efectuar o acréscimo tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, os encargos suportados com a aquisição das participações sociais, sendo certo que, ninguém melhor do que o próprio sujeito passivo se encontra em situação de concretizar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais e, se o não faz, legitima a AT a efectuar correcções ao apuramento do LT para efeitos da desconsideração dos custos suportados com a aquisição das referidas participações A este propósito a doutrina salienta “o sujeito passivo, porque se encontra em contacto directo com os factos e dado que possui uma visão omnicompreensiva do raio e do alcance das suas acções, tem portanto que provar a bondade e a subsumibilidade dessas operações sobre o escopo societário, cfr. CASTRO TAVARES, Tomas Maria Cantista, CTF nº 396, Out – Dez 1999..

N. Recaindo o ónus da prova da dedutibilidade dos custos para a formação de proveitos que contribuíram para o apuramento do LT sobre o sujeito passivo, no procedimento tributário, porque o contribuinte tem para com a AT o dever de lhe prestar esclarecimentos sobre a sua situação tributária, no caso, de esclarecer as razões que poderiam levar a concluir que dos custos por ele reflectidos no apuramento do LT nenhuns respeitavam a encargos financeiros com a aquisição de participações sociais nas condições referidas no art. 31º, nº 2 do EBF e não cumprindo esse dever de esclarecimento e explicitando que não lhe é possível com base nos factos e documentos patentes da sua contabilidade, ou quaisquer outros (designadamente testemunhais) indicar quais são de entre os custos que imputou no apuramento do LT aqueles que não o não deveriam influenciar nos termos da lei, não pode deixar de se considerar Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, obra citada nestas alegações, anotação 3 ao art. 100º, pag. 133. o ónus da prova acerca da alocação dos encargos financeiros incorridos que recaia sobre o contribuinte no procedimento.

O. Por outro lado, ressalvado o respeito devido por melhor opinião, uma visão ou interpretação bipartida do art. 32º do EBF, que se encontra subjacente à posição defendida pela impugnante e correspondente à atitude adoptada ao longo dos exercícios económicos, não nos parece defensável nem aceitável face à redacção do preceito, face à intenção do legislador e face à coerência das soluções pelo mesmo estabelecidas no ordenamento jurídico e por último face à natureza do normativo – um benefício fiscal.

P. A intenção subjacente à criação do benefício fiscal sob análise causa não pode deixar de ser considerada na respectiva interpretação, não autorizando que se autonomize a primeira parte do preceito da segunda, considerando aplicável apenas aquela e não considerando aplicável esta, porquanto o preceito não contém duas partes autónomas entre si, porque a desconsideração como custos fiscalmente relevantes dos encargos financeiros incorridos para obtenção da determinação do LT consagrada no nº 2 do art. 32º do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal dos custos é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto De onde resulta que “se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis”..

Q. Entendendo-se não ser aplicável o normativo legal, deverá ser desaplicado no seu todo, de outro modo, incorre-se numa contradição intrínseca, onde, por um lado se afirma o normativo como inaplicável por inexequibilidade prática, contudo, aplica-se uma parte que destaca do referido preceito – não sendo esta destacável do todo ali estabelecido, em termos da interpretação racional ou teleológica e sistemática do normativoNa verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cfr.Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág.75 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, 1996, Editora Rei dos Livros, pág.323 e seg.)” (destacado a negrito nosso), cfr. Acórdão do TCA Sul , de 11.09.2012, no processo 04464/11, em que foi relator Joaquim Codesso, disponível em www.dgsi.pt..

R. Não se encontra controvertido que a impugnante suportou os custos em causa, o problema é que as exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à AT um eficaz controlo das relações económicas, e do cumprimento da lei, designadamente no que diz respeito aos benefícios fiscais instituídos, por outro lado, não estamos a falar de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada, que envolve vários agentes económicos (SGPS), de contornar a aplicação do beneficio fiscal nos moldes em que foi instituído, não desconsiderando os encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações socais nas condições previstas no art. 31º, nº 2 do EBF.

S. No contexto apontado, decidir no sentido exarado na sentença recorrida, seria fazer tábua rasa das obrigações que impendem sobre os contribuintes e relativas ao ónus da prova atinente à dedutibilidade fiscal dos custos relevados na contabilidade e ao mesmo tempo, convidar ao não cumprimento do estipulado nas normas legais, no caso concreto no art. 31º, nº 2 do EBF (actual 32º), os múltiplos agentes económicos que o legislador pretendeu visar com a instituição do normativo em causa.

T. Em jeito de finalização e reportando-nos aos aspectos laterais referidos na fundamentação da sentença, sem que tenham constituído a razão de fundo da anulação do acto tributário, destaca-se que, no âmbito do funcionamento da AT, sendo a complexidade do ordenamento jurídico-tributário reconhecida por todos, torna-se necessária a existência de instruções de carácter interpretativo e que o interesse público subjacente a estas instruções é relevante, dado que são instrumentos de uniformização da actuação da AT nas relações que estabelece com os Contribuintes e, se para os agentes da AT é obrigatória estrita observância das normas e conteúdo das referidas instruções, para os contribuintes tal já não sucede, pese embora o seu interesse para estes não saia diminuído, porquanto ao conhecê-las, dispõem de uma orientação de actuação, e torna-se previsível o comportamento da AT para cada caso concreto.

U. A actuação da AT decorreu do normativo legal já aqui largamente referido, os critério e método propostos para efeitos de determinação dos encargos financeiros, caracterizam-se pela objectividade, adequação e razoabilidade face às dificuldades que a adopção de um método de afectação directa apresenta, socorrendo-se da circular apenas para aferir do método de cálculo, sem que por esta via fosse beliscado o âmbito da incidência real legalmente estabelecido, nem desvirtuado o texto legal, não desconsiderando a natureza efectiva dos encargos nem o momento em que são incorridos, nem restringindo a aplicação da lei fiscal, considerando sempre o objectivo ultimo prosseguido pelo legislador ao estabelecer a não dedutibilidade dos encargos em questão, pelo que não ofende os princípios da legalidade e da tipicidadeSalientamos que à AT não cabe desenvolver actividade interpretativa que é inerente à função jurisdicional atribuída aos Tribunais aquando da aplicação do Direito, contudo, tal como afirma Saldanha Sanches: “Estas orientações administrativas, sob a forma de circulares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões, necessariamente descentralizadas, da administração e têm a sua função específica no processo de massa que constitui o processo fiscal, como tentativa de conciliação da decisão descentralizada e da definitividade dos actos tributários, mesmo quando praticados na base da pirâmide administrativa fiscal”. Continuando,
“Com a estrutura formal da norma jurídica – uma vez que não são a aplicação do direito a um caso concreto mas têm antes um carácter geral e abstracto – as circulares valem o que valer a interpretação que fazem da lei. Como se afirmou sem ambiguidades num acórdão do STA ao analisar uma determinada orientação administrativa.”o valor da doutrina dessa circular será apenas o da sua valia intrínseca. Contém uma doutrina que será boa ou má, válida ou inválida, como qualquer outra doutrina”.
Estar contida numa decisão administrativa não amplia ou reduz a sua força convincente, não cria uma presunção de legalidade ou ilegalidade. Concluindo que: “A orientação administrativa – uma circular de um qualquer serviço da DGCI ou um parecer superiormente homologado – poderá assim ser considerado, dentro destes limites, como fonte de direito como qualquer outra forma de doutrina”. in “Manual de Direito Fiscal”, 2ª edição, p. 42..

V. Considerando, ainda, que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, tendo como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações em que, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à a protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal, entende-se conforme a actuação da AT conforme àqueles princípios.

W. Finalmente, não deverá ser pela invocação de que a forma de exercício e financiamento da respectiva actividade as impede de cumprir a lei que devem considerar-se as SGPS desoneradas dos ditames legais de desconsideração dos encargos referidos no art. 31º, nº 2 do EBF, sobretudo quando é patente que o regime foi para elas instituído e nenhum esforço foi efectuado no sentido do cumprimento da lei desde a instituição do regime legal em causa Não se procurando uma forma de conseguir determinar, em concreto os encargos financeiros, nem se redefinindo formas de actuação, de registo, de imputação, etc., com vista ao cumprimento da lei, sempre se escudando numa na alegada inexequibilidade operacional do normativo., principalmente numa altura em que urge combater a evicção traduzida em comportamentos de evasão fiscal e de fraude fiscal, sendo esta tarefa “verdadeiramente titânica, especialmente para os governos com suporte democrático e preocupados com o risco de desmantelamento do estado social” Neste sentido, José Casalta Nabais, Por um Estado Fiscal Suportável - Estudos de Direito Fiscal, Almedina, 2005, p. 70., sendo incomportável que parte significativa dos contribuintes consiga escapar à tributação com êxito digno de nota, pela receita que se perde, pela desoneração dos “fugitivos” fiscais e pela sobrecarga que representa para os demais contribuintes que se vêm obrigados a suportar os encargos alheios e destaca-se que a reacção contra estes comportamentos deve mostrar-se adequada e eficaz, sendo uma tarefa árdua, atendendo à “hipertrofia” e “complexidade técnica” da legislação fiscal, assim como a desmaterialização dos pressupostos de facto dos tributos Salientando a desigualdade nas hipóteses de fuga entre os contribuintes e denotando ser essa desigualdade fonte de preocupação, na medida em que se a fuga operasse em circunstâncias concorrenciais, dali não adviria mal, José Casalta Nabais refere a fuga à tributação entre trabalhadores independentes e empresas, que dispondo de rendimentos ocultáveis se encontram em circunstâncias de lançar sobre os outros, por via de regra trabalhadores subordinados, o excesso de carga fiscal que a sua fuga provoca, Por um Estado Fiscal Suportável - Estudos de Direito Fiscal, Almedina, 2005, p. 72 (destacado a negrito nosso)..


Termos em que,
não pode manter-se a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que mantenho o acto tributário impugnado na sua estabilidade.


CONTRA ALEGAÇÕES.
A recorrida contra alegou e concluiu:
i. Invoca a Recorrente ter existido erro de julgamento da matéria de facto mas não faz qualquer exame crítico às provas que suportaram a convicção do Tribunal, por forma a permitir à Recorrida e ao tribunal de recurso aceder aos motivos pelos quais entende que o processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador está errado.


ii. Analisando-se a motivação do recurso, verifica-se que a mesma não indicou os meios de prova cujo exame crítico entende estar viciado, nem a razão da credibilidade dos demais meios de prova que eventualmente entendesse relevarem para uma correcta decisão.


iii. Bem pelo contrário: a Fazenda Pública limita-se a concluir que existe erro de julgamento da matéria de facto sem identificar os concretos pontos da matéria de facto dada como provada que, em seu entender, não deveria ter sido dados como provados, ou a indicar os elementos constantes dos autos que impunham um diferente decisão sobre a matéria de facto, sendo que «(…) A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso. (…).» Cfr. AC do STJ, de 10.01.2007, dado no proc. n.º 06P3518, destaque nosso. .


iv. Refere a Fazenda Pública que, pelo facto de na sentença recorrida se fazer menção à “qualificação do facto tributário”, o Tribunal a quo, pretensamente, errou na aplicação do artigo 100.º da LGT, que dispõe sobre os casos de dúvida na quantificação.

v. Todavia, basta compulsar a sentença recorrida para verificar que uma das questões que o Tribunal a quo pretendeu apreciar foi, precisamente, “se os encargos apurados se encontram correctamente quantificados”, sendo perfeitamente claro do aresto em causa que, neste ponto, entendeu o Tribunal a quo, em suma, que:- «A Administração, não distinguiu os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, dos suportados para outros efeitos limitando-se a proceder ao cálculo de um valor.»;- «Resulta ainda da análise dos relatórios de inspecção que não foram efectuadas quaisquer diligências no sentido de ser apurados objectivamente os encargos financeiros tidos pela Impugnante na aquisição de participações sociais.»;- «Toda a actuação da Administração Fiscal foi focalizada na análise de documentação do ano de 2004, no modelo 22, no Balanço constante do anexo A da Declaração Anual de Informação Contabilística Fiscal e por informação dada pelo impugnante.».

vi. Com base nessas premissas de facto, conclui depois o Tribunal a quo, de forma clara, que «A Administração (…) não logrou demonstrar que os valores a que chegou referem-se a efectivos encargos financeiros com aquisição de participações sociais e não a outros encargos.».

vii. Só depois de ter arribado a esta conclusão, o Tribunal a quo invocou o disposto no artigo 100.º da LGT, o qual estabelece que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a EXISTÊNCIA e QUANTIFICAÇÃO do facto tributário, deve o mesmo ser anulado.

viii. Aliás, a Recorrente coloca em causa a conclusão retirada pelo Tribunal a quo, mas, como se disse, não faz qualquer crítica aos respectivos pressupostos factuais - por referência aos elementos de prova constantes dos autos, nomeadamente demonstrando que aqueles elementos probatórios não permitem essa conclusão, ou que impunham uma conclusão diferente.

ix. A Recorrente desvirtua a natureza das correcções efectuadas e, subvertendo o princípio segundo o qual a Administração Fiscal deve demonstrar os pressupostos factuais que legitimam essas correcções, pretende vir defender que é o Contribuinte que tem o ónus de demonstrar que aquelas correcções estão erradas.

x. Como é sabido, no exercício da sua competência fiscalizadora da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, a AF actua no uso de poderes vinculados e, por isso, submetida ao princípio da legalidade, pelo que lhe cabe, portanto, o ónus de prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas em causa.
xi. Cabia à AF o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus de prova sobre a possibilidade de proceder à liquidação com base em meras correcções aritméticas, externando os elementos de facto que a levaram a concluir nesse sentido, sabido que não pode haver lugar a qualquer subjectividade do agente fiscalizador e que a determinação directa da matéria colectável não pode alicerçar-se em meras suspeitas ou suposições – ainda por cima baseadas numa Circular.

xii. Assim, como decidido pelo Tribunal a quo, se a AF pretende corrigir encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, deveria demonstrar, como é óbvio, que os encargos que corrige estão relacionados com a aquisição de participações sociais!

xiii. E o Contribuinte não tem qualquer obrigação de fazer a prova de facto negativo: que os encargos em causa não foram suportados com a aquisição de participações sociais nem, tampouco, tem a obrigação de demonstrar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos invocados pela AF, uma vez que «(…) pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que vem invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário Sic, Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Vol. II, Áreas, 2012, p. 132, destaque nosso..

xiv. Como resulta dos autos, a AF, através de mera análise interna, procedeu a correcções à matéria tributável, por entender que o sujeito passivo não procedeu a qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com aquisições de partes de capital, invocando agora a Recorrente que, em lugar de ser ónus da AF externar os elementos de facto de onde resulta a sua legitimidade para proceder a essas correcções, é ao sujeito passivo a quem incumbe demonstrar os motivos pelos quais não procedeu ao referido acréscimo.

xv. Tal asserção da Recorrente constitui, na verdade, uma verdadeira falácia, porquanto é a AF que acresce encargos financeiros que considera suportados com a aquisição de partes de capital, sem identificar os respectivos financiamentos nem, tampouco, as partes de capital supostamente adquiridas por recurso aos mesmos.

xvi. Por outro lado, tal juízo falacioso é igualmente demonstrado pela aplicação, para a determinação dos encargos financeiros supostamente suportados com a aquisição de partes de capital, de uma fórmula aritmética criada pela própria AF e que não tem qualquer expressão legal.

xvii. No caso dos autos a AF não colocou em causa a falta de verificação dos pressupostos de que, nos termos do artigo 23.º do CIRC, depende a dedutibilidade dos custos, limitando-se a analisar os balanços a 31 de Dezembro e, mediante uma fórmula aritmética que consta apenas de uma Circular Administrativa, vem, pela aplicação de um método indirecto, determinar o valor dos encargos financeiros que supostamente foram suportados com a aquisição de partes de capital.


xviii. A este respeito, referiu o Tribunal a quo, de forma clara, que «No caso presente a lei não estabelece critérios de afectação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais, e não pode a administração tributária, por via administrativa criar norma de incidência (através do chamado “direito circulatório”), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado.», referindo, ainda, que «Os contribuintes não estão obrigados a seguir os procedimentos vertidos na Circular 7/2004 de 30.3.2004 (…) pois aos mesmos apenas estão vinculados os funcionários tributários perante a sua tutela e nada mais.».

xix. Ainda que assim não se entendesse, por força dos poderes de cassação atribuídos ao Tribunal de Recurso, e uma vez que os autos contêm todos os elementos para o efeito, deverá ser aqui conhecido o mérito da acção – mormente quanto aos vícios cujo conhecimento o Tribunal a quo considerou prejudicado Art. 715.º n.º 2 do CPC, ex vi art. 2.º e) CPPT..

xx. Assim, segundo os princípios legais da interpretação das normas tributárias Artigos 11º da LGT e 9º do Cód. Civ., extrai-se do artigo 32.º n.º 2 do EBF, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, que apenas são passíveis de não concorrerem para a formação do lucro tributável de SGPS, os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes de capital detidas por período não inferior a um ano, que hajam sido objecto de transmissão onerosa (e, por isso, geradoras de mais ou menos-valias) no exercício em questão.

xxi. Como se denota do relatório inspectivo, a AF não teve sequer a preocupação de aferir se, no exercício em causa, foram efectuadas quaisquer transmissões onerosas de participações sociais (com o consequente apuramento de mais ou menos-valias na alienação dessas participações).

xxii. Como resulta dos autos a Impugnante, no exercício de 2004, não efectuou qualquer transmissão de participações sociais, não realizando, por isso, quaisquer mais ou menos valias com a alienação de participações sociais – como resulta da declaração de rendimentos “Modelo 22” junta, como doc. n.º 1, com as alegações escritas - facualidade que é corroborada pela declaração anual de informação contabilística e fiscal junta às alegações escritas como doc. n.º 2, na qual não se faz referência, nos respectivos campos, a quaisquer mais ou menos valias realizadas.

xxiii. Nos autos não resulta minimamente demonstrado, pela AF: (i) a subsunção dos factos tributários (existência de encargos financeiros não dedutíveis) à previsão normativa constante do artigo 32.º n.º 2 do EBF; (ii) que os valores dos encargos financeiros que acresceu ao lucro tributável estavam efectivamente relacionados com a aquisição de participações sociais alienadas no exercício em causa.

xxiv. Efectivamente, competia à AF provar, entre outros factos:

- QUE os Contribuintes, no exercício de 2004, incorreram nos montantes €3.237.838,62 (a Recorrida) e €56.081,74 (a S… Management) de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais;

- QUE essas participações permaneceram na titularidade das sociedades por período não inferior a um ano, e;

- QUE essas participações foram transmitidas onerosamente no exercício de 2004, com o consequente apuramento de mais ou menos valias nesse exercício.



xxv. A AF não apurou, em concreto, quaisquer encargos financeiros com a efectiva e concreta aquisição de quaisquer participações sociais – uma vez que não identificou uma única participação social (acção ou quota) que haja sido adquirida com recurso a financiamento, nem identificou qualquer financiamento que tenha originado os encargos financeiros que entendeu corrigir.

xxvi. O facto de se basear apenas em valores de final do exercício, 31.12.2004, é só por si revelador da inadequação de tal método, quanto ao aspecto temporal – os valores à data de 31.12 não revelam, por exemplo, os valores de encargos financeiros incorridos ao longo do exercício, tão pouco as aquisições e alienações de participações ocorridas ao longo do exercício (desde 01/01).

xxvii. Pretende a AF, por via do método de apuramento ditado pela referida circular administrativa, relacionar “passivos remunerados” com a aquisição de participações sociais, presumindo, com base numa mera regra proporcional – e não por via de qualquer imputação específica de encargos concretos com aquisições concretas de participações sociais certas e determinadas - que determinado valor de “passivos remunerados” se destinou à aquisição de participações sociais, supostamente nos termos e condições do artigo 31º nº 2 do EBF.

xxviii. A AF nem sequer questiona ou afere se o valor que concretamente corrige, de “passivos remunerados”, tem por base financiamento contraído especificamente para a aquisição de participações sociais, sendo certo que os financiamentos contraídos, de curto, médio ou longo prazo, com os correspondentes encargos financeiros suportados, podem ter o mais variado destino, como referido pelo Tribunal a quo, podendo ser destinados, por exemplo, à distribuição de dividendos aos accionistas, a pagar aos fornecedores de bens e serviços, a pagar aos trabalhadores, a pagar aos orgãos de administração, a amortizar outros financiamentos com taxas de juro mais elevadas, a efectuar suprimentos ou operações de tesouraria a favor das participadas, a efectuar outras aquisições ou investimentos, designadamente em bens móveis ou imóveis, ou noutros activos intangíveis que não participações sociais, etc., etc..

xxix. Basta haver alteração da proporção entre os valores de Balanço do Activo, Passivo e/ou Capitais Próprios – e que podem se alterados por múltiplos eventos, sem que haja necessariamente qualquer aquisição de acções, ou quaisquer financiamentos para a aquisição de acções - para que, segundo a circular em causa, daí advenha a “automática” desconsideração, enquanto custo fiscal, de parte dos encargos financeiros contabilizados.

xxx. A AF procede a integração de lacunas da lei fiscal em violação do disposto no artigo 11.º n.º 4 LGT., uma vez que o EBF não estabelece nem prevê a existência de qualquer fórmula matemática, muito menos a formula matemática encontrada pela AF, para o pretenso apuramento da correcção em questão.

xxxi. A existir alguma correcção, e ainda que a AF demonstrasse que foram suportados encargos com um financiamento contratado para a aquisição de partes de capital - o que não sucedeu - a mesma apenas poderia ter lugar no exercício em que essas participações fossem alienadas, sob pena de violação do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º n.º 2 do CIRC.

xxxii. Aliás, a correcta aplicação do artigo 32.º n.º 2 do EBF exige mesmo que este seja conjugado, em particular, com o n.º 3 do mesmo preceito legal – ou seja, que se averigue, designadamente, se as partes de capital foram ou não adquiridas a sociedades com as quais existiam relações especiais, ou se foram adquiridas a residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e se permaneceram, em qualquer dos casos, na titularidade do alienante, durante menos de 3 anos.

xxxiii. A aplicação da norma fiscal no sentido propugnado pela AF conduz também a uma situação de dupla tributação, quando os encargos financeiros advêm de operações de financiamento efectuadas entre sociedades do mesmo grupo.

xxxiv. A aplicação de uma circular administrativa para a efectivação da correcção em questão – como se verificou “in casu” - viola o princípio da legalidade, constitucionalmente consagrado em matéria tributária, com inerente violação do artigo 103.º n.º 2 e 165n.º1 i) da CRP.


xxxv. As orientações administrativas, designadamente aquelas que são expressas em circulares, não possuem força obrigatória geral, nem a DGCI desenvolve a actividade interpretativa que é inerente à função jurisdicional atribuída ao Tribunais quando estes aplicam o Direito - não podendo a AF, através da emissão de circulares, criar verdadeiras normas de incidência, impondo as suas instruções e interpretações internas com efeitos erga omnes.

xxxvi. A AF, no caso concreto, ao presumir pretensos encargos financeiros relacionados com a aquisição de participações sociais, tendo meramente por base fórmulas matemáticas constantes de uma circular administrativa, viola o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º da CRP.

xxxvii. A circular administrativa em questão – e a correcção em causa – traduziu-se na presunção de que parte dos “passivos remunerados” terão tido por base empréstimos contraídos para a aquisição de participações sociais – tendo por base uma fórmula matemática.


xxxviii. Aliás, na informação n.º 880/2008, da Direcção de Serviços do IRC, que deu origem à Circular em causa, a AF confessa, declaradamente, por referência ao método preconizado na Circular, que: «(…) deverá ser sempre utilizado o método indirecto acima referido para o cálculo dos encargos financeiros que não serão dedutíveis para efeitos fiscais (…).».
xxxix. A aplicação de qualquer método indirecto nesta matéria está legalmente condicionada às situações consagradas nos artigos 87.º a 89.º-A da LGT, e nenhuma se verifica aqui, nem a AF o invocou.

xl. A determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos deve obedecer aos critérios legais consagrados no artigo 90.º da LGT, e nenhum deles foi observado no caso.

xli. Em caso de determinação indirecta da matéria colectável, deve ser dada ao contribuinte a possibilidade de requerer a revisão da matéria colectável assim determinada, como prevê o artigo 91.º da LGT, o que também não foi o caso.

xlii. No procedimento administrativo, a AF deverá, oficiosamente, envidar todos os esforços para a descoberta da verdade material, por imposição do princípio do inquisitório Cfr. artigo 58.º da LGT., pelo que deveria ter averiguado, em concreto, quais as participações concretamente alienadas no exercício e, se tivesse sido o caso, quais os concretos financiamentos especificada e efectivamente incorridos para a aquisição dessas participações sociais, caso estas tivessem sido detidas por um ano ou mais – conforme lhe impunha o disposto no artigo 31º nº 2 do EBF –, o que não fez.


xliii. Contrariamente ao preconizado na circular em apreço, é manifestamente ilegal pretender desconsiderar, enquanto custo fiscal, encargos financeiros incorridos com empréstimos contraídos antes da entrada em vigor do artigo 32.º n.º 2 do EBF, na redacção em apreço (o que sucedeu em 01.01.2003, cfr. Lei nº 32-B/2002, de 30/12).

xliv. Uma interpretação do artigo 31.º n.º 2 do EBF que desconsidere os encargos financeiros “por atacado”, sem considerar, efectivamente e de facto, a finalidade concreta para que foram contratados os subjacentes financiamentos, padece de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação segundo rendimento real.

xlv. A correcção em causa padece de insuficiente fundamentação de facto, designadamente ao: (i) não aferir se a Impugnante efectuou ou não quaisquer transmissões onerosas de participações no decurso de 2004; (ii) não especificar quais as concretas operações de financiamento obtido especificadamente afectas à aquisição das participações transmitidas; (iii) ao não especificar quais as concretas participações pretensamente adquiridas, ou quais as concretas operações de aquisição de participações pretensamente efectuadas com aqueles financiamentos; (iv) ao omitir qualquer referência aos períodos de detenção das participações, seja pelo adquirente/contribuinte, seja pelo alienante dessas mesmas participações; (v) ao omitir se existiam ou não relações especiais entre o contribuinte e a alienante das participações; (vi) ao omitir se os alienantes estavam ou não sediados em território sujeito a um regime fiscal maus favorável; (vii) ao omitir se os alienantes das participações estavam ou não sujeitos a um regime especial de tributação; etc.. (cfr. artigo 32.º n.º 2 e 3 do EBF).

xlvi. O procedimento inspectivo que esteve na génese destas correcções ultrapassou largamente o prazo legal de 6 meses, consagrado no artigo 36.º n.º 2 do RCPIT - com a consequente invalidade do acto de liquidação que incorporou as correcções ao lucro tributável decorrentes desse procedimento inspectivo, aqui impugnado Cfr. Ac. TCAS, de 20.03.2012, dado no proc. n.º 04371/10..


Termos em que, com a improcedência do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos, assim se cumprindo a Lei e se fazendo

Justiça!



PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Sra. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, é saber se a sentença enferma de erro de julgamento de direito e de facto.

Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
1. Os Serviços de Inspeção Tributária efetuaram uma análise interna à Impugnante, - modelo 22 do IRC- tendo sido concluída em 26.03.2008, a coberto da ordem de serviço n.º 01200605735 (fls.96 a 53 a 60 do P.A.);
2. Os Serviços de Inspeção Tributária efetuaram uma análise interna à S... Manegement SGPS. S.A.,- modelo 22 do IRC- , tendo sido concluída em 25.03.2008, a coberto da ordem de serviço n.º 01200605737 (fls.120 a 125 do P.A.);
3. Em 31.03.2008, foi elaborado relatório, nos termos dos artigos 60° e 62° do RCPIT) da sociedade S... SGPS, SA e relativo ao IRC de 2004 (fls. 107 a 113 do PA apenso);
4. Em 23.11.2007 foi ordenado o procedimento de inspecção interna, á sociedade S... SGPS, SA relativo ao IRC de 2004, através da ordem Interna n.º 0120070410, (fls. 126 do PA apenso);
5. Em 27.11.2006foi ordenado o procedimento de inspecção interna , á sociedade S... Management SGPS, SA relativo ao IRC de 2004, através da ordem Interna n.º 01200605737, (fls. 128 do PA apenso);
6. Em 23.11.2007 foi ordenado o procedimento de inspecção interna , á sociedade S... SGPS, SA relativo ao IRC de 2004, através da ordem Interna n.º 01200605735, (fls. 127 do PA apenso);
7. Em 21.11.2008, através do oficio nº 83029/0510, foi a impugnante notificada da Relatório/Conclusões (fls 179 a 187 dos autos);
8. Com relevância, para a decisão consta do relatório da açãoinspetiva, o S... SGPS, SA seguinte:
(…)
ASUNTO: Análise da Modelo 22 do ano de 2004

1. Introdução
Em cumprimento da 01200605735, procedeu-se à análise interna da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC e declaração anual do ano de 2004, apresentada pelo contribuinte supracitado, da qual resultou a seguinte correcção:

2 – Correcção proposta
Correcções à matéria tributável de IRC
Da análise à declaração de rendimentos de IRC verificamos que o sujeito passivo apuramento do Lucro Tributável não procedeu a qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme determina o n.º 2 do art.º 31.º EBF.

De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31° do EBF, “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título, por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”. Redacção dada pela Lei n.º 32-8/2002, de 30 de Dezembro (lei do OE para 2003).

No que concerne ao regime fiscal aplicável aos encargos financeiros previsto no artigo acima, citado, a Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, vem sancionar o seguinte entendimento.

Âmbito de aplicação temporal (ponto 5)
(…)
Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros (ponto 6)
(…)’
Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais (ponto 7): “( …)

1.º Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros;

2.º Afectar o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Utilizando a referida fórmula elaborámos os cálculos a seguir enunciados sentido de calcular o valar de encargos financeiros suportados pela S... SGPS, SA, com a aquisição de partes de capital.

Activos
Valor
Notas Explicativas
Total do Activo liquido
1.052.928.455
(1 )
Activos remunerados
134.792.672
(2)
Partes de capital (Custo de aquisição)
717.845.713
(3)
Equivalência Patrimonial/Ajustamentos p. capital
- 3.173.780
(4)
Juros activos
203.463.850
(5 =(1 )-(2)-(3)-(4)
Activos não remunerados
921.309563
(6) == (3)+(5)

(1) Informação extraída do Balanço constante do Anexo A da Declaração Anual de Informação Contabilístico Fiscal entregue pelo sujeito passivo.
(2) Informação dada pelo sujeito passivo.
(3) Informação dada pelo sujeito passivo
(4) Partes de capital ( valor líquido – custo de aquisição)
(5) Outros Activos = Total do Activo – Activos remunerados - Custo de aquisição das partes capital – Equivalência Patrimonial
6) Activos não Remunerados := Outros Activos + Custo de aquisição das partes de capital

Passivos
Valor
Notas Explicativas
Empréstimos obtidos remunerados (Passivos Remunerados)
267.461.999
(7)
Passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados
134.792.672
(8)=(2)
Passivos remunerados imputáveis aos restantes activos
132.669.327
(9)=(7)-(8)
Passivos remunerados imputáveis às partes de capital
103.370.367
(10)=((3)/(6))*(9)

(…)

Afectação dos encargos financeiros Valores de referência Encargos Financeiros Imputáveis Notas Explicativas
Passivos remunerados totais
267.461.999
8377631 (11)
Passivos remunerados imputáveis às partes de capital
103370367
3.237.838,68(12)=((10)/(7)*(11)

(…)

Face ao exposto, o contribuinte suportou no exercício a título de encargos financeiros com a aquisição de participações € 3.237.838,62. De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31° de EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que deverão se desconsiderados como custo.

(…)
5. – Direito de audição
Apesar de notificado nos termos e para os efeitos do artigos 60.º da LGT e do RCPITT, através do ofício n.º 605810510 de 28/02/08, o sujeito passivo não exerceu o direito de audição. (..) conforme documento defls.96 a 102 que aqui se dá por integralmente por reproduzido.

9. Com relevância, para a decisão consta do relatório da ação inspetiva, o S... Management SGPS, SA seguinte:
(…)
ASUNTO: Análise da Modelo 22 do ano de 2004

2. Introdução
Em cumprimento da 01200605737, procedeu-se à análise interna da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC e declaração anual do ano de 2004, apresentada pelo contribuinte supracitado, da qual resultou a seguinte correcção:

2 – Correcção proposta
Correcções à matéria tributável de IRC
Da análise à declaração de rendimentos de IRC verificamos que o sujeito passivo no apuramento do Lucro Tributável não procedeu a qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme determina o n.º 2 do art.º 31.º EBF.

De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31° do EBF, “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título, por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”. Redacção dada pela Lei n.º 32-8/2002, de 30 de Dezembro (lei do OE para 2003).

No que concerne ao regime fiscal aplicável aos encargos financeiros previsto no artigo acima, citado, a Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, vem sancionar o seguinte entendimento.

Âmbito de aplicação temporal (ponto 5)
(…)
Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros (ponto 6)
(…)’
Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais (ponto 7): “( …)

1.º Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros;

2.º Afectar o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Utilizando a referida fórmula elaborámos os cálculos a seguir enunciados sentido de calcular o valar de encargos financeiros suportados pela S... SGPS, SA, com a aquisição de partes de capital.

Activos Valor Notas Explicativas
Total do Activo liquido
14.000.150,82
(1 )
Activos remunerados
7.288.133,89
(2)
Partes de capital (Custo de aquisição)
6.638.331,12
(3)
Equivalência Patrimonial
0,00
(4)
Juros activos
73.685,81
(5 =(1 )-(2)-(3)-(4)
Activos não remunerados
6.712.016,93
(6) == (3)+(5)

(1) Informação extraída do Balanço constante do Anexo A da Declaração Anual de Informação Contabilístico Fiscal entregue pelo sujeito passivo.
(2) Informação dada pelo sujeito passivo.
(3) Informação dada pelo sujeito passivo
(4) Partes de capital ( valor líquido – custo de aquisição)
(5) Outros Activos = Total do Activo – Activos remunerados - Custo de aquisição das partes capital – Equivalência Patrimonial
6) Activos não Remunerados := Outros Activos + Custo de aquisição das partes de capital

Passivos Valor Notas Explicativas
Empréstimos obtidos remunerados (Passivos Remunerados)
8.845.000,00
(7)
Passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados
7.288133.89
(8)=(2)
Passivos remunerados imputáveis aos restantes activos
1.556.866,11
(9)=(7)-(8)
Passivos remunerados imputáveis às partes de capital
1.539.774,54
(10)=((3)/(6))*(9)

(…)

Afectação dos encargos financeiros Valores de referência Encargos Financeiros Imputáveis Notas Explicativas
Passivos remunerados totais
8.845.000,00
322153,00 (11)
Passivos remunerados imputáveis às partes de capital
1.539.774,54
56.0081,74(12)=((10)/(7)*(11)

(…)

Face ao exposto, o contribuinte suportou no exercício suportou a título de encargos financeiros com a aquisição de participações € 56.0081,74. De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31° de EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que deverão se desconsiderados como custo.

(…)
5. – Direito de audição
Apesar de notificado nos termos e para os efeitos do artigos 60.º da LGT e do RCPITT, através do ofício n.º 16528/0510 de 29/02/08, o sujeito passivo não exerceu o direito de audição. (..) conforme documento defls.119 a 125 que aqui se dá por integralmente por reproduzido.

10. Com relevância, para a decisão consta do relatório da ação inspetiva, interna à S... SGPS, SA, datado de 31.10.2008, o seguinte:

RELATÓRIO
( elaborado nos termos e para os efeitos dos artigos 60° e 62° do RCPIT)

1.Introdução
O sujeito é tributado pelo Regime Especial de de Tributação dos Grupos de Sociedades previsto no artigo 63.º do Código do IRC, sendo o grupo constituído pelo contribuinte em análise, como sociedade dominante, e por catorze sociedades dominadas como abaixo se indica:

(…)
S... SGPS, SA
502290811 Dominante
    S... Investimentos SGPS, SA
(…)
Dominada
    C… shopping –Gestão Centros Com. S.A.
Dominada
    Estacão….- Gestão Gal. Com. S.A
Dominada
    I…- Gestão de Galerias Com. SAS
Dominada.
    S...Management SGPS, SA
Dominada
    S...Development SGPS.,SA
Dominada
    P... Portugal VIIIC. Com, SA
Dominada
    P... Portugal VIIC. Com, SA
Dominada
    P... Portugal VI C. Com, SA
    S... Asset Management-Gestão Act. SA
Dominada
    S... Management Portugal –C. Com, SA
Dominada
    N… – Gestão de C. Comercial, SA
Dominada
    S... Corp. Services- Apoio Gestão, SA
Dominada
    S... Development Ibéria 1- P.I., SA
Dominada

Em resultado de acções inspectivas na esfera individual, foram apuradas correcções nos seus lucros tributáveis como passamos a indicar no ponto seguinte, tendo como consequência a correcção do lucro tributável do grupo, calculado na sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados na esfera individual.

1. Correcções na esfera individual das empresas do Grupo
2.1 – Dominante
- S... SGPS, SA

Em consequência do procedimento interno de inspecção efectuado do âmbito da credencial O1200605735, foram efectuadas correcções no montante de 3.237.838,62 € relatlvas a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que foram indevidamente considerados como custo fiscal, dado que, de acordo com estabelecido no n..º 2 do art.º 31° do EBF, “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedade Redacção dada pela Lei 32-B/02, de 30 de Dezembro (LOE para 2003).

1.2. Sociedades Dominadas
1.3. 2.2.1 – S... Management SGPS, SA

Em consequência do procedimento interno de Inspecção âmbito da credencial O1200605737, foram efectuadas correcções no montante de 56.081,74 €, relativas a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que indevidamente considerados como custo fiscal, dado que, de acordo com estabelecido n..º 2 do art.º 31° do EBF, “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedade Redacção dada pela Lei 32-B/02, de 30 de Dezembro (LOE para 2003)..

2. Correcções na declaração de grupo
Face ao exposto no ponto anterior, as correcções ao lucro tributável do grupo ascendem a 3 293.920.36 € pelos que os resultados fiscais constantes da declaração modelo 22 do grupo carecem de correcção, passando de 14.017.394,34 € declarada para 17.311.314,70 € corrigido.(…)”conforme relatório de inspeção constante de fls. 107 a 113 do P.A., que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
11. A Administração Fiscal desconsiderou custo de € 3.237.838,62 e de € 56.081,74 título de encargos financeiros com a aquisição de participações sociais, respectivamente na S... SGPS, SA e na S... Management SGPS, SA;
12. A Administração Fiscal após as correcções na esfera individual das empresas do grupo procedeu a correcções do lucro tributável do grupo, calculado na sociedade dominante, passando de 14.017.394,34 € declarado para 17.311.314,70 € corrigido;
13. A Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional do IRC2008 8510038763 relativa ao período de 2004, no valor de 842 884,11 € e respectiva demostração de acerto de contas no valor de 1 015 995,87 €, tendo por data limite de pagamento 08.01.2009 ( fls. 169 e 171 dos autos)
14. A Administração Fiscal, face ao não pagamento, instaurou processo executivo n.º 1805 200901010964, o qual veio a ser suspenso em consequência de prestação de garantia (fls.177 e 242 dos autos);
15. Em 15.04.2009 a impugnante prestou garantia bancária, através do Millenum BCP, no valor de 1 295 522,80 € a favor da 1ª repartição de Finanças do Maia (fls. 242 dos autos);
16. A impugnante deduziu a presente impugnação judicial em 08.04.2009,(fls. 1 dos presentes autos).

Quanto aos factos não provados, a sentença registou que
Não resultam provados ou não provados outros factos com interesse para decisão.

A motivação da decisão de facto foi enunciada assim:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados na prova documental.
A prova documental teve por base Processo Administrativo (PA) constante do Relatório da Inspeção Tributária e respetivos anexos e documentos juntos aos autos pelo impugnante, documentos que se encontram devidamente referenciados em cada facto.

III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Quanto ao erro de julgamento de facto.
A Exma. Representante da Fazenda Pública começa por imputar à sentença erro de julgamento de facto. Porém, no decurso das suas doutas alegações (e conclusões) não resulta claro quais os factos que a Exma. Representante da Fazenda Pública defende terem sido incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Mas nos termos do disposto no art.º640.º/1 do CPC, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Como refere Abrantes Geraldes a propósito desta norma (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, a págs.132) sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além das especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); e) O recorrente deixará expressa a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto (…)».

Neste caso o recurso não pode deixar de improceder na parte em que impugna a decisão da matéria de facto por manifesta falta de cumprimento do ónus previsto no art.º640.º do CPC, desde logo porque a Exma. Representante da Fazenda Pública não indica quais os meios probatórios que impunham decisão diferente da recorrida, nem adianta qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640/1,b) c) do CPC.

Quanto ao erro de direito.
A recorrente imputa à sentença o vício de erro de julgamento de direito porque considera que a definição de quem tem a obrigação legal de alcançar a quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis em função do estabelecido pela concatenação do disposto no art. 23º do CIRC com o art. 32º do EBF e efectuar a sua desconsideração no âmbito do apuramento do lucro tributável e preenchimento da declaração anual onde efectua a autoliquidação do IRC a pagar – como adiante se desenvolve – é a impugnante.

A factualidade decorrente dos autos implica que, pela impugnante, no exercício em causa, foram incorridos encargos financeiros, que se encontram englobados no total dos encargos financeiros por ela considerados como custo fiscal na respectiva declaração de rendimentos, sem que a mesma tenha procedido, na mesma declaração ao acréscimo correspondente ao valor dos encargos não fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto no art. 23º do CIRC e art. 31º, nº 2 do EBF.


Podemos então dizer que a recorrente defende caber à impugnante o ónus da prova de que não realizou as operações previstas no art. 31º/2 do EBF na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 31/12. Na perspectiva da recorrente, a recorrida tinha o encargo de provar que não realizou transmissões onerosas de partes de capital detidas por período inferior a um ano nem contabilizou os encargos financeiros suportados com a sua aquisição. Como não provou estes factos (negativos) impõe-se à AT corrigir o lucro tributável uma vez que este reflecte encargos financeiros que não são ilegíveis como custos.

Parece-nos ser esta a tese nuclear da recorrente, como resulta da alínea E) das doutas conclusões: «Mostrando-se provado que nenhum apuramento ou diligência nesse sentido foi efectuada pela impugnante, não tendo esta desconsiderado qualquer custo por aplicação do disposto naquele normativo legal e, impondo-se à AT corrigir o LT apurado em virtude de este se encontrar influenciado por encargos financeiros que não eram dedutíveis nos termos do art. 23º do CIRC e 31º do EBF e, não fornecendo a impugnante através da sua documentação com relevância fiscal elementos que permitam apurar em concreto os custos respeitantes àqueles encargos…».

Só que este entendimento colide com as regras legais sobre a repartição do ónus probatório e não nos parece juridicamente defensável os argumentos com que a ATA as ultrapassa. Como determina o art. 74º/1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Esta é a redação vigente do n.º 1 que também era a redação inicial. O preceito foi alterado pela Lei n.º 55-B/2004 de 30/12 para o seguinte teor: O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, excepto nas situações de não sujeição, em que recai sempre sobre os contribuintes. Porém, a Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto repôs a redação inicial, que se manteve até ao presente.

Sabendo-se que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o que é que isso significa? Em que é que essa regra se traduz em termos práticos? Muito simplesmente, como tem sido pacificamente entendido, significa que na «falta de regras especiais, ou seja, salvo presunção legalmente consagrada, é assim, à administração fiscal que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua actuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo que não tenham sido declarados pelo contribuinte» (António Lima Guerreiro, "LGT Anotada", Rei dos Livros, 2001, pp. 329).
Ou, dito de outro modo, Cabe à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos. (ac. do TCAN n.º 00624/05.0BEPRT de 12-01-2012, Relator: Catarina Almeida e Sousa)

Esta norma embora integre o conjunto de regras atinentes ao procedimento também se aplica ao processo judicial, não sendo aliás, o seu conteúdo distinto do critério geral da repartição do ónus da prova previsto no art. 342º do Código Civil.

De modo que pretendendo a ATA desconsiderar os custos contabilizados pela recorrida com fundamento na violação do art.º 31º/2 do EBF deveria demonstrar os pressupostos do seu direito à tributação, ou seja, deveria provar que esses custos não eram legalmente dedutíveis quer porque se realizaram menos valias com a transmissão onerosa de partes de capital detidas há menos de um ano, quer porque foram suportados e contabilizados encargos financeiros com a sua aquisição.

Mas em vez dessa prova, a ATA partiu para a desconsideração dos custos contabilizados pela recorrida (sociedade dominante) no montante de € 3.237.838,62 dando por adquirido que esta verba era relativa a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que foram indevidamente considerados como custo fiscal. Com o mesmo fundamento se desconsideraram € 56.081,74 referentes à dominada S... Management SGPS,SA, o que acarretou correcções ao lucro tributável do grupo no montante de € 3.293.920,36 pelo que os resultados fiscais constantes na declaração modelo 22 do grupo passaram de 14.017.394,34 € declarado para 17.311.314,70 corrigido.

A ATA deu por adquirido que um certo montante dos encargos financeiros contabilizados foram suportados com a aquisição de partes de capital, mas nada demonstrou nesse sentido. Não identificou os financiamentos usados para o efeito, nem as partes de capital que teriam sido adquiridas com eles, falhando por completo o cumprimento do seu encargo probatório.
Podemos dizer que a ATA falhou nos pressupostos da tributação e no método quantificador usado.

Falhou nos pressupostos da tributação porque não logrou demonstrar os requisitos factuais legais da sua actuação, como acima se deixou referido.
E falhou no método quantificador porque se desvinculou da necessidade de apurar se houve alienação de participações sociais e qual o montante do financiamento usado na sua aquisição.

Mas só perante estes dois requisitos – alienação de participações e respectivo financiamento usado na sua aquisição – poderia a ATA ter desconsiderado os custos de financiamento.

Desconhecendo ambos, a ATA enveredou pela correcção e tributação lançando mão de três (pelo menos) presunções: uma, de que foram alienadas participações sociais; outra, que foram contabilizados custos com o financiamento para a aquisição dessas participações e a terceira constituída pelas operações de cálculo: (1) imputou os passivos remunerados da SGPS aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros e (2) afectou o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição (3) após obter o valor dos passivos remunerados imputáveis aos restantes activos não remunerados, apurou de forma proporcional o valor dos passivos remunerados imputáveis à partes de capital.

Com este conjunto de presunções, a ATA concluiu que o contribuinte suportou no exercício, a título de encargos financeiros com a aquisição de participações, a quantia de € 3.237.838,62.

O facto de na sua metodologia ter usado os critérios preconizados na circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em especial seus pontos n.ºs 7 e 8 não salva a legalidade da operação, pois os critérios e pressupostos de imputação dos passivos remunerados das SGPS ultrapassam manifestamente o conteúdo do art. 31º/2 do EBF criando presunções e apuramentos proporcionais que o legislador manifestamente não assumiu nem consentiu.

Como salienta Júlio Tormenta (in As Sociedades Gestoras de Participações Sociais como Instrumento de Planeamento Fiscal e os Seus Limites , Comiba Editora, pp. 145) «Uma questão que se levanta a propósito do estabelecido no art. 32.º do EBF nos seus n.º 2 e 3 é saber como apurar ou quais o os encargos financeiros directamente relacionados com aquisição de participações sociais (na sua maioria constituídos pelos juros correntes de serviço da dívida relativos a um mútuo ou outra forma de crédito utilizado pela SGPS para aquisição de participações sociais) daqueles que são usados pela SGPS para no prosseguimento do seu objecto que não tenha a ver com aquisição de participações.
A Administração tributária vem defendendo que essa afectação deve realizar-se no respeito pelo “princípio do equilíbrio financeiro” (cf. o Ofício de I de Setembro de 2003 do Director-Geral dos Serviços do IRC), o qual aconselha a que se financie um activo com capitais de maturidade compatível com a vida económica desse activo e capacidade de geração de meios monetários.
Para a Administração tributária os encargos financeiros deverão ser afectos com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPSdeverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estes concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se directa e automaticamente o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
Em Portugal vigora o princípio da legalidade tendo como corolário segundo a doutrina clássica o princípio da tipicidade fechada sendo a matéria de incidência tributária de reserva relativa de Lei da Assembleia da República. No caso presente a lei não estabelece critérios de afectação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais e não pode a administração tributária, por via administrativa criar normas de incidência (através do chamado ”direito circulatório”), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado.
Os contribuintes não estão obrigados a seguir os procedimentos vertidos na Circular 7/2004 de 30.3.2004 (doravante designada por circular 7/2004) pois aos mesmos apenas estão vinculados os funcionários tributários perante a sua tutela e nada mais.
Não podemos concordar com o enunciado na Circular 7/2004 no seu ponto 7 onde se refere “dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria”: devido ao desenvolvimento e sofisticação dos sistemas de informação de gestão disponíveis no mercado, deveria privilegiar-se o método de afectação directa e só na impossibilidade de utilização do mesmo ; é que se avançaria como método alternativo o preconizado na Circular 7/2004»

Se o legislador não instituiu qualquer critério que permita distinguir nos custos financeiros totais das SGPS quais os que se devem à compra de participações sociais e quais os que foram usados para outros fins, a ATA só poderia mover-se no âmbito de um método que respeitasse a afectação directa ou específica, porque só esse seria compatível com o princípio da legalidade e da imparcialidade a que está sujeita (art. 55º LGT) e que resulta da redação do art. 31º/2 EBF ao excluir da formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações alienadas. Ao referir-se a encargos financeiros suportados a lei circunscreve claramente - a nosso ver – que só estes (apurados específica e directamente) são excluídos da tributação (esta é também a interpretação acolhida no douto parecer do Exmo. PGA junto do STA proferido a fls. 849 e segs: «…Ora, decorre da letra e espírito do citado normativo que apenas não concorrem para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a sua aquisição. O critério a ter em conta para a determinação dos encargos financeiros parece só poder ser o critério da afectação/imputação directa ou real e não o critério indirecto sancionado pela Circular 7/2004. Uma pretensa impossibilidade prática em distinguir os encargos financeiros, efectivamente suportados com a aquisição de partes de capital, dos restantes encargos, salvo melhor juízo, não pode servir de fundamento para a utilização de um critério que aprece não ter qualquer apoio legal…»


Admitindo porém que não é possível a partir da escrita da empresa saber qual o fim para que foram obtidos os financiamentos, isso poderá colocar em causa o controlo legal por parte da ATA. Mas mesmo que assim seja, não pode ser a ATA a completar a norma através de uma circular que institua um regime de apuramento proporcional, indirecto ou presuntivo, criando condições mais gravosas para o contribuinte do que as previstas na lei, desrespeitando o quadro normativo vigente. Com tal interpretação, a circular 7/2004 propõe-se completar a norma do art. 31º/2 EBF criando um modo de cálculo diferente do da imputação directa e específica dos passivos remunerados das SGPS que o legislador não contemplou e que ultrapassa drasticamente a mera interpretação da norma.
Como se refere no ac. deste TCAN n.º 00997/12.8BEPRT de 14-03-2013 (Relator: Pedro Marchão Marques) VIII – Atento o primado da lei sobre as orientações administrativas (princípio da legalidade), as regras estatuídas nas circulares da Administração Tributária, têm que respeitar o quadro normativo legislativo de referência – normas jurídicas primárias –, que lhe é prevalente. E quando aquelas estabelecem um sentido normativo que não tem acolhimento na norma legislativa que pretensamente é interpretada, estão afinal a derrogá-la e a criar norma jurídica inovatória inválida.

Assim, quer por ter falhado o seu encargo probatório, quer por ter ido além do que o art. 31º/2 do EBF exigia, não está em condições de sustentar a legalidade da liquidação impugnada. E nem tão pouco pode desviar para a recorrida o ónus de provar que os encargos financeiros não resultam da aquisição de partes de capital, porque em parte alguma da lei se prevê – para este caso - a inversão do ónus da prova (art. 344º/1 do Código Civil). Acrescente-se ainda que não tendo a ATA colocado em causa a fiabilidade da contabilidade, a declaração fiscal da recorrida beneficia da presunção de veracidade e boa fé nos termos do art. 75 da LGT, pelo que também por força deste estatuto a ATA estava onerada com a ilisão daquela presunção.

A Exma. Representante da Fazenda Pública defende neste recurso (alíneas H), I),M),N) P), Q), R), S) como defendeu na contestação (artigos 49º e segs.), que as verbas escrituradas na contabilidade da impugnante como seu custo, não se encontravam suportadas por documentos bastantes para dar a conhecer da sua existência, causa e indispensabilidade de realização para a obtenção dos proveitos, que autorizasse a sua qualificação como custos ao nível fiscal, na medida em que não exteriorizavam nem permitiam a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, especificamente, aqueles cujo produto foi aplicado na aquisição de partes de capital que reúnem as condições do art. 31º, nº 2 do EBF para não concorrerem para a formação do lucro tributável, deslocando assim o problema para a comprovação dos custos, cujo art.º 23 (redação de 2004) apenas permitia a contabilização daqueles que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (art. 23º/1 CIRC).

Mas em parte alguma do relatório a questão é colocada nos termos em que a ERFP a enuncia. O relatório não se sustenta na falta de documentos bastantes para comprovar a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que se destinam, nem põe em causa a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos. Ou seja, a correcção efectuada não teve por base o incumprimento do disposto no art. 23º do CIRC, na redação vigente ao tempo, não podendo a Exma. Representante da Fazenda Pública invocar outros fundamentos que não os que serviram para a liquidação. A contestação serve para a ATA se opor à pretensão do impugnante, atacando os factos articulados quer por via de impugnação quer por via de exceção (cfr. art. 571 do CPC) pugnando pela manutenção da liquidação efectuada e seus fundamentos, sendo irrelevante processualmente a invocação de outros fundamentos de liquidação para além dos que foram contemplados no respectivo procedimento.
Na fundamentação de direito, a sentença enuncia no ponto 3.3.1 (2) um segmento de análise que identifica por «Da incorrecta qualificação do facto tributário» erigindo-a como a questão central a decidir.

A recorrente defende que a MMª juiz «a quo» errou na aplicação do art. 100º do CPPT que versa sobre os casos de dúvida na existência e quantificação e não sobre a «qualificação» do facto tributário. E conclui que «Não existe divergência entre as partes no que concerne ao conceito e definição dos encargos financeiros a que se refere o art. 32º do EBF, pelo que a questão controvertida não passava por uma diferente noção de quais sejam os encargos financeiros que aquela norma manda desconsiderar como custo, ou seja, não se trata um problema de qualificação e, ainda que assim não se considerasse, no que não concedemos, a referência do art. 100º do CPPT a “qualificação” foi substituída pela Lei 3-B/2000 de 4 de Abril, que aprovou o Orçamento para o ano de 2000, pela palavra “quantificação”, porquanto a qualificação é uma questão jurídica e, no campo da aplicação do direito o tribunal não pode ficar com dúvidas, tendo o dever de julgar mesmo nos casos de falta ou obscuridade da lei, nos termos do disposto no art. 8º, nº 1 do Código Civil» (alínea B).
Mas como resulta de todo o discurso fundamentador na sentença, a decisão aprecia e versa sobre a quantificação do facto tributário e não sobre a sua qualificação que nunca foi colocada em causa. É assim que a sentença, logo no primeiro parágrafo do ponto 3.3.1 (2), se propõe apreciar e decidir «…se os encargos apurados se encontram correctamente quantificados» (negritos nossos) e depois «Importa agora analisar, qual a metodologia usada pela Administração Fiscal para a quantificação da afetação de encargos financeiros às participações sociais». E mais à frente (fls. 12 da sentença) «Importa agora trazer à colação o n.º1 do art.º 100.º do CPPT o qual determina que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado» concluindo de seguida, na mesma página, que «No caso em preço e havendo dúvidas fundadas relativamente quantificação do imposto, conduz á anulação do ato.»

Em face do exposto, parece-nos claro que a sentença nunca questionou a qualificação do facto tributário, mas sim a sua quantificação. A referência à «qualificação», no contexto em que foi mencionada, resulta de um evidente e inócuo lapso que de modo algum compromete o acerto da decisão proferida, a qual deverá ser mantida.

Quanto à legalidade do despacho interlocutório.
A fls. 480 dos autos a MMª juiz «a quo» dispensou a produção de prova arrolada por considerar que os factos que a impugnante pretende provar alguns respeitam a matéria de direito e outros a provar por documentos. Por isso, considerou desnecessária a produção da prova arrolada, uma vez que o processo fornece os elementos necessários à decisão

A impugnante discordou do despacho proferido e dele recorreu tempestivamente.
Mas tendo em conta a decisão proferida, os factos sobre os quais a impugnante pretendia produzir prova ficaram prejudicados, tornando-se inútil sobre eles produzir prova.
Por outro lado, tendo em consideração a decisão deste acórdão, torna-se inútil a apreciação do recurso interlocutório (art. 660º do CPC).



IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela ATA.


Porto, 15 de Janeiro de 2015.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Bento
Ass. Pedro Vergueiro