Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00240/07.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/26/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMPUGNAÇÃO
MÉTODOS INDIRETOS
CORREÇÕES TÉCNICAS
CUSTOS
Sumário:I. No que concerne à invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação, é preciso distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
III. Não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.
IV. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo se poderá aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “(…) a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” – artigo 23.º do Código de IRC.
V. Demonstrada suficientemente pela AT a desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização da empresa, compete ao sujeito passivo apresentar uma explicação acerca da “congruência económica” desses gastos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

C… - Produtos Alimentares, Ldª., NIPC 5…, melhor identificada nestes autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 13/03/2009, que julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2002, no valor global de €303.341,23, e que tiveram na sua origem uma acção de inspecção, realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Braga, no ano de 2005.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1ª São três as questões a decidir no presente recurso:
1 - Se a douta sentença do Tribunal “a quo” é nula por omissão de pronúncia e/ou ausência de fundamentação conforme art° 668° n° 1 alíneas b) e/ou d) do CPC, na parte que faz referência à errónea quantificação da matéria tributária.
2 - Se as correcções técnicas efectuadas pela Administração Fiscal (AF) têm justificação.
3 - Se estão reunidos os pressupostos para a AF tributar a Recorrente através dos chamados métodos indirectos.
2ª Uma das questões levantadas pela Recorrente, na sua petição inicial, era a da “errónea quantificação da matéria tributária”. Isto na eventualidade de ser entendido que existiam pressupostos para a tributação da Recorrente através dos chamados métodos indirectos, sendo certo que tais pressupostos não existiam, como se alegou supra.
3ª Sucede que o Tribunal “a quo”, subscrevendo o entendimento da Fazenda Pública, e com o fundamento “… que (a recorrente) ao recusar-se discutir a quantificação da matéria colectável em sede graciosa, abdicou de, a posteriori, discutir tal temática”, não se pronunciou sobre a quantificação da matéria tributária, especialmente no que concerne às exageradas, se não impossíveis, margens brutas calculadas pela inspecção, embora acabe por concluir, sem especificar os fundamentos, que a matéria está bem quantificada.
4ª Só que… a Recorrente não se recusou a discutir tal matéria em sede graciosa. Basta atentar no ponto 19 dos factos provados e ainda no relatório do perito nomeado pela AF (fls. 187 dos autos) onde se constata à evidência que não existiu qualquer recusa por parte do perito nomeado pela Recorrente, tendo sido antes uma decisão da própria comissão.
5ª Assim, ao não analisar a questão das margens brutas, e ao não fundamentar suficientemente essa questão, terminando a sua exígua fundamentação em nítida e absoluta adesão ao conteúdo do relatório da Inspecção, o Tribunal “a quo” cometeu a nulidade de omissão de pronúncia ou, caso assim não se entenda, de vício de ausência de fundamentação, pelo que, nessa parte, a sentença é nula nos termos do art° 668° n° 1 alíneas b) e/ou d) do CPC, nulidade essa que desde já se invoca.
6ª No entanto, apesar da ausência de fundamentação, a douta sentença acabou por concluir que a matéria tributável está bem quantificada, aderindo à tese da AF no sentido de que a valorimetria das existências foi feita com base em documentos internos os quais, ainda segundo a douta sentença, indicam o valor dos produtos vendidos.
7ª A questão é mais profunda do que aquilo que parece. É que desde o início do presente processo - que teve início com a inspecção - ainda ninguém entendeu o que significa o facto das fichas de custeio” ou “mapas de custeio” serem elaboradas em termos líquidos, apesar da Recorrente ter feito esforços no sentido de explicar que as “fichas de custeio” são elaboradas numa fase já adiantada da produção, numa altura em que o bacalhau perdeu humidade e lhe foram retirados desperdícios.
8ª Sobre a questão da humidade, todas as testemunhas inquiridas confirmaram que o bacalhau traz sempre humidade (apenas variando na percentagem) pelo que nunca poderia ter ficado provado o que consta no ponto 12 dos factos provados onde se diz que o bacalhau “pode”’ trazer humidade.
9ª Aliás, precisamente por o bacalhau trazer sempre humidade, existe legislação a regular os níveis de humidade permitidos, níveis esses que não deverão ser inferiores a 51% (VD DL 25/2005 de 28/1 junto aos autos a fls. 165 a 172).
10ª Tais “fichas de custeio”, como foi exaustivamente explicado pela testemunha João Rocha Ferreira, apenas tinham como função a valorimetria das existências finais, mas não serviam para avaliar o custo dos produtos vendidos.
11ª Daí se vê o despropósito da Inspecção ter calculado margens brutas completamente irrealistas de 82,59% (pág. 75 do relatório - fls. 120 dos autos) o que significa que, no entender da Inspecção, a Recorrente vende por 100 aquilo que compra por 17,41. Como se isso fosse possível em alguma actividade económica ou em algum lugar do universo.
Mas sobre esta questão a sentença nada refere.
12ª Pelo que, embora o Tribunal “a quo” tenha concluído ser desnecessário pronunciar-se sobre a quantificação, deveria ter ficado provado na douta sentença que as “fichas de custeio”, fornecidas pela Recorrente à Inspecção Tributária, são líquidas nas matérias-primas utilizadas.
13ª Devendo também ficar provado que tais “fichas de custeio” apenas têm como função a valorimetria das existências finais e não a de permitir à empresa conhecer e controlar quais os custos associados a cada um dos produtos fabricados...” como consta no ponto 20 dos factos provados.
14ª Quanto à segunda questão. Saber se as correcções técnicas efectuadas pela AF têm justificação. Entende a Recorrente que não existem razões válidas para as correcções técnicas que foram efectuadas.
15ª No entanto, e independentemente das mesmas serem ou não justificadas, tais correcções vêm demonstrar à evidência que não existem razões para a Recorrente ter sido tributada através dos chamados métodos indirectos.
16ª Como prova do alegado, e no que aos presentes autos diz respeito, vejam-se as páginas n° 23 a 41 do Relatório (fls. 68 a 86 dos autos) e atente-se na precisão com que a Inspecção detectou as verbas que entendeu não serem aceites como custos do exercício e ainda na minúcia com que descreveu os documentos onde essas verbas estão inscritas.
17ª Sobre a questão das viaturas continua a ser convicção da Recorrente que se trata de um problema mais de cariz psicológico do que propriamente de ordem fiscal. É que, o que fez confusão à inspecção foram as “marcas” das viaturas e não a quantidade das mesmas.
18ª Relativamente aos documentos comprovativos da aquisição de combustíveis, entende a Recorrente que nada na Lei impõe que tais documentos tenham a matrícula da viatura a que o combustível se destina.
19ª Em conclusão entende a Recorrente que, com excepção das correcções que assumiu serem lapsos contabilísticos, lhe devem ser considerados os custos fiscais desconsiderados pela AF associados às viaturas sua propriedade.
20ª Finalmente a terceira e última questão. Saber se estão reunidos os pressupostos para a AF tributar a Recorrente através dos chamados métodos indirectos. No entender da Recorrente trata-se da questão fulcral do presente recurso.
21ª Entendeu o Tribunal “a quo”, sufragando a tese da A.F., que se encontram reunidos os pressupostos para a Recorrente ter sido tributada através dos chamados métodos indirectos.
22ª Antes de elencar os motivos que, neste particular aspecto, foram aduzidos pelo Tribunal “a quo”, e antes de os contradizer, sempre a Recorrente dirá o seguinte:
23ª O relatório da inspecção tributária que deu origem ao presente processo de impugnação da liquidação de IRC de 2002, deu origem a mais três processos que correram seus termos no mesmo Tribunal, e que se encontram em sede de recurso no TCAN, sendo que em todos eles foi dada razão à aqui Recorrente. (P. 438/06.0BEBRG (IRC de 2001), P. 503/06.3BEBRG (IVA 2001) e P. 1326/06.SBEBRG (IVA 2002).
24ª A Recorrente tem dificuldade em entender porque motivo não lhe foi dada razão nos presentes autos, quando nos restantes três casos lhe foi dada razão, sendo certo que os factos são os mesmos, pois tiveram origem no mesmo relatório e nos mesmos pressupostos, existindo identidade de impostos ou identidade de períodos temporais.
25ª Vejamos, então, quais são os fundamentos que constam na douta sentença em crise e que conduziram a uma decisão em perfeita contradição com as sentenças dos outros três processos que tiveram origem no mesmo relatório da Inspecção Tributária.
26ª Em primeiro lugar a douta sentença transcreve o que consta no relatório da inspecção que condensa as irregularidades detectadas na contabilidade da Recorrente em três grupos, que se podem resumir do modo seguinte:
d) Descontrolo ao nível de fluxos financeiros
e) Erros na movimentação das contas de clientes e fornecedores
f) Sucessivos acertos nas contas de Caixa, Bancos, de terceiros
27ª Sucede que todas as irregularidades supra elencadas não tiveram qualquer influência nas contas de resultados da Recorrente.
28ª Em primeiro lugar porque se trata de acertos em contas de terceiros. Logo nenhum acerto foi feito nas contas de “custos” ou de “proveitos”, nomeadamente nas contas de “compras” e/ou “vendas”.
29ª Em segundo lugar porque, apesar de apontar algumas irregularidades, a Inspecção Tributaria nada diz sobre os eventuais reflexos dessas irregularidades (que foram corrigidas, esclareça-se) e os resultados da Recorrente ou o seu volume de negócios. Ou seja, não existe qualquer nexo de causalidade entre as alegadas irregularidades (ou as suas correcções) e os resultados finais.
30ª Ora, é jurisprudência pacífica (VD entre outros os acórdãos do TCAN – P. 01019/04.8BEBRG de 24-01-2008 e P. 00379/04 de 23-02-2006 e do TCAS - P. 00357/04 de 15/02/2005, todos disponíveis em www.dgsi.pt) que não chega a existência de irregularidades na contabilidade para que a AF possa deitar mão dos chamados métodos indirectos. É necessário ainda que esses erros inviabilizem a determinação da matéria tributável através dos métodos directos, processo normal de determinação da matéria tributável.
31ª Ou seja, a tributação indirecta será uma forma de tributação “anormal”, que só em casos contados pode ser aplicada, e desde que não seja possível a quantificação da matéria tributável através dos métodos directos.
32ª Como se pode verificar pela leitura do relatório, a IT detectou e quantificou com precisão todos os erros evidenciados na contabilidade da Recorrente, o que lhe permitiu quantificar directamente a matéria tributável.
33ª Pelo que, contrariamente à fundamentação da douta sentença, estava ao alcance da Inspecção Tributária a determinação da matéria tributável através dos métodos directos.
34ª Contrariamente ao que consta na douta sentença, o documento n° 1903 (fls. 95 do P.A.), que estornou os saldos de terceiros, para além de não estar manuscrito mas sim elaborado a computador, não foi feito pelos sócios. Foi feito, sim, pela contabilidade com base num documento manuscrito pelos sócios (fls. 139), documento este que teve origem numa conferência das contas-correntes, e destinou-se a acertar os saldos das mesmas.
35ª Pela análise do dito documento verifica-se, desde logo, que são tudo “contas de terceiros”. Nenhuma conta de “custos” ou “proveitos”, “compras” ou “vendas”, foi movimentada. Aliás esse facto é confirmado pela própria sentença onde consta que através do documento em causa se pretendeu corrigir os saldos de banco, de caixa, de clientes, e de fornecedores.
36ª Tal documento suporta lançamentos de transferência (a débito e a crédito) de umas contas para outras para proceder ao acerto de contas-correntes. Pelo que, como é facilmente compreensível, tais transferências/correcções não tiveram qualquer interferência nos resultados. Nem isso é dito pela Inspecção Tributária.
37ª Na sua fundamentação, conclui a douta sentença:
“Daí que, reconhecendo que a sua contabilidade está incorrecta, ao proceder ao estorno, mas corrigindo-o de modo desconforme à documentação disponível, é a própria impugnante que demonstra a falta de credibilidade daquela, justificando o recurso aos métodos indirectos”
38ª Sobre esta fundamentação a Recorrente fará três comentários: Em primeiro lugar a Recorrente sempre assumiu que a contabilidade tinha incorrecções. Daí ter procedido, por sua iniciativa, à correcção dos mesmos, três anos antes da inspecção ter início.
39ª Em segundo lugar em parte alguma do relatório é dito que tais correcções foram feitas de modo desconforme à documentação disponível. Tais correcções, embora feitas com base em informações fornecidas pelos sócios, tiveram origem em conferências, como se pode depreender do depoimento da testemunha João Rocha Ferreira.
40ª Em terceiro e último lugar, o facto da contabilidade apresentar erros (que foram corrigidos pela própria Recorrente) só por si, não permite o recurso aos métodos indirectos. Era necessário ainda que esses erros inviabilizassem o recurso aos métodos directos. E isso não aconteceu pois a inspecção fez as correcções que entendeu. Veja-se, a este propósito, a parte do relatório que faz referência às correcções técnicas.
41ª Assim, sendo certo que, nos termos do art° 87° da LGT, a utilização dos métodos indirectos apenas terá lugar quando existir impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável através dos elementos da contabilidade;
42ª Sendo igualmente certo que a Inspecção quantificou com rigor e bastante facilidade todos os erros existentes na contabilidade da Recorrente;
43ª E, finalmente, sendo ainda certo que não foi feita qualquer referência que tais erros tiveram interferência nas compras e/ou vendas da Recorrente;
44ª Não existem motivos para a Recorrente ter sido tributada através dos chamados métodos indirectos.
45ª Como é sabido, cabe à AF a prova da verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos. E sendo certo que os argumentos invocados pela IT não provam tal verificação, inexistem pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos. Tal como já foi decidido, e muito bem, nos outros três processos com origem no mesmo relatório da Inspecção Tributária.
Acresce que:
46ª Ainda que a Recorrente se tivesse conformado com a matéria de facto dada como provada, entende que tal matéria não é suficiente para que o Tribunal “a quo” tivesse concluído pela legalidade do recurso aos métodos indirectos. Na verdade, nenhum dos pontos da matéria dada como provada permite concluir que existe impossibilidade da determinação da matéria tributável através dos métodos directos. Pelo que, também por este motivo, deveria ter procedido a impugnação.
47ª Foram violados, deste modo, os art° 668°/1 alíneas b) e/ou d) do CPC, 342°/1 do Código Civil, 14º/1, 75º/1, 85º/1, 87º e 88º todos da LGT e 100º do CPPT
TERMOS EM QUE,
Com o mui douto suprimento de V. Excelências, deve a douta sentença do Tribunal “a quo” ser considerada nula por violação do art° 668° n° 1 alíneas b) e/ou d) do CPC.
Caso assim não se entenda,
Deve a douta sentença da 1ª Instância, após reapreciação da prova gravada e documental, ser revogada, proferindo-se douto acórdão onde seja dado provimento ao presente recurso, anulando-se, em consequência, a liquidação adicional de IRC do ano de 2002 que se questiona nos presentes autos, como é de inteira JUSTIÇA.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 411 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas se resumem como segue:
- Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia e/ou ausência de fundamentação, conforme artigo 668.°, n.º 1, alíneas b) e/ou d) do CPC, na parte que faz referência à errónea quantificação da matéria tributária;
- Determinar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento relativamente às correcções técnicas efectuadas pela Administração Fiscal (AF), designadamente, aferir a indispensabilidade das despesas objecto de correcção técnica;
- Apreciar o invocado erro de julgamento quanto ao preenchimento dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

A sentença recorrida considerou apurada a seguinte factualidade:
“(…)
1 - A impugnante foi sujeita a um procedimento de inspecção tributária cuja acção decorreu entre 05/02/2005 e 15/04/2005.
2 - Na sequência desse procedimento a impugnante foi notificada do “Projecto de Relatório da Inspecção Tributária”, em 20/04/2005.
3 - A impugnante exerceu o direito de audição através de documento escrito enviado por correio registado em 02-05-2005.
4 - Em 12 de Maio de 2005 a impugnante foi notificada do relatório definitivo da Inspecção Tributária através do qual tomou conhecimento que lhe foi corrigida a matéria tributável de IRC, através de métodos directos, e fixada a mesma matéria através de métodos indirectos, tudo referente ao ano de 2002, conforme se passa a discriminar:
a. Correcções técnicas (métodos directos) €64.209,46;
b. Métodos indirectos €774.313,68.
5 - As correcções técnicas são relativas a vários encargos que a empresa considerou como custos, e que no ano de 2002 se reportavam a despesas com:
a. combustíveis;
b. com portes decorrentes de leasings, efectuados na Locapor e Santander;
c. com seguros, conservação e reparação de viaturas; e
d. custos com pessoal e donativos concedidos a diversas entidades (não reconhecidas)
6 - As correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos ocorreram porquanto a contabilidade da impugnante evidenciava:
a. um descontrolo ao nível dos fluxos financeiros de que resultam erros e pouca ou nenhuma transparência na movimentação das contas de disponibilidade que, inclusive, apresentam saldos credores em diversos momentos;
b. erros e pouco ou nenhuma transparência na movimentação das contas de clientes e de fornecedores, conduzindo a discrepância, materialmente relevante, entre os respectivos saldos evidenciados pela contabilidade e pelo sistema de gestão de contas correntes que o sujeito passivo realiza extra contabilidade; e
c. sucessivos “acertos” de saldos nas contas Caixa, Bancos, de terceiros com base em documentos internos sem qualquer base material justificativa, isto é, sem que resultem de qualquer simples processo de auditoria de contas ou conciliação de saldos.
7 - Contra a fixação através dos métodos indirectos reagiu a impugnante requerendo ao Senhor Director de Finanças de Braga, a revisão do valor fixado, tendo o requerimento dado entrada em 9 de Junho de 2005.
8 - A reunião/debate prevista no artigo 92° da LGT teve lugar no dia 7 de Julho de 2005.
9 - Durante o debate o perito indicado pela impugnante bateu-se no sentido da procedência do pedido de revisão.
10 - A Administração Fiscal, porém, não alterou os valores inicialmente fixados.
11 - Na sequência dessa decisão, em 21 de Dezembro de 2006 a impugnante foi pessoalmente notificada de uma liquidação adicional de IRC (liquidação nº 2006 8310040519) relativa ao exercício de 2002, no montante global de €303.341,23, incluindo juros compensatórios, com data limite de pagamento para 25-01-2007.
12 - Quando a impugnante compra bacalhau o mesmo pode trazer humidade que se perde numa primeira fase de produção.
13 - A maior parte das referidas correcções técnicas devem-se à desconsideração dos custos associados a viaturas (Porche 911 Turbo, Mercedes Benz CL 500, Mercedes Benz S 400 CDI e uma viatura Audi A6 TDI Allroad), adquiridas em 2001, sendo que a sociedade já dispunha de outras três viaturas da mesma natureza (Mercedes Benz E 300 adquirido em 1998, Mercedes Benz CLK 230 e Mercedes Benz ML 270 CDI, estas adquiridas em 2000).
14 - A impugnante é uma empresa familiar com apenas dois sócios e sem quadros que justifiquem a atribuição deste tipo de viaturas.
15 - Foram contabilizados pela impugnante custos reportados a despesas com combustíveis, sem que os documentos de suporte fizessem qualquer referência à matrícula das viaturas em que os mesmos terão sido utilizados.
16 - O procedimento de documentação eleito como padrão pela Impugnante consistia em identificar para cada recibo quer a viatura, quer ainda o nº de quilómetros realizados.
17 - O documento interno n.° 1903, datado de 2002.12.31, que tem o seguinte título “Lançamentos de estorno e rectificação de saldos” e através do qual se pretendeu “corrigir” os saldos de banco, de caixa, de clientes, fornecedores, foi manuscrito pelos sócios gerentes, foi enviado à contabilidade, tem o seguinte conteúdo:
“Em 31/12/02
Depósitos
C.G.D: 162.508,03€
B.P.A: 13.758,65€
B.C.P: 8.865,49€
Santander: 3.396,43 €
Clientes: 572.147,39 6 (inclui intracomunitários + Cred Duvidosos)
Fornecedores: 328.840,68 (inclui intracomunitários)
Créditos de Gerência?”
18 - Este lançamento foi efectuado pelo gabinete de contabilidade sem qualquer documentação de suporte válida.
19 - No Parecer do perito nomeado pela Impugnante para a Comissão de Revisão, afirma-se o seguinte: “uma vez que não houve acordo na inexistência de pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, não foram discutidas as margens brutas aplicadas pela Administração Fiscal, na tributação do contribuinte.”
20 - Os cálculos da Inspecção Tributária, para a quantificação da matéria colectável por métodos indirectos, tiveram por base documentos fornecidos pela Impugnante, denominados mapas de custeio (existentes para todos os produtos fabricados pela Impugnante e que têm por referência o ano de 2001), que são documentos redigido pela própria Impugnante que têm por principal função permitir à empresa conhecer e controlar quais os custos associados a cada um dos produtos fabricados, permitindo-lhe também proceder à gestão das matérias-primas, por forma a que não existam falhas no processo produtivo.
*
Matéria de facto não provada:
1 - As sete viaturas da empresa estão todas ao seu serviço sendo utilizadas não só pelos gerentes da impugnante mas também por alguns quadros e outros profissionais.
2 - As fichas de custeio fornecidas pela impugnante à Inspecção Tributária são líquidas nas matérias-primas utilizadas.
*
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
A matéria de facto dada como provada assenta essencialmente na prova documental disponível, designadamente nos documentos juntos aos autos pela impugnante e no processo de inspecção. Não foi considerado o relatório apresentado pela impugnante porquanto o mesmo é inidóneo a ser considerado como prova pericial, por inobservância das normas processuais relativas à mesma, reconduzindo-se por isso a um depoimento reduzido a escrito, fora dos casos em que é legalmente admissível.
Os factos elencados nos pontos 10 e 14, resultaram da prova testemunhal produzida, tendo o primeiro sido confirmado por várias das testemunhas da impugnante e o segundo sido expressamente admitido pela quarta daquelas testemunhas.
Os factos dados como não provados têm em conta desde logo as ostensivas carências da prova testemunhal oferecida ao Tribunal.
A primeira testemunha apresentada, autora de extenso depoimento, apresentou-se desde logo totalmente comprometida com toda a situação em causa nos autos, ao ponto de, materialmente, as suas declarações constituírem mais um depoimento de parte do que outra coisa qualquer. Efectivamente, sendo o mesmo o autor da contabilidade desconsiderada pela Inspecção Tributária, para cuja realização foi pago pela impugnante, o mesmo apresenta-se como titular de um forte interesse pessoal na decisão da causa, já que é a qualidade e o acerto do seu trabalho que é directamente questionado. Foi a testemunha que exerceu o direito de audição prévia em nome da impugnante, foi a testemunha que a representou na comissão de reclamação, e foi a testemunha a autora dos mapas com que a impugnante pretende contrariar os seus próprios mapas de custeio. Revelou ainda um conhecimento detalhado do próprio processo de impugnação, o que confirma não só o referido interesse pessoal e directo no mesmo, como compromete a espontaneidade e genuinidade do próprio depoimento.
Este foi amiúde opinativo e conclusivo, auto-sustentando-se nos seus próprios documentos e declarações, chegando por momentos a alegar de direito. Na contra- instância foi evasivo, e denotou enfado e sobranceria face às questões que lhe foram colocadas. Por todo o exposto as suas declarações não se apresentaram como credíveis.
As segunda e terceira testemunhas, limitaram-se a fazer considerações genéricas e não quantificadas sobre o processo produtivo da impugnante.
A quarta testemunha, cujas declarações incidiram sobretudo sobre as questões relativas aos veículos automóveis de gama alta adquiridas pela impugnante, contribuiu para a formação da convicção relativamente ao primeiro dos factos dados como não provados, nos termos abaixo expostos.
A quinta testemunha, autora de relatório juntos aos autos, limitou-se a confirmar o teor daquele, nada mais esclarecendo, designadamente em sede da contra-instância.
A testemunha da Fazenda Pública igualmente pouco adiantou em relação aos factos controversos, depondo sobre o seu relatório de Inspecção Tributária, e confirmando o seu teor.
Quanto ao primeiro dos factos dados como não provados, deve-se não só à ausência de prova suficiente do mesmo, mas igualmente verificação de indícios em sentido contrário, decorrentes do depoimento da quarta testemunha da impugnante.
Esta testemunha, denotou perfeito conhecimento do sentido de depoimento mais favorável à impugnante, procurando de maneira mais ou menos subtil, não desvelar a realidade de as viaturas de gama alta, adquiridas pela impugnante e em causa nos autos, serem destinadas ao uso normal da gerência. Com efeito, reconhecendo à partida nunca ter andado na viatura de marca Porche, afirmou ter andado várias vezes nas outras.
Nunca reconheceu, todavia, que tal acontecesse normalmente, e, muito menos, que as conduzisse, antes deixando subentendido que, quer ele quer outros colegas por si indicados, ocasionalmente eram passageiros em tais veículos, designadamente, quando eram transportados pela gerência para almoços ou reuniões de negócios.
Quanto ao segundo facto dado como não provado, o mesmo resulta da ausência de prova a seu respeito. Com efeito, o depoimento da primeira testemunha, conforme acima apontado, foi altamente comprometido e não fiável. As segunda e terceira testemunhas não operaram directamente com os documentos em causa e limitaram-se a considerações genéricas sobre falhas no processo produtivo. A quarta testemunha nada adiantou a este respeito, e última testemunha da impugnante apenas remeteu para o seu referido relatório que, pelas razões supra-expostas, é desconsiderado.
Na apreciação do facto em questão teve-se em conta o bem fundado raciocínio e desenvolvimento matemático apresentado pela Fazenda Pública em sede de alegações, de onde resulta efectivamente que “os valores constantes das fichas de custeio quando comparados com os preços a que efectivamente a Impugnante adquiriu as matérias- primas em estado bruto, demonstra que o custo absoluto não pode nunca reportar-se à matéria-prima líquida, porque, então teríamos um custo por Kg de matéria-prima bruta superior ao que era efectivamente praticado em 2001/2002, superior inclusive, ao preço praticado em 2006...”.
Mais se considerou a evidência de que se as perdas do processo produtivo (quebras) não estão reflectidas em qualquer outro local da contabilidade da impugnante, necessariamente que têm de estar reflectidas nas fichas de custeio.
Inexiste outra matéria dada como não provada, por nada mais ter sido alegado com interesse para a decisão da causa, para além do que ficou dado como provado e não provado.

2. O Direito

Relembra-se que as conclusões das alegações do recurso definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração [cfr. artigo 639.º, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6; artigo 282.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].
A primeira questão suscitada pela Recorrente respeita à invocação da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia e/ou ausência de fundamentação, conforme artigo 668.°, n.º 1, alíneas b) e/ou d) do CPC, na parte que faz referência à errónea quantificação da matéria tributária.
Uma sentença tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
A ora Recorrente sustenta que o Tribunal “a quo”, subscrevendo o entendimento da Fazenda Pública, e com o fundamento “(…) que (a recorrente) ao recusar-se discutir a quantificação da matéria colectável em sede graciosa, abdicou de, a posteriori, discutir tal temática”, não se pronunciou sobre a quantificação da matéria tributária, especialmente no que concerne às exageradas, se não impossíveis, margens brutas calculadas pela inspecção, embora acabe por concluir, sem especificar os fundamentos, que a matéria está bem quantificada.
De seguida, a Recorrente nega ter-se recusado a discutir tal matéria em sede graciosa. Na verdade, tal aponta claramente para eventual erro de julgamento.
Com relevância para a apreciação desta primeira questão colocada no recurso, o tribunal recorrido decidiu o seguinte:
“(…) Quanto à questão da quantificação da matéria colectável, diga-se que se subscreve o entendimento da Fazenda Pública, segundo o qual a exigência dos artigos 85°/6 da LGT e 117°/1 do CPPT, de reclamação prévia à impugnação judicial, implica que, efectivamente, o contribuinte se pronuncie em sede própria acerca dos motivos da sua discórdia.
Outro entendimento levaria ao total esvaziamento do preceito legal em questão, já que permitiria que fosse feito o pedido de revisão da matéria tributável, sem invocar e, posteriormente, discutir qualquer fundamento, e, só em Tribunal, discutir em primeira linha as questões que se tivessem por pertinentes.
Deste modo, concorda-se que ao recusar-se discutir a quantificação da matéria colectável em sede graciosa, abdicou o contribuinte de, a posteriori, discutir tal temática.
Independentemente de tal entendimento, todavia, o certo é que da matéria provada e não provada resulta que a quantificação contestada assenta em documentos elaborados pela própria impugnante e que não se apura qualquer incorrecção nos mesmos (designadamente a não consideração das quebras do processo produtivo).
Tais documentos, destinando-se à valorimetria de existências — ou seja a indicar o valor dos stocks (finais de um ano, iniciais do outro) — necessariamente que indicam o valor dos produtos vendidos. A aceitação da posição da impugnante levaria ao paradoxo de o valor dos produtos que ficam em stock ser distinto do valor dos produtos vendidos!
Daí que, mesmo ultrapassado o óbice formal acima apontado, sempre se há-de concluir pelo acerto da quantificação da matéria tributável operada pela Administração Tributária.(…)”
Efectivamente, por um lado, o tribunal entende que o conhecimento da questão está prejudicado e declara-o expressamente, podendo haver erro de julgamento, se for errado o entendimento de que a aqui Recorrente se recusou a discutir a quantificação da matéria colectável em sede graciosa, abdicando de, a posteriori, discutir tal temática. No entanto, não se verifica nulidade por omissão de pronúncia. Por outro lado, independentemente de o tribunal recorrido ter indicado esta questão prejudicial, não deixou de se pronunciar acerca da questão da quantificação da matéria tributável. O que reforça não se verificar nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
E, uma vez que o juiz recorrido, afinal, ainda emitiu pronúncia sobre a questão da errónea quantificação da matéria tributável, a Recorrente reiterou a nulidade referindo, na sua 5ª conclusão, que ao não analisar a questão das margens brutas, e ao não fundamentar suficientemente essa questão, terminando a sua exígua fundamentação em nítida e absoluta adesão ao conteúdo do relatório da Inspecção, o Tribunal “a quo” cometeu a nulidade de omissão de pronúncia ou, caso assim não se entenda, de vício de ausência de fundamentação, pelo que, nessa parte, a sentença é nula nos termos do artigo 668.°, n.º 1, alíneas b) e/ou d) do CPC.
Nos termos do preceituado no citado artigo 668.º, n.º 1, al. b), do CPC (cfr. actual artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
No processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário.
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida transcrita supra na parte que releva e do exarado quanto à fundamentação da matéria de facto e de direito da sentença do Tribunal “a quo”, é este fundamento do recurso manifestamente improcedente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, improcedem as conclusões do recurso incidentes sobre as alegadas omissão de pronúncia e falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida.

Continuaremos, apreciando o invocado erro de julgamento quanto ao preenchimento dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos, dado que, assistindo razão à Recorrente, a apreciação de outras questões fica necessariamente prejudicada.
A própria Recorrente afirma que a análise da verificação dos pressupostos para a AF tributar através de métodos indirectos é a questão fulcral do presente recurso – cfr. conclusão 20.ª das alegações de recurso.
Na verdade, não estando reunidos os pressupostos para a AF se socorrer de métodos indirectos, mostra-se inútil debruçarmo-nos acerca das questões relacionadas com a errónea quantificação da matéria tributável daí decorrente, dado que a liquidação, nessa parte, não poderá manter-se (a que assentou na matéria tributável de IRC fixada através de métodos indirectos: €774.313,68).
Referimo-nos, designadamente, ao invocado erro de julgamento sobre a decisão da matéria de facto, quanto à errónea quantificação da matéria tributária, imputado à factualidade provada constante dos pontos 12, 20 e à não provada ínsita no ponto 2.
Posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada (além do mais) com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pela Recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.
Efectivamente, a Recorrente equaciona a primeira questão e logo afirma: “Isto na eventualidade de ser entendido que existiam pressupostos para a tributação da Recorrente através dos chamados métodos indirectos, sendo certo que tais pressupostos não existiam (…)”.
No que tange à apreciação dos requisitos para o recurso a métodos indirectos, tudo assentará na fundamentação constante do relatório de inspecção e o seu teor consta, apesar de forma parcial, fielmente no ponto 6. da factualidade assente.
O artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) impõe expressamente que o recurso a métodos indirectos se mostre especialmente fundamentado, especificando os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável.
O recurso a métodos indirectos de tributação exige um acrescido esforço de fundamentação não só formal mas, sobretudo, material através de uma inequívoca e segura demonstração probatória dos pressupostos justificativos do recurso a tais métodos por parte da administração tributária. Ora, tal fundamentação acrescida deve constar do relatório de inspecção, pois aí se decidiu pelo recurso a métodos indirectos na situação em análise.
Nesta conformidade, a este respeito, a factualidade apurada deve manter-se inalterada, por reproduzir o texto da fundamentação da decisão em crise, dado que as conclusões a que chegaremos assentarão nos factos provados – cfr. ponto 6 da decisão da matéria de facto. Embora a factualidade assente não reproduza integralmente todo o texto que justificou o recurso a métodos indirectos, verifica-se que, essencialmente, falta o elenco completo dos exemplos e das situações concretas em que a AT assentou as conclusões constantes do ponto 6 da factualidade apurada.
Vejamos, então, se estão reunidos, no caso concreto, os pressupostos para o recurso a métodos indirectos.
Sobre este aspecto, o tribunal recorrido julgou, entre o mais, o seguinte: “ (…) No presente caso verifica-se que a impugnante apresentou a sua declaração de IRC para o ano de 2002, nos termos do artigo 83°/1 do CIRC.
Tal declaração presume-se verdadeira, nos termos do artigo 75°/1 da LGT, servindo de base à determinação da matéria colectável correspondente, nos termos dos artigos 16°/1 e 17°/1 do CIRC.
Todavia, através de acção inspectiva a Administração Fiscal concluiu que a contabilidade da impugnante evidenciava:
a. um descontrolo ao nível dos fluxos financeiros de que resultam erros e pouca ou nenhuma transparência na movimentação das contas de disponibilidade que, inclusive, apresentam saldos credores em diversos momentos;
b. erros e pouco ou nenhuma transparência na movimentação das contas de clientes e de fornecedores, conduzindo a discrepância, materialmente relevante, entre os respectivos saldos evidenciados pela contabilidade e pelo sistema de gestão de contas correntes que o sujeito passivo realiza extra contabilidade; e
c. sucessivos ‘acertos’ de saldos nas contas Caixa, Bancos, de terceiros com base em documentos internos sem qualquer base material justificativa, isto é, sem que resultem de qualquer simples processo de auditoria de contas ou conciliação de saldos. Trata-se, portanto, de saber se tais conclusões são ou não, total ou parcialmente, correctas.
Exemplo do que acaba de se referir é o documento interno n.° 1903, datado de 2002.12.31, que tem o seguinte título” Lançamentos de estorno e rectificação de saldos’ e através do qual se pretendeu “corrigir’ os saldos de banco, de caixa, de clientes, fornecedores, foi manuscrito pelos sócios gerentes, foi enviado à contabilidade, foi lançado pelo gabinete de contabilidade sem qualquer documentação de suporte válida e tem o seguinte conteúdo:
“Em 31/12/02
Depósitos
C.G.D: 162.508,03 €
BP.A: 13.758,65€
B.C.P: 8.865,49€
Santander: 3.396,43 €
Clientes: 572.147,39€ (inclui intracomunitários + Cred Duvidosos)
Fornecedores: 328.840,68 (inclui intracomunitários)
Créditos de Gerência?”
*
Face aos referidos factos, necessariamente se há-de concluir pelo preenchimento dos pressupostos legais, acima elencados, para a utilização de métodos indirectos.
Efectivamente, ao contrário do que pretende a impugnante não está ao alcance da Inspecção Tributária a determinação directa da matéria tributável, uma vez que a credibilidade da contabilidade da impugnante está severamente comprometida e não se vislumbram outros métodos a utilizar para apurar a sua concreta situação tributária.
Como muito bem aponta a Fazenda Pública, a utilização de estornos da relevância relativa dos efectuados, desprovida de qualquer documentação de suporte indicia, para lá de qualquer dúvida razoável, uma acentuada manipulação contabilística.
E não se diga, como pretende a impugnante, que o estorno é o meio contabilístico adequado para corrigir uma contabilidade deficiente.
De facto, é-o, formalmente, tal como uma saída de caixa é um meio contabilisticamente adequado a contabilizar uma despesa.
Só que, ambas as operações (tal como todas as outras operações contabilísticas) apenas são aceitáveis se devidamente comprovadas por documentação de suporte.
Efectivamente, a contabilidade, não se sustenta, acrobaticamente, a si mesma.
Daí que, reconhecendo que a sua contabilidade está incorrecta, ao proceder ao estorno, mas corrigindo-a de modo desconforme à documentação disponível, é a própria impugnante que demonstra a falta de credibilidade daquela, justificando o recurso aos métodos indirectos. (…)”
Tendo por base o mesmo relatório de inspecção tributária, que inclui, como vimos, o exercício de 2001 e 2002 da ora Recorrente, este tribunal já julgou a alegada questão dos pressupostos para recurso aos métodos indirectos na situação concreta.
Com a intervenção da presente relatora no respectivo julgamento, no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 16/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 438/06.0BEBRG, decidiu-se o seguinte:
«(…) II. Passemos então, ao segundo fundamento do recurso, que diz respeito ao apuramento da matéria colectável por métodos indirectos.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (art. 81.º, n.º 1 da LGT).
O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art. 104.º, n.º 2 da CRP).
Ou seja, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. o art. 85.º, n.º 1, da LGT) e excepcional (cfr. o n.º 1 do art. 81.º da LGT), cabe à AT a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (art. 74.º, n.º 3, da LGT) (cfr. Ac. do STA de 17/03/2010, proc. n.º 01211/09).
Segundo o art. 87.º, n.º 1, al. b), da LGT, uma das situações que determina a possibilidade de se recorrer à avaliação indirecta é “[i]mpossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”, sendo que essa impossibilidade pode resultar das anomalias e incorrecções previstas nas alíneas a) a d) do art. 88.º da LGT, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável.
Com efeito, dispõe o art. 88.º da LGT:
“A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada. (Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro)”.
(…) não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, pressuposto, tal como resulta da conjugação do disposto no art. 87.º, n.º 1, alínea b) e art. 88.º da LGT.
Resulta do relatório de inspecção que foram detectadas várias anomalias e irregularidades na contabilidade da Recorrida, mas já não resulta que essas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, bem pelo contrário, a AT identificou e quantificou directamente cada uma das irregularidades. (…)
Deste modo, (…), no que importa, in casu, não resulta do relatório de inspecção a impossibilidade do apuramento da matéria tributável por métodos directos (art. 87.º, n.º 1, alínea b) e art. 88.º da LGT), mas tão-somente irregularidades contabilísticas que foram identificadas e quantificadas. (…)»
Na sentença recorrida faz-se alusão à falta de veracidade da contabilidade, mas omite-se que as irregularidades não conduzem automaticamente à aplicação de métodos indirectos. A falta de credibilidade da contabilidade e da respectiva documentação não justifica, por si só, o recurso a métodos indirectos, como se concluiu na decisão recorrida.
Na verdade, a administração tributária não demonstrou a razão pela qual, mesmo dando de barato que a contabilidade apresentava as irregularidades apontadas, por que razão é que resultava inviável a determinação da matéria tributável com base em métodos de avaliação directa, sendo que, como vimos, na lógica do sistema, mesmo quanto a presunção do artigo 75.º é abalada, a prevalência deverá ser dada aos métodos directos de avaliação, constituindo os métodos indirectos uma ultima ratio só utilizável quando aqueles se mostrem imprestáveis e, por outro lado, o artigo 77.º da LGT expressamente impõe a especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável.
O recurso a métodos indirectos de tributação exige, pelas consequências gravosas para o património dos contribuintes que pode assumir, um acrescido esforço de fundamentação não só formal mas, sobretudo, material através de uma inequívoca e segura demonstração probatória dos pressupostos justificativos do recurso a tais métodos por parte da administração tributária – cfr. Acórdão deste TCAN, de 12/02/2015, proferido no âmbito do processo n.º 503/06.3BEBRG.
O que, efectivamente, não ocorreu in casu, pelo que a dúvida quanto à verificação dos pressupostos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos tem de ser resolvida contra quem tem esse ónus probatório, ou seja, a Administração Tributária (artigo 74º, nº 3 da LGT).
Destarte, assim não se tendo entendido na sentença recorrida, impera concluir pela ilegalidade das liquidações decorrentes da ilegal determinação da matéria tributável que lhe subjaz, por a administração tributária não ter demonstrado, como lhe competia, a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o recurso aos métodos indirectos de avaliação.
Por conseguinte, nesta parte, o recurso merece provimento.

Vejamos, agora, a parte da liquidação que teve origem na determinação da matéria tributável através de correcções técnicas efectuadas pela AF.
Entende a Recorrente que não existem razões válidas para as correcções técnicas que foram efectuadas, delimitando o seu recurso aos custos fiscais associados às viaturas de sua propriedade: “entende a Recorrente que, com excepção das correcções que assumiu serem lapsos contabilísticos, lhe devem ser considerados os custos fiscais desconsiderados pela AF associados às viaturas sua propriedade”.
A sentença recorrida decidiu o seguinte a este respeito:
“(…) Quanto às correcções técnicas, as mesmas estão ligadas à aquisição e utilização de viaturas (Porche 911 Turbo, Mercedes Benz CL 500, Mercedes Benz S 400 CDI e uma viatura Audi 46 TDI Allroad).
Face aos factos dados como provados e não provados, e ao disposto no artigo 23° do CIRC, necessariamente se há-de concluir pelo acerto das correcções efectuadas.
Não colhe aqui o argumento da impugnante, segundo o qual o juízo da comprovada imprescindibilidade para a geração dos proveitos ou ganhos seja privativo da gestão já que tal levaria ao completo esvaziamento da norma referida, uma vez que, evidentemente, nenhuma gestão iria reputar de dispensável uma despesa que fizesse.
Nota-se, ainda, que a lei é especialmente exigente neste aspecto, conforme decorre da utilização “comprovadamente forem indispensáveis”. Ora, as despesas em causa, não só não se apura que sejam comprovadamente indispensáveis, como se apura a sua genuína prescindibilidade para a geração de lucros ou proveitos, sendo, face à dimensão da empresa, genuinamente sumptuosas ou voluptuárias.
De igual modo, foram contabilizados pela impugnante custos reportados a despesas com combustíveis, sem que os documentos de suporte fizessem qualquer referência à matrícula das viaturas em que os mesmos terão sido utilizados, em desacordo com as próprias normas internas de procedimento.
Ora, face ao teor do artigo 42°, n.° 1, al. i) do CIRC, também nesta parte se devem ter por acertadas as correcções a que procedeu a Administração Tributária. (…)”
Sobre o assim decidido, a Recorrente formulou, essencialmente, duas conclusões nas suas alegações, que delimitam o objecto do presente recurso:17ª Sobre a questão das viaturas continua a ser convicção da Recorrente que se trata de um problema mais de cariz psicológico do que propriamente de ordem fiscal. É que, o que fez confusão à inspecção foram as “marcas” das viaturas e não a quantidade das mesmas.
18ª Relativamente aos documentos comprovativos da aquisição de combustíveis, entende a Recorrente que nada na Lei impõe que tais documentos tenham a matrícula da viatura a que o combustível se destina.”
Importa, primeiramente, relembrar alguns pressupostos e conceitos quanto à matéria da dedutibilidade de custos.
O princípio rector do artigo 17.°, n.º 1 do Código de IRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
Assim, é porque é mister definir cada um destes grupos de elementos que o artigo 23.º do Código de IRC consagra um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que, devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Após a fixação desse critério, o preceito enuncia, a título exemplificativo, os custos ou perdas de maior projecção.
Importa notar que são requisitos legais de dedutibilidade a comprovação – justificação documental do custo – e a indispensabilidade – justificação finalística do custo ou nexo causal com a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou com a manutenção da fonte produtora (cfr. artigo 23.º CIRC). De facto, quando o artigo 23.º refere o requisito da comprovação tem-se entendido que visa, não só acautelar a verificação efectiva do custo através de suporte documental, como a sua comprovação no sentido de necessidade do custo face à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.
Interessa-nos, aqui, as duas vertentes: a matéria da justificação documental do custo, pois que a AT também colocou em causa, por exemplo, que determinadas despesas com combustíveis respeitassem a viaturas afectas à actividade da Recorrente; questionando, igualmente, a comprovação de custos enquanto demonstração da sua relação com a realização dos proveitos ou a manutenção da fonte produtora.
Em sede de IRC, a contabilidade é eleita como o sustentáculo para o apuramento e determinação do lucro tributável (artigo 17.º, n.º 1 CIRC), impondo-se, em ordem a permitir o controlo deste, que seja organizada nos termos da lei comercial e fiscal, exigência que, designadamente, implica o cumprimento da regra segundo a qual “todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário” (artigo 115.º, n.º 1 e 3 al. a) CIRC). Quando a contabilidade esteja assim organizada, «presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (artigo 75.º da Lei Geral Tributária).
Com referência ao exercício de 2001, este tribunal, a propósito das viaturas Porche 911 Turbo, Mercedes Benz CL 500, Mercedes Benz S 400 CDI e Audi A6 TDI Allroad), adquiridas nesse período, decidiu o seguinte no mencionado acórdão prolatado em 16/10/2014:
“(…) Ora, em matéria de gastos, o elemento determinante nos termos do n.º 1 do art. 23.º CIRC é o requisito da indispensabilidade.
Nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Se um gasto não é indispensável, então não integra a previsão normativa do n.º 1 do artigo 23.º, do CIRC, podendo, pois, ser por esta via, fiscalmente desconsiderado.
Assim, os gastos fiscais, em regra, são os derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização, e que para que relevem fiscalmente têm de estar afectos à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre os custos e os proveitos da empresa, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximalista de resultados.
O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Essa análise casuística, deverá ser efectuada subjectivamente, não podendo associar-se a um juízo meramente objectivo, dependendo da actividade e objectivos de gestão da própria empresa.
A AT pode excluir gastos quando casuisticamente haja motivos para se entender que aqueles foram incorridos na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, face às necessidades e capacidades da empresa.
Regressemos, então, ao caso dos autos.
As correcções ora em causa são relativas a despesas com as seguintes viaturas ligeiras de passageiros que foram adquiridas em 2001, pela Recorrida: Porche 911 Turbo (162.109,31€), Mercedes Benz CL 500 (120.649,40€), Mercedes Benz S 400 CDI (137.169,42€), Audi A6 TDI Allroad (62.349,42€).
Subjacente à correcção está o entendimento de que as despesas relacionadas com tais viaturas não são indispensáveis à obtenção dos proveitos, nos termos do art. 23.º do CIRC.
Para fundamentar a correcção a AT considerou o tipo e o valor das viaturas, o facto de se tratar de uma empresa familiar com apenas dois sócios, a inexistência de quadros que justificassem a atribuição daquele “tipo” de viaturas e a aquisição, em anos anteriores, de outras três viaturas de valor elevado, concluindo pela não indispensabilidade das despesas relacionadas com essas viaturas.
Ora, (…), a AT, in casu, demonstrou de forma suficiente que as despesas ora em causa suscitam dúvidas sérias acerca da sua indispensabilidade, pelo que se encontram devidamente demonstrados os pressupostos da sua actuação, designadamente, a desconsideração das despesas como gastos fiscais ao abrigo do art. 23.º do CIRC.
Com efeito, as circunstâncias da aquisição das viaturas (a empresa tinha adquirido em anos anteriores próximos outras três viaturas, também de gama alta; apenas haver 2 sócios; inexistência de quadros), as características das mesmas (4 viaturas de “gama alta”, cujos valores são muito elevados), aliada à actividade da Recorrida (fabrico de produtos alimentares congelados, designadamente bolinhos de bacalhau, rissóis de camarão, croquetes de carne, panados de porco e outros) e à natureza familiar da empresa, são indícios suficientes para questionar a indispensabilidade das despesas que resultam da utilização daquelas viaturas.
A AT demonstrou suficientemente uma desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização da empresa, indiciando que aqueles foram incorridos na prossecução de outro interesse que não o empresarial. Com efeito, as viaturas são de valor muito elevado, e de “gama alta”, havendo uma manifesta desconexão fáctica entre as despesas resultantes dessas viaturas e a actividade produtiva da Recorrida que se situa no sector alimentar, onde, a priori, não existem razões económicas que justifiquem a utilização de viaturas tão luxuosas para a produção e comercialização de bolinhos de bacalhau, rissóis de camarão, croquetes de carne, etc.. Por outro lado, o número de viaturas dessa categoria (quatro) quando já existiam na empresa outras três, também afasta a racionalidade económica das novas aquisições.
Demonstrada suficientemente pela AT a desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização da empresa, compete ao sujeito passivo apresentar uma explicação acerca da “congruência económica” desses gastos.
No fundo é ao contribuinte – entidade que se encontra em contacto directo com a realidade empresarial – que se exige, um simples ónus de alegação da realidade subjacente às operações onde se vertem tais custos. Uma explicação acerca da congruência económica das operações (cfr. Tomás Castro Tavares, A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40 e ss).
In casu, a explicação da Recorrida reside na imagem de sucesso, prestígio e prosperidade que a empresa deve transmitir para o exterior, mas tal argumentação não convence.
Com efeito, havendo dois sócios na empresa, e já tendo sido anteriormente adquiridas 3 outras viaturas de gama alta, tal argumento não convence, atento ao valor próximo de meio milhão de euros das viaturas. Não vislumbramos racionalidade económica nessa argumentação, ademais, considerando a actividade da empresa de fabrico de produtos alimentares congelados, fica ainda mais irrealista a explicação avançada, porque não se trata de uma actividade económica que assuma recortes de natureza especial que justificasse gastos tão elevados para o transporte das mercadorias, por exemplo, e por outro lado, a utilização de tais viaturas e consequentemente as despesas que dela derivam, no âmbito da actividade da Recorrida, carecem de credibilidade.
Acresce que, não havendo altos quadros da empresa que justifiquem a aquisição de mais viaturas de gama alta, ditam as regras da experiência comum que, provavelmente, as viaturas estariam a ser utilizadas para fins estranhos à actividade da empresa, e assim, competia à Recorrida demonstrar a indispensabilidade dos gastos da utilização das viaturas em causa para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, o que não fez.
Na verdade, considerando os montantes manifestamente elevados gastos na aquisição de viaturas (quase meio milhão de euros) no contexto em que ocorre, e tendo em conta a actividade da empresa, não basta uma qualquer explicação baseada no prestígio, ou no princípio da livre gestão das empresas, nem tão pouco para transporte dos produtos neles fabricados (bolinhos de bacalhau, rissóis, croquetes, etc.) porque, neste último caso, como bem refere o Magistrado do Ministério Público nas suas alegações de recurso, que tal transporte “estava longe de requerer tão valiosos e dispendiosos meios. (…)”.
Ora, estando já decidido que as viaturas poderiam estar a ser utilizadas para fins estranhos à actividade da empresa e que a Recorrente não demonstrou a indispensabilidade dos gastos da utilização das viaturas em causa para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, necessariamente as despesas e custos com as mesmas no exercício de 2002 também terão que ser desconsideradas, como o efectuou a AF, como por exemplo os respectivos gastos em portagens, os impostos sobre essas viaturas, as despesas com o respectivo leasing ou com a sua conservação e reparação.
Assim, além de a Recorrente não ter apresentado documentos comprovativos de que as despesas com combustíveis se reportavam a viaturas pertencentes ao seu activo (cfr. artigo 42.º, n.º 1, alínea i) do Código de IRC) – tendo subjacente a afectação à sua actividade; mesmo que respeitassem às viaturas Porche 911 Turbo, Mercedes Benz CL 500, Mercedes Benz S 400 CDI ou Audi A6 TDI Allroad, teriam que ser desconsideradas, como o foram pela AF, nos termos do artigo 23.º do Código de IRC, dado que não foi demonstrada a indispensabilidade dos gastos da utilização das viaturas em causa para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. Na verdade, não é credível que o transporte de bolinhos de bacalhau e outros salgados requeira tão dispendiosos meios.
Face ao exposto, nesta parte, o recurso não merece provimento.

Conclusões/Sumário

I. No que concerne à invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação, é preciso distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
III. Não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos directos, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.
IV. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo se poderá aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “(…) a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” – artigo 23.º do Código de IRC.
V. Demonstrada suficientemente pela AT a desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização da empresa, compete ao sujeito passivo apresentar uma explicação acerca da “congruência económica” desses gastos.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcialmente provimento ao recurso interposto, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a impugnação referente às correcções com recurso a métodos indirectos; sendo, nessa parte, a impugnação julgada procedente.

Custas pela Recorrente em ambas as instâncias e pela Fazenda Pública apenas na 1.ª instância, considerando que esta aqui não contra-alegou, na proporção do decaimento.

Porto, 26 de Fevereiro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves