Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00560/13.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/24/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA, PEDIDO DE REEMBOLSO, TAXA DEVIDA POR PEDIDO DE INSPECÇÃO, ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
Sumário:Não é aplicável o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, e a Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro, à realização da acção inspectiva tendente ao reembolso do pagamento especial por conta, realizado no exercício de 2006.
Recorrente:G. V. – V. P.., S.A
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

G. V. - V. P., SA., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), interpôs recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferido em 19/03/2013, que julgou improcedente a acção administrativa especial que intentou contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, para impugnação do acto proferido em 25/06/2013, que fixou em €19.659,10 o valor da taxa a que se refere o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, para o pedido de reembolso do pagamento especial por conta de 2006, no montante de €24.297,13.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
I — A situação em recurso é o enquadramento legal do pedido de inspecção por iniciativa do contribuinte para reembolso do PEC.
II — O artigo 87.°, n.° 3, alínea b), do CIRC, á data, determina a necessidade de pedido, pelo contribuinte, de inspecção para reembolso do PEC.
III — A Administração Tributária e a Douta Sentença de que ora recorre, consideram que o diploma aplicável ao pedido de inspecção por iniciativa do contribuinte para reembolso do PEC é o Decreto-Lei n.° 6/99 e a Portaria 923/99.
IV — O Decreto-Lei n.° 6/99 tem uma delimitação específica, quanto ao respectivo âmbito, condições de acesso e efeitos, em que não se enquadra, de todo, o pedido de inspecção, pelo contribuinte, para reembolso do PEC;.
V — A doutrina considera errada e não aplicável, às situações de pedido de inspecção por iniciativa do contribuinte para reembolso PEC, o Decreto-Lei n.° 6/99 e a Portaria 923/99.
VI — Enferma, assim, a Douta Sentença recorrida de:
a) Errado enquadramento legal do pedido de inspecção por iniciativa do contribuinte, para reembolso PEC;
b) Consequentemente, errada aplicação do Decreto-Lei n.°6/99 e da Portaria 923/99;
c) E por inerência, ilegal a sua aplicação à situação aqui recorrida.
IV — Pedido
Com o douto suprimento de Vas. Exas., deve a Douta Sentença recorrida ser revogada ou anulada, na base do erro sobre os pressupostos de direito da matéria essencial ao objecto da lide.
Em tudo, e essencialmente, se pede e se espera, JUSTIÇA”
****
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“1° Do artigo 93°, n° 3, al. b) do CIRC resulta que os sujeitos passivos para solicitarem a devolução do PEC devem obedecer a dois requisitos:
I. O sujeito passivo tem de pedir que lhe seja efectuada uma acção de inspecção; e
II. Esse pedido tem de ser feito no prazo de 90 dias após o termo do prazo de apresentação periódica relativa ao mesmo exercício.
2° As acções inspectivas a pedido do sujeito passivo são reguladas pelo Decreto-Lei n.° 6/99, de 8 de Janeiro.
3° Caso o sujeito passivo não possa efectuar a dedução à colecta do PEC no exercício a que o mesmo respeita ou num dos quatro exercícios seguintes, existe sempre a possibilidade de obter o reembolso nos termos do n.°3 do referido preceito legal, desde que verificados os requisitos aí enunciados.
4° O facto de não terem sido ainda publicados os rácios de rentabilidade a que se refere a alínea a) do n.°3 do artigo 93° (ex 87°) não impede o sujeito passivo de obter o reembolso nos termos daquela norma, uma vez que não lhe sendo imputável a falta de publicação nos referidos rácios, não parece legítimo retirar-se o direito de solicitar o pedido de reembolso, conforme resulta do entendimento vertido no Despacho n.° 249/2005-XVII, de 31 de Maio de 2015 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
5° Nestes termos, a falta de publicação da referida portaria não impede a realização da acção inspectiva prevista na alínea b) do n.°3 do artigo 93° (ex 87°) do CIRC.
6° Nos termos do referido diploma a intervenção da inspecção está condicionada ao pagamento de uma taxa cujo montante é determinado nos termos da Portaria n.° 923/99, de 20 de Setembro.
7° O pagamento especial por conta na sua génese foi criado no sentido de evitar a fraude e a evasão fiscal, com a possibilidade de dedutibilidade do pagamento efectuado até aos quatro exercícios seguintes;
8° A acção inspectiva à posteriori, a pedido do contribuinte, onde é este que goza do direito potestativo de requerer ou não o reembolso após os quatro exercícios;
9° Deste modo, a acção inspectiva funciona de forma residual, onde para o reembolso operar, importa o pagamento de uma taxa - na medida em que estamos perante uma contra prestação por parte da Administração, a qual implica uma alocação extraordinária de recursos, dependendo do volume de negócios da requerente.
10° Pelo que, independentemente do montante peticionado a título de reembolso a Administração terá sempre de afectar alguns recursos para cumprimento da acção inspectiva, a qual tem de ser realizada num espaço de tempo e cujo trabalho e dispêndio de horas varia, não em função do montante peticionado, mas sim da dimensão do sujeito passivo, o que traduzirá uma perda para o erário público de recursos humanos e materiais que poderiam/deveriam estar a executar outras tarefas.
11° Compare-se o custo de uma inspecção feita pela AT a pedido do contribuinte com uma auditoria feita por uma consultora/auditora externa aos quatro exercícios e facilmente se conclui que o montante a pagar à consultora/auditora externa seria manifestamente superior
12° Por isso, não pode a Recorrente falar em violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, já que os custos da inspecção são proporcionais à sua dimensão.
13° Atendendo ao acumular de prejuízos fiscais de elevados montantes nos exercícios em causa que teriam de ser inspeccionados, implica já de si o cuidado adicional na acção inspectiva à Recorrente, que poderia eventualmente ser sujeita a uma avaliação por métodos indirectos, nos termos do artigo 87°, n°1. al. e) da LGT, pelo que a acção inspectiva vai muito além da função confirmativa ou da mera verificação do declarado pelo contribuinte.
14° Ainda assim, no presente caso a taxa legalmente exigida seria inferior ao reembolso, uma vez que a Recorrente pede € 24.297,13 e o montante a pagar pela inspecção seria de € 16.659,10, logo os custos inerentes à realização do acto implicam um deferencial de custo substancial.
15° No presente caso, isto é aquando da inspecção a pedido do sujeito passivo dá-se uma inversão da posição na ordem jurídica que é determinante para a imputação de uma taxa que minimize os encargos, despesas e o prejuízo daí resultante para o Estado
16° E não se diga, tal como a Recorrente tem feito ao longo deste processo (agora nos pontos 10 e 11 das alegações de recurso) que se encontra a exercer um direito ou que a inspecção imposta ao sujeito passivo para o exercício do seu direito ao reembolso, está inserida dentro das obrigações da administração tributária, de confirmação da sua situação tributária que determinará aquele reembolso (procurando minimizar o acto inspectivo), porque conforme é consabido, o Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), no artigo 2°, alíneas a) e ss. Determina que não só os actos inspectivos incidem sobre a confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, mas também a indagação de factos tributários não declarados e demais actos cujo cumprimento do princípio da legalidade obriga.
17° A introdução de uma "flat tax" para o acto inspectivo implica para o acto inspectivo implica para a Administração não só a perda de receita tributária, mas também, eventualmente, a paralisação de toda a acção inspectiva;
18° Basta, para o efeito, a existência de um acréscimo anormal de pedidos de reembolso, para que toda a estrutura inspectiva integrante no Órgão Periférico Regional fique paralisada a realizar inspecções a pedido dos contribuintes;
19° No presente caso a Recorrente ignorou, ao contrário do Tribunal a quo a "outra face" da relação jurídica, cujo sujeito passivo é a Administração.
uu. Por esse motivo, para além dos restantes, os argumentos aduzidos pela Recorrente deixam de ter qualquer relevância jurídica, na medida em que ignoram, não só a posição em que se inserem no âmbito da relação, mas também, todo o interesse público subjacente, em virtude de estarmos perante uma relação invertida, porquanto o reembolso e consequente acto inspectivo operam de forma voluntária e a pedido.
20° Já na Petição Inicial do processo a Recorrente fez referência à Informação n° 406/10, de 16/12/2010 da DSIRC copiando dois parágrafos e esquecendo-se do resto do texto e agora conclui como lhe dá mais jeito, distorcendo o teor daquela e concluindo em sentido completamente diferente ao que ali consta, o que é absolutamente inadmissível.
21° Aliás, se transcreve-se a totalidade do texto ou, pelo menos os pontos 8, 9. 10 e 11 retiraria uma posição da AT que é exactamente o oposto aquilo que a Recorrente afirma e defende.
Pelo que nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Exas. doutamente suprirão, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, como é de Direito e Justiça.”
****
O Ministério Público junto deste Tribunal não se pronunciou sobre o mérito do recurso, no entendimento de que a relação jurídico-material controvertida não implica direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais (artigo 9.º, n.º 2 e 146.º, n.º 1 do CPTA).
****
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se o acórdão recorrido errou no julgamento que efectuou quando decidiu que o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, bem como a Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro, são aplicáveis às situações de pedido de inspecção pelo contribuinte para reembolso do pagamento especial por conta efectuado.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
3.1- De facto.
Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provado:
A) Em 03/08/2011, a autora apresentou um pedido de reembolso do pagamento especial por conta, relativo ao exercício de 2006, no montante de €24.297,13, nos termos dos arts. 87.° e 98.° do CIRC (fls. 45 a 47).
B) A justificação do pedido de reembolso, foi o facto de no exercício de 2006 e nos quatro exercícios seguintes, 2007 a 2010, ter apurado matéria coletável de valor zero e, por isso mesmo, não ter sido possível deduzir aquele pagamento especial por conta (no. 45 a 47).
C) A autora pediu ainda a abertura do respetivo procedimento de inspeção tributária (fls. 45 a 47).
D) Por esse facto, a autora foi notificada, em 3 de Julho de 2013, para proceder ao pagamento da taxa de inspeção no valor de €19.659,10, para os exercícios de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 (fls. 40 a 44).
E) O despacho impugnado notificado à autora contém, entre o mais, o seguinte teor (fls. 41 a 43 verso):

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

3.1.1- Motivação.
A matéria de facto que o tribunal considerou relevante para a decisão da causa, foi julgada provada com base nos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, identificados à frente de cada um dos factos provados.
A restante matéria de facto alegada pelas partes, o Tribunal não a julgou provada ou não provada, por ser irrelevante para a decisão da causa ou por constituírem matéria conclusiva ou alegações de direito.”
*
2. O Direito

Constitui objecto do presente recurso o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, julgando improcedente a acção administrativa especial, manteve na ordem jurídica o acto administrativo em matéria tributária que determinou o pagamento de uma taxa pela realização de inspecção na sequência de pedido de reembolso do pagamento especial por conta (PEC) do ano de 2006, por entender, em síntese, ser de aplicar o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, aos pedidos de reembolso dos pagamentos especiais por conta de IRC, mormente na parte que obriga ao pagamento de uma taxa para a realização da acção inspectiva prevista para que tais pedidos possam ser apreciados pela Administração Tributária, considerando a fixação de tal taxa, não só legal, mas também constitucional, já que julgou não se mostrarem violados quaisquer princípios constitucionais, como o da justiça e proporcionalidade.
A Recorrente não se conforma com o decidido, invocando que o mesmo incorreu em erro de julgamento de direito, por entender que o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, não é aplicável às situações como a aqui em apreço, considerando que este diploma tem uma delimitação específica, quanto ao respectivo âmbito, condições de acesso e efeitos, em que não se enquadra, de todo, o pedido de inspecção, pelo contribuinte, para reembolso do PEC.
Questiona-se, portanto, neste recurso, o acerto do acórdão recorrido que julgou improcedente a acção apresentada, onde se impugna o acto de imposição de uma taxa, no montante de €19.659,10, para a realização de acção inspectiva necessária para obter o reembolso do pagamento especial por conta.
Antes de mais, importa precisar que o requisito da prévia acção de inspecção foi eliminado, em consequência da actual redacção do artigo 93.º, n.º 3 CIRC, introduzida pela Lei n.º 2/2014, 16 Janeiro, aplicável aos factos tributários e aos períodos de tributação que se iniciem após 1 Janeiro 2014. Logo, no exercício de 2006, aqui em causa, ainda estava prevista legalmente a realização de acção inspectiva para obter o reembolso do PEC.
Ora, a questão assim configurada no presente recurso foi já objecto de apreciação nos Tribunais Superiores, que, de forma reiterada e unânime, têm entendido que o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, tal como a Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro, não são aplicáveis à realização da acção inspectiva tendente ao reembolso do pagamento especial por conta.
Veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31 de Maio de 2017, proferido no Processo n.º 072/17 - recuperado no Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 11 de Outubro de 2017, proferido no Processo n.º 0581/17, onde se concluiu que não é aplicável à realização da acção inspectiva tendente ao reembolso do pagamento especial por conta o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, nem a Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro.
E é essa jurisprudência que também aqui se reafirma, aderindo-se a todo o seu discurso fundamentador, visando uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), considerando que também no caso dos autos está em causa o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, e a Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro.
Escreveu-se no citado Acórdão:
«(…)Pretendeu o legislador com a redação, na altura vigente, do nº 3, do artigo 93, do CIRC, sujeitar o pedido de reembolso do PEC à realização de uma ação de inspeção. Mas tal não significava necessária e imediatamente a sujeição desta ação inspetiva ao previsto no DL n.º 6/99 e Portaria 924/99, de 20-10 e ao inerente pagamento de taxas, como pretende a Administração Tributária.
O preâmbulo deste normativo dispõe que: a inspeção tributária depende exclusivamente, no quadro da legislação atual, da iniciativa da própria administração tributária. No entanto, a certeza e segurança jurídicas e a necessidade de viabilizar negócios jurídicos relevantes do ponto de vista da reestruturação empresarial e da dinamização da vida económica aconselham a flexibilização desse regime, posto que com a devida salvaguarda dos interesses da administração tributária. É, assim, criado um regime especial de inspeção por iniciativa do sujeito passivo, com efeitos vinculativos para a administração tributária, cujo acesso depende da prova de interesse legítimo pelo sujeito passivo ou terceiro, devidamente autorizado por este.
Por isso este normativo tem fins específicos, consubstanciando-se num serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo para apuramento da situação tributária deste e tendo em vista a realização de atos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica, entre outras.
O conceito de “interesse legítimo” do sujeito passivo está definido no n° 6, do artigo 2, do normativo em análise, que explica que “o interesse legítimo referido no presente artigo consiste em qualquer vantagem resultante do conhecimento da exacta situação tributária do sujeito passivo, proveniente, nomeadamente, de actos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica ou de acesso a regimes legais a que o requerente pretende ter direito.
Trata-se de um elenco meramente exemplificativo e reforça a ideia de se tratar de um serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo em vista a obtenção por este de uma qualquer vantagem. E, como serviço que é, está sujeito ao pagamento de uma taxa, de montante variável consoante o âmbito e extensão da ação de inspeção, e cuja tabela vem prevista na já referida Portaria n° 923/99, de 20 de Outubro.
Desta interpretação só se pode concluir, ao contrário do defendido pela Administração Tributária, que não é aplicável este DL. n. 6/99 ao regime de reembolso de PEC de IRC, mormente o seu artigo 4°, e concomitantemente, a tabela de taxas previstas na Portaria n° 923/99.
Trata-se de avaliar se existe uma falta de correspondência entre a finalidade inicial das inspeções a pedido com o regime previsto no n° 3, do artigo 93, do CIRC. E, na verdade, inexiste qualquer correspondência.
O regime previsto no DL n.º 6/99 regulamenta um serviço prestado pela administração ao sujeito passivo quando este pretende realizar uma operação ou procurar uma qualquer vantagem, alheia a uma relação tributária preexistente.
Já quanto à inspeção feita a “pedido do sujeito passivo” para efeitos de reembolso de PEC de IRC, não estão em causa as mesmas finalidades. Não se trata de uma inspeção necessária à obtenção pelo particular de uma qualquer vantagem mas antes de um procedimento necessário ao exercício de um direito.
Determinava o n° 2, do artigo 106, do CIRC, em vigor à data que o montante do pagamento especial por conta é igual a 1% do volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, com o limite mínimo de (euro) 1000, e, quando superior, é igual a este limite acrescido de 20% da parte excedente, com o limite máximo de (euro) 70.000 (sendo o volume de negócios correspondente ao valor das vendas e dos serviços prestados).
Estabeleceu o regime de PEC um conceito de “rendimento legal”: o legislador fixa um rendimento sem necessária correspondência com o rendimento real, o único tributável por imposição constitucional. E fê-lo qualificando aquele rendimento legal como uma verdadeira presunção legal, em sentido estrito. Como determina o artigo 349º do CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um desconhecido. E a lei, no CIRC, retira uma ilação de um facto conhecido, o volume de negócios do período de tributação anterior, para firmar um desconhecido, o rendimento do ano fiscal a que os pagamentos especiais por conta dizem respeito.
Ora, dispõe o nº 2, do artigo 350º do CC que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir.
No que respeita ao PEC, não existe qualquer proibição legal de ilisão da presunção nem poderia nunca haver, atenta a imposição constitucional de tributação das pessoas coletivas segundo o seu rendimento real (nº 2, do artigo 104, da CRP), estando antes taxativamente consagrada a possibilidade de ilidir tal presunção (artigo 73º da LGT).
Consequentemente, e ao contrário do entendimento da AT, não existe aqui qualquer “inversão”, ainda que aparente, da relação jurídica tributária, já que continuam a ser os mesmos o sujeito ativo e o sujeito passivo daquela relação (nos termos previstos no artigo 18º e seguintes da LGT). Também não colhe o argumento de que a ação inspetiva é necessária para a verificação de um “pressuposto legal” do direito ao reembolso: este direito nasce ope legis, se o rendimento dito “legal” for superior ao rendimento real. Ocorre, apenas e tão-só, uma inversão do ónus da prova quanto à determinação do rendimento real do sujeito passivo.
Se normalmente compete à Administração, mediante a operação desta presunção legal passa a caber àquele o ónus de a ilidir, se com a mesma não se conformar. E o meio imposto pelo legislador para ilidir tal presunção, nos termos do previsto naquela norma do nº 3, do artigo 93, do CIRC, é a obrigação de o sujeito passivo pedir que lhe seja feita uma inspeção.
Todavia, não se trata aqui da prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem, mas sim, e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal fixado pelo legislador no supra referido normativo. Ou seja, trata-se do exercício pelo sujeito passivo de um direito que lhe assiste por lei.
Não tem, por isso, aplicação a esta situação o previsto no D.L. nº 6/99.
Já Saldanha Sanches e André Salgado Matos, em op. cit., página 17) afirmavam que “(...) dada a verdadeira natureza do procedimento em causa, não parece que se aplique o regime de inspeção por iniciativa do contribuinte previsto pelo Decreto-lei n.º 6/99, de 20 de Outubro, designadamente em matéria de custas. Com efeito, seria constitucionalmente chocante admitir que o sujeito passivo teria que pagar para ser, como é seu direito, tributado segundo o seu lucro real”.»
Acolhendo-se o discurso fundamentador do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que vimos de transcrever, para o qual se remete, conclui--se, assim, numa interpretação em conformidade com a Constituição da República Portuguesa, concretamente, com o seu artigo 104.º, n.º 2, que determina que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, não ser devida taxa para a realização da acção inspectiva para obter o reembolso do pagamento especial por conta, por não ser aplicável o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, nem a Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro, à realização das acções inspectivas tendentes ao reembolso do pagamento especial por conta, como o que está em causa nos presentes autos; o que coloca em crise o procedimento da Autoridade Tributária nesse sentido e conduz ao provimento do presente recurso, porquanto merece censura a decisão recorrida que assim não entendeu.

Conclusão/Sumário

Não é aplicável o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, e a Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro, à realização da acção inspectiva tendente ao reembolso do pagamento especial por conta, realizado no exercício de 2006.


IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar a acção administrativa especial procedente, anulando-se o acto impugnado que fixou a taxa em apreço.

Custas a cargo da Recorrida, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 24 de Outubro de 2019


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães