Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00360/04.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Vital Lopes
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
ÓNUS DE PROVA
Sumário:1. A circunstância de as diligências de prova, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas, cujo depoimento fique devidamente registado, não terem sido dirigidas pelo juiz que proferiu a sentença, na qual incorporou a decisão sobre a matéria de facto, não constitui nem nulidade da sentença, nem nulidade processual;
2. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (art.º74/3 da LGT).
3. Se são fornecidos ao S.P. livros de facturas impressas com numeração repetida que não aparecem contabilizadas, nem foram anuladas, nem, por outro lado, o S.P. notificado para tanto as apresenta ou comprova o destino que deu às facturas com numeração repetida, mostra-se legítimo o recurso a métodos indirectos, assumindo-se que titularam proveitos não registados contabilisticamente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

F…, Lda., vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios relativas aos exercícios de 1999 e 2000.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.315).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
1. - Existe nulidade da sentença, pois, dos autos, resulta que a Mma. Juíza que efetuou e presidiu à inquirição de testemunhas não foi a mesma que, na sentença recorrida proferiu a decisão sobre a matéria de facto incorporada na sentença recorrida, tende assim o Tribunal a que inobservado o princípio da imediação da prova, cf. Art.° 605° (antigo Art.° 654°), do CPC (aplicável por força da alínea e). do Art.° 2° do CPPT).
2. - No entanto, ainda que assim se não entenda, sempre se haverá de reconhecer à sentença um vício de irregularidade, sanável apenas com o proferimento de uma nova, pela Mma. Juíza que presidiu à inquirição de testemunhas.
3. - A prova testemunhal deve ser valorada - Art.° 392° do Código Civil dando-se como provado que:
a) Com a falta de sequência numérica c cronológica de faturas e documentos equivalentes, bem como com a utilização de faturas com numeração repetida, sem séries devidamente referenciadas, não resultou qualquer prejuízo para a Fazenda Nacional, sendo somente uma irregularidade contabilística.
b) Os livros com faturas não utilizadas ou emitidas foram todas devolvidas à tipografia para destruição.
c) Os clientes que não pagavam os serviços prestados passavam em saldo em conta corrente.
4. - A prova documental deve ser valorada - Art° 362° do Código Civil - dando-se como provado que, não existem divergências entre as faturas emitidas aos clientes e os extratos de contas correntes desses mesmos clientes, conforme documentos 10, 11 e 12 anexos à PI.
5. - Deve reconhecer-se que a AT não se desonerou do encargo que sobre si recaia de demonstrar que nos exercícios económicos de 1999 e 2000, existem pressupostos para determinar a mudança do rumo da tributação e que existiu impossibilidade da sua determinação pelo método direto e por montante exato, conforme Art.° 87°, nº 1, b) e 88° da LGT.
6. - Pelo que deve manter a presunção de verdade da escrita comercial da recorrente para os fins fiscais, cf. Artº 75° da LGT.
7. - A recorrente entende que existe vício de falta de fundamentação no critério utilizado na aplicação dos métodos indiretos, cf. Art.° 77º da LGT.
8. - Como entende que existe errónea quantificação e manifesto excesso da capacidade contributiva, Art.° 90º da LGT.
9 - E consequentemente devem as liquidações recorridas ser anuladas.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação das liquidações recorridas e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA».
A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso com manutenção da sentença recorrida na ordem jurídica.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitadas pelas conclusões da alegação da Recorrente (artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC), são estas as questões que importa apreciar: (i) nulidade da sentença porquanto o juiz que a proferiu não foi aquele que presidiu à fase instrutória; (ii) erro de julgamento na apreciação e valoração da prova testemunhal e documental, devendo dar-se como provados factos que a sentença julgou «não provados»; (iii) se concorrem os pressupostos de que depende a aplicação de métodos indirectos e se a decisão da AT contém a fundamentação legal; (iv) se se verifica errónea quantificação da matéria tributável.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«IV. Fundamentação de facto
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:
A) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, de âmbito geral, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, a coberto da ordem de serviço n.º 32785, de 10/04/2003, a qual incidiu sobre os exercícios económicos de 1999 e 2000 – cfr. fls. 4 do processo administrativo apenso aos autos.
B) No âmbito da referida ação de inspeção, em 08/07/2003, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária constante de fls. 3/9 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
[…]
- imagens omissas –
[…]
C) Pelo ofício n.º 11107, expedido por correio registado em 10/07/2003, foi a impugnante notificada para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária. – cfr. fls. 12/13 e 18 do processo administrativo apenso aos autos.
D) A impugnante exerceu o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção nos termos e com os fundamentos vertidos no requerimento constante de fls. 15/16 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Na sequência do exercício do direito de audição prévia por parte da impugnante, em 24/07/2003, foi elaborado o complemento do relatório após concessão do direito de audição, do qual consta:
- imagens omissas –
[…]
- cfr. fls. 17/19 do processo administrativo apenso aos autos.
F) As conclusões do relatório de inspeção tributária foram sancionadas superiormente. – cfr. fls. 17 do processo administrativo apenso aos autos.
G) Através do ofício n.º 012428, expedido por correio registado em 30/07/2003, a impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária. – cfr. fls. 20/21 do processo administrativo apenso aos autos.
H) Pelo ofício n.º 12687, de 05/08/2003, rececionado em 06/08/2003, a impugnante foi notificada do ato de fixação do lucro tributável/imposto/volume de negócios referentes aos anos de 1999 e 2000, bem como para, querendo, solicitar a revisão da matéria tributável, nos termos do artigo 91.º da LGT. - cfr. fls. 133 dos autos e fls. 27/28 do processo administrativo apenso aos autos.
I) A impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 129/132 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
J) Em 01/10/2003 realizou-se a reunião dos peritos do contribuinte e da Fazenda Pública, tendo sido lavrada a ata n.º 36/03, da qual se extrai,
[…]
- imagens omissas -
- cfr. fls. 23 frente e verso do processo administrativo apenso aos autos.
K) Em 02/10/2003, o Sr. Diretor de Finanças de Viseu proferiu decisão com o seguinte teor:

- cfr. fls. 22 do processo administrativo apenso aos autos.
L) Pelo ofício n.º 15.879, de 06/10/2003, rececionado em 10/10/2003, a impugnante foi notificada da decisão do pedido de revisão da matéria tributável exarada nos termos do artigo 92.º, n.º 6 da LGT, bem como da ata n.º 36/03 – cfr. fls. 25/26 do processo administrativo apenso aos autos.
M) Na sequência da ação inspetiva e do subsequente procedimento de revisão da matéria tributável foram emitidas as seguintes liquidações:
a. Liquidação n.º 2003 8310017349, relativa a IRC e juros compensatórios do exercício de 1999, com imposto a pagar no valor de 722,02 € e juros compensatórios, no valor de 158,96 €;
b. Liquidação n.º 2003 8310017350, relativa a IRC e juros compensatórios do exercício de 2000, com imposto a pagar no valor de 3.657,74 €, tributações autónomas de 607,34 € e juros compensatórios, no valor de 553,48 €. – cfr. fls. 29/30 dos autos.

Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, nomeadamente os factos vertidos nos artigos 14.º, 17.º, 22.º, 23.º, 25.º, 28.º, 29.º, 30.º 31.º, 38.º, 44.º, 51.º, 52.º e 117.º da petição inicial.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Para a formação da convicção do Tribunal também contribuiu o depoimento isento e credível da testemunha L…, Inspetora Tributária, que realizou o procedimento inspetivo e que, no essencial, relatou o que constava do relatório de inspeção tributária que faz parte do processo administrativo apenso aos autos.
Concretamente referiu que as faturas devem ser datadas e numeradas sequencialmente e que se a impugnante quisesse utilizar a mesma numeração tinha de utilizar diferentes séries, mediante a aposição de letras.
Mais disse que em caso de anulação de uma fatura têm de ser conservados na sua respetiva ordem, o original e demais exemplares e, sendo o caso, fazer-se menção de que a fatura foi substituída por outra, salientando que na contabilidade da impugnante não existia qualquer exemplar da fatura, nem qualquer menção de que a mesma tinha sido substituída por outra, nem havia qualquer nota de crédito.
Esclareceu ainda que o envio da fatura ao cliente por correio não impedia a anulação da mesma e que se o cliente não devolveu a fatura então a impugnante devia ter solicitado o original para poder anulá-la.
Reportando-se às divergências entre o valor das faturas emitidas e os resultantes extratos de conta corrente dos clientes, afirmou que as mesmas estão especificadas no ponto IV.2 do relatório de inspeção e sustentadas no anexo 5, realçando que os proveitos têm de ser contabilizados no ano a que respeitam os serviços prestados, independentemente do seu recebimento.
Referiu ainda que, apesar de ter notificado o sujeito passivo para apresentar as duas séries dos livros das faturas n.ºs 1 a 250, os mesmos nunca foram apresentados, tendo sido apresentada apenas uma declaração emitida pela tipografia que procedeu à impressão dos livros, a qual não forneceu uma resposta concreta e objetiva.
Relativamente às 74 faturas emitidas no ano de 1998, juntas aos autos pela impugnante, disse que nem no âmbito do procedimento inspetivo, nem no subsequente procedimento de revisão da matéria tributável, foi feita qualquer alusão à existência das mesmas.
Confrontada com as 74 faturas emitidas em 1998 e o anexo IV, fls. 3, confirmou que o grafismo das faturas emitidas em 2000 é semelhante ao das faturas emitidas em 1999, pelo que não é possível saber-se se as faturas emitidas em 1998 pertencem ao bloco de livros de 1999 ou de 2000.
A instância do mandatário da impugnante referiu que, nos anos inspecionados, a regra é a da faturação trimestral.
No que concerne à fatura n.º 256, de 31/03/2000, a que se alude no capítulo IV.3 confirmou que a mesma se encontrava rasurada e como não era percetível o valor correto, contactou o cliente e verificou que o valor contabilizado era diferente.
Vejamos agora os depoimentos das testemunhas oferecidas pela impugnante.
A testemunha A…, na qualidade de Técnico Oficial de Contas que prestava assessoria à sociedade impugnante, quando questionado sobre a existência de faturas repetidas, referiu que a coincidência se cingia à numeração, divergindo quanto às datas de emissão, valores e respetivos clientes.
Disse que o problema é que usavam as faturas não utilizadas no ano anterior no ano imediatamente seguinte, mas que desse procedimento não resultou qualquer omissão de faturação.
A instância da Fazenda Pública disse que cada livro de faturas tinha 50 faturas, com dois exemplares de cada [original e cópia].
Confrontado com o documento n.º 11 junto com a petição inicial [faturas emitidas com datas de 1998], afirmou que normalmente os serviços eram faturados com uma periodicidade trimestral.
E, face aos documentos n.ºs 13 e 18 juntos com a petição inicial, reconheceu ser estranho que no último trimestre de 1998, a impugnante tenha declarado como base tributável, para efeitos de IVA, um valor igual ao que terá faturado no período compreendido entre julho a dezembro desse ano, o que atribuiu a lapso dos funcionários.
Relativamente às faturas emitidas em 1998 admitiu não saber dizer a que bloco de livros a mesmas pertencem.
Reconheceu ainda que a devolução dos livros de faturas à tipografia não é um procedimento normal, não sabendo quantos livros terão sido devolvidos, quais e quando.
Mais referiu que em termos de procedimento contabilístico não há qualquer diferença em anular uma fatura entregue em mãos ao cliente e uma fatura enviada ao cliente por correio, bastando emitir a respetiva nota de crédito.
Por sua vez, G…, funcionário da tipografia pertencente à sociedade “J…, Lda.”, questionado sobre a declaração emitida pela tipografia, constante do documento n.º 16 junto com a petição inicial, admitiu que não tinha conhecimento direto da situação, mas que se a empresa atesta que procedeu à destruição dos livros é porque assim foi.
A instância da Fazenda Pública referiu ainda que só trabalhou na tipografia até 2000, pelo que não assistiu à entrada de quaisquer livros na tipografia, não sabendo quantos e quais os livros devolvidos, nem em que data o terão sido, o que evidencia que não possuía conhecimento direto e concreto da factualidade.
O Tribunal não valorou positivamente os depoimentos das testemunhas A… e G…, porquanto, os mesmos se revelaram vagos e imprecisos, denotando mesmo algumas incongruências.
Por outro lado, confrontando os depoimentos destas testemunhas com o da Sra. Inspetora, o Tribunal conclui que aqueles não se revelam consentâneos com os factos apurados nos autos, bem como com as regras de experiência.
Com efeito, à luz das regras da experiência, revela-se pouco credível que uma empresa que se dedica à prestação de serviços de contabilidade, desconhecesse que as faturas têm de respeitar uma sequência numérica e cronológica.
Tão pouco se afigura plausível que a impugnante, ignorando as suas obrigações contabilísticas, nomeadamente a obrigação de conservação, em boa ordem, dos livros, registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte durante o período de 10 anos, procedesse à devolução dos livros com numeração repetida à tipografia, em vez de os conservar na sua posse, a fim de serem apresentados à Administração Tributária caso se revelasse necessário.
De facto, consistindo a atividade da impugnante no exercício de “atividades de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal” [cfr. pág. 3 do relatório de inspeção tributária] sobre a mesma recaía um dever acrescido de informação.
A isto acresce que a declaração emitida pela tipografia, utilizando expressões como “provavelmente”, “supostamente” e “eventualmente” revela-se inconclusiva. De facto, o que consta da mencionada declaração é que “uma vez detectado o erro dos livros terão, eventualmente sido devolvidos e provavelmente após a recepção dos mesmos e para que não deixasse dúvidas a ninguém a sua utilização indevida, os mesmos teriam sido supostamente destruídos”, informação manifestamente insuficiente para se inferir que os livros em questão foram efetivamente entregues na tipografia e por esta destruídos.
De resto, tal procedimento é totalmente anómalo, como, aliás, a testemunha A…, na qualidade de técnico oficial de contas que prestava assessoria à sociedade impugnante, acabou por admitir.
Por outro lado, não deixa de causar alguma estranheza o facto de somente em sede de impugnação judicial, a impugnante vir alegar que as faturas n.ºs 1 a 74, consideradas em falta no exercício de 1999, e que, segundo a sua versão, integravam o livro de faturas n.ºs 1 a 100 impressas em 30/06/1998, correspondem afinal às emitidas no exercício de 1998.
Com efeito, se assim era, a impugnante podia e devia ter alegado e demonstrado esse facto em momento anterior perante a Administração Tributária, primeiramente no âmbito do direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção e, posteriormente, no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável. Na verdade, o dever de colaboração a que se encontrava adstrita recomendava que o tivesse feito.
De qualquer modo, apesar de a impugnante referir que as 74 faturas em falta no exercício de 1999 foram emitidas em 1998, o certo é que, face à numeração repetida das faturas e à inexistência de séries devidamente referenciadas, não é possível saber-se a que bloco de faturas essas faturas respeitam.
É de realçar ainda que, se a existência de faturas com numeração repetida se ficou a dever ao facto de terem sido emitidas faturas não utilizadas no ano anterior no exercício imediatamente seguinte, fica por explicar por que razão, por exemplo, no exercício de 2000, uma vez esgotadas as 47 faturas que transitaram do exercício de 1999, a impugnante começou por utilizar a fatura n.º 201, quando as 500 faturas que mandou imprimir tinham os números 101 a 600.
Por último, no que se refere à alegada impossibilidade de anulação das faturas n.ºs 201, 203 e 204, pelo facto de a impugnante não ter na sua posse os originais das faturas emitidas, por terem sido expedidas por correio aos clientes com o objetivo destes procederem ao seu pagamento e devolução para posterior registo nas suas escritas comerciais, para além de não ter sido feita qualquer prova, nomeadamente documental, acerca da remessa por via postal, tal explicação não tem qualquer sustentação, já que o envio da fatura ao cliente não constitui impedimento à anulação da mesma, como, aliás, esclareceu a testemunha A…, técnico oficial de contas da sociedade impugnante.
Em suma, a prova documental e testemunhal produzida nos autos revela-se manifestamente insuficiente para rebater os elementos coligidos pela Administração Tributária no âmbito do procedimento inspetivo para suportar o recurso a métodos indirectos».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A primeira questão colocada pela Recorrente prende-se com a circunstância de o juiz que presidiu à inquirição das testemunhas não ter sido o mesmo que proferiu a decisão de facto, o que inquina a sentença de nulidade.

De facto, analisados os documentos pertinentes dos autos, nomeadamente, a “Acta de Inquirição de Testemunhas” (a fls.216) e a sentença, logo se alcança que a Mma. juiz que presidiu à inquirição não foi aquela que proferiu decisão sobre a matéria de facto incorporada na sentença.

A questão de saber se no processo de impugnação judicial a sentença tem de ser proferida pelo juiz que presidiu à fase instrutória, em conformidade com o princípio da plenitude da assistência do juiz, ou deve ser proferida pelo juiz a quem o processo está distribuído no momento em que ela tem de ser proferida, já foi tratada no Acórdão do STA (Pleno da Secção do CT), de 12/12/2012, proferido no proc.º01152/11, aí se tendo concluído que no contencioso tributário - processo de impugnação - inexiste (…) norma que determine o julgamento da matéria de facto pelo mesmo juiz que presidiu à produção de prova. O princípio da plenitude da assistência do juiz pressupõe a existência de actos de instrução e discussão praticados na audiência final, que em bom rigor não existe no contencioso tributário pois, diversamente do que acontece em processo civil, não há dicotomia entre fase de audiência de julgamento onde são produzidas as provas e a subsunção dos factos ao direito na sentença ou decisão final». E como mais adiante se salienta, «“(…) Porque o juiz que preside à produção da prova pode não vir a ter intervenção na fase da sentença é que o artº118º, nº 2 do CPPT exige que os depoimentos das testemunhas sejam sempre gravados ou, sendo impossível a gravação, reduzidos a escrito. Fica assim assegurado que os mesmos estarão acessíveis ao juiz que profira a decisão sobre a matéria de facto, o qual lhes conferirá o valor probatório que tiver por adequado, no pressuposto de que o legislador não deixou, seguramente, de atender a que o juiz que procede à inquirição das testemunhas registará em acta, de forma tão fiel quanto possível, as declarações prestadas, tendo em atenção que tal é necessário para a valoração dos depoimentos por parte de quem julga a matéria de facto (…)”».

Por razões de economia, remete-se para o exaustivo discurso fundamentador do Acórdão do STA, ao qual aderimos sem reservas, em linha com anteriores decisões deste mesmo tribunal (vd. Ac. do TCAN, de 15/11/2013, tirado no proc.º 00054/05.3BEPRT).
Assim, a circunstância de as diligências de prova, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas, cujo depoimento fique devidamente registado, não terem sido dirigidas pelo juiz que proferiu a sentença, na qual incorporou a decisão sobre a matéria de facto, não constitui nem nulidade da sentença, nem nulidade processual.

Improcede este segmento do recurso.

Sustenta depois a Recorrente que a sentença incorreu em erro na apreciação e valoração da prova testemunhal e documental, devendo integrar a matéria assente os seguintes factos:
i. Com a falta de sequência numérica e cronológica de faturas e documentos equivalentes, bem como com a utilização de faturas com numeração repetida, sem séries devidamente referenciadas, não resultou qualquer prejuízo para a Fazenda Nacional, sendo somente uma irregularidade contabilística;
ii. Os livros com faturas não utilizadas ou emitidas foram todas devolvidas à tipografia para destruição;
iii. Os clientes que não pagavam os serviços prestados passavam em saldo em conta corrente;
iv. Não existem divergências entre as facturas emitidas e os extractos de conta corrente dos clientes.

Como dispõe o n.º4 do art.º607.º do CPC, «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados».

Como assim, a decisão sobre a matéria de facto integrada na sentença (art.º123.º do CPPT) deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.

Ora, relativamente ao ponto i), as consequências emergentes da “falta de sequência numérica e cronológica de facturas e documentos equivalentes”, bem como da “utilização de facturas com numeração repetida, sem séries devidamente referenciadas”, como tratando-se de mera irregularidade contabilística de que não resultou qualquer prejuízo para a Fazenda Pública encerra um juízo jurídico-conclusivo que não pode integrar o acervo factual da sentença.

Quanto ao ponto ii), a prova dos autos, nomeadamente o excerto transcrito do depoimento da testemunha A…, não suporta o facto que a Recorrente pretende ver integrado na matéria assente. O depoimento da testemunha é vago, não especificando as circunstâncias concretas em que os livros de facturas terão sido devolvidos à tipografia, nem resultando do seu depoimento que tal realidade tenha sido por si directamente comprovada; por outro lado, afirma que os livros de facturas devolvidos à tipografia foram por ela destruídos, sem que para tal apresente válida razão de ciência. Mais, feita uma apreciação conjunta das provas, logo sobressai a falta de credibilidade do seu testemunho, pois a própria tipografia declarou no procedimento inspectivo que «uma vez detectado o erro dos livros terão, eventualmente sido devolvidos e provavelmente após a recepção dos mesmos e para que não deixasse dúvidas a ninguém a sua utilização indevida, os mesmos teriam sido supostamente destruídos» (cf. anexo III ao RIT). Num juízo de normalidade e à falta de melhor explicação, não convence a afirmação do TOC da impugnante de que os livros de facturas foram devolvidos à tipografia e aí destruídos quando a própria tipografia não é capaz de afirmar tal facto, nem há outras testemunhas cujo depoimento se revele coerente com o seu.

Quanto ao ponto iii), pretende a impugnante que passe a constar da matéria assente que «os clientes que não pagavam os serviços prestados passavam em saldo em conta corrente».

Embora o TOC da impugnante, A…, tal afirme no seu depoimento, a verdade é que o mesmo não está acompanhado de quaisquer elementos de prova documental, nomeadamente, as facturas emitidas, ainda que reportadas a anos anteriores aos inspeccionados, representativas dos serviços prestados e não pagos que justifiquem as diferenças de valores constatadas pela inspecção tributária entre as facturas emitidas em 1999 e 2000 e os extractos de conta corrente dos clientes. E na falta desses elementos documentais, o depoimento do TOC per se apresenta-se insuficiente para formar a convicção do tribunal (cf. art.º5.º da resposta ao projecto de conclusões do relatório, a fls.16 do PA).

Quanto ao ponto iv), pretende a impugnante seja levado ao probatório que «não existem divergências entre as facturas emitidas e os extractos de conta corrente dos clientes». Confrontadas as três facturas que indica e constituem os anexos 10, 11 e 12 à petição inicial, constata-se que duas delas, as emitidas em 31/12/1998, respectivamente, a Luciano Hélder Gaspar Gomes e Augusto Ferreira, mencionam o valor (c/ IVA) de 70.200$00, que corresponde à diferença de valores detectada pela AT na conta corrente desses clientes em 1999 e 2000, face à inexistente facturação desses anos (cf. mapas constantes do RIT, a fls.6 do PA).

No entanto, seguindo o raciocínio da Recorrente, se tais facturas, emitidas embora em 31/12/1998, só foram registadas na conta corrente dos clientes na altura do pagamento (cf. art.º5.º da resposta ao projecto de conclusões do relatório, a fls.16 do PA), em 1999 ou 2000, então, a prova consistente e decisiva do que diz passava por acompanhar tais facturas dos respectivos documentos de quitação ou meios de pagamento, que esses hão-de estar necessariamente reportados ao ano do lançamento na conta corrente.

Faltando esses decisivos instrumentos de prova, a apresentação de duas facturas cujo montante mencionado corresponde à diferença de valores apurada na conta corrente dos clientes nos anos inspeccionados de 1999 e 2000 face à inexistente facturação desses anos, não resulta convincente quanto à realidade que se pretende comprovar, ou seja, de que todos os lançamentos na conta corrente dos clientes estão suportados em factura, ainda que não emitida naqueles mesmos anos.

Com efeito, no contexto da factualidade descrita no RIT quanto à irregularidade da facturação emitida pela impugnante (cf. ponto IV-1 do RIT), a prova efectuada não permite descartar a hipótese de uma reconstituição “a posteriori” da facturação em função dos lançamentos da conta corrente.

Ou seja, também quanto a este último ponto, a prova dos autos não suporta o facto que a Recorrente pretende ver integrado na matéria assente.

Improcede o alegado erro de julgamento de facto. E assim sendo, é com o probatório da sentença que temos de avançar na apreciação das demais questões suscitadas.

Suscita a Recorrente a questão da falta de fundamentação do recurso a métodos indirectos.

De harmonia com o disposto no artigo 77.º, nº1 da Lei Geral Tributária a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

A jurisprudência e a doutrina têm também consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. (vd., neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no “Código de Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado”, de Santos Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, págs. 396 e segs.).

Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Como ficou dito no Acórdão do STA de 11/12/2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».

Por outro lado, e como também foi sublinhado no Acórdão daquele alto tribunal de 10/09/2014, recurso 1226/13, «não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. Com efeito, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.»

Na tributação por métodos indirectos, a lei exige especiais requisitos de fundamentação no n.º4 do art.º77.º da LGT, sendo por eles que se afere o cumprimento do dever de fundamentar e atendendo aos fins visados pelo especial dever de fundamentação.

Dispõe o referido preceito no segmento pertinente que “a decisão de tributação por métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (…) e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável”.

No caso dos autos, uma leitura atenta do relatório de inspecção tributária logo põe à evidência que são descritas as razões factuais (“…foram impressos livros com a mesma numeração (n.ºs 1 a 250). Porém, relativamente a estes livros cuja numeração é repetida, algumas facturas não aparecem nem contabilizadas nem anuladas”) e jurídicas (artigos 87.º alínea b) e 88.º, alínea d), da LGT), para o recurso à tributação por métodos indirectos e bem assim enunciados os critérios utilizados no cálculo da matéria tributável (número de facturas com numeração repetida não contabilizadas nem anuladas pelo sujeito passivo a multiplicar pelo valor médio das facturas emitidas e anuladas pelo sujeito passivo – cf. ponto V do RIT), de modo claro e acessível a um destinatário normal.

Ou seja, a base fundamentadora do acto correctivo preenche os requisitos especiais de fundamentação exigidos pelo n.º4 do art.º77.º da LGT, pelo que o acto impugnado não padece do invocado vício de falta de fundamentação, improcedendo este segmento do recurso.

Questão diversa, também suscitada pela Recorrente, prende-se com a correcção dos fundamentos invocados pela AT para o recurso a métodos indirectos, o que se passa a analisar de seguida.

Estabelece o n.º1 do artº75.º da LGT (redacção vigente ao tempo dos factos), que «Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal».
Dispõe o n.º2 daquele preceito que cessa a presunção de veracidade, nomeadamente e nos termos da sua alínea a), quando «as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo».

Vertendo aos autos, as situações descritas no RIT de repetição na numeração das facturas impressas, de diferenças de valores entre as facturas emitidas e os extractos de conta corrente dos clientes, bem como a existência de documentos com rasuras reflectindo valores que não conciliam com os encontrados na contabilidade do cliente, constituem anomalias subsumíveis naquela alínea a) do n.º2 do art.º75.º da LGT, fazendo cessar a presunção de verdade declarativa e contabilística do contribuinte.

No entanto, nem todas as anomalias detectadas na declaração e contabilidade determinam o recurso ao método indirecto de avaliação, pois este tem carácter subsidiário (art.º85.º, n.º1, da LGT), só podendo ter lugar numa das situações tipificadas nas alíneas a) a e) do art.º87.º da LGT, prevendo a alínea a) como uma dessas situações «a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto».

E como determina o art.º88.º da LGT, «A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
(…)
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada».

No caso em apreço, refere a AT a existência de repetição na numeração das facturas impressas tipograficamente (n.ºs 1 a 250).

E que relativamente a estes livros de facturas que apresentam numeração repetida, algumas facturas não aparecem nem contabilizadas, nem anuladas.

Por outro lado, tais livros de facturas impressas com numeração repetida em falta na contabilidade não foram exibidos pelo sujeito passivo, alegando este que tinham sido devolvidos para destruição à tipografia que os imprimiu, facto que a tipografia não foi capaz de confirmar, apenas referindo em declaração escrita no procedimento que «os livros terão eventualmente sido devolvidos pelo sujeito passivo à tipografia, os quais terão sido supostamente destruídos».

Todavia e como a AT também não deixa de referir, constatou-se a utilização de facturas dos livros alegadamente devolvidos e destruídos, havendo facturas repetidas, isto é, com o mesmo número, mas datas, valores e beneficiários destintos.

Impõe-se, aqui, analisar separadamente os exercícios inspeccionados de 1999 e 2000. Na verdade, convém lembrar, as anomalias da contabilidade reportadas a um exercício não prejudicam a fiabilidade dos dados decorrentes de outros exercícios, anteriores ou posteriores.

Ora, tal como salienta a Recorrente, com relação ao exercício de 1999, o percurso intelectual seguido pela AT apresenta um incontornável vício de raciocínio, qual o de ter assumido, sem qualquer base factual, que as facturas com numeração repetida de 1 a 74 e impressas em 30/06/1998 não tinham sido utilizadas e registadas no próprio ano de 1998, tendo transitado para o ano de 1999.

Na verdade, de que base sólida partiu a AT para tal concluir, não ressuma da fundamentação do acto. E na eventualidade daquelas 74 facturas terem sido utilizadas pelo sujeito passivo em 1998, o que à AT competia apurar enquanto pressuposto factual do recurso a métodos indirectos, todo o raciocínio seguido na utilização de métodos indirectos cai por terra, pois necessariamente não existiriam as tais facturas repetidas de 1 a 74 que pudessem ser contabilizadas em 1999 e que estão na base da presumida quantificação.

Assim, e relativamente ao exercício de 1999, a decisão de recurso a métodos indirectos não está solidamente apoiada, não assenta em indicadores sérios e credíveis que comprometam a avaliação directa, o que torna ilegítimo o recurso a esse método de avaliação e inquina de ilegalidade a subsequente liquidação desse ano.

Acresce dizer que as diferenças de valores entre as facturas emitidas e os extractos de conta corrente de clientes, outra situação que a AT refere no ponto IV do RIT para justificar o recurso a métodos indirectos, estando em causa um sujeito passivo registado no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA, só comprometeria a quantificação directa e exacta desse imposto, pois se desconheceria qual o período trimestral de tributação (1.ºT, 2.ºT…) onde imputar tais diferenças, o que, porém, não sucede no caso do IRC, imposto em causa nos autos.

Com relação ao exercício de 2000, a verdade é que tendo sido impressas nesse ano (em 03/02/2000) facturas com numeração de 101 a 600, e apenas emitidas pelo sujeito passivo as facturas números 201, 203 e 204 e a partir de 251, fica por comprovar o destino das facturas com numeração repetida de 101 a 200, 202, 205 a 250.

Não logrando a impugnante fazer prova do destino dado aos livros de facturas cuja numeração é repetida e não constam da contabilidade, nem foram anuladas, mostra-se legítimo o recurso a métodos indirectos, assumindo-se que titularam proveitos não registados contabilisticamente. E a ser assim, obviamente que fica arredada a possibilidade de comprovação e quantificação directa (isto é, com base nos elementos de contabilidade), da matéria tributável representada por tais facturas em falta, ficando preenchida, logo por este fundamento, a condição da alínea b) do art.º87.º da LGT.

Assim, a decisão de recurso a métodos indirectos, com relação ao exercício de 2000, encontra-se materialmente suportada em factos concretos, sendo que a impugnante não logrou infirmar os pressupostos factuais em que assentou o recurso a esse método de avaliação da matéria tributável.

Dispõe o artº74º, nº 3 da LGT, que «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação».

Tendo a AT cumprido o ónus probatório que sobre si impendia de demonstrar a verificação dos pressupostos da avaliação indirecta, vejamos se a impugnante, ora Recorrente, logrou fazer a prova do excesso de quantificação que alega com relação ao exercício de 2000.

O critério de quantificação escolhido pela AT para o exercício de 2000 consistiu na determinação do número de facturas impressas com numeração repetida de 101 a 250 omitidas à contabilidade que calculou em 147, atendendo a que aparecem repetidas na contabilidade as facturas números 201, 203 e 204 (facturas de ambas as séries). A partir daí, partindo do valor médio das facturas emitidas e anuladas, achou o valor das 147 facturas em falta.

Não logrando a impugnante provar o destino que deu às facturas impressas com numeração repetida que não contabilizou, nem anulou, o alegado erro ou excesso de quantificação não encontra qualquer suporte objectivo na matéria assente.

O que significa que a impugnante não se desincumbiu do ónus probatório que sobre si impendia na demonstração do excesso de quantificação (art.º74.º, n.º3, da LGT), não procedendo por este fundamento a sua pretensão anulatória da liquidação impugnada relativa ao exercício de 2000.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
i. Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que validou as correcções de IRC do ano de 1999;
ii. Julgar procedente a impugnação judicial quanto ao exercício de 1999, anulando a liquidação de IRC desse ano;
iii. No mais, negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente na proporção decaimento.
Porto, 13 de Julho de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro