Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01216/20.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR. “PERICULUM IN MORA”
Sumário:I – O “periculum in mora” que poderá justificar a concessão de providência cautelar tem de encontrar sustento em factos concretos que gerem um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:Ordem dos Advogados
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, secção do contencioso administrativo:

J. (Rua (…), (…)) interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF do Porto, em processo cautelar intentado contra Ordem dos Advogados (Largo de (…), (…)), face a despacho de 11/01/2020 que recusou nomeação de patrono.

O recorrente dá em conclusões:

1. O presente recurso é interposto da sentença de fls. que considerou que não existia periculum in mora para a concessão da tutela cautelar e, consequentemente, indeferiu o pedido.
2. Nos presentes autos está em causa a apreciação do despacho de recusa de nomeação de patrono pelo Recorrido ao Recorrente.
3. Na sua pi, o recorrente alegou que sem a nomeação de patrono não pode interpor a respectiva acção de responsabilidade civil, e, como tal, não pode exercer o seu direito constitucional de acesso à justiça.
4. Para fundamentar o preenchimento do requisito periculum in mora, o recorrente alegou que é do conhecimento geral que a duração média de um processo no Tribunal Administrativo é de 5 a 6 anos, sendo a duração média global da lide de 10 anos.
5. Assim sendo e face ao prazo de prescrição do direito do Recorrente na acção de responsabilidade extracontratual a intentar contra M. ( de 3 ou na melhor das hipótese de 5 anos – artigo 498º C.C.), é evidente que a demora do processo judicial provocará um prejuízo de difícil reparação, dado que vedará ao aqui Requerente a possibilidade de obter uma decisão condenatória contra M..
6. Sucede que o tribunal a quo considerou que o alegado risco de prescrição decorrente da demora da decisão não se verifica face ao disposto no n.º 4 do artigo 33 da Lei 34/2004.
7. Essa norma refere que “ A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”, contudo a prescrição só se interrompe com a citação da Ré e não com a propositura da acção.
8. O artigo 323º do CC estabelece que “ A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
9. O Recorrente alegou ainda que mesmo que não se verificasse a excepção de prescrição, que este seria prejudicado dado que face ao tempo decorrido ( no processo principal) a sua prova, nomeadamente a prova testemunhal, ficaria afectada.
10. O decurso do tempo é inimigo da memória, o que dificulta ou mesmo impossibilita o recurso à prova testemunhal.
11. Contudo o tribunal entendeu que essa alegação constitui um simples juízo conclusivo, sem qualquer fundamento fáctico. Ora, é do conhecimento geral que o decurso do tempo é inimigo da memória, pelo que nos termos do artigo 412º CPC esse facto não carece de alegação nem de prova.
12. Face ao exposto a sentença recorrida sofre do vício de erro de julgamento de direito, uma vez que viola o disposto no artigo 120º CPTA, artigo 323º do CC e artigo 412º do CPC.

A recorrida não apresentou contra-alegações.
*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
*
Com legal dispensa de vistos, cumpre decidir.
*
Os factos, julgados indiciariamente provados:
1. O Requerente solicitou junto da Segurança Social apoio jurídico na modalidade de dispensa de taxas de justiça e demais encargos bem como nomeação de patrono;
2. O apoio foi deferido, tendo sido nomeado patrono pela Entidade Requerida – cf. documento n.º 1, junto com o requerimento inicial;
3. A patrona nomeada requereu escusa, com fundamento na inviabilidade da pretensão;
4. Por despacho de 29.06.2017 do vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a recusa foi deferida e ordenada, por cautela, a nomeação de novo advogado – cf. documento n.º 2, junto com o requerimento inicial;
5. O novo patrono nomeado requereu escusa, com fundamento na inviabilidade da pretensão, tendo em conta que o Requerente pretendia propor ação cível contra uma pessoa contra quem tinha apresentado queixa crime pelo facto de ter prestado falso testemunho – cf. documento n.º 3, junto com o requerimento inicial;
6. Por despacho de 18.12.2019 do vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, a recusa foi deferida e ponderada a recusa de nova nomeação de advogado, assim como ordenada a notificação do Requerente para se pronunciar, no prazo de 10 (dez) dias – cf. documento n.º 3, junto com o requerimento inicial;
7. O Requerente pronunciou-se sobre o despacho referido no ponto anterior – cf. documento n.º 4, junto com o requerimento inicial;
8. Por despacho de 11.01.2020 do vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados foi recusada a nomeação de novo advogado, nos termos do art.º 34º, n.º 5, da LPJ, com remissão para os fundamentos do despacho referido no ponto 6) – cf. documento n.º 5, junto com o requerimento inicial.
*
A apelação
O artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2/10, dispõe:

Artigo 120.º
Critérios de decisão
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

O tribunal “a quo” efectuou um enquadramento geral de critério para a decisão, e ponderou quanto ao particular caso:
«(…)
Descendo aos autos, perscrutando o requerimento inicial, constata-se que o Requerente fundamenta a verificação do requisito em análise com o receio da produção de prejuízos de difícil reparação, concretamente decorrentes do decurso do prazo de prescrição do direito que pretende fazer valer na ação a propor e na dificuldade no recurso à prova testemunhal, pelo mero decurso do tempo.
Segundo alega, pretende o Requerente a nomeação de novo patrono para intentar uma ação de responsabilidade civil, por um terceiro ter proferido falsas declarações no âmbito de um processo de inquérito. Assim sendo, pretende o Requerente com a referida ação o ressarcimento dos eventuais danos decorrentes desse comportamento alegadamente ilícito.
Significa, portanto, que os eventuais prejuízos decorrentes da demora normal da ação principal são os resultantes da impossibilidade de vir a exercer o direito indemnizatório por, entretanto, à data de uma eventual decisão de procedência, ter decorrido o prazo de prescrição para o respetivo exercício.
Acontece que o alegado risco de prescrição decorrente da demora da decisão da ação principal não se verifica, atento ao disposto no n.º 4 do art.º 33º da Lei n.º 34/2004, de 29.07 (lei do acesso ao direito e aos tribunais), segundo o qual a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
Pelo que, se à data em que o Requerente apresentou o pedido de nomeação de patrono o direito à reparação dos danos ainda não se encontrava prescrito, sempre o poderá exercer após eventual decisão de procedência da ação principal (cf. art.º 323º, n.º 1, do Código Civil).
Por outro lado, a alegação da dificuldade de produção de prova testemunhal decorrente do mero decurso do tempo constitui um simples juízo conclusivo, sem qualquer fundamento fático, sendo manifesta a sua insuficiência para dar por preenchido o requisito ora em análise.
Assim sendo, não tendo o Requerente alegado, como lhe competia, factos suscetíveis de fundamentar o preenchimento deste requisito, não pode o mesmo considerar-se verificado.
Inexistindo periculum in mora, por serem cumulativos os requisitos para a concessão da tutela cautelar, impõe-se a improcedência do peticionado.
(…)»

A decisão recorrida julgou não verificado o requisito do periculum in mora.

A motivação que sustenta a discordância do recorrente sintetiza-se assim:
i) - há perigo de prescrição do direito que pretende efectivar na acção de responsabilidade civil a intentar (a que serve o pedido de nomeação);
ii) - há perigo de prejuízo para a prova testemunhal.

Quanto ao primeiro ponto, não obstante a observação feita na sentença de que “atento ao disposto no n.º 4 do art.º 33º da Lei n.º 34/2004, de 29.07 (lei do acesso ao direito e aos tribunais), segundo o qual a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”, o recorrente não a tem como bastante; não convoca qualquer tese restritiva que afaste repercussão de efeitos no instituto da prescrição; o que esgrime que é que a prescrição só se interrompe nos termos gerais com a citação da Ré (art.º 323º, nº 1, do CC) e não (apenas) com a propositura da acção; o risco ocorreria porque não operaria a interrupção da prescrição, por falta de citação; contudo, ainda assim, nesses mesmos termos gerais, olvida o artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, o qual refere que “se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”; pelo que, atendendo à ficção da propositura da acção, e seguindo pelo trilho do recorrente, caminhando mais à frente, o próprio terá de concluir que o risco é afinal (e) simplesmente inexistente.

Quanto ao segundo ponto, objectando o recorrente que para a prova testemunhal “o decurso do tempo é inimigo da memória”, certo é que essa é uma alegação abstracta e geral para todo o trem de vida, e/mas nem por isso em absoluto para todos os indivíduos, sem resultar no caso um concreto compromisso para a serventia dessa prova, quando até nem sequer se sabe a que particular préstimo de matéria factual; de todo o modo, o sistema admite a convivência de semelhante “perigo”, só o esconjurando quando elevando tutela em autónomo e tipificado remédio processual, e nas suas particulares condições.
O “fundado receio” que norteia a concessão das providências cautelares está ausente.
Assim, e sendo ainda certo que “Os requisitos previstos na lei para a concessão da suspensão da eficácia do acto (artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015) são cumulativos, pelo que basta não se verificar um para se julgar o pedido improcedente, com prejuízo do conhecimento dos demais” (Ac. deste TCAN, de 13-01-2017, proc. nº 01378/16.0BEPRT), resulta confirmação do decidido.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
*
Custas: pelo recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário).
*
Porto, 16 de Outubro de 2020.


Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Nuno Coutinho