Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02272/10.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/15/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
GERÊNCIA DE FACTO.
CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO.
REVERSÃO.
CERTIDÃO DE DÍVIDA.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
III) Tal significa, de forma decisiva, que o probatório comporta um conjunto de elementos, relacionados com os documentos apresentados pela Recorrente que permitem apreender que o ora Recorrido praticou actos em representação da sociedade originária devedora, nomeadamente os que ficaram descritos no probatório, situação que permite estabelecer, como se disse, um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrido na vida da sociedade, o que significa que tem de entender-se que ficou demonstrada a prática por parte do ora Recorrido de actos em representação da sociedade, como forma típica de assegurar o giro comercial da mesma.
IV) Diga-se ainda que tais elementos são suficientes para afirmar a prática de actos de gerência, tendo presente o que ficou dito sobre o exercício da gerência, além de que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.
V) O facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente, o que significa que incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, temos que o probatório não contempla matéria susceptível de permitir uma percepção da realidade em termos de se afirmar que o oponente não é responsável pela falta de pagamento da liquidação que constitui a dívida exequenda, sendo que se trata de um elemento, que teria de explicitado e desenvolvido em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito.
VI) O instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título, o que implica que o legislador só consagrou o instituto da reversão na execução fiscal, como alteração subjectiva da instância executiva, para possibilitar que, por essa via, se cobrem, no mesmo processo executivo, as dívidas de impostos, mesmo de quem não ocupa, inicialmente, a posição passiva na execução, por não figurar no título executivo. O que se justifica em atenção à natureza da dívida e aos interesses colectivos em jogo (o legislador concebeu a execução fiscal como um meio mais expedito e célere do que a execução comum, visando a cobrança coerciva das dívidas fiscais), e à certeza e liquidez destas dívidas, atributos que não adornam, necessariamente, as dívidas não tributárias, de modo que, a questão suscitada pelo Oponente não pode colher abrigo neste domínio, visando o mecanismo da reversão permitir o desenvolvimento do processo de execução fiscal, mesmo contra quem não ocupa, inicialmente, a posição passiva na execução, por não figurar no título executivo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:D...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 28-02-2014, que julgou procedente a pretensão deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO por D..., com referência à execução originariamente instaurada contra a sociedade “S... - Sociedade Imobiliária, Lda.”, e contra si revertida, por dívidas de IRC relativas aos anos de 2006 e 2007, no montante total de € 35.187,10.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 132-140), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida contra o processo de execução fiscal com o nº 1783200701041339 e apensos (PEF), que se encontra pendente no Serviço de Finanças de Gondomar 1, instaurado por dívidas relativas a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos exercícios de 2006 e 2007, no montante total de € 35.187,10, em que é executada a devedora originária “S... – Sociedade Imobiliária, Lda, em liquidação”, NIPC 5…, no qual foi efetuada a reversão contra o oponente, D....
B. A douta sentença de que se recorre, concluiu pela procedência daquela oposição, analisando unicamente o alegado vício de ilegitimidade do oponente pela ausência de gerência de facto, esteando a sua fundamentação no facto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ter efetuado a reversão contra o ora oponente com base numa presunção da gerência de direito, incumbindo-lhe a demonstração da efetiva gerência por parte do oponente, o que não logrou fazer.
C. Assim, conclui a sentença que, “o Oponente não pode ser responsabilizado pelas referidas dívidas exequendas, por não vir demonstrado ter exercido de facto a gerência de facto da sociedade executada originária no período das dívidas exequendas”:
D. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, por erro de julgamento de facto na ponderação dos elementos carreados para os autos, a ponto de tais deficiências afetarem o valor substancial da sentença e determinarem a sua revogação no recurso sub judice.
E. Com efeito, o Tribunal formou a sua convicção tendo como pressuposto que eram sócios da executada originária o ora oponente, conjuntamente com os sócios Da... e Dam...(alínea D) do probatório), que a declaração de alterações apresentada em 23/06/1999 no serviço de finanças de Gondomar foi assinada por Da... (alínea E) do probatório), e que a sociedade originária obrigava-se com a intervenção de apenas dois dos gerentes e está afeta a ambos os sócios (alínea F) do probatório).
F. Ora, se bem entendemos a confrontação da matéria dada como provada com a fundamentação expendida na douta sentença ora recorrida, o Tribunal concluiu pela falta de prova da AT quanto à gerência de facto do oponente, uma vez que a declaração de alterações foi assinada por Da... e que a sociedade obrigava-se apenas com a assinatura de dois gerentes.
G. A Fazenda Pública discorda do julgamento que na sentença recorrida foi feito no âmbito da matéria de facto, por não partir de uma completa enunciação e nem da adequada apreciação de todos os factos comprovados no processo com relevo para a decisão da causa.
H. Por isso, o probatório enunciado pela sentença recorrida não contém todos os pertinentes factos provados no processo, tanto para aferir da verificação dos pressupostos da responsabilização subsidiária do oponente, designadamente a sua legitimidade pelo exercício efetivo da gerência da executada originária no período a que respeitam as dívidas ora discutidas, como para efeito de um adequado exame crítico das provas documentadas nos autos dos demais factos relevantes, exame a realizar tanto no âmbito da própria sentença recorrida como para sua cabal reapreciação em sede de recurso, pelo que dever-se-á, antes de mais, acrescentar ao probatório os factos supra indicados na exposição, nos termos do nº1 do art. 662º do CPC.
I. Posto isto, cumpre registar que tem sido entendimento doutrinal e jurisprudencial que, não explicitando a lei que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam atos de disposição ou de administração, de acordo com o objeto social da sociedade, em nome e representação desta, vinculando-a perante terceiros, atentos os contornos normativos que dela é feita nos art.s 252º, 259º, 260º e 261º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), e que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, praticando atos que produzem efeitos na esfera jurídica desta e não na sua própria, que vinculam a sociedade, em atos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade, conforme estipula o art. 206º, nº 4, do C.S.C. (cfr. entre muitos outros, os ac. do TCA Sul de 11.03.2003, proc. 7384/02, e de 06.10.2009, proc. 3336/09, de cuja fundamentação, com cabimento na situação presente, a Fazenda Pública, data venia, se serviu na elaboração destas alegações).
J. E sendo certo que a lei não exige que os gerentes exerçam uma administração continuada para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, apenas exigindo que eles pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto, releva o exercício efetivo do cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a esse aspeto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade.
K. Deste modo, ressalvando o respeito devido, e sem prejuízo de melhor opinião, ao contrário do decidido na sentença recorrida, parece irrefutável que o oponente, ao agir em representação da executada originária nos contratos acima descritos (constituição de propriedade horizontal de dois prédios e contrato de compra e venda de prédio urbano), ao requerer em nome da executada originária, como sócio gerente daquela, citações junto do Serviço de Finanças e, ao declarar que apenas a partir de 20/07/2010 renunciava à gerência, praticou atos próprios de quem geria, de facto, a executada originária, atos que vinculavam a sociedade perante terceiros.
L. E perante esta factualidade dada como provada, não restam dúvidas quanto à legitimidade do ora oponente na presente reversão.
M. A sentença recorrida decidiu, então, incoerentemente ou mesmo contra os factos que resultam apurados no processo, nos termos expostos, incorrendo em erro de julgamento de facto, devendo ser revogada com as legais consequências.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 148 a 151 dos autos, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto e ainda em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceu a dívida exequenda que subsiste nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento da mesma.



3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A). Pelo serviço de finanças de Gondomar 1 foi instaurado o processo de execução fiscal nº 1783200701041339 e aps., contra “S... Sociedade Imobiliária” para cobrança de dívidas de IRC aos anos de 2006 e 2007 cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 2007 e 2008 respectivamente, no montante total de €35.187,10, cf. fls. 25 dos autos.
B). Por despacho de 08/06/2010 foi ordenada a reversão da referida execução contra o aqui Oponente, cf. fls. 36 dos autos.
C). Em 25/06/2010 o Oponente foi citado no processo de execução fiscal a que se reportam os presentes autos, cf. fls. 38 e 38 verso dos autos;
D). Desde 1992, ano da constituição da sociedade executada originária S... - Sociedade de Imobiliária, Lda., que o aqui Oponente, D..., Dam… e Da... são seus sócios, cf. fls. 39 a 41 dos autos.
E). A declaração de alterações apresentada em 23/06/1999 ao serviço de finanças de Gondomar foi assinada por Da..., cf. fls. 43 dos autos e por comparação de assinaturas constantes dos autos.
F). A sociedade executada originária obriga-se com a intervenção de apenas dois dos gerentes e está afecta a ambos os sócios, cf. fls. 39 a 41 dos autos.
G). Em 10/08/2009 o sócio gerente Da... renunciou à gerência, cf. fls. 39 a 41 dos autos.
H). A presente oposição deu entrada em 26/07/2010, no serviço de finanças competente, cf. fls. 6 dos autos.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem outros factos provados ou não provados nos autos.
O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos os quais não foram impugnados.
A instauração da execução contra a sociedade, posterior reversão e a altura a que se reportam as contribuições, constituem factos de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do art. 514° C.P.C.”
«»
3.2. DE DIREITO
Na matéria das suas conclusões do recurso, a recorrente refere que a douta sentença recorrida enferma de insuficiência, quanto à decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa.
Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da recorrente, dever-se-á acrescentar ao probatório, nos termos do art. 662º, n.º 1 do CPC, a fim de dele constar adicionalmente outra matéria que se afigura relevante para a decisão do presente recurso, os seguintes factos:
E - 1). A declaração de alterações apresentada em 23/06/1999 ao serviço de finanças de Gondomar foi assinada por Da..., cf. Fls. 43 dos autos e por comparação de assinaturas constantes dos autos.
E - 2). Requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar 1, com data de 22/07/2010, apresentado em nome da executada originária, em que D..., na qualidade de sócio-gerente requer a segunda via da citação n.º 1783200901002155 e citação n.º 1783200701041339, relativas a dívidas de cobrança coerciva no montante de 1.048,79 € e 35.187,10€ respetivamente (fls. 44 do PEF).
E - 3). Foi constituída propriedade horizontal de um prédio urbano edificado e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número 02... da freguesia de Fânzeres, contendo um documento complementar, prédio urbano pertencente à executada originária em que D... e Dam… agiram em representação da executada originária (fls. 45 a 50 verso do PEF);
E - 4). Foi constituída propriedade horizontal de um prédio urbano edificado e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número 02354/250297 da freguesia de Fânzeres, contendo um documento complementar, prédio urbano pertencente à executada originária em que D... e Dam… agiram em representação da executada originária (fls. 51 a 56 verso do PEF).
E - 5). Foi celebrado contrato de compra e venda entre V… e esposa e, L… e esposa, agindo como vendedores e “S... - Sociedade Imobiliária, Lda”, como compradora da parcela de terreno destinada a construção com a área de 1840 m2, constituindo o lote número nove do loteamento sito no lugar…, freguesia de Fânzeres, cujas assinaturas dos representantes da sociedade compradora são de D... e Dam... (fls. 57 a 59 do PEF).
G - 1). Em 10/08/2009 o sócio gerente Da... renunciou à gerência, cf. Fls. 39 a 41 dos autos.
G - 2). Em 21/06/2010, o sócio D... renunciou à gerência com efeitos a partir de 20/07/2010, cf. Doc. n.º 3 anexo à douta p.i..

E efectivamente, compulsada a documentação referida pela Recorrente (v. supra) - não sujeita a qualquer impugnação -, e considerando a natureza da prova a efectuar neste domínio e quanto a estes factos, mostrando-se procedente o recurso nesta parte, com ressalva do exposto em E.1 e G.1 que alude a matéria já vertida no probatório, determina-se o aditamento à matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo em conformidade, de acordo com o disposto no art. 712º nº 1 do C. Proc. Civil (actual art. 662º) dos seguintes factos:

I) Com data de 22-07-2010, foi entregue requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar 1, apresentado em nome da executada originária, em que D..., na qualidade de sócio-gerente requer a segunda via da citação n.º 1783200901002155 e citação n.º 1783200701041339, relativas a dívidas de cobrança coerciva no montante de 1.048,79 € e 35.187,10€ respectivamente (fls. 47 destes autos).
J) Por escritura datada de 29 de Março de 2001 foi constituída propriedade horizontal de um prédio urbano edificado e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número 02... da freguesia de Fânzeres, contendo um documento complementar, prédio urbano pertencente à executada originária em que D... e Dam... agiram em representação da executada originária (fls. 48 a 53 destes autos).
K) Por escritura datada de 29 de Março de 2001 foi constituída propriedade horizontal de um prédio urbano edificado e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número 02354/250297 da freguesia de Fânzeres, contendo um documento complementar, prédio urbano pertencente à executada originária em que D... e Dam... agiram em representação da executada originária (fls. 54 a 59 destes autos).
L) Por escritura datada de 25 de Janeiro de 2000 foi celebrado contrato de compra e venda entre V… e esposa e, L… e esposa, agindo como vendedores e “S... - Sociedade Imobiliária, Lda”, como compradora da parcela de terreno destinada a construção com a área de 1840 m2, constituindo o lote número nove do loteamento sito no lugar …, freguesia de Fânzeres, cujas assinaturas dos representantes da sociedade compradora são de D... e Dam... (fls. 60 a 62 destes autos).
M) Em 21/06/2010, o sócio D... renunciou à gerência com efeitos a partir de 20/07/2010, cf. Doc. n.º 3 anexo à douta p.i. (fls. 17 destes autos).

A partir daqui, cumpre entrar na análise da matéria essencial do presente recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, a questão sucitada pela Recorrente resume-se, em suma, em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.


Na sentença recorrida foi entendido que:
“…
Face ao exposto, não pode sustentar-se que, dada como assente a gerência de direito, o Oponente, tenha que fazer qualquer prova no sentido de demonstrar que não exerceu a administração efectiva e de facto e que, não o logrando, a oposição deve ser decidida contra ele.
Pelo contrário, é sobre a Fazenda Publica que recai o ónus de demonstrar que, o gerente/administrador de direito, contra quem reverteu a execução fiscal, exerceu de facto tais funções. Tanto mais que, no caso dos autos, a gerência apenas obrigava a assinatura de dois dos três gerentes (pelo menos até 2009), conforme está plasmado no probatório.
Assim, o Oponente não pode ser responsabilizado pelas referidas dividas exequendas, por não vir demonstrado ter exercido de facto a gerência de facto da sociedade executada originária no período das dívidas exequendas. …”.

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo a dívida exequenda proveniente de IVA de 2002, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

Antes de avançar, crê-se pertinente aludir ao exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.

Ora, como se colhe do aresto agora descrito, que traduz jurisprudência do Pleno do S.T.A., não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então no desenvolvimento do processo de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.

A partir daqui, resulta claro que a decisão recorrida faz uma leitura redutora da situação em apreço, tendo até em atenção o exposto pelo ora Recorrido que no art. 55º da petição inicial refere que “Ainda que o prazo legal de pagamento das dívidas tenha terminado durante a gerência do alegado responsável subsidiário …” e bem assim o teor do doc. nº 3 junto com a petição que titula a declaração de renúncia ao cargo de gerente da sociedade devedora originária, elementos que inculcam uma ideia diferente da proposta pelo Oponente quanto ao exercício efectivo do cargo.
Como quer que seja, não se olvida a jurisprudência afirmada neste domínio, da qual resulta que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência, não podendo no entanto aceitar-se que o facto de o despacho de reversão não ser particularmente exuberante neste domínio, tal impede a sua posterior discussão, pois que, como se referiu, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.

A partir daqui, considerando a realidade vertida no probatório, é ponto assente que desde 1992, ano da constituição da sociedade executada originária S... - Sociedade de Imobiliária, Lda., que o aqui Oponente, D..., Dam... e Da... são seus sócios, sendo que a sociedade executada originária obriga-se com a intervenção de apenas dois dos gerentes e está afecta a todos os sócios.
Por outro lado, o probatório contempla agora que:
“I) Com data de 22-07-2010, foi entregue requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar 1, apresentado em nome da executada originária, em que D..., na qualidade de sócio-gerente requer a segunda via da citação n.º 1783200901002155 e citação n.º 1783200701041339, relativas a dívidas de cobrança coerciva no montante de 1.048,79 € e 35.187,10€ respectivamente (fls. 47 destes autos).
J) Por escritura datada de 29 de Março de 2001 foi constituída propriedade horizontal de um prédio urbano edificado e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número 02... da freguesia de Fânzeres, contendo um documento complementar, prédio urbano pertencente à executada originária em que D... e Dam... agiram em representação da executada originária (fls. 48 a 53 destes autos).
K) Por escritura datada de 29 de Março de 2001 foi constituída propriedade horizontal de um prédio urbano edificado e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número 02…da freguesia de Fânzeres, contendo um documento complementar, prédio urbano pertencente à executada originária em que D... e Dam... agiram em representação da executada originária (fls. 54 a 59 destes autos).
L) Por escritura datada de 25 de Janeiro de 2000 foi celebrado contrato de compra e venda entre V… e esposa e, L… e esposa, agindo como vendedores e “S... - Sociedade Imobiliária, Lda”, como compradora da parcela de terreno destinada a construção com a área de 1840 m2, constituindo o lote número nove do loteamento sito no lugar…, freguesia de Fânzeres, cujas assinaturas dos representantes da sociedade compradora são de D... e Dam... (fls. 60 a 62 destes autos).
M) Em 21/06/2010, o sócio D... renunciou à gerência com efeitos a partir de 20/07/2010, cf. Doc. n.º 3 anexo à douta p.i. (fls. 17 destes autos).”

Ora, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no artº.64, do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).

Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra o ora Recorrente ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.
Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório (com destaque para a matéria agora aditada) e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o Oponente foi gerente de facto da sociedade.

Com efeito, para além da nomeação do ora Oponente como gerente da sociedade devedora originária, sendo que a renúncia a tal cargo apenas ocorre em 2010, é indiscutível que os elementos acima alinhados permitem aludir a um fio condutor que confere total virtualidade ao exposto pela Recorrente, na medida em que os elementos descritos, que traduzem o total comprometimento do ora Recorrido com a actividade da sociedade, dando cabal consistência à afirmação da Recorrente, não podendo ainda deixar de notar-se que o fundamento da renúncia invocado pelo ora Recorrido está relacionado com a sua discordância com as decisões de gestão da sociedade, o que tem subjacente um conhecimento cabal da actividade da mesma, na medida em que, num juízo de normalidade, apenas se pode assumir uma posição como a do Oponente a partir do momento em que se tem uma noção do que está em causa.
Nestas condições, temos alguém nomeado como gerente, e que, repare-se ainda, apesar de ter renunciado ao exercício de tais funções, aparece na qualidade de legal representante da mesma, formulando requerimento dirigido ao Chefe de Finanças nos termos acima assinalados, o que implica um comprometimento com a vida da sociedade, solidificando de forma clara o fio condutor acima assinalado.
Tal significa, de forma decisiva, que o probatório comporta um conjunto de elementos, relacionados com os documentos apresentados pela Recorrente que permitem apreender que o ora Recorrido praticou actos em representação da sociedade originária devedora, nomeadamente os que ficaram descritos no probatório, situação que permite estabelecer, como se disse, um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrido na vida da sociedade, o que significa que tem de entender-se que ficou demonstrada a prática por parte do ora Recorrido de actos em representação da sociedade, como forma típica de assegurar o giro comercial da mesma.
Diga-se ainda que tais elementos são suficientes para afirmar a prática de actos de gerência, tendo presente o que ficou dito sobre o exercício da gerência, além de que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto, o que impõe a conclusão de que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso.

A partir daqui, cabe indagar se, de acordo com o art. 715º do C. Proc. Civil (actual art. 665º), se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Norte incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição, sendo que a resposta a esta questão terá de ser positiva, pois que se impõe apenas considerar a factualidade já apurada nos autos, nada havendo que obste a tal conhecimento, pois que o processo dispõe dos elementos de facto para o efeito e as partes já tomaram posição sobre a realidade em apreço.

Desde logo, quanto à questão da culpa, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no art. 24º nº 1 al. b) da LGT, o qual contempla as “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Nesta medida, tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea, impõe-se todavia esclarecer que o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.
Ora, incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhes pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que, apesar de algum esforço de alegação, não apresentou meios de prova capazes de ilidir tal presunção de culpa.
Na alínea b) do referido artigo 24º, ao responsabilizar-se o gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.
O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Mas não isso que se verificou no caso dos autos.
Com efeito, o ora Recorrente limitou-se a juntar aos autos uma escritura de compra e venda realizada em 02-02-2007, reclamando que se trata de um negócio simulado em que um dos sócios pretendeu subtrair património à sociedade, aludindo ainda a um prejuízo pessoal decorrente do comportamento da referida sociedade, realidade que não permite uma leitura da situação nos termos apontados pelo Oponente, o que significa que a sua pretensão está também condenada ao naufrágio nesta sede, pois que lhe cabia alegar e provar toda a realidade que envolveu a actividade da devedora originária e que desembocou na tal falta de meios financeiros por forma a permitir um juízo sobre a conduta do ora Recorrido neste processo e, nesta medida, afastar a presunção acima apontada, situação que o probatório não contempla para permitir uma percepção da matéria em termos de se afirmar que o Recorrido não é responsável pela falta de pagamento da liquidação que constitui a dívida exequenda.
Com efeito, trata-se de um elemento, que teria de explicitado e desenvolvido em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito.

Quanto ao mais, o ora Recorrido começou por colocar em crise a sua intervenção no processo de execução fiscal, na medida em que na certidão originária de dívida emitida pelos serviços à executada não consta o nome do Oponente enquanto responsável subsidiário, o que nos termos do art. 204º nº 1 al. b) do CPPT constitui fundamento de oposição.
Ora, tal alegação apenas se compreende em função de um deficiente enquadramento da situação em apreço, impondo-se notar que o instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título.
Nesta medida, o legislador só consagrou o instituto da reversão na execução fiscal, como alteração subjectiva da instância executiva, para possibilitar que, por essa via, se cobrem, no mesmo processo executivo, as dívidas de impostos, mesmo de quem não ocupa, inicialmente, a posição passiva na execução, por não figurar no título executivo. O que se justifica em atenção à natureza da dívida e aos interesses colectivos em jogo (o legislador concebeu a execução fiscal como um meio mais expedito e célere do que a execução comum, visando a cobrança coerciva das dívidas fiscais), e à certeza e liquidez destas dívidas, atributos que não adornam, necessariamente, as dívidas não tributárias.
Isto significa que a questão suscitada pelo Oponente não pode colher abrigo neste domínio, visando o mecanismo da reversão permitir o desenvolvimento do processo de execução fiscal, mesmo contra quem não ocupa, inicialmente, a posição passiva na execução, por não figurar no título executivo, situação que conduz à total improcedência da Oposição.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e, no mais, em substituição, julgar improcedente a presente oposição, prosseguindo a aludida execução a sua normal tramitação no que concerne aos tributos apontados nos autos (IRC).
Custas pelo Recorrido.
Notifique-se. D.N..
Porto, 15 de Janeiro de 2015
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Vital Lopes

Ass. Cristina da Nova