Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00502/15.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
SCUT
Recorrente:Associação Portuguesa do Direito do Consumo - APDC
Recorrido 1:Estado Português, Ministério das Finanças e Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Associação Portuguesa do Direito do Consumo - APDC, com sede na Rua… , intentou acção administrativa especial contra o Estado Português, o Ministério das Finanças e o Ministério da Administração Interna, todos melhor identificados nos autos, pedindo que seja declarada a ilegalidade e consequente nulidade das normas que fixaram a introdução de portagens em auto-estradas onde se encontrava instituído o regime sem custos para o utilizador (SCUT) e os respectivos mecanismos de cobrança das mesmas e regime contra-ordenacional e bem assim que seja declarada a inconstitucionalidade do regime emergente da norma punitiva do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.
Por decisão proferida pelo TAF de Coimbra foi declarada a incompetência material do Tribunal e absolvidos da instância os R.R..
Desta vem interposto recurso pela Autora, Associação portuguesa do Direito do consumo-APDC.
Em alegação formulou as seguintes conclusões:
Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no âmbito da acção administrativa especial referenciada em epígrafe na parte em que se decidiu «no que se refere à ilegalidade do regime contra-ordenacional enquanto regime sancionatório a aferição da conformidade constitucional deste de per se e sem outro instrumento concreto mediador estará eventualmente entregue ao Tribunal Constitucional nos termos dos artigos 221º e segs. Da CRP e nos termos da Lei 28/82, de 15 de Novembro. O mesmo se diga da peticionada inconstitucionalidade da norma contida no artº7º da Lei 25/2006, de 30 de Junho.»
Ora, ao contrário do que se diz naquela sentença, a Autora não imputa às normas em causa qualquer ofensa aos preceitos constitucionais, mas sim o vício de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito.
A fim de conhecer sobre o pedido formulado nos autos o Tribunal é chamado a conhecer e decidir sobre as questões de inconstitucionalidade referidas no ponto precedente destas conclusões.
No entanto, uma vez que essa questão não se identifica com o pedido formulado, apenas constitui uma questão incidental ou prejudicial imprópria, para o que o Tribunal tem competência conforme resulta dos art.ºs 204º e 280º, ambos da Constituição da República Portuguesa e art.ºs 1 e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
De todos os modos nunca no caso dos autos estaria em causa a violação da competência exclusiva do Tribunal Constitucional constante do art.º 281º da Constituição da República Portuguesa ou da proibição do n.º 2 do art.º 72º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pois não a acção de que depende a presente providência não tem por objecto a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral das normas impugnadas, mas apenas a declaração da ilegalidade daquelas normas com efeito restrito ao caso concreto das consumidores portadores de carta de condução válida que circulem nas auto-estradas referidas nos artº 11º e 12º da inicial a saber: as Auto-estradas que integram as concessões da costa de prata do Grande-Porto do Norte-Litoral, do Algarve, da E.P. – Estradas de Portugal S.A., da Beira Interior, do Interior Norte e da Beira Litoral/Beira.
A competência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra para conhecer sobre a questão suscitada no presente processo cautelar resulta do art.º 1º e 4º, n.º 1, al. b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do disposto nos artigos 72º, n.ºs 1 e 2 (este a contrario) e 73º n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e dos art.º 204º, 280º e 281º (este também a contrario) da Constituição da República Portuguesa, pelo que ao assim não decidir o Tribunal recorrido violou aquelas normas, devendo a sentença recorrida ser revogada.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, assim se fazendo JUSTIÇA!!!
O Réu Ministério das Finanças contra-alegou, concluindo que:
a) Nos termos das disposições conjugadas do artigo 40º, nº3 do ETAF e do artigo 27º, nºs 1 e 2 do CPTA, da sentença proferida nos presentes autos cabe reclamação para a conferência a interpor no prazo de 10 dias previsto no artigo 29º do CPTA e não recurso jurisdicional;
b) Tal é a jurisprudência consolidada, emanada do Supremo Tribunal Administrativo e fixada no Acórdão nº 3/2012, publicado no DR, 1ª serie, de 19/09/2012 (Proc nº 0420/12), sendo que no Acórdão de 19/03/2013, Proc nº 12/2013, foi considerado que aquele primeiro acórdão uniformizador valia também para os casos em que não tivesse sido invocado o artigo 27º, nº1, alínea i), do CPTA;
c) Pelo que se entende que o tribunal ad quem não pode conhecer do recurso interposto nestes autos, devendo antes determinar a baixa dos mesmos ao TAFCoimbra para aí ser verificada a tempestividade da convolação do recurso em reclamação para a conferência;
d) Acresce que a decisão sob recurso, na parte efectivamente sindicada, não padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado;
e) Em primeiro lugar, não estamos perante um pedido de declaração de ilegalidade de normas editadas pela Administração estadual ao abrigo de disposições de direito administrativo (cfr artigo 72º, nº1 do CPTA e artigo 4º, nº1 alíneas b) e d) do ETAF), mas antes perante normas públicas inseridas em atos legislativos (artigo 4º, nº2 alínea a) do ETAF);
f) Com efeito, não só as normas contidas na Lei nº 25/2006, de 30/06, constituem um verdadeiro ato normativo emanado no âmbito da competência politica e legislativa da Assembleia da República - cfr. artigo 161º, alínea c) da CRP – revestindo a forma de lei tal como dispõe o artigo 166º nº3 da referida lei fundamental, o que afasta a sua configuração como ato regulamentar emanado ao abrigo de disposições de direito administrativo - como a sua apreciação qua tale está excluída da jurisdição administrativa e fiscal;
g) Neste ponto, a jurisprudência do STA tem lançado mão de um critério operativo formal segundo o qual são legislativos independentemente do seu conteúdo, todos os atos normativos que provenham de um órgão com competência legislativa que assumam a forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional (artigo 112º, nº1 da CRP) e tenham sido elaborados de acordo com os procedimentos constitucionalmente prescritos;
h) Ainda de acordo com o critério material adotado, tais normas serão sempre atos legislativos pois consagram volições politicas primárias e têm como parâmetro de validade imediata a Constituição e não outra lei;
i) Deste modo, as normas impugnadas da Lei nº 25/2006 não podem ser objeto da pretensão invalidante deduzida pela Recorrente em virtude de não se inserirem nos pressupostos legais estabelecidos no artigo 72º, nº1 do CPTA, tão pouco na previsão do artigo 4º, nº1, alínea b) do ETAF;
j) Aliás, é jurisprudência pacífica do STA que não cabe aos tribunais administrativos conhecer diretamente da constitucionalidade de normas legais, porque isso seria exercer a fiscalização, em abstrato, da constitucionalidade, o que constitui competência exclusiva do Tribunal Constitucional nos termos do artigo 281º, nº1, alíneas a) e b) da CRP, artigo 4º, nº2, alínea a) do ETAF e artigo 2º, nº2 do CPTA;
k) A este respeito, tenha-se presente o argumentário jurídico aduzido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (Ac de 25/10/2012 Proc nº 00008/10.8BEPRT), chamado a pronunciar-se sobre um pedido de impugnação das normas constantes do DL 67-A/2010, de 14-06;
l) E ainda que outra pudesse ser a natureza do ato normativo em causa – o que não se concede - no exercício da ação popular, a impugnação de normas está circunscrita aos pedidos de desaplicação da norma em relação ao caso concreto apresentado pelo impugnante, conforme se depreende do artigo 73º nº2 do CPTA;
m) Ora, a desaplicação ao caso concreto pressupõe que a norma tem carater imediatamente operativo, uma vez que a declaração de ilegalidade nesse caso tem efeitos limitados, apenas se reportando à situação específica do impugnante;
n) Contudo, ao contrário do que pretende, a Recorrente não formalizou qualquer pedido de declaração da ilegalidade/inconstitucionalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto;
o) Na verdade, a Recorrente queda-se antes pela invocação de meros exemplos hipotéticos que nada demonstram em termos de evidência pois são meras conjecturas de verificação incerta, já que em momento algum do seu articulado logrou invocar a sua verificação real, individual e concreta quando o ónus recai sobre si;
p) Sendo assim, e face a todo o exposto, também é de concluir - em linha com a apreciação realizada pelo TCANorte no aresto supra invocado - que está excluída da jurisdição administrativa e fiscal a sindicância das normas da Lei nº 25/2006, por força do nº 2 do artigo 4º do ETAF e, mesmo a admitir que pudessem ser qualificadas como regulamentares, sempre os Tribunais Administrativos e Fiscais seriam materialmente incompetentes para as sindicar por força do artigo 73º, nº 2 do CPTA;
q) Na medida em que assim decidiu, a decisão judicial recorrida, no segmento sindicado, fez uma correta apreciação da questão suscitada e, por isso, deve ser confirmada e mantida na ordem jurídica.
Nestes termos e nos mais de direito que decerto suprirão, deve:
a) Proceder-se à revogação do despacho de admissão do recurso subjudice, com o consequente não conhecimento do mesmo, ordenando-se a baixa dos autos ao TAF de Coimbra para aí ser verificada a tempestividade da convolação do recurso em reclamação para a conferência nos termos do artigo 193º, nº1 do CPC;
Ainda assim;

b) Ser o presente recurso julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exatos termos, assim se fazendo Justiça
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A – Em 06.02.2015, a Autora deu entrada no TAF do Porto do presente meio processual demandando o Estado Português, o Ministério das Finanças e o Ministério da Administração Interna e peticionando que fosse declarada a ilegalidade e consequente nulidade das normas que fixaram a introdução de portagens em auto-estradas onde se encontrava instituído o regime sem custos para o utilizador (SCUT) e os respectivos mecanismos de cobrança das mesmas e regime contra-ordenacional, com os fundamentos supra apresentados. Pediu a Autora, também, que fosse decretada a inconstitucionalidade do regime emergente da norma punitiva do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho (cf. fls. 2 a 45 dos autos do processo físico).
B – Por decisão do TAF do Porto, transitada em julgado e datada de 12.02.2015, aquele declarou-se territorialmente incompetente para apreciar a presente questão, declarando a competência territorial do TAF de Coimbra (cf. fls. 47 a 51 dos autos).
X
DE DIREITO
Está posta em crise a decisão do TAF de Coimbra na parte em que decidiu que «no que se refere à ilegalidade do regime contra-ordenacional enquanto regime sancionatório a aferição da conformidade constitucional deste de per se e sem outro instrumento concreto mediador estará eventualmente entregue ao Tribunal Constitucional nos termos dos artigos 221º e segs. da CRP e nos termos da Lei 28/82, de 15 de Novembro. O mesmo se diga da peticionada inconstitucionalidade da norma contida no artº7º da Lei 25/2006, de 30 de Junho.»
Na óptica da Recorrente “a competência daquele Tribunal para conhecer sobre a questão suscitada na presente acção resulta do art.º 1º e 4º, n.º 1, al. b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do disposto nos artigos 72º, n.ºs 1 e 2 (este a contrario) e 73º n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e dos art.º 204º, 280º e 281º (este também a contrario) da Constituição da República Portuguesa, pelo que ao assim não decidir o Tribunal recorrido violou aquelas normas”.

Cremos que não lhe assiste razão.
Antes, porém, deixa-se aqui transcrito o discurso jurídico fundamentador da decisão em causa:
“Cumpre, antes de mais analisar se os pedidos formulados pela Autora cabem no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal (prima quaestio à luz do art.º 13.º do CPTA).
Estipula o n.º 3 do art.º 212.º da CRP que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Por outro lado estipula o art.º 64.º do Código de Processo Civil que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Da conjugação das referidas duas normas pode extrair-se esta regra geral de que a jurisdição comum do direito administrativo é a administrativa e que as causas jurídico-administrativas só sairão do seu domínio, se existir uma lei que validamente disponha em sentido contrário.
Por seu turno o n.º 1 do art.º 1.º do ETAF estatui que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Na sequência deste normativo, as diferentes alíneas do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF estatuem, de forma exemplificativa, os tipos de litígios sujeitos à apreciação dos tribunais administrativos e fiscais.
Já os n.ºs 2 e 3 do referido art.º 4.º do ETAF, tipificam, nas suas diferentes alíneas, situações em que a apreciação de determinado tipo de litígios se encontra fora da competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A definição conceitual do que é uma relação jurídico-administrativa não é tarefa fácil. Assim, os Drs. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, no CPTA Anotado, Vol. I, 2006, Lev. Almedina, pags. 25 e segs. escrevem a este propósito que: “Diremos, sem grandes preocupações de rigor, que são relações jurídico-administrativas:
i) em princípio, aquelas que se estabelecem entre duas pessoas colectivas públicas ou entre dois órgãos administrativos (relações intersubjectivas públicas e relações inter-orgânicas), desde que não haja nas mesmas indícios claros da sua pertinência ao direito privado;
ii) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos (seja ele público ou privado), actua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido (v. Acórdão do TC n.º 746/96, de 29 de Maio e Vieira de Andrade, A Justiça…, cit., p. 55 e 56);
iii) aquelas em que esse sujeito actua no cumprimento de deveres administrativos, de autoridade pública, impostos por motivos de interesse público (v. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2002, p. 137).
O ETAF e o CPTA contêm, aliás, indicações preciosas quanto aos critérios ou factores de administratividade de uma relação jurídica, de que os tribunais se devem servir para reclamar ou rejeitar o conhecimento de uma acção que neles seja instaurada.
Constituem critérios e (ou) factores da administratividade de uma elação jurídica, para esses diplomas, os seguintes:
i) tratar-se de situações jurídicas subjectivas (direitos e interesses legalmente protegidos) directamente decorrentes de actos jurídicos (normativos ou não) praticados ou omitidos ao abrigo de disposições de direito administrativo – vg, art. 4.º/1, a), do ETAF, art. 2.º/2, alíneas a) e h) e art. 37.º/2, a), do CPTA;
ii) tratar-se de relações jurídicas constituídas ou desenvolvidas no exercício de poderes de autoridade (normativos ou não) por sujeitos privados – art. 4.º/1 d);
iii) tratar-se de relações jurídicas (contratuais) a respeito das quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, mesmo sem ser por recurso à concessão de poderes (ou deveres) de autoridade – art. 4.º/1, f);
iv) tratar-se de contratos de objecto passível de acto administrativo ou que as partes tenham submetido (expressa e capazmente) a um regime substantivo de direito público – art. 4.º/1, f).
São muitas a boas indicações – algumas delas até originais – estas do ETAF e do CPTA, quanto à qualificação duma relação jurídica como sendo de natureza administrativa.
Não são sempre critérios ou factores auto-suficientes ou autónomos – porque assentam, por exemplo, nos pré-conceitos «norma jurídico-administrativa», «norma de direito público» ou «poderes de autoridade» -, mas são todos de grande utilidade, além do mais, porque entrecruzando-se ou enfaixando-se uns com os outros, esclarecem e delimitam tais conceitos em domínios onde a sua aplicação poderia gerar controvérsia.
É preciso, porém, não confundir os factores de administratividade de uma relação jurídica com os factores que delimitam materialmente o âmbito da jurisdição administrativa, pois, como já disse, há litígios que o legislador do ETAF submeteu ao julgamento dos tribunais administrativos independentemente de haver neles vestígios de administratividade ou sabendo, mesmo, que se trata de relações ou litígios dirimíveis por normas de direito privado.
E também fez o inverso: também atirou com relações onde existem factores indiscutíveis de administratividade para o seio de outras jurisdições”.
Por outro lado, sobre a matéria da competência material dos tribunais tributários, escreveu-se impressivamente no Ac. do TCAN proferido no proc. n.º 01161/10BEBRG que: “[…] Como é sabido, a competência afere-se e determina-se pelo pedido do A.. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes. (...) É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão …" Como referia Manuel de Andrade "... a competência do tribunal … afere-se pelo 'quid disputatum' (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)"; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do A. ("Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra 1979, pág. 91).( Ac. STA de 03.05.2005 - Proc. n.º 046218 e Acs. do Tribunal de Conflitos de 03.11.2004 - Proc. n.º 07/04, de 18.01.2006 - Proc. n.º 020/03). Por outro lado e tal como é, aliás, entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme, a competência do tribunal, em geral, não está dependente da personalidade judiciária de demandante(s) e demandado(s) ou sequer da legitimidade das partes, sendo que para a aferição da mesma nada releva um julgamento quanto à procedência da pretensão ou da acção.
Determina o artº 212º, nº 3 da CRP que compete “… aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais …", prevendo-se no nº 1 do artº 1º do ETAF, sob a epígrafe de “jurisdição administrativa e fiscal”, que os “… tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais ...”.
Dispõe-se no nº 1 do artº 4º do mesmo Estatuto, sob a epígrafe “âmbito da jurisdição”, que compete “… aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal …”, sendo que no nº 1 do artº 44º se estipula que a compete “… aos tribunais administrativos de círculo conhecer, em 1ª instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa, com excepção daqueles cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores e da apreciação dos pedidos que nestes processos sejam cumulados …”.

E do nº 1 do artº 49º do mesmo diploma, relativo à “competência dos tribunais tributários”, extrai-se que compete a estes tribunais “… conhecer:
a) Das acções de impugnação: i) Dos actos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses actos; ii) Dos actos de fixação dos valores patrimoniais e dos actos de determinação de matéria tributável susceptíveis de impugnação judicial autónoma; iii) Dos actos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal; iv) Dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;
… c) Das acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal; …”. Assim e visto o conjunto dos normativos que relevam para a decisão da matéria de excepção que constitui o objecto de apreciação importa, agora, atentar no caso em presença.

À face do ETAF, na jurisdição administrativa e fiscal, a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais tributários para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios serem emergentes, respectivamente, de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais.
[…]
Com efeito, por “questão fiscal” deverá entender-se, de harmonia com a jurisprudência firmada pelo STA, a que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. É “questão fiscal” aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositivos (Casalta Nabais “Direito Fiscal”, 2.ª edição, pág. 366) […]”
Ora, na presente situação, a Autora insurge-se contra o quadro legislativo pelo qual se institui e se estabelece o regime das taxas de portagem nas antigas SCUT’s. Na perspectiva da Autora, a que aderimos, tais quantias cobradas assumem a forma de taxas, pelo que assumem a forma de contraprestações entregues a um ente público devida pela existência de um encargo público.
Assim, a sobredita questão será, quanto muito, de carácter fiscal pelo que este tribunal da mesma não poderá conhecer.
Igualmente poderão ter aquela natureza, as normas pelas quais se instituíram os mecanismos de cobrança das portagens nas antigas SCUT’s.
Já no que se refere à legalidade do regime contra-ordenacional enquanto regime sancionatório a aferição da conformidade constitucional deste de per se e sem outro instrumento concreto mediador estará, eventualmente, entregue ao Tribunal Constitucional nos termos dos artigos 221.º e segs. da CRP e nos termos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro. O mesmo se diga da peticionada inconstitucionalidade da norma contida no art.º 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho. Todo modo, num ou noutro caso, este Tribunal não é materialmente competente para das duas apontadas questões de (in)constitucionalidade conhecer, uma vez que não estamos a falar de normas jurídico administrativas de natureza regulamentar, mas sim de diplomas de natureza legislativa (o que significa que ficam fora do enquadramento normativo previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF).
Concluiu-se, por isso, que este Tribunal Administrativo de Círculo é incompetente em razão da matéria para apreciar os pedidos aqui formulados pela Autora, o que determina a absolvição do Réu da instância (mesmo no que se refere ao pedido em que tal competência poderia caber ao Tribunal Tributário – cf. nesse sentido M. Aroso de Almeida e Carlos F. Cadilha in «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo», 3.º Ed., na anotação ao artigo 14.º do CPTA).

X
Vejamos:
Questão prévia - da admissibilidade do recurso
O Recorrido suscita a questão da inadmissibilidade do presente recurso, por entender que da decisão recorrida cabia prévia reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 27.º/2 do CPTA.
Sobre questão idêntica a esta, este Tribunal já tomou posição no Acórdão de 06/11/2015, P. 1053/12.4BEAVR (secundado pelos Acórdãos deste mesmo TCAN de 19/11/2015, P. 39/13.6BEBRG e P. 1195/12.6BEPRT e de 04/12/2015, P. 605/14.2BECBR), para cuja fundamentação, aplicável mutatis mutandis ao caso em apreço, remetemos.
Em resumo, aí se conclui que “a revogação do nº 3 do artigo 40.º do ETAF, operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, determinou que os tribunais administrativos de círculo passassem a funcionar apenas com juiz singular (excepto nos casos em que a lei processual administrativa preveja o julgamento em formação alargada), com a consequente extinção do mecanismo de reclamação para a conferência (para cuja apreciação já não é possível determinar o funcionamento coletivo do tribunal) e também de todas as normas que estavam instrumentalizadas ao funcionamento dessa figura, incluindo o prazo para a respectiva apresentação. Pelo que o recurso passou a ser o único meio de impugnação das decisões proferidas pelos tribunais administrativos de 1.ª instância”.
O que determina a admissibilidade do presente recurso e a improcedência da questão prévia suscitada na contra-alegação.
Do Mérito/Fundo do recurso
A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor - cfr. neste sentido, os acórdãos da Relação de Évora de 8/11/1979, Colectânea de Jurisprudência, 1979, IV, p. 1397, do Supremo Tribunal de Justiça de 3/2/1987, BMJ 364, p. 591, e de 9/5/1995, Colectânea de Jurisprudência /acórdãos STJ, 1995, II, p. 68; do Supremo Tribunal Administrativo de 10/3/1988, rec. 25.468, de 27/11/1997, rec. 34.366, e do Tribunal dos Conflitos, de 23/9/2004, proc. 05/04; na doutrina, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1ª ed., vol. I, pág. 88.
Aos tribunais administrativos cabe dirimir os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (art.º 1º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, e art.º 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa).
Na hipótese dos autos é pedido que seja declarada a ilegalidade e consequente nulidade das normas que fixaram a introdução de portagens em auto-estradas onde se encontrava instituído o regime sem custos para o utilizador (SCUT) e os respectivos mecanismos de cobrança das mesmas e regime contra-ordenacional e bem assim que seja declarada a inconstitucionalidade do regime emergente da norma punitiva do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.
Como o Recorrido bem observa e aduz, atento o objecto do recurso jurisdicional sub judice, a questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de apreciação no segmento em que julgou verificada a incompetência absoluta (em razão da matéria) da jurisdição administrativa (e mesmo da jurisdição tributária) para conhecer do pedido de declaração da ilegalidade/inconstitucionalidade do regime contra-ordenacional concretamente aplicável às transgressões ocorridas em matéria de utilização de infra-estrutruras rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, maxime em auto-estradas onde se encontrava instituído o regime sem custos para o utilizador (SCUT) e os mecanismos de cobrança das mesmas.
A decisão liminar recorrida comportou a apreciação da competência material do tribunal administrativo para conhecer os pedidos formulados nestes autos em duas vertentes de fundamentação:
-a primeira apresenta-se associada à natureza fiscal do quadro legislativo que estabelece o regime das taxas de portagem nas antigas SCUT,s, e ainda das normas pelas quais se instituíram os mecanismos de cobrança das portagens nestas vias, bem como à divisão de competências decorrente dos artigos 212.º, n.º 3 da CRP e 1º, nº 1, 4º nº 1, 44º e 49º nº 1 estes do ETAF.
Neste ponto, a Recorrente parece ter-se conformado com a classificação assumida pelo tribunal a quo como “questão fiscal”, ou seja, a que exige a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal (substantivo ou adjectivo) para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública e para a qual o TAF a quo efectivamente carece de competência em razão da matéria, impondo-se, assim, em qualquer circunstância, a manutenção do julgado no segmento aqui não sindicado.
Todavia, o tribunal recorrido não só se declarou materialmente incompetente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade das normas editadas em matéria fiscal, como, por outro lado, considerou que, mesmo no que se refere aos pedidos em que a competência poderia caber ao tribunal tributário não se verificam os respectivos pressupostos, carecendo de competência para o julgamento das questões respeitantes a portagens previstas na Lei nº 25/2006 (artigos 5º e 7º).
Na verdade, a única faceta da fundamentação judicial alvo de recurso é outra: as normas convocadas como infringidas e os fundamentos do litígio não se reconduzem ou podem ser qualificadas como normas administrativas de natureza regulamentar.
E, neste ponto, a Recorrente insiste na competência dos TAF para apreciar a legalidade /inconstitucionalidade do regime contra-ordenacional da Lei nº 25/2006, argumentando que foi peticionada a impugnação de tais normas regulamentares pelo meio processual previsto no artigo 72º do CPTA e que pretende obter a declaração de ilegalidade destas normas com efeitos circunscritos ao caso concreto.
Todavia, a tese propugnada pela Recorrente não pode proceder por várias razões que se passam a explanar.
Como advertia Manuel de Andrade em Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra 1979, pág. 91: “(...) a competência do tribunal … afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)"; (….) É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão …" -no mesmo sentido e entre outros, o Acórdão do STA de 03/05/2005 - Proc. 046218.
Ora, em primeiro lugar, não estamos perante um pedido de declaração de ilegalidade de normas editadas pela Administração estadual ao abrigo de disposições de direito administrativo (cfr. artigo 72º, nº 1 do CPTA e artigo 4º, nº 1 alíneas b) e d) do ETAF) mas antes perante normas públicas inseridas em actos legislativos (artigo 4º, nº 2 alínea a) do ETAF).
Com efeito, ao contrario do que pretende a Recorrente, não existem razões para pôr em causa o acerto da decisão recorrida pois não só as normas contidas na Lei nº 25/2006, de 30/06 constituem um verdadeiro acto normativo emanado no âmbito da competência política e legislativa da Assembleia da República - o que afasta a sua configuração como acto regulamentar emanado ao abrigo de disposições de direito administrativo - como a sua apreciação qua tale está excluída da jurisdição administrativa e fiscal.
É a própria Constituição da República Portuguesa que no seu artigo 212º, nº 3 delimita a jurisdição administrativa cometendo “aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”, ou seja, as relações regidas por normas que regulam as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares no desempenho da actividade administrativa de gestão pública.
Por outro lado, a nível da legislação ordinária, há vários preceitos que apontam no mesmo sentido.
Em primeiro lugar, o n.º 1 do artigo 1.º do ETAF que determina que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
E, em segundo lugar, o artigo 4º, nº 1, alínea b), primeira parte, do ETAF, estabelece que pertence ao âmbito da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto a fiscalização da legalidade de actos jurídicos emanados pela Administração no exercício da função administrativa, sendo que o nº 2 do já referido artigo 4º do ETAF subtrai expressamente do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa.
Já em terceiro lugar, o artigo 3.º n.º 1 do CPTA estabelece que, “no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência e oportunidade da sua actuação”.
Por seu turno, o artigo 37.º do CPTA prevê que se solicite a condenação da Administração à prática de determinados actos ou à abstenção de certos comportamentos e o artigo 72.º do CPTA estipula, no nº 1, que “a impugnação de normas de contencioso administrativo tem por objecto a declaração de ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de actos praticados no âmbito do respectivo procedimento de aprovação”.
Quanto a esta matéria, escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2010, p. 481, anotação ao artigo 72.º: “Embora o Código não utilize a expressão, as normas que podem ser objecto do pedido de ilegalidade são apenas as normas administrativas, ou seja aquelas que sejam emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo. (…) Trata-se assim de normas editadas pela Administração (estadual, directa ou indirecta, regional, autárquica) no exercício da função administrativa, com exclusão tanto das normas privadas (…), como de quaisquer outras normas públicas (como os actos legislativos - neste sentido, aliás, cfr. artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do ETAF)”.
E como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2006, pp. 615/616, “ (…) no nosso ordenamento jurídico, todo o comando de conteúdo geral e abstracto emanado sob a forma de acto legislativo parece dever ser qualificado como legislativo. Na verdade não se afigura possível proceder, para efeitos contenciosos, à diferenciação, dentro do universo dos actos formalmente legislativos, entre aqueles que são materialmente legislativos e aqueles que são materialmente regulamentares, para o efeito de admitir a possibilidade da impugnação destes últimos junto dos tribunais administrativos. Para efeitos de impugnação contenciosa, as “normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo”, a que designadamente se refere o artigo 72.º do CPTA, não podem, pois, ser emanadas sob a forma de acto legislativo”.
Estes entendimentos foram acolhidos pela decisão sob escrutínio donde resulta que a Lei nº 25/2006, de 30 de junho, diploma que aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem - e na qual se integram as impugnadas normas contidas nos artigos 5º e 7º - é, sem margem para qualquer dúvida, um acto de natureza legislativa.
Trata-se de um acto normativo emanado no exercício da competência politica e legislativa da Assembleia da República - cfr. artigo 161º, alínea c) da CRP - revestindo a forma de lei tal como dispõe o artigo 166º nº 3 da referida lei fundamental.
Os citados preceitos situam-se num plano normativo, concretizando opções políticas conformadoras do interesse público prosseguido, sendo que as opções tomadas neste âmbito constituem opções político-legislativas ao nível das funções primárias do Estado que o órgão de soberania democraticamente eleito (Assembleia da República) exerce - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira na Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol II, pág. 289.
Enquanto a função legislativa se define como a actividade permanente do poder político consistente na elaboração de regras de conduta social de conteúdo primacialmente político, revestindo as formas previstas na Constituição, a saber, no seu artigo 112.º, n.º 1, a função administrativa - que é uma função secundária do Estado-Coletividade - integrará, de acordo com o entendimento expresso no Acórdão do STA de 16/03/2004, Proc nº 01343/03, “o conjunto dos actos de execução de actos legislativos, traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades colectivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder político do Estado-Colectividade (Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, 1999, 1º Vol. págs. 11 e 12.
Neste ponto, a jurisprudência do STA tem lançado mão de um critério operativo formal segundo o qual são legislativos independentemente do seu conteúdo, todos os actos normativos que provenham de um órgão com competência legislativa que assumam a forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional (artigo 112º, nº 1 da CRP) e tenham sido elaborados de acordo com os procedimentos constitucionalmente prescritos - cfr Acs. de 10/05/2011 Proc. 02/11 e de 31/01/2012 Proc. 0901/11.
À luz desse critério é inequívoco que as normas em causa são normas legislativas: constam de diploma com a forma de lei e procedem da Assembleia da República no exercício da sua competência política e legislativa (artigo 161º, al. c) da CRP).
Ainda de acordo com o critério material adotado, tais normas serão sempre actos legislativos pois consagram volições políticas primárias e têm como parâmetro de validade imediata a Constituição e não outra lei – cfr. Jorge Miranda em Funções, órgãos e actos do Estado, pág. 175.
Deste modo, dado que as normas em causa não foram emitidas no desempenho da função administrativa mas no âmbito do desempenho da função político-legislativa, não podemos deixar de considerar que as mesmas não podem ser objecto da pretensão invalidante deduzida pela Recorrente em virtude de não se inserirem nos pressupostos legais estabelecidos no artigo 72º, nº 1 do CPTA, tão pouco na previsão do artigo 4º, nº 1, al. b) do ETAF.
Aliás, é jurisprudência pacífica do STA que não cabe aos tribunais administrativos conhecer directamente da constitucionalidade de normas legais, porque isso seria exercer a fiscalização, em abstracto, da constitucionalidade, o que constitui competência exclusiva do Tribunal Constitucional nos termos do artigo 281º, nº 1, alíneas a) e b) da CRP, artigo 4º, nº 2, alínea a) do ETAF e artigo 2º, nº 2 do CPTA (cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 05/12/2007, Rec. 111/06, de 12/11/2009 e de 20/05/2010, este último do Pleno, no rec. 390/09, bem como a jurisprudência neles citada).
Quer isto dizer que, no tocante à competência dos tribunais administrativos e fiscais, tratando-se de um acto formal e materialmente legislativo, a jurisdição administrativa e fiscal não é competente para apreciar a sua inconstitucionalidade/ilegalidade.
Com efeito, a fiscalização judicial da conformidade constitucional, por via directa, do disposto nas referidas normas legais, na medida em que se tratam de actos legislativos, está excluída do âmbito de competência da jurisdição administrativa e fiscal, conforme disposto no artigo 4.º, n.º 2, a) do ETAF - Acs. do STA de 21/01/2009, Proc. 0811/08, de 21/10, Proc. 0713/10, de 07/12/2010, Proc. 0798/10 e de 09/12/2010, Proc. 855/10 e, mais recentemente, os Acórdãos de 09/10/2014, Procs. 0403/14 e 381/14, que apontam para o sentido sufragado na decisão recorrida.
A este respeito, tenha-se ainda presente o argumentário jurídico aduzido por este TCAN (Ac. de 25/10/2012 Proc nº 00008/10.8BEPRT), chamado a pronunciar-se sobre um pedido de impugnação das normas constantes do DL 67-A/2010, de 14-06 (diploma que identifica, para as auto-estradas SCUTs “Grande Porto”, “Norte Litoral” e “Costa de Prata”, os lanços e os sublanços sujeitos ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores.), cujo sumário é do seguinte teor:
I - O DL 67-A/2010, de 14-6 [diploma que identifica, para as auto-estradas SCUTs “Grande Porto”, “Norte Litoral” e “Costa de Prata”, os lanços e os sublanços sujeitos ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores (arts 1º, 2º e anexo I); determina o início da cobrança em 1-06-2010 (art. 3º); estabelece alguns critérios a ter em conta na determinação das taxas a aplicar (art. 4º); e identifica os lanços e os sublanços das referidas auto-estradas em que os utilizadores ficam isentos do pagamento de taxas de portagem (art. 5º e anexo II)], produzido por órgão competente ao abrigo da al. a) do nº 1 do art. 198º da CRP (ou seja, pelo Governo no uso da competência legislativa em matérias não reservadas à Assembleia da República) é um acto que se integra no exercício da função legislativa do Governo, pelo que a sindicância das suas disposições está excluída da jurisdição administrativa e fiscal nos termos da al. a) do nº 2 do art. 4º do ETAF..
II - Esta exclusão verificar-se-ia ainda que se reconhecesse (e não se reconhece) uma natureza materialmente administrativa ao conteúdo dessas disposições, pois as normas secundárias emanadas do Governo – órgão simultaneamente legislativo e administrativo – sob a forma de decreto-lei são sempre, para efeitos contenciosos, actos praticados no exercício da função legislativa.
III - A Resolução do CM nº 75/2010, de 22-09, insere-se num procedimento político-legislativo que culminou com os diplomas legais e regulamentares a acolher as orientações político-administrativas nela estabelecidas [o nº 1 da Resolução estabelece a “adopção do princípio da universalidade na implementação do regime de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT)”; os nº 2 e nº 3 decidem, respectivamente, “Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagens nas auto-estradas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa de Prata a partir de 15 de Outubro de 2010, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14 de Junho”, e “Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagem nas restantes auto-estradas SCUT, designadas por SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve, até 15 de Abril de 2011, nos termos de diploma legal a aprovar”; os nºs 4 a 8 também estabelecem apenas princípios e critérios a acolher em regulação jurídica posterior, que vieram a ser vertidas nas Portarias 1033-A/2010, 1033-B/2010, 1033-C/2010 (relativamente às Scuts Interior Norte, Grande Porto e Costa de Prata) e DL 111/11, de 28-11 (relativamente às SCUTs Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve)].
IV - A expressa referência feita na referida Resolução à al. g) do art. 199º da CPR, ou seja, de que é tomada no exercício da competência administrativa do Governo prevista nessa disposição, não determina necessariamente que essa Resolução não contenha, ainda que parcialmente, actos de natureza política, estando, quanto a estes, afastada a sua sindicabilidade na jurisdição administrativa.
V - Ainda que emitidos formalmente no exercício de uma competência administrativa, os actos em que se estabelecem os princípios e critérios a acolher em regulação jurídica posterior não podem qualificar-se como efectivos normativos regulamentares por serem destituídos de eficácia jurídica externa.
VI - De todo o modo, os Tribunais Administrativos, atento o disposto no art. 281°, n° 1 da CRP e 72º, nº 2 do CPTA, não dispõem de competência para a fiscalização abstracta da conformidade de normas regulamentares com princípios constitucionais, mesmo que estes princípios se encontrem também consagrados em preceitos de direito ordinário.

Mas, mesmo que se considerasse ser outra a natureza do acto normativo em causa a solução do caso seria a mesma, pois, atento o disposto no artigo 73º nº 2 do CPTA, no exercício da ação popular, a impugnação de normas está circunscrita aos pedidos de desaplicação da norma em relação ao caso concreto apresentado pelo impugnante.
Ora, a desaplicação ao caso concreto pressupõe que a norma tem carácter imediatamente operativo (…) uma vez que a declaração de ilegalidade nesse caso tem efeitos limitados, apenas se reportando à situação específica do impugnante. Como refere Carlos F Cadilha em Dicionário do Contencioso Administrativo, págs. 39/40: “O tribunal administrativo poderá recusar a aplicação de uma norma regulamentar com fundamento na sua inconstitucionalidade, o que corresponde a uma declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto (…), mas não poderá produzir com o mesmo fundamento, uma pronuncia de ilegalidade com eficácia geral visto que é um poder cognoscitivo que está reservado exclusivamente” ao Tribunal Constitucional.
Sucede que a Recorrente não formalizou qualquer pedido de declaração da ilegalidade/inconstitucionalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.
E não está em causa a desaplicação das normas invocadas relativamente a situações individuais justamente porque não foi invocada a sua aplicação a casos individuais e concretos que tenham sido retratados.
Na verdade, a Recorrente queda-se antes pela invocação de meros exemplos hipotéticos que nada demonstram em termos de evidência pois são meras conjecturas, de verificação incerta, já que em momento algum do seu articulado logrou invocar a sua verificação concreta quando o ónus recai sobre si (artigo 342º do CC).
De resto, e apesar do esforço da Recorrente em catalogar o vício de ilegalidade invocado como um erro nos pressupostos de direito, basta apreciar as imputações feitas na petição inicial para facilmente se concluir pela incompetência absoluta dos tribunais administrativos para conhecer desta acção.
De facto, a leitura da p.i. evidencia que a anomalia directamente imputada às referidas normas prende-se apenas com a alegada ilegalidade/inconstitucionalidade da norma contida no artigo 7º da Lei nº 25/2006, por alegadamente afrontar o princípio da proporcionalidade ínsito ao artigo 18º, nº 2 da CRP e violar o artigo 13º da mesma lei fundamental..
Por isso, a Recorrente não tem razão quando diz que não imputa às normas em causa quaisquer ofensas aos preceitos constitucionais. Pretende sim que as mesmas deixem de ser aplicadas aos consumidores que utilizem ou venham a utilizar as infra-estruturas rodoviárias em causa por padecerem de vício de violação de diversas normas e princípios constitucionais.
Sendo assim conclui-se que está excluída da jurisdição administrativa a sindicância das normas da Lei nº 25/2006, por força do nº 2 do artigo 4º do ETAF e, mesmo a admitir-se que pudessem ser qualificadas como regulamentares, sempre os Tribunais Administrativos e Fiscais seriam materialmente incompetentes para as sindicar por força do estatuído no artigo 73º, nº 2 do CPTA.
Na verdade, a ilegalidade dos regulamentos consiste sempre na infidelidade deles relativamente à fonte legal; pode ler-se no ac. do STA de 18/08/2004, pr. nº 801/04, a eventual ilegalidade de uma pretensa norma que contivesse uma solução que ofendesse os princípios constitucionais não constituiria, em rigor, uma violação desses preceitos, mas antes “(…) uma violação da lei permissiva da edição do regulamento, ou porque essa lei apontava firmemente para uma solução diversa, ou porque ela, tendo embora um conteúdo indeterminado, não podia ser interpretada por forma a acolher a solução que no regulamento veio a ser adoptada.(…)”, E continuou “(…) os preceitos do género do artº 5º do CPA não operam como causa directa da ilegalidade dos regulamentos administrativos. É sabido que vários desses princípios constam do CPA e da Constituição. Se eles fossem tomados como causa directa de ilegalidade, um regulamento que ofendesse algum dos princípios apresentar-se-ia simultaneamente como ilegal e inconstitucional. Mas, então, ficaria aberto o caminho para que os tribunais administrativos, em violação clara do artº 281º, nº 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa, passassem a substituir-se ao Tribunal Constitucional na aferição da conformidade dos regulamentos aos ditos princípios. E é precisamente por isso que Esteves de Oliveira e outros, no seu Código de Procedimento Administrativo Comentado (2ª edição, pág. 84, in fine) sustentam a impossibilidade de a jurisdição administrativa declarar a ilegalidade dos regulamentos em virtude de ofenderem princípios que, embora também previstos no CPA, estejam acolhidos na Lei Fundamental”.
Em suma:
-não estamos perante um pedido de declaração de ilegalidade de normas editadas pela Administração estadual ao abrigo de disposições de direito administrativo (cfr. artigo 72º, nº 1 do CPTA e artigo 4º, nº1 alíneas b) e d) do ETAF), mas antes perante normas públicas inseridas em actos legislativos (artigo 4º, nº 2 alínea a) do ETAF);
-com efeito, não só as normas contidas na Lei nº 25/2006, de 30/06, constituem um verdadeiro acto normativo emanado no âmbito da competência política e legislativa da Assembleia da República - cfr. artigo 161º, alínea c) da CRP - revestindo a forma de lei tal como dispõe o artigo 166º nº 3 da referida lei fundamental, o que afasta a sua configuração como acto regulamentar emanado ao abrigo de disposições de direito administrativo - como a sua apreciação qua tale está excluída da jurisdição administrativa e fiscal.
-deste modo, as normas impugnadas da Lei nº 25/2006 não podem ser objeto da pretensão invalidante deduzida pela Recorrente;
-é jurisprudência pacífica do STA que não cabe aos tribunais administrativos conhecer diretamente da constitucionalidade de normas legais, porque isso seria exercer a fiscalização, em abstrato, da constitucionalidade, o que constitui competência exclusiva do TC;
-está assim excluída da jurisdição administrativa a sindicância das normas da Lei nº 25/2006, por força do nº 2 do artigo 4º do ETAF e, mesmo a admitir-se que pudessem ser qualificadas como regulamentares, sempre os TAFs seriam materialmente incompetentes para as sindicar por força do artigo 73º, nº 2 do CPTA;
-e mesmo que outra pudesse ser a natureza do acto normativo em causa no exercício da ação popular, a impugnação de normas está circunscrita aos pedidos de desaplicação da norma em relação ao caso concreto apresentado pelo impugnante, conforme se depreende do artigo 73º nº 2 do CPTA;
-ao contrário do que pretende, a Recorrente não formalizou qualquer pedido de declaração da ilegalidade/inconstitucionalidade com efeitos circunscritos ao caso em concreto;
-contrariamente ao alegado a decisão sob censura, no segmento sindicado, fez uma correta apreciação da questão suscitada, pelo que não enferma de erro de julgamento de direito, sendo, por isso, mantida na ordem jurídica.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas a cargo da Autora/Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 21/04/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro