Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00739/18.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/03/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL – TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS – INCORPORAÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS – COMPROVAÇÃO – TÍTULOS DE BIOCOMBUSTÍVEIS
Sumário:I – Nos termos do artigo 13º do CPTA “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”, sendo que nos termos dos artigos 98º nºs 2 e 4 do CPTA a incompetência do tribunal constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso, significando que ao juiz do processo compete, oficiosamente, e por conseguinte, mesmo que não tenha sido suscitada por qualquer das partes na ação, aferir da competência em razão da matéria para conhecer do pleito, mas tal não dispensará o dever de assegurar o prévio contraditório sobre tal questão.

II – Resulta do cotejo dos artigos 44º e 49º do ETAF, que no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal os tribunais administrativos funcionam como tribunais comuns, porque dotados de uma competência que se pode qualificar como residual ou por exclusão, competindo-lhes o conhecimento de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa, enquanto que a competência dos tribunais tributários está definida com rigor em preceito específico, o que significa que apenas poderão intervir com fundamento em disposição legal expressa que lhes confira competência para o julgamento do litígio.

III – A determinação do tribunal competente em razão da matéria, se o tributário, se o administrativo, não está dependente da sorte quanto à qualificação da obrigação pecuniária, como imposto ou contribuição financeira, ou como sanção e sobretudo, não cabendo na fase processual de saneamento proceder a essa qualificação, o que se prenderá já com a decisão sobre o mérito do litígio, e que não deve ser antecipada em termos decisivos.

IV – É da competência dos tribunais administrativos o conhecimento da ação administrativa na qual é impugnada a decisão administrativa proferida pelo Conselho de Administração da ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS. E.P.E. que determinou à autora, o pagamento da compensação prevista no artigo 24º do DL nº 117/2010, 25 de outubro, na redação dada pelo DL. n.º 69/2016, de 3 de novembro, na falta de apresentação dos títulos de biocombustível (TdB´s) comprovativos das obrigações de incorporação no período em causa, se autora não configura a ação como de impugnação de um ato tributário de liquidação de um tributo. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, E.P.E.
Recorrido 1:C., LDA. e Outros.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
A ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, E.P.E. (devidamente identificada nos autos) ré na ação administrativa que contra si foi instaurada em 09/03/2018 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga por C., LDA. (igualmente devidamente identificado nos autos) em que foram identificados como contrainteressados (1) a DIRECÇÃO GERAL DE ENERGIA E GEOLOGIA-DGEG; (2) o FUNDO AMBIENTAL; (3) a B., SA; (4) a C., SA; (5) a P., SA; (6) a R., SA; (7) a O., SA; (8) a A., LDA e (9) a P., SA, inconformado com a decisão proferida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo datada de 19/06/2019 (fls. 434 SITAF) pela qual declarou a área administrativa materialmente incompetente para apreciar a questão objeto dos autos e determinou a remessa dos autos à área tributária daquele Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 463 SITAF), pugnando pela revogação da decisão recorrida considerando-se o Tribunal Administrativo competente em razão da matéria para decidir a ação, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
A. Entendeu o Tribunal a quo não ser competente em razão da matéria para conhecer dos presentes, tendo remetido os mesmos para o Tribunal Fiscal de Braga, pois que, “Atento os contornos do litígio evidenciados quer pela Petição Inicial quer pelos documentos juntos com o mesmo articulado, está em causa, e em suma, a (i) legalidade do acto - decisão proferida no processo n.º 013/UB/2016, a correr termos nos serviços da Ré - ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, EPE, que determinou o pagamento da quantia de €4.516.000,00 (quatro milhões quinhentos e dezasseis mil euros) à Autora relativos a compensações pelo alegado incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustível relativas ao ano de 2015”.

B. Partindo da necessidade da necessidade de apurar da natureza da compensação, o douto Tribunal a quo questiona, sem mais, se “As compensações pela incorporação deficiente de biocombustível, devidas nos termos do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro (supra referido) constituem tributos?”, mais tendo concluindo que, “No caso em apreço, está em causa, manifestamente, a aplicação de normas de direito fiscal uma vez que a pretensão as compensações previstas no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 constituem tributos (públicos), revestindo as características próprias acima referidas – são prestações pecuniárias coactivas, devidas a entidades públicas para satisfação das suas finalidades.”

C. Justificou o douto Tribunal a quo sua convicção, assim descrita, no facto de:

“O Decreto-Lei n.º 117/2010 citado (..) estabelece um regime de compensações e contra-ordenações relativamente aos operadores que desrespeitem as suas obrigações de incorporação, sendo que uma das obrigações – a que aqui releva – é a aquisição de títulos de biocombustíveis a terceiros, sendo estes em princípio transaccionáveis em mercado por produtores e incorporadores. Dispondo o artigo 24.º do citado DL, que sempre que os operadores não consigam apresentar títulos de biocombustíveis (TdB) que atestem o cumprimento das respectivas obrigações de incorporação ficam sujeitos ao pagamento de compensações, determinadas por cada TdB que esteja em falta.”;
“No caso de o operador não cumprir, a ENMC despoleta o procedimento de imposição do pagamento da compensação aplicável (..)”;
“(..) também por vontade do legislador, que o facto gerador da obrigação de pagar as compensações estabelecidas no citado artigo 24.º do DL n.º117/2010, está no incumprimento das obrigações de incorporação previstas no referido artigo 11.º, relativa à falta de apresentação dos TdB, sendo a vontade das partes irrelevante quer quanto ao seu conteúdo, validade e momento, pois que na falta da apresentação referida, nasce de imediato a obrigação legal de pagar as compensações.”;
“As compensações que no DL n.º 117/2010 estão fixadas são devidas a entidades públicas para a satisfação das suas finalidades próprias.”

D. Ora, com o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o pugnado pelo douto Tribunal recorrido pois que, não só a Autora Recorrida configurou a ação como administrativa, na perspetiva de que o ato de aplicação de compensações tem natureza administrativa, bem como se verifica manifesto erro de julgamento quanto à natureza da compensação do n.º 1 do 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, ao ter o douto Tribunal a quo qualificado a mesma como ato de liquidação tributário, configurando a referida compensação, isso sim, um ato administrativo sancionatório (que não contraordenacional).
Senão vejamos:

E. Na doutra sentença ora em recurso é feita uma análise à legislação dos biocombustíveis, concluindo-se que a compensação reveste as características típicas dos tributos públicos atenta a sua estrutura, procedimento de aplicação e regras de afetação da receita que não permitem qualificá-la como sanção (administrativa).
Ora,

F. Do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, sob a epígrafe metas e obrigação de incorporação, emerge, prima facie, a obrigação que leva à compensação em caso de incumprimento.

G. Este preceito sofreu diversas alterações16, sendo que o essencial manteve-se sem alterações, a saber:
• A menção, precisa, à existência de uma obrigação, que consta do n.º 1, nos seguintes termos: “As entidades (…) abreviadamente designadas por incorporadores, estão obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação nas seguintes percentagens de biocombustíveis (…)”;
• O estabelecimento, com ligeiras variações nas diversas versões, do procedimento a que fica sujeito o particular, com vista a demonstrar o cumprimento da obrigação (a obrigação de incorporação é comprovada, trimestralmente, através da apresentação de títulos de biocombustíveis junto da entidade fiscalizadora especializada para o setor energético, pelos incorporadores).

H. Há, assim, inequivocamente, uma obrigação e há também um procedimento destinado a provar o seu cumprimento, sendo que, o diploma legal é perfeitamente claro em relação ao facto de não existir substituto para a apresentação de TdB’s, havendo, isso sim, mais de uma forma de obter os TdB’s, como seja através da incorporação de biocombustíveis ou da aquisição a quem tenha títulos em excesso.

I. Assim, a alternativa existe, com vista a estimular o comportamento do mercado (aqui se findando a margem de opção que a lei concede), em incorporar ou adquirir de quem incorporou “em excesso” e tem títulos disponíveis para serem transacionados, o que significa que, a lei não fixou um sistema com três alternativas: i) incorporação; ii) aquisição; iii) pagamento de taxa ou imposto, através da compensação.

J. Não existe uma equivalência, nem a lei parece indicar, em momento algum, que ou entrega TdB’s ou paga tributo, não havendo, assim, a apresentação de uma alternativa de cumprimento através de um mecanismo fiscal. A compensação é algo que surge após o incumprimento, que visa reparar ou reestabelecer a ordem jurídica violada ou, de outro modo, as consequências da violação.
Mais ainda,

K. O diploma legal em apreço tem um Capítulo V, dedicado a Compensações e regime contraordenacional, sendo que este enquadramento sistemático não deve, do ponto de vista interpretativo, ser tido por inócuo.

L. Na verdade, a partir dele conseguimos intuir dois aspetos relevantes: i) as compensações e as contraordenações são realidades distintas (o que, aliás, resulta também do disposto nos artigos 26.º e 27.º do diploma legal); ii) o legislador agrupou, no mesmo capítulo, realidades distintas do cumprimento e que importam apenas em situações de incumprimento. Dito de outro modo, as consequências do incumprimento são agrupadas num capítulo dedicado a sanções ou, mais amplamente, à reação e compensação do incumprimento (havendo reposição da legalidade violada).
M. Este capítulo sofreu, nos seus dois artigos principais, os artigos 24.º e 25.º, algumas alterações desde a sua entrada em vigor, sendo que, tais alterações reforçam a ideia de que estamos perante duas reações sancionatórias administrativas, ainda que, em dado momento, de natureza diferente (sendo que, como há muito é reconhecido, a distinção entre sancionar e reparar o mal feito é ténue).
Ora,

N. Do Artigo 24.º na versão inicial, resultava que:
“1 - Pelo incumprimento do disposto no n.ºs 1 e 3 do artigo 11.º e do n.º 1 do artigo 28.º ficam os incorporadores sujeitos ao pagamento de compensações num valor a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da energia e do ambiente, por cada TdB em falta.
(..)
3 - A determinação e a liquidação do pagamento de compensações devidas competem à DGEG.”

O. Assim, a obrigação de pagar uma compensação está construída como um caso de responsabilidade, pela violação de uma obrigação determinada - (..) Pelo incumprimento (…) ficam os incorporadores sujeitos ao pagamento de compensações.” -, surgindo, assim, como uma sanção.

P. Por outro lado, atente-se à remissão que é feita para um instrumento regulamentar, com vista a aferir o quantum da sanção17, o que configura um comportamento típico no Direito Sancionatório Público não penal (Na verdade, os ramos como o Direito do Ambiente ou o Direito da Energia e outros de elevada complexidade técnica convocam, muitas vezes, a necessidade de recorrer a disposições sancionatórias em branco).

Q. Vejamos, então, a versão seguinte, que resultou do Decreto-Lei n.º 69/2016 (a versão em vigor à data dos factos relevantes aos presentes):
“Artigo 24.º Compensações
1.O incumprimento das obrigações de apresentação dos TdB como comprovativo da incorporação de biocombustíveis nos termos do n.º 2 do artigo 11.º e dos artigos 13.º e 18.º determina o pagamento de compensações no valor de (euro) 2 000, por cada TdB em falta.
2.Em alternativa ao disposto no número anterior, a ENMC, E. P. E., mediante requerimento do incorporador, pode autorizar o cumprimento da obrigação de incorporação no trimestre seguinte, considerando-se a obrigação cumprida com a apresentação dos TdB na razão de 1,5 vezes por cada TdB em falta.
3. Para efeitos do número anterior, os incorporadores apresentam o requerimento junto da ENMC, E. P. E., até ao final do mês seguinte ao trimestre a que respeita o incumprimento.
4. No caso de os incorporadores em incumprimento não regularizarem a respetiva obrigação de incorporação nos termos dos números anteriores, a ENMC, E. P. E., determina a suspensão da certificação de interveniente do Sistema Petrolífero Nacional, emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 244/2015, de 19 de outubro, até à regularização da situação de incumprimento.
5. A determinação e liquidação do pagamento das compensações, bem como a suspensão da certificação, competem à ENMC, E. P. E.
6.No caso de aplicação do disposto no n.º 2, a ENMC, E. P. E., deve proceder ao cancelamento dos TdB em número equivalente ao número de TdB em falta, devendo os remanescentes reverter para a DGEG, que os pode colocar a leilão juntamente com os TdB correspondentes aos biocombustíveis introduzidos no consumo pelos pequenos produtores dedicados que beneficiem de ISP.
7. Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 19.º, a receita obtida com estes TdB reverte para o Fundo Português de Carbono e para o Fundo de Eficiência Energética, na proporção prevista no n.º 1 do artigo 27.º”

R. Ora, se dúvidas existissem em relação à qualificação da compensação, como sanção administrativa, elas, claramente, se desvanecem com esta redação do preceito legal. É que, não só se mantém tudo o que era essencial para ab initio, qualificar a medida como sanção administrativa, como se acrescentam elementos que tornam inviável a ponderação de outro enquadramento, pois que, o n.º 2 do artigo 24.º supra, passa a prever uma alternativa compensatória.

S. A existência desta alternativa leva a que fique eliminada a possibilidade de se qualificar como tributo o mecanismo aqui previsto pois que, não há um facto que, verificado, faça, ope legis, nascer a obrigação pretensamente tributária.

T. Na verdade, nunca o mecanismo teve essa natureza, dependendo, sempre, de um procedimento que culminava com uma decisão de compensação, que era feita após a aplicação de regras fixadas em regulamento administrativo, por uma Entidade Administrativa, com funções de regulação (em sentido amplo) e fiscalização da atividade económica. No entanto, a partir desta configuração, temos uma decisão de imposição de um sacrifício pecuniário, que só surge após a verificação de incumprimento de uma regra legal (e que não é, reitere-se, uma forma de cumprimento), sendo que, esta sanção, que, como tantas outras, tem um intuito reparador, pode, depois, ser substituída, através de um pedido feito à Administração - temos aqui uma possibilidade de evitar a pena principal, através de uma obrigação alternativa, reforçada, que constitui um sacrifício adicional (que é justificado apenas pelo facto do particular se encontrar em incumprimento).

U. Dando, porém, a nota definitiva em relação à natureza administrativa sancionatória, encontramos o disposto nos n.ºs 3 e 4 supra transcritos. É que, estamos, naturalmente, perante medidas típicas de decisões administrativas sancionatórias (as revogações, as suspensões de atividade…), que quadram mal (ou são mesmo incompatíveis) com atribuir uma natureza de tributo à compensação, mais a mais quanto existe ainda um regime contraordenacional associado.

V. Ora, o tributo é automático perante o facto relevante, não é uma reação a um incumprimento, não é substituível por outra medida de reparação, não é acompanhado por medidas administrativas sancionatórias, respeitantes à atividade desenvolvida, nomeadamente de efeito suspensivo.

W. Atentando, agora, ao artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, relativo às Contraordenações, na versão inicial do diploma, em que a sanção/compensação não tinha alternativa nem acarretava a suspensão, fazia-se acompanhar de uma medida sancionatória contraordenacional, no âmbito da qual, aliás, poderiam ser determinadas medidas penalizadoras (acessórias) para além da coima, nos termos gerais. Num momento seguinte, em que a sanção administrativa compensação foi robustecida nos termos supra expostos, tornou-se desnecessário manter, em paralelo, o ilícito de mera ordenação social, o qual subsistiu apenas para o incumprimento da compensação (e não já para o incumprimento da apresentação de TdB ’s), sendo que tal também é demonstrativo de que estamos perante uma medida, uma decisão administrativa sancionatória. Mais,

X. A ideia de que o Direito Sancionatório se reconduz ao binómio Penal/ Contraordenacional é não só redutora, como desacertada, sendo desmentida não só pela vasta prática administrativa, mas, desde logo, pela Lei Fundamental.

Y. Assim, encontramos uma primeira base para a existência de um Direito Sancionatório Público, não Penal e não Contraordenacional no artigo 32.º, n.º 10, da CRP ao prever que “Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.”, parecendo facto indesmentível que a Constituição prevê outros processos sancionatórios, distintos das Contraordenações e do Direito Penal.

Z. A que acresce o facto de os poderes sancionatórios públicos não se cingem às medidas penais e contraordenacionais nem tão pouco os poderes administrativos sancionatórios são exercidos, em exclusivo, por entidades que pertencem organicamente à Administração Pública. Na verdade, a possibilidade de uma entidade como a ora Autora Recorrente aplicar sanções administrativas, tendo em conta o seu escopo, parece apenas alinhado com o presente estádio de evolução do Direito Administrativo.

AA. Tomando as palavras do Conselheiro Rosendo Dias José, “A Constituição da República permite (…) uma multiplicidade de sanções, como resulta do artigo 30.º, as quais têm de submeter-se aos critérios substanciais que derivam dos direitos fundamentais e garantias dos cidadãos. (…) Para editar essas sanções a Constituição não reserva a competência para a Assembleia da República, mas, como resposta ou reação do direito à ordem violada estão sujeitas à existência de lei prévia, a qual pode ser um Decreto-lei (…) à Administração, pode a lei confiar a imposição de sanções aos particulares”.

BB. No mesmo sentido, encontramos a posição de Freitas do Amaral, no seu ensino a propósito das tipologias de atos administrativos, ensinando que dentro dos atos primários encontramos os atos impositivos e, dentro destes, temos as seguintes categorias: i) atos de comando; ii) atos punitivos, iii) atos ablativos; iv) os juízos. Ora, quanto à categoria dos atos punitivos, é referido que os «actos punitivos» são aqueles que impõem a alguém – individuo ou pessoa coletiva – uma sanção de caráter administrativo, sendo dados como exemplos a pena disciplinar e a revogação de uma licença, a uma empresa, por não cumprimento dos deveres impostos no alvará ou na lei que regula o exercício de determinada atividade, mais distinguindo o mesmo autor os vários tipos de sanções, elencando as disciplinares, as municipais, a contraordenacionais e as institucionais ou corporativas, dizendo, quanto às últimas, que se aplicam a entidades que estão sujeitas por lei a fiscalização de determinadas entidades públicas.

CC. Também Miguel Prata Roque defende que “(…) esse bloco de fontes normativas que dá pelo nome de Direito Sancionatório, em sentido amplo, não pode senão ser qualificado como próprio do Direito Público. Sucede, porém, que ele abrange todas as expressões de exercício de poder sancionatório, cometido a outros órgãos de pessoas coletivas públicas (ou privadas), encarregues da prossecução de funções públicas, sejam elas jurisdicionais ou administrativas. Entre essas manifestações (..) destaca-se (..) o exercício do poder punitivo penal. Mas o exercício da ação, perseguição e punição penal não esgota a panóplia de poderes sancionatórios públicos. Como ele convivem ainda: i) o “poder sancionatório contraordenacional”; ii) o “poder sancionatório disciplinar (público)”; iii) o “poder sancionatório financeiro”; e iv) o “poder sancionatório administrativo”, em sentido estrito. Daí que possa – e deva – falar-se, com toda a propriedade, num verdadeiro e autónomo ramo de Direito Sancionatório Público.” (sublinhado nosso)

DD. Aliás, a existência de um Direito Sancionatório Público, que vai muito além do Direito Penal e, sobretudo, do próprio Ilícito de Mera Ordenação Social, parece ser um dado inquestionável e, mesmo, inultrapassável. Desde logo, porque os Estados de Direito Democráticos – em homenagem ao princípio da proporcionalidade – têm vindo a consolidar uma estrutura multifacetada de sanções tendentes à garantia do cumprimento do bloco de normatividade vigente, mas por outro lado, também, a complexidade da organização do exercício dos poderes públicos, oriundos de uma multiplicidade de níveis de atuação e de sujeitos no âmbito de um paradigma regulador e de supervisão, não prescinde de instrumentos sancionatórios destinados a conduzir os comportamentos (como toda a previsão de sanção) e a assegurar o eficaz restabelecimento das violações verificadas, muitas vezes em sectores de elevada complexidade, que não se compadecem, nem carecem da pena ou da coima, mas não prescindem da existência da sanção. A este propósito, Miguel Prata Roque fala de um verdadeiro Direito Sancionatório Administrativo strictu sensu. Pelo que, o Direito Sancionatório Administrativo é não só uma realidade sustentada, com o uma necessidade inafastável, sendo que nos parece evidente que a compensação integra este ramo, não assumindo a feição de tributo.
Mais,

EE. Se existe área em que as sanções administrativas não devem suscitar sequer espanto é, precisamente, o ambiente (e contiguamente a energia), pois que são áreas complexas tecnicamente, em que há forte enquadramento regulatório e de supervisão das atividades. Como, aliás, Mário Ferreira Monte, in A regulação no contexto do Direito Sancionatório. Em especial, os sectores da energia e do ambiente, a regulação no ambiente é um meio complementar que pode evitar o uso excessivo de outros meios, referindo-se, no caso, ao Direito Penal e ao Ilícito de Mera Ordenação Social.

FF. A regulação e supervisão das atividades energéticas e ambientais, como sucede no caso, precisa de mecanismos de regulação, capazes de impor sanções e, por essa via, orientar, preventivamente, mas também reprimir, certos comportamentos, com recurso, naturalmente, ao Direito Sancionatório Administrativo, visto que, não parece adequado chamar a algo tributo quando, na verdade, é claramente uma sanção.

GG. Ora, o facto de a competência para a prática desta decisão sancionatória ter sido, a partir de determinado momento, cometida a uma entidade com as características e a missão da ora Recorrente surge como um elemento argumentativo adicional. É que, estamos perante uma EPE, a quem foram atribuídas por lei competências de fiscalização e, lato sensu, supervisão na área energética, sendo que, o controlo que esta entidade exerce não tem que ver com o arrecadar receita em modos tributários, importando, antes, o controlo dos agentes do sector e a conformidade do comportamento destes com as regras legalmente estabelecidas.
Pelo que, também por força da natureza da entidade que aplica a sanção, pelo modo como o faz e tendo em conta atuação em que esta atividade se insere, dificilmente poderíamos afirmar a compensação como um tributo.

HH. Em boa verdade, e salvo melhor opinião, atrevemo-nos mesmo a afirmar da insusceptibilidade de enquadramento da referida compensação enquanto tributo.
Vejamos:

II. O atual quadro normativo – Lei Geral Tributária (LGT) – aponta para o acolhimento de um conceito amplo de ato tributário compreendendo todos e quaisquer atos que possam ser praticados no domínio das relações tributárias (i.e., os atos de liquidação de tributos propriamente ditos e os “atos administrativos em matéria tributária”. Mas independentemente de qual seja a subespécie de ato tributário em causa, a verdade é que enquanto atos que consubstanciam decisões, eles finalizam um procedimento de apuramento e determinação da obrigação tributária na situação concreta.

JJ. José L. Saldanha Sanches adota um conceito lato de tributo para os designar como “as receitas cobradas pelo Estado ou por outros entes públicos para a satisfação de necessidades públicas, sem função sancionatória” 26 (sublinhado nosso).

KK. Para Casalta Nabais, o conceito de tributo pode ser definido a partir de uma decomposição em três elementos: objetivo, subjetivo e teleológico. Do ponto de vista objetivo, o tributo corresponde a uma prestação reveladora da natureza obrigacional das relações jurídicas que origina, materialmente pecuniária e coativa, já que tendo como fonte a lei são, por conseguinte, obrigações ex lege. No sentido subjetivo, os tributos são criados em benefício de pessoas coletivas de direito público, cujos encargos se destinam a financiar. E, do ponto de vista teleológico, os tributos são exigidos pelas mencionadas entidades para a realização das suas funções desde que não assumam carácter sancionatório. Isto significa, que os tributos podem ter uma finalidade não apenas financeira ou fiscal, mas também outras finalidades, como as económicas ou sociais, excluída que esteja, sempre a função sancionatória.

LL. Ora, in casu, o que se pretende é penalizar é a não apresentação dos títulos de biocombustíveis para comprovação do cumprimento de metas de incorporação de biocombustível no combustível introduzido ao consumo no ano de 2016 pela Autora Recorrida. A norma pretende, pois, que haja uma conduta ativa por parte dos agentes para o cumprimento das metas de incorporação, sob pena de lhes ser aplicada uma consequência jurídica desfavorável – a compensação. Assim, finalidade de juridicamente punir tal comportamento é, pois, cabalmente avessa à qualificação de natureza tributária, não podendo o valor pecuniário previsto na norma em causa ser considerado como qualquer espécie de tributo.

MM. Adicionalmente, não há aqui um mecanismo de sujeição ex lege ao tributo, não existindo, in casu, a prática de um facto tributário que faz, sem mais, nascer o tributo - há, sim, um procedimento, uma possibilidade de substituição e uma sanção paralela de suspensão.

NN. Ora, todos os indícios supra negam a natureza fiscal e, assim, a existência de um ato tributário. Na verdade, para se equacionar a natureza tributária a legislação teria de ter configurado a compensação como uma opção fiscal, lícita, de cumprimento da obrigação. E como acabámos de ver, o tributo nunca pode assumir uma natureza sancionatória, sendo que, dúvidas não se colocam quanto à qualificação da norma em apreço como sancionatória. Donde se conclui que à compensação em causa, não subjaz qualquer tipo de montante pecuniário que possa ser considerado como tributo, pois que a sua índole penalizadora / sancionatória / reparadora afasta aquela qualificação, nos termos expostos.

OO. De todo o modo, sempre se diga que a questão de competência in casu, fica resolvida por natureza, pois que sendo sanção, sem ser contraordenação, aplicada por uma entidade pública ou em exercício de poderes públicos, parece evidente a configuração de uma relação jurídico-administrativa, sujeita, assim, aos tribunais administrativos.

PP. Era já essa a opinião de Rosendo Dias José quando referia que, além da proteção dos administrados derivada das regras constitucionais que estabelecem direitos e garantias específicas, essa proteção completa-se em matéria de sanções administrativas pela garantia de acesso ao direito e aos tribunais do art.º 20.º, da garantia de recurso contencioso do art.º 268.º, n.º 4 e da garantia de acesso à justiça administrativa para a tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos, sendo que, a matéria também parecer pacífica na jurisprudência. Veja-se, a exemplo, o Acórdão do STA, de 26/10/2004, tirado no processo n.º 1158/03, relatado pelo Desembargador Políbio Henriques, a propósito de uma multa administrativa aplicada no âmbito do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (“REJB”), e em que se afasta esta multa e possibilidade de resolução do regime contraordenacional e se assume, então, plenamente a competência da jurisdição administrativa.

QQ. E por fim, num estudo recente, que já citámos, da autoria de Miguel Prata Roque, é referido que em contrapartida, as “sanções disciplinares (públicas)”, as “sanções financeiras” e as “sanções administrativas «stricto sensu»” permanecem adstritas à jurisdição administrativa, salvaguardando-se assim o núcleo essencial das situações jurídico-administrativas a ela sujeitas.

RR. Assim, sendo a compensação uma sanção administrativa, parece que não há alternativa à competência da jurisdição administrativa!

SS. Mais se diga que é com grande surpresa que vem agora o douto Tribunal a quo considerar-se materialmente incompetente para conhecer do objeto dos presentes pois que numa outra acção administrativa cautelar em que era titular a mesma juiz de Direito titular dos presentes, e que correu termos na Unidade Orgânica deste Douto Tribunal sobre o n.º de Processo 16/17.8BEBRG-A, e em que a Requerente, ora Recorrida, requereu a suspensão do ato administrativo de aplicação de compensações do artigo 24.º do Decreto-Lei 117/2010, pelo incumprimento das obrigações da Autora Recorrida, como incorporador, das suas obrigações de incorporação do n.º 1 do artigo 11.º do mesmo Diploma, este mesmo o douto Tribunal Administrativo de Círculo de Braga considerou-se competente em razão da matéria para conhecer da relação material controvertida!

TT. Donde, por todo o exposto, e em súmula,
• a compensação prevista no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro de 2010, desde a sua redação inicial até ao momento, tem a natureza de uma sanção administrativa (não penal e não contraordenacional), que exclui a hipótese da qualificação como tributo;
• O mecanismo da compensação tem todas as características que habilitam a sua qualificação como sanção administrativa;
• Face à qualificação como sanção administrativa, que exclui a possibilidade de qualificar a decisão de compensação como um ato tributário, nos termos supra, parece inegável que a competência para avaliar a respetiva impugnação judicial pertence à jurisdição administrativa.


Não foram apresentadas contra-alegações.

*
Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Norte, e nele notificado o Digno Magistrado do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, emitiu Parecer (fls. 155 SITAF) no sentido de o recurso merecer provimento, pelos seguintes fundamentos:
«(…)
6 – Reconhecendo-se que a questão que nos é proposta neste recurso se apresenta próxima da precisa linha da fronteira que idealmente separa a jurisdição administrativa da jurisdição tributária, cremos contudo que existem argumentos mais impressionantes, se não mesmo decisivos, no sentido da atribuição da competência à jurisdição administrativa, tal como defende a própria Entidade Nacional do Sector Energético na sua alegação de recurso.
7 – Na verdade, e não deixando de ser sensíveis à tese bem construída que está na base da posição adoptada na decisão recorrida, tendemos a considerar, em sentido contrário, que estamos perante matéria do foro administrativo.
8 – Comecemos por atentar na redacção do artigo em que se baseou a decisão administrativa ora impugnada:
«Decreto-Lei n.º 69/2016 (a versão em vigor à data dos factos):
…Artigo 24.º Compensações
1. O incumprimento das obrigações de apresentação dos TdB como comprovativo da incorporação de biocombustíveis nos termos do n.º 2 do artigo 11.º e dos artigos 13.º e 18.º determina o pagamento de compensações no valor de (euro) 2 000, por cada TdB em falta.
2. Em alternativa ao disposto no número anterior, a ENMC, E. P. E., mediante requerimento do incorporador, pode autorizar o cumprimento da obrigação de incorporação no trimestre seguinte, considerando-se a obrigação cumprida com a apresentação dos TdB na razão de 1,5 vezes por cada TdB em falta.
3. Para efeitos do número anterior, os incorporadores apresentam o requerimento junto da ENMC, E. P. E., até ao final do mês seguinte ao trimestre a que respeita o incumprimento.
4. No caso de os incorporadores em incumprimento não regularizarem a respetiva obrigação de incorporação nos termos dos números anteriores, a ENMC, E. P. E., determina a suspensão da certificação de interveniente do Sistema Petrolífero Nacional, emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 244/2015, de 19 de outubro, até à regularização da situação de incumprimento.
5. A determinação e liquidação do pagamento das compensações, bem como a suspensão da certificação, competem à ENMC, E. P. E.
6. No caso de aplicação do disposto no n.º 2, a ENMC, E. P. E., deve proceder ao cancelamento dos TdB em número equivalente ao número de TdB em falta, devendo os remanescentes reverter para a DGEG, que os pode colocar a leilão juntamente com os TdB correspondentes aos biocombustíveis introduzidos no consumo pelos pequenos produtores dedicados que beneficiem de ISP.
7. Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 19.º, a receita obtida com estes TdB reverte para o Fundo Português de Carbono e para o Fundo de Eficiência Energética, na proporção prevista no n.º 1 do artigo 27.º” »
9 – Trata-se assim de uma decisão que, no caso de ser verificado o incumprimento da obrigação legal de incorporação mínima de biocombustível nos produtos vendidos pelas empresas do sector dos combustíveis, prevê que a recorrente imponha o pagamento de compensações devidas pelas mesmas empresas ou, no caso do número dois acima transcrito, e em alternativa a esse pagamento, pode a ENSE, mediante requerimento do incorporador, autorizar o cumprimento da referida obrigação de incorporação mínima no trimestre seguinte, considerando-se a obrigação cumprida com a apresentação dos TdB na razão de pelo menos 1,5 vezes por cada TdB em falta.
10 – Regime que desde logo pela sua manifesta flexibilidade sancionatória afasta sensivelmente a decisão administrativa em causa da natureza e regime dos impostos, tributos, taxas e outras imposições administrativas tributárias.
11 – Mas também a possibilidade de suspensão da actividade das empresas do sector pela ENSE, em caso de incumprimento, que se encontra prevista no número 4 acima transcrito é uma sanção que não se quadra com um imposto ou uma taxa, pois como é sabido são de tipo diverso as consequências do respectivo não pagamento.
12 – Tal como a entidade recorrente bem assinala nos artigos 53º a 57º da sua alegação de recurso, no âmbito do conjunto de normas a que se pode chamar em sentido amplo o Direito Sancionatório cabem de forma natural as decisões punitivas das entidades públicas a quem incumbe legalmente a fiscalização e controle de determinados sectores da actividade económica, tal como é, seguramente, o caso da ENSE.
13 – E essa actividade reguladora, fiscalizadora e punitiva, está integrada na actividade administrativa, pois não se compreenderia que uma tributação tivesse prima facie uma natureza sancionatória ou punitiva.
14 – Assim, não se desconhecendo a existência da tese «ampliativa» da noção de questão fiscal, que é exposta com profundidade na decisão recorrida, concluímos que as objecções que lhe são feitas na alegação de recurso, para onde no mais remetemos, com a devida vénia, são suficientes para afectar a validade dos respectivos fundamentos e determinar a respectiva revogação.»

Sendo que dele notificadas as partes nenhuma se apresentou a responder.
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Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso é objeto do presente recurso a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga datada de 19/06/2019 (fls. 434 SITAF) pela qual se declarou a área administrativa materialmente incompetente para apreciar a questão objeto dos autos e se determinou a remessa dos autos à área tributária daquele Tribunal, sendo a questão essencial a decidir a de saber se a identificada decisão incorreu em erro de julgamento, devendo ser revogada, como propugnado pela recorrente, por a competência material para conhecer da ação pertencer aos tribunais administrativos e não aos tributários, como decidido.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Da decisão recorrida
A Mmª Juíza a quo declarou a área administrativa materialmente incompetente para apreciar a questão objeto da ação e determinou a remessa dos autos à área tributária daquele Tribunal, com a seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«(…)
Ora, considerando as partes envolvidas, a causa de pedir e os pedidos formulados coloca-se a questão de saber se este tribunal é materialmente competente para conhecer do litígio dos presentes autos, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 13.º do CPTA, “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria
Importa, pois conhecer da eventual existência da excepção dilatória [(in) competência material) insuprível de conhecimento oficioso (Cfr. artigos 577.º, al d), 578.º, 576.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 13.º do CPTA).
Acrescente-se que o respeito pelo princípio do contraditório não exige que o tribunal ouça previamente as partes sobre a incompetência material, pois tal princípio apenas é actuante no contexto das relações processuais inter partes e a excepção em causa é de conhecimento. Assim, atento o princípio da celeridade processual e o disposto na parte final do n. º3 do artigo 3.º do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPTA, entende-se desnecessário observar o contraditório sobre esta questão.
A competência é um pressuposto processual (requisito essencial), sem o qual o juiz se pronuncia sobre o pedido formulado.
A competência constitui um dos pressupostos processuais (tal como a personalidade e capacidade judiciárias e a legitimidade), que se enquadra no âmbito das questões prejudiciais, essenciais à formação da instância.
Como ponto prévio, importa notar que a competência do tribunal determina-se pela substância do pedido formulado pelo Autor e pelos factos concretos da causa de pedir.
Atentaremos, então, sobre o requisito processual atinente à competência, tornando-se imperioso analisar o primeiro nível da sua concretização – a competência em razão da matéria -.
A competência em razão da matéria dos Tribunais Administrativos e Fiscais está estabelecida no n.º 4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), na redacção do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro.
Analisada a pretensão material enunciada pela Autora, constata-se pretender sindicar da legalidade da decisão final, proferida pela Ré ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, EPE, no âmbito do processo n.º 06/UB/2017, de verificação do incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustível para o segundo trimestre ano de 2017, condenou a Autora ao pagamento da compensação de 146.000,00€, correspondente a 73 TdB em falta. (Sublinhado nosso).
Atendendo aos contornos do litígio evidenciados quer pela Petição Inicial quer pelos documentos juntos com o mesmo articulado, está em causa, e em suma, a (i) legalidade do acto - decisão proferida no processo n.º 06/UB/2017, a correr termos nos serviços da Ré - ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, EPE, que determinou o pagamento da quantia de 146.000,00€, relativos a compensações pelo alegado incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustível relativas ao segundo trimestre do ano de 2017.
É essencial apurar a natureza destas compensações.
As compensações pela incorporação deficiente de biocombustível, devidas nos termos do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro (supra referido), constituem tributos?
Vejamos:
Diz-se tributo (público) a prestação pecuniária e coactiva, exigida por entidade pública, com o fim de angariar receita. Constitui, pois, o objecto principal de uma relação jurídica de natureza obrigacional, por força da qual alguém fica adstrito com outro à realização de um comportamento que a lei reconhece judicialmente exigível. Importa, pois, desde já, aqui chamar à colação o prescrito nos artigos 1.º e 31.º da LGT.
Salienta Luís Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I pág. 13-17 (Coimbra), sobre a noção de obrigação e a sua importância no domínio do Direito Fiscal “o esquema essencial da relação jurídica obrigacional serve, de amparo técnico a todo o direito fiscal moderno, o que bem se pode testemunhar pelo teor e sistematização da LGT e das nossas codificações tributárias, atestando, também neste domínio, a importância que o direito das obrigações reveste na estruturação e análise dos demais ramos do direito.”
Como resulta do disposto no artigo 40.º da LGT as prestações pecuniárias são pagas “em moeda corrente ou por cheque, débito em conta, transferência conta a conta e vale postal ou por outros meios utilizados pelos serviços dos correios ou pelas instituições de crédito que a lei expressamente autorize”, sem que tal pagamento resulte de um acordo das partes, bem pelo contrário, constitui uma obrigação gerada pela mera concretização de um pressuposto legal, característica esta plasmada no artigo 36.º da LGT, do qual resulta que a relação jurídica tributária se constitui com a mera verificação do “facto tributário” e que os elementos essenciais dessa relação jurídica “não podem ser alterados por vontade das partes”.
No que ao elemento subjectivo respeita, os tributos (público) são prestações devidas a entidades públicas, bastando atentar, desde logo no disposto no n.º1 do artigo 18.º da LGT que diz: “sujeito activo da relação tributária é a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias”.
Atentemos na situação em causa.
À semelhança de outros Estados Membros da EU, também, em Portugal as energias renováveis têm vindo a assumir um papel de destaque na defesa da sustentabilidade sendo que a principal legislação nacional referente aos biocombustíveis, centra-se essencialmente nos Decretos-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, 141/2010, de 31 de Dezembro, 142/2010, de 31 de Dezembro, 224/2012, de 16 de Outubro, 6/2012, de 17 de Janeiro, 69/2016, de 3 de Novembro e 152-C/2017, de 11 de Dezembro (que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/1513 e altera o DL n.º 117/2010) e nas Portarias n.º 41/2011, de 19 de Janeiro, 301/2011, de 2 de Dezembro e 8/2012, de 4 de Janeiro.
O Decreto-Lei n.º 117/2010 citado, que corresponde à transposição e desenvolvimento da Directiva n.º2009/28, relativa à promoção das energias renováveis, fixa os critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis e os métodos de verificação do seu cumprimento, define regras próprias para a comercialização dos biocombustíveis, as metas temporais em termos de incorporação de combustíveis, definindo os operadores económicos que a elas estão obrigados, e estabelece um regime de compensações e contra-ordenações relativamente aos operadores que desrespeitem as suas obrigações de incorporação, sendo que uma das obrigações – a que aqui releva – é a aquisição de títulos de biocombustíveis a terceiros, sendo estes em princípio transaccionáveis em mercado por produtores e incorporadores. Dispondo o artigo 24.º do citado DL, que sempre que os operadores não consigam apresentar títulos de biocombustíveis (TdB) que atestem o cumprimento das respectivas obrigações de incorporação ficam sujeitos ao pagamento de compensações, determinadas por cada TdB que esteja em falta.
Os artigos 11.º e 13.º do DL n.º 117/2010 fixam que os “incorporadores” devem comprovar periodicamente o cumprimento das suas obrigações através da apresentação de títulos de biocombustíveis à entidade competente, cada um deles atestando a incorporação de uma tonelada equivalente de petróleo de biocombustíveis destinados a serem introduzidos no consumo nacional, sendo a emissão destes TdB da competência do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), os quais são livremente transaccionáveis por produtores e incorporadores de biocombustíveis, através de uma plataforma electrónica de criação pública, por forma a criar um verdadeiro mercado de títulos que facilite o cumprimento das obrigações dos operadores do sector e do Estado Português.
No caso de o operador não cumprir, a ENMC despoleta o procedimento de imposição do pagamento da compensação aplicável – 2.000€ por cada TdB em falta – conforme definido no DL 117/2010 (artigo 11.º) com as alterações do DL n.º 69/2016, com referência à Portaria n.º 301/2011.
Do citado artigo extrai-se que o legislador constituiu uma obrigação a ser satisfeita através do pagamento em dinheiro ou meio equivalente e que dá corpo a uma relação jurídica que vincula os “incorporadores” de biocombustíveis, tal como definidos pelo próprio normativo (artigo 11.º do DL n.º117/2010), para com a Direcção – Geral da Geologia e Energia (DGEG), entidade a quem deve ser feito o pagamento. E, resulta ainda, também por vontade do legislador, que o facto gerador da obrigação de pagar as compensações estabelecidas no citado artigo 24.º do DL n.º117/2010, está no incumprimento das obrigações de incorporação previstas no referido artigo 11.º, relativa à falta de apresentação dos TdB, sendo a vontade das partes irrelevante quer quanto ao seu conteúdo, validade e momento, pois que na falta da apresentação referida, nasce de imediato a obrigação legal de pagar as compensações.
As compensações que no DL n.º117/2010 estão fixadas são devidas a entidades públicas para a satisfação das suas finalidades próprias.
No caso em concreto é á Direcção – Geral da Geologia e Energia (DGEG), a entidade a quem deve ser feito o pagamento das compensações, enquanto entidade pública, com o objectivo de incentivar os incorporadores a cumprir as obrigações de incorporação a que estão obrigados.
Refira-se ainda e também que a própria Autora na Petição Inicial afirma “A denominada “compensação” p. e p. no artigo 24 do Decreto-Lei 117/2010, tal como está defino da, designadamente quanto aos critérios para a sua aplicação, representa de facto outra figura jurídica: uma penalização, um imposto, uma sanção!”
Na sequência de tudo quanto supra explanado concluímos que as compensações previstas no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 constituem tributos (públicos), revestindo as características próprias acima referidas – são prestações pecuniárias coactivas, devidas a entidades públicas para satisfação das suas finalidades.
III.
Cumpre, pois, agora apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 212º, n.º 3 da CRP e artigo 1º, n.º 1 do ETAF, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objectivo dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Por seu lado, é do artigo 4.º do ETAF que resulta a delimitação do âmbito de competência dos tribunais desta jurisdição, sendo que a competência dos tribunais tributários se encontra regulada no artigo 49.º, derivando do artigo 44º a competência que se pode qualificar como residual ou por exclusão dos tribunais administrativos.
Com efeito, da conjugação das referidas normas pode extrair-se esta regra geral de que a jurisdição comum do direito administrativo é a administrativa e que as causas jurídico-administrativas só sairão do seu domínio, se existir uma lei que validamente disponha em sentido contrário.
Em suma, serão competentes os tribunais administrativos sempre que não se verificar o factor determinante da competência dos tribunais fiscais.
De acordo com o n.º 1, alínea a), ponto iv) do artigo 49.º do ETAF, compete aos tribunais tributários conhecer das acções de impugnação dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais.
“O conceito de questão fiscal tem oscilado jurisprudencialmente entre uma tese restritiva, em que é limitada às questões que emergem de resoluções autoritárias da Administração que imponham aos cidadãos o pagamento de quaisquer prestações pecuniárias com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos, e uma tese ampliativa, que destaca o seu carácter funcional e entende que o conceito deve abranger todas as questões cuja resolução exige a interpretação e aplicação de quaisquer disposições de direito fiscal, desde que se situe no campo da actividade tributária do estado.” [Cfr. Acórdão do STA de 11.03.1997, in B.M.J., n.º 465, pág. 364].
Não obstante, “a tese ampliativa é a que é hoje seguida na jurisprudência e abrange todas as questões cuja resolução exige a interpretação e a aplicação de quaisquer disposições de direito fiscal, desde que se situe no campo da actividade tributária do Estado.
É "questão fiscal" a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal, substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública” (Cfr. Acórdão do Plenário do STA, datado de 21-03-2012, processo n.º 0189/11, disponível em www.dgsi.pt
Também Jorge Lopes de Sousa, em CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág. 230, define questão fiscal como ”(…) a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública”.
Nessa medida, por “questão fiscal” deverá entender-se a que de forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, ou seja, de normas atinentes a impostos ou figuras análogas.
No caso em apreço, está em causa, manifestamente, a aplicação de normas de direito fiscal uma vez que a pretensão da Autora se reconduz no reconhecimento da ilegalidade do acto que determinou o pagamento a efectuar pela Autora do montante de 146.000,00€ referente a compensações pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis relativas ao segundo trimestre do ano de 2017, atendo o previsto no artigo 24.º do Decreto- Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, compensações que constituem tributos (públicos), revestindo as respectivas características próprias - prestações pecuniárias coactivas, devidas a entidades públicas para satisfação das suas finalidades.
Assim, por tudo o referido e explanado entendemos que o presente litígio não é da competência dos Tribunais da área administrativa.
Posto isto, não pode deixar de concluir que este Tribunal Administrativo não tem competência em razão da matéria para apreciar e julgar o presente litígio, pertencendo tal competência ao Tribunal Tributário, este sim, o competente para dirimir os conflitos que envolvam a apreciação de questões de natureza fiscal.
Sendo a incompetência material uma incompetência absoluta do Tribunal (artigo 96.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art.º 1º do CPTA), constitui uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa (Cfr. artigo 577º, alínea a) do CPC) conducente à absolvição do Réu da instância (Cfr. artigo 278. °, n.º 1, alínea a) e artigo 576º, n.º 2 do CPC).
Nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do CPTA quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, o processo é oficiosamente remetido ao tribunal administrativo ou tributário competente.
Assim, tendo presente que a Autora tem domicílio no concelho de Caminha, conclui-se que é a área tributária deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, o Tribunal material e territorialmente competente para conhecer do presente litígio, atentas as áreas de jurisdição fixadas no Mapa Anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro.»


2. Da análise e apreciação do objeto do recurso
2.1. Com relevo para o conhecimento da questão, importa ter presente os seguintes elementos factuais essenciais, que ressumam dos autos:
1) – A sociedade C., LDA. (devidamente identificada nos autos) dirigiu em 09/03/2018 ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga petição inicial da ação que identificou constituir «ação administrativa comum de impugnação judicial de ato administrativo e das normas contidas nos artigos 24º do DL. 117/2010 de 25/10 e 1º da Portaria 3’1/2011 de 02/12 por violação dos artigos 18º e 165º, ambos da Constituição da República Portuguesa», dizendo fazê-lo «ao abrigo do disposto no artigo 37º nº 1 al. A) e 72º ss., todos do CPTA», por referência ao ato administrativo que identificou ser «a decisão proferida pela ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS E.P.E. no âmbito do Processo 06/UB/2017, que na sequência da alegada verificação do incumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis para o segundo trimestre do ano de 2017, condenou a autora ao pagamento da compensação de 146.000,00€, correspondente a 73 TdB em falta, por referência ao valor unitário de compensação de 2.000,00€ por TdB em falta, por referência ao valor unitário de compensação de 2.000,00€ por TdB em falta, por aplicação do regime previsto no artigo 24º nº 1 do DL. 117/2010 de 25 de outubro com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei nº 69/2016 de 3 de novembro», vertida no Doc. nº 1 que juntou com a PI, cuja anulação peticionou.
- (cfr. fls. 1 SITAF)
2) – A autora formulou na Petição Inicial da ação o seguinte pedido, nos seguintes termos:
«Deve a douta Decisão em crise ser revogada e substituída por Decisão de Mérito que concedendo provimento à presente Ação Administrativa,
Ordene a revogação da decisão proferida pelo ENMC e isente a Autora, ora impugnante, do pagamento de quaisquer compensações a arbitrar nos termos do artigo 24º do DL. 117/2010 de 25-10, por tal medida não lhe ser aplicável, desde logo face ao seu estatuto de Destinatário Registado, que a afasta da categoria de Incorporador, mas também porque:
a) A Autora não contribuiu para a falta dos TdB que lhe é imputada, pois cumpriu todos os requisitos associados à importação de combustíveis, nos termos previstos na lei e designadamente no artigo 16º do DL 117/2010 de 25-10, não devendo assim ser condenada a pagar qualquer compensação por cada título em falta, compensação que nos termos do artigo 24º nº 1 impõe que haja incumprimento do disposto no artigo 11º nºs 1 e 3 e 28º nº 1, todos do DL 117/2010 de 25-10, o que não se verifica.
b) Apresentou mensalmente as declarações de introdução de combustíveis a que estava obrigada, acompanhadas das guias de carga provenientes da CLH S.A. que contém as percentagens de biocombustíveis incorporadas naqueles combustíveis, que não foram consideradas pelo ENMC para a emissão, que lhe compete, dos TdB que se mostrassem em falta;
c) A Ré apesar de concluir que a Autora não possuía os TdB necessários, na sua versão, ao cumprimento das obrigações de incorporação, que não podia pelo seu Estatuto realizar de outro modo, nunca emitiu os TdB necessários a que a Autora pudesse cumprir as metas de incorporação que se pudessem considerar não cumpridas, impedindo-a assim de os adquiri e evitar o pagamento das compensações que a mesma Ré lhe quer cobrar de forma devida e ilegítima, por ter contribuído com a sua inércia decorrente da falta de emissão desses TdB, para a inexistência dos mesmos e consequente impossibilidade de cumprimento por parte da Autora.
Mais deve ser Declarada a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 24º do DL. nº 117/2010 de 25-10 e artº 1º da Portaria 301/2011 de 2-12, por violação do Princípio da Proporcionalidade p. e p. no artigo 18º nº 2 da CRP pois os valores previstos para a incorporação excedem em cerca de 500% os valores habitualmente correspondentes ao preço dos TdB disponíveis no mercado para a transação e estes não existem no mercado, colocados pela entidade responsável pela sua emissão, em número suficiente para satisfazer a procura que o cumprimento das metas de incorporação exige e consequentemente ser revogada a Douta Decisão em crise, que ao abrigo destes dispositivos, condenou a Autora ao pagamento do valor de 146.000,00€ a título de Compensações pela falta de Títulos de Biocombustíveis (TdB) por referência ao segundo trimestre do ano de 2017.
Mais deve ainda ser declarada a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 24º do DL. 117/2010 de 25-10, por violação do disposto no artigo 165º alíneas c), d) e i) da Constituição da República Portuguesa, por não ter sido concedida ao Governo a competente autorização legislativa prévia para fixar o montante ali previsto que sob a veste do que designou por “compensação” esconde um verdadeiro imposto ou penalização, cuja fixação é da competência relativa da Assembleia da República
- (cfr. fls. 1 SITAF)
3) – Nos termos vertidos no respetivo ofício de notificação (junto sob Doc. nº 1 com a Petição Inicial da ação) a decisão administrativa impugnada na ação, foi proferida em 04/12/2017 pelo Conselho de Administração da ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS. E.P.E., tendo por base o Relatório do Chefe da Unidade de Biocombustíveis, a ela anexo (cujo teor se dá aqui por reproduzido), e consubstancia a decisão final, tomada no âmbito do Processo 06/UB/2017, de aplicação do pagamento de compensações no valor de 146.000,00€ pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis para o 2º trimestre de 2017, nos termos do artigo 24º nº 1 do DL. nº 117/2010, de 25 de outubro, alterado pelo DL. nº 6/2012, de 17 de janeiro e pelo DL. nº 69/2016, de 3 de novembro, decisão que foi notificada à autora pelo ofício datado de 07/12/2017, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


- (cfr. Doc. nº 1 junto com a PI - fls. 1 SITAF)
4) – A Petição Inicial da ação foi distribuída na área administrativa do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na 1ª espécie – Ação Administrativa.
- (cfr. ficha do processo - SITAF)
5) – Citada a ré e os identificados contra-interessados não foi suscitada em qualquer das contestações apresentadas a questão de saber se a competência em razão da matéria para conhecer da ação pertencia aos tribunais administrativos ou os tribunais tributários.
- (cfr. fls. 35-135 SITAF)
6) – A Mmª Juíza a quo apreciando oficiosamente a questão de saber se o tribunal administrativo era o materialmente competente para conhecer dos presentes autos, considerou que assim não era, decidindo na sentença aqui recorrida, datada de 19/06/2019, declarou a área administrativa materialmente incompetente para apreciar a questão objeto dos autos e determinou a remessa dos autos à área tributária daquele Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga,
- (cfr. fls. 434 SITAF)

2.2 Comece por dizer-se que se é certo que nos termos do artigo 13º do CPTA “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”, e que nos termos dos artigos 98º nºs 2 e 4 do CPTA a incompetência do tribunal constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso, significando que ao juiz do processo compete, oficiosamente, e por conseguinte, mesmo que não tenha sido suscitada por qualquer das partes na ação, aferir da competência em razão da matéria para conhecer do pleito, tal não dispensará o dever de assegurar o prévio contraditório sobre tal questão (cfr. artigo 3º nº 3 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA).
No caso o contraditório quanto à questão da competência material não foi assegurado pelo Tribunal a quo. Isto porque a Mmª Juíza a quo considerou, como ali disse, que o respeito pelo princípio do contraditório não exigia que o tribunal ouvisse previamente as partes sobre a incompetência material, por tal princípio ser apenas atuante no contexto das relações processuais inter partes e a exceção em causa ser de conhecimento oficioso. Mas não é assim,
Vide, a título exemplificativo:
- acórdão do TCA Sul de 06/12/2012, Proc. nº 09157/12, in, www.dgsi.pt/jtca, assim sumariado: «I. O princípio do contraditório é uma decorrência do princípio da igualdade das partes e atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte ou pelo tribunal e a tomar posição prévia sobre elas. II. O tribunal, em sede de art. 87º, nº 1, al. a), do CPTA, deve ouvir previamente as partes quando vá enquadrar um tema, abordado já pelas partes, em factos e ou em normas jurídicas distintas, de modo a se poder falar de uma questão nova.»;
- acórdão do TCA Sul de 06/12/2017, Proc. nº 106/12.3BECTB, in, www.dgsi.pt/jtca, em que se sumariou o seguinte: «(…)
V. O princípio do
contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, tem aplicação ao processo administrativo por força do artigo 1.º do CPTA. (…) VII. O princípio do contraditório assegura que as partes devem ser sempre ouvidas sobre as questões suscitadas ao longo do processo, que se estende à matéria de exceção, que possam ser determinantes para a decisão da causa e, bem ainda, antes de ser decidida qualquer questão de conhecimento oficioso. VIII. Em respeito do princípio do contraditório impõe-se ao juiz que formule um convite expresso à parte cuja pretensão é afetada com a invocada exceção ou questão prévia, para que se pronuncie expressamente sobre tal matéria, o qual tendo sido preterido, nem a parte se ter pronunciado, ocorre uma omissão processual que inquina todos os subsequentes atos processuais, salvo se for possível formular um juízo de desnecessidade dessa pronúncia. (…)»;
- acórdão do TCA Norte de 30/11/2016, Proc. nº 00109/14.3BEMDL, in, www.dgsi.pt/jtcn, assim sumariado: «I – O princípio do contraditório, garantido constitucionalmente enquanto valor estruturante do ordenamento jurídico português, constitui um princípio basilar do processo civil – consagrado no artigo 3.º/3 do CPC – visando assegurar às partes, em qualquer processo e em qualquer fase do mesmo, em plena igualdade, a participação real e activa no desenvolvimento do litígio que as envolve, em diálogo entre elas e com o órgão jurisdicional, influenciando, dessa forma, a formação de decisões a proferir nos autos. II – Não tendo sido dada oportunidade à autora para previamente se pronunciar sobre matéria de excepção, conhecida oficiosamente no saneador, nem invocado e, em consequência, justificado tratar-se de caso de manifesta desnecessidade de observância do contraditório, a decisão recorrida constitui “decisão surpresa”, violando aquele princípio, o que integra uma nulidade que influiu no exame ou na decisão da causa e se consumou com a prolação da mesma, determinando a anulação de todo o processado a partir do momento em que se verificou – artigos 3º, nº 3, 195.º/1 do CPC.»;
- acórdão do TCA Sul de 28/03/2019, Proc. nº 940/15.2BELLE, assim sumariado: «I. A nulidade processual secundária incorporada em decisão que ponha termo ao processo pode ser invocada em sede de alegações de recurso dessa mesma decisão.
II. A falta de notificação da A. para se pronunciar sobre matéria de exceção oficiosamente conhecida pelo Tribunal a quo consubstancia nulidade processual, refletindo uma violação do princípio do contraditório, que pretende, desde logo, evitar a existência de decisões-surpresa
.»;
- acórdão do TCA Norte de 17/01/2020, Proc. nº 0223/18.2BEBRG, in, www.dgsi.pt/jtcn, assim sumariado: «I – Nos termos do disposto no artigo 89º nºs 2 e 4 alínea k) do CPTA (na versão do DL. nº 214-G/2015) a intempestividade da instauração da ação administrativa, atualmente nominada de intempestividade da prática do ato processual consubstancia uma exceção dilatória, e como tal, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância. II – Por a intempestividade da instauração da ação consubstanciar uma exceção dilatória, o seu conhecimento é oficioso (cfr. artigo 89º nº 2, 1ª parte do CPTA), não estando esse conhecimento dependente de invocação pela parte contrária. III – O conhecimento das exceções dilatórias deve ser efetuado em sede de despacho-saneador (cfr. artigo 88º nº 1 alínea a) do CPTA) e este deve ser proferido no âmbito de audiência prévia (cfr. artigo 87º-A nº 1 alínea d) do CPTA), a não ser que seja claro que o processo deva findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, caso em que a audiência prévia não se realiza, sendo o despacho-saneador proferido por escrito, e notificado às partes (cfr. artigo 87º-B nº 1 a línea c) do CPTA). IV - Mas, num ou noutro caso, sempre haverá que garantir o direito de contraditório, enquanto princípio estruturante do processo, tal como previsto no artigo 3º nº 3 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, nos termos do qual “…o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. (…)»

Todavia não vem no presente recurso invocada essa nulidade processual, decorrente da falta de garantia de direito de contraditório, com prévia audição das partes quanto à exceção de incompetência material do Tribunal, pelo que o seu conhecimento se encontra arredado do respetivo objeto.
E se assim é, nenhuma pronuncia deve ser emitida por este Tribunal ad quem a tal respeito. Limitando-se a questão a decidir à de saber se a competência material para decidir a ação pertence aos Tribunais Tributários, como entendeu a Mmª Juíza a quo, ou pelo contrário aos Tribunais Administrativos como propugna o réu recorrente, e que é também a posição assumida pelo Ministério Público no seu Parecer.
Vejamos então.
2.3 O artigo 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, define o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal em função dos litígios emergentes das “relações jurídicas administrativas e fiscais” à luz do disposto no nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa que determina que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Sendo que a repartição da competência em razão da matéria e da hierarquia no quadro da jurisdição entre tribunais administrativos e tribunais fiscais é designadamente definida pelas disposições dos artigos 24º, 26º, 37º, 38º, 44º e 49º do ETAF.
2.4 Para além dos demais tribunais superiores, são órgãos da jurisdição administrativa e fiscal os «Tribunais Administrativos de Circulo» e os «Tribunais Tributários», os quais podem funcionar agregados, adotando, nesse caso, a designação de «Tribunal Administrativo e Fiscal», conforme resulta do disposto no artigo 9º do ETAF.
Conforme dispõe o nº 1 do artigo 44º do ETAF compete aos tribunais administrativos de circulo “…conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, não esteja reservada aos tribunais superiores”.
E nos termos do disposto no artigo 49º nº 1 do ETAF compete aos tribunais tributários conhecer:
«a) Das ações de impugnação:
i) Dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses atos;
ii) Dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos atos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma;
iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal;
iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;
b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;
c) Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;
d) Dos incidentes, embargos de terceiro, reclamação da verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal;
e) Dos seguintes pedidos:
i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal;
ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário;
iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais;
iv) De providências cautelares relativas aos atos administrativos impugnados ou impugnáveis e as normas referidas na subalínea i) desta alínea;
v) De execução das suas decisões;
vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações;
f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei.”

2.5 Como tem vindo a ser reiteradamente entendido pela jurisprudência, resulta do cotejo dos artigos 44º e 49º do ETAF, que no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, os tribunais administrativos funcionam como tribunais comuns, porque dotados de uma competência que se pode qualificar como residual ou por exclusão, competindo-lhes o conhecimento de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa, enquanto que a competência dos tribunais tributários está definida com rigor em preceito específico, o que significa que apenas poderão intervir com fundamento em disposição legal expressa que lhes confira competência para o julgamento do litígio.
Sendo a natureza da relação jurídica que está na origem do dissídio que constituirá o elemento chave na tarefa de identificação do tribunal competente para o julgamento, razão pela qual se estivermos em presença de litígio emergente de uma «relação jurídica administrativa» o tribunal competente será o tribunal administrativo, ao passo que se estivermos em face de litígio gerado no quadro de uma «relação jurídica fiscal» a competência caberá ao tribunal tributário.
2.6 Assim se entendeu, designadamente, nos seguintes arestos do Supremo Tribunal Administrativo, assim sumariados:
- Acórdão do Plenário do STA de 29/01/2014, Proc. 01771/13: «I - Não é a função – administrativa ou tributária – em que a Administração exerce o seu poder que determina a competência do Tribunal para o julgamento do conflito, visto essa competência resultar do facto do conflito emergir de uma relação jurídica administrativa ou de uma relação jurídica tributária. II - Só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades identificadas no n.º 3 do art.º 1.º da LGT e o seu objecto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art.º 30.º do mesmo diploma) como só se pode falar em relação jurídica administrativa se o sujeito público que nela intervém não for uma das citadas entidades e não prosseguir as finalidades prosseguidas pela Administração tributária. III - Tendo sido proposta uma acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado – com vista à condenação deste no pagamento de uma quantia que repare os danos sofridos em resultado da ilegal liquidação de um imposto e da sequente anulação judicial da mesma – não se está perante um conflito emergente de uma relação jurídica tributária tout court – a liquidação do imposto judicialmente anulado – mas perante um conflito que, apesar de ter a sua origem remota nesse acto tributário, lhe é posterior e que nasce por diferentes razões, ainda que complementares. IV - Por ser assim aquela acção é uma típica acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado a qual se rege não por normas de direito tributário mas por normas de direito civil (Cod. Civil) e de direito administrativo (Lei 67/2007, de 31/12), o que, desde logo, determina que os Tribunais Administrativos sejam competentes para o seu conhecimento.»
- Acórdão do Plenário do STA de 15/10/2014, Proc. 0873/14: «I - À luz do ETAF e do CPTA, o conhecimento das acções sobre responsabilidade civil extracontratual de entes públicos compete aos tribunais administrativos. II - Essa competência não é singularmente afastada pelo art. 171º do CPPT, pois esta norma limita-se a regulamentar um preceito – o art. 53º da LGT – que admite a solução dita em I
- Acórdão do STA (2ª secção), de 10/09/2014, Proc. 090/14 (não sumariado).
- Acórdão do Plenário do STA de 10/09/2014, Proc. 0621/14: «I - Não é a função - administrativa ou tributária - em que a Administração exerce o seu poder que determina a competência do Tribunal para o julgamento do conflito, visto essa competência resultar do facto deste emergir de uma relação jurídica ou de uma relação jurídica tributária. II - Só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades identificadas no n.º 3 do art.º 1.º da LGT e o seu objecto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art.º 30.º do mesmo diploma) como só se pode falar em relação jurídica administrativa se o sujeito público que nela intervém não for uma das citadas entidades e não prosseguir as finalidades prosseguidas pela Administração tributária III - Tendo sido proposta uma acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado – com vista à condenação deste no pagamento de uma quantia que repare os danos sofridos em resultado da ilegal retenção do IVA – não se está perante um conflito emergente de uma relação jurídica tributária tout court mas perante um conflito que, apesar de ter a sua origem remota nesse acto tributário, lhe é posterior e que nasce por diferentes razões. IV - Por ser assim aquela acção é uma típica acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado a qual se rege não por normas de direito tributário mas por normas de direito civil e de direito administrativo o que, desde logo, determina que os Tribunais Administrativos sejam competentes para o seu conhecimento
- Acórdão do Plenário do STA, de 14/05/2015, Proc. 01152/14: «As acções administrativas destinadas à apreciação da responsabilidade de entes públicos por prejuízos decorrentes da prática de actos tributários ou de actos administrativos em matéria tributária, fundando-se na responsabilidade civil extracontratual ou no instituto do enriquecimento sem causa, são da competência material dos tribunais administrativos
- Acórdão do Plenário do STA de 03/06/2015, Proc. 0172/15: «As acções administrativas destinadas à apreciação da responsabilidade de entes públicos por prejuízos decorrentes da prática de actos tributários ou de actos administrativos em matéria tributária, fundando-se na responsabilidade civil extracontratual, são da competência material dos tribunais administrativos
- Acórdão do Plenário do STA de 03/06/2015, Proc. 0520/15: «I - Não é a função – administrativa ou tributária – em que a Administração exerce o seu poder que determina a competência do Tribunal para o julgamento do conflito, visto essa competência resultar do facto do conflito emergir de uma relação jurídica ou de uma relação jurídica tributária. II - Só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades identificadas no n.º 3 do art.º 1.º da LGT e o seu objecto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art.º 30.º do mesmo diploma) como só se pode falar em relação jurídica administrativa se o sujeito público que nela intervém não for uma das citadas entidades e não prosseguir as finalidades prosseguidas pela Administração tributária III – Tendo sido proposta uma acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado – com vista à condenação deste no pagamento de uma quantia que repare os danos sofridos em resultado da ilegal liquidação de um imposto e da sequente anulação judicial da mesma – não se está perante um conflito emergente de uma relação jurídica tributária tout court – a liquidação do imposto judicialmente anulado – mas perante um conflito que, apesar de ter a sua origem remota nesse acto tributário, lhe é posterior e que nasce por diferentes razões, ainda que complementares. IV - Por ser assim aquela acção é uma típica acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado a qual se rege não por normas de direito tributário mas por normas de direito civil (Cod. Civil) e de direito administrativo (Lei 67/2007, de 31/12), o que, desde logo, determina que os Tribunais Tributários sejam incompetentes para o seu conhecimento.»
- Acórdão do Plenário do STA de 25/06/2015, Proc. 0664/15: «À luz do ETAF e do CPTA, o conhecimento das acções sobre a responsabilidade civil extracontratual de entes públicos compete aos tribunais administrativos
- Acórdão do Plenário do STA de 25/11/2015, Proc. 01346/15: «À luz do ETAF e do CPTA, o conhecimento das acções sobre a responsabilidade civil extracontratual de entes públicos compete aos tribunais administrativos».
- Acórdão do Plenário do STA, de 01/06/2016, Proc. 0417/16: «I - Não é a função – administrativa ou tributária – em que a Administração exerce o seu poder que determina a competência do Tribunal para o julgamento do conflito, visto essa competência decorrer do facto do conflito emergir de uma relação jurídica ou de uma relação jurídica tributária. II - Só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades identificadas no n.º 3 do art.º 1.º da LGT e o seu objecto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art.º 30.º do mesmo diploma) como só se pode falar em relação jurídica administrativa se o sujeito público que nela intervém não for uma das citadas entidades e não prosseguir as finalidades prosseguidas pela Administração tributária. III - Tendo sido proposta uma acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado – com vista à condenação deste no pagamento de uma quantia que repare os danos sofridos pelo Autor em resultado de uma venda ocorrida numa execução fiscal que, por ser ilegal, foi judicialmente anulada – não se está perante um conflito emergente de uma relação jurídica tributária tout court mas perante um conflito que, apesar de ter a sua origem na actividade da Administração Tributária, nasce por razões que nada têm a ver com a relação jurídica tributária. IV - Por ser assim aquela acção é uma típica acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado a qual se rege por normas de direito civil (Cod. Civil) e de direito administrativo (Lei 67/2007, de 31/12), o que, desde logo, determina que seja a área administrativa dos TAF a competente para o seu conhecimento
- Acórdão do Plenário do STA de 01/06/2016, Proc. 079/16: «As acções administrativas destinadas à apreciação da responsabilidade civil extracontratual de entes públicos por prejuízos decorrentes da prática de actos tributários ou de actos administrativos em matéria tributária são da competência material dos tribunais administrativos
- Acórdão do Plenário do STA de 13/03/2019, Proc. nº 01778/15.2BELRS-0616/18: «O Tribunal Tributário de Lisboa é materialmente competente para apreciar a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo que declarou parcialmente devoluto um prédio urbano, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 159/2006, de 8 de Agosto e do artigo 112.º n.º 3 e 15 do Código do IMI.»
- Acórdão do Plenário do STA de 27/11/2019, Proc. nº 0427/12.5BEVIS: «I - Resulta do cotejo do disposto, nomeadamente, nos arts. 44.º e 49.º do ETAF, que, no perímetro da jurisdição administrativa e fiscal, os tribunais administrativos funcionam como tribunais comuns, por dotados de uma competência que se pode qualificar como residual ou por exclusão, competindo-lhes o conhecimento de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa [cfr. o n.º 1 do referido art. 44.º], ao passo que a competência dos tribunais tributários está definida com rigor em preceito específico, o que significa que apenas poderão intervir com fundamento em disposição legal expressa que lhes confira competência para o julgamento do litígio [vide n.º 1 do citado art. 49.º]. II - Dado estar em causa a discussão em torno da validade/legalidade da interpretação e aplicação feita pela R. de uma cláusula de contrato administrativo celebrado pelas partes, e já não uma questão relativa à legalidade da liquidação e cobrança de tributo ou cobrança de qualquer prestação pecuniária enquadrável numa relação jurídica tributária, será o «Tribunal Administrativo de Círculo do TAF» o competente para o seu conhecimento.»
- Acórdão do STA (2ª secção) de 27/11/2019, Proc. nº 0104918.2BELRS: «A acção em que é pedida a anulação do acto por que o IGFSS revogou o benefício concedido no âmbito do PAECPE (Portaria n.º 985/2009, de 4 de Setembro) e ordenou a restituição do respectivo montante não integra questão fiscal para os efeitos previstos no art. 49.º do ETAF, uma vez que nem o referido benefício é um tributo, nem a solução das questões colocadas exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, pois não têm atinência ao exercício da função tributária cometida à Segurança Social.»
- Acórdão do STA (2ª secção) de 06/05/2020, Proc. nº 0187/13.2BESNT-01617/15: «I - A decisão sumária do recurso ao abrigo do art. 656.º do CPC está justificada se nela se refere expressamente que existe jurisprudência reiterada e uniforme sobre a questão a dirimir. II - Constitui questão fiscal aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, inscritas no domínio da actividade tributária da administração. III - A repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais fiscais tem como critério a natureza da relação jurídica de onde emergem as questões submetidas à apreciação dos tribunais: relação jurídica administrativa ou relação jurídica tributária. IV - O tribunal tributário é o competente, em razão da matéria, para a apreciação da impugnação judicial deduzida contra a compensação dos encargos com o funcionamento dos Serviços de Inspecção de Jogos, referente à concessão de uma zona de jogo e em que essa compensação exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo vem impugnada como tributo e com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, bem assim por ilegalidade na determinação da matéria tributável e do tributo.»

2.7 Importando, recuperar, por simplicidade expositiva, o afirmado no acórdão do Plenário do STA de 29/01/2014, Proc. 01771/13, supra referenciado, no sentido de que o conceito de «relação jurídica administrativa» “…não tem assento legal o que não impede que possamos, para o presente efeito, considerá-la como uma relação que se estabelece entre dois ou mais sujeitos regulada por normas de direito administrativo, em que um desses sujeitos é uma entidade ou um órgão da Administração Pública, que atua no exercício de poderes de autoridade que lhe são próprios, com vista à satisfação do interesse público», sendo quanto à noção de «relação jurídica fiscal» a mesma “…não só têm definição legal - são as “estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas” (art. 1.º/2 da Lei Geral Tributária) - como têm o seu objeto normativamente especificado (…) e têm indicadas as entidades da Administração Tributária que podem figurar como sujeitos dessa relação». E que, como também ali se disse, não deve pensar-se “…que as relações jurídicas administrativas e as relações jurídicas fiscais se repelem mutuamente ou que é possível traçar entre elas uma clara e inultrapassável linha divisória, pois o facto de um dos seus sujeitos ser, forçosamente, uma entidade ou órgão da Administração não só destrói essa ideia como nos leva a concluir que, na sua essência, a relação jurídica tributária é uma espécie de um género mais abrangente, a relação jurídica administrativa. Conclusão que resulta do facto de um dos sujeitos daquela relação estar integrado na Administração e de, por isso, ao menos mediatamente, a mesma ter natureza administrativa e ser, subsidiariamente, regulada por normas de direito administrativo (art. 2.º/c) da LGT). (…) Por ser assim é que, por um lado, a lei fala em competências administrativas no domínio tributário (n.º 3 do art. 1.º da LGT) e, por outro, o legislador teve grande preocupação em definir com rigor o conceito de relação jurídica tributária e de identificar as entidades que, em nome da Administração, nelas podiam intervir. Preocupação resultante da necessidade de a autonomizar, teórica e praticamente, perante a relação jurídica administrativa e de, nessa medida, se evitarem os problemas que poderiam advir de uma eventual confusão de conceitos». A tudo acrescentando ser de concluir que se impõe “…dar por adquiridas duas importantes certezas; a primeira, é a de que a identificação do Tribunal competente para o julgamento da causa se afere em função da natureza administrativa ou tributária da relação donde emerge o litígio e, por conseguinte, não é a função - administrativa ou tributária - em que a Administração exerce o seu poder que a determina; a segunda, é a de que só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades legalmente identificadas (art. 1.º/3 da LGT) e o seu objeto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art. 30.º do mesmo diploma) e de que estaremos perante uma relação jurídica administrativa se, por um lado, o sujeito público que nela intervém não for nenhuma das citadas entidades e, por outro, essa intervenção não se destinar a prosseguir as finalidades cometidas à Administração Tributária».
Critérios que vêm a ser os seguidos, como se disse, pelo Supremo Tribunal Administrativo na delimitação do âmbito de competência material entre os tribunais administrativos e fiscais, e que se encontram plasmados, designadamente, nos supra citados acórdãos daquele Supremo Tribunal, especialmente os do respetivo plenário, cuja jurisprudência, obviamente, aliás reiterada, consistentemente nós, como os demais tribunais desta ordem jurisdicional, devemos acatar, respeitar e honrar.
2.8 Pelo que é a essa luz que deve, também no presente caso, resolver-se a questão de saber se a competência para a decisão do pleito cabe aos tribunais administrativos ou aos tributários.
2.9 Na situação presente temos que a autora visa na ação, em primeira linha, a impugnação judicial da decisão administrativa proferida em 04/12/2017 pelo Conselho de Administração da ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS. E.P.E. que consubstancia a decisão final, tomada no âmbito do Processo 06/UB/2017, de aplicação do pagamento de compensações no valor de 146.000,00€ pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis para o 2º trimestre de 2017, nos termos do artigo 24º nº 1 do DL. nº 117/2010, de 25 de outubro, alterado pelo DL. nº 6/2012, de 17 de janeiro e pelo DL. nº 69/2016, de 3 de novembro.
2.10 Importa, pois, ter presente o enquadramento normativo que enforma a relação jurídica subjacente, de que emergiu a decisão administrativa que está na origem da ação e a motiva, com a qual a autora não se conformou e que pretende ver afastada da ordem jurídica.
2.11 O DL. nº 117/2010, de 25 de outubro procedeu à transposição dos artigos 17.º a 19.º e dos anexos III e V da Diretiva n.º 2009/28/CE, do Conselho e do Parlamento Europeu, de 23 de Abril, e o n.º 6 do artigo 1.º e o anexo IV da Diretiva n.º 2009/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril relativas à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis, estabelecendo os critérios de sustentabilidade para a produção e utilização de biocombustíveis e biolíquidos e definindo os limites de incorporação obrigatória de biocombustíveis para os anos 2011 a 2020.
2.12 Isto visando “a utilização crescente de energia proveniente de fontes renováveis, a par da poupança de energia e do aumento da eficiência energética, enquanto partes importantes do pacote de medidas necessárias para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e cumprir o Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, bem como outros compromissos, assumidos a nível comunitário e internacional, de redução das emissões de gases com efeito de estufa para além de 2012”, como referido nos considerandos da Diretiva n.º 2009/28/CE, e considerando que “a incorporação de biocombustíveis nos transportes terrestres, em substituição dos combustíveis fósseis, para além de contribuir decisivamente para alcançar o objetivo de 31 % do consumo final de energia com origem renovável, assume especial relevância para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, para a diversificação da origem da energia primária e para a redução da dependência energética externa em relação aos produtos petrolíferos, cumprindo os objetivos subjacentes à ENE 2020”, contribuindo “para reforçar a segurança do abastecimento energético e para dar cumprimento aos compromissos assumidos no âmbito da União Europeia decorrentes do Protocolo de Quioto e, em especial, para o cumprimento da Estratégia Nacional para a Energia e do Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC).”, como referido no preâmbulo do DL. nº 117/2010. Isto tendo simultaneamente presente a meta de incorporação de 10 % de fontes de energia renovável até ao ano de 2020 no consumo final de energia no sector dos transportes indicada na Diretiva n.º 2009/28/CE.
2.13 O DL. nº 117/2010 determinou, assim, os critérios para a qualificação dos biocombustíveis e biolíquidos como sustentáveis e criou mecanismos de apoio à incorporação dos biocombustíveis no cabaz de combustíveis consumidos no sector dos transportes. E para verificação do cumprimento das metas de incorporação criou um sistema de emissão de títulos de biocombustíveis (TdB).
2.14 Com efeito, nos termos do disposto no artigo 11º do DL. nº 117/2010 “…as entidades que incorporem combustíveis no mercado para consumo final no sector dos transportes terrestres, abreviadamente designadas por incorporadores, estão obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação” nas percentagens de biocombustíveis, em teor energético, “…relativamente às quantidades de combustíveis por si colocadas no consumo” para tal fixadas.
Sendo que os incorporadores devem comprovar periodicamente (trimestralmente) o cumprimento das suas obrigações de incorporação através da apresentação de títulos de biocombustíveis (TdB) junto da ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, E.P.E., a que se referem, designadamente, o artigo 13º do DL. nº 117/2010, ao dispor que “…a incorporação no mercado de biocombustíveis é comprovada por títulos de biocombustíveis (TdB)” e o artigo 18º ao dispor que “…a verificação do cumprimento da obrigação de incorporação prevista no n.º 1 do artigo 11.º é efetuada trimestralmente pela ENMC, E. P. E.” (nº 1), devendo para esse efeito os incorporadores apresentarem os “…TdB comprovativos da obrigação de incorporação junto da ENMC, E. P. E., até ao final do mês seguinte ao trimestre a que esta respeita”.
2.15 Ora, o artigo 24º do DL. nº 117/2010 (na redação dada pelo DL. n.º 69/2016, de 3 de novembro, temporalmente aplicável), inserido sistematicamente no Capítulo V do diploma, cuja epígrafe é “compensações e regime contra-ordenacional”, dispõe o seguinte:
“Artigo 24.º
Compensações
1 - O incumprimento das obrigações de apresentação dos TdB como comprovativo da incorporação de biocombustíveis nos termos do n.º 2 do artigo 11.º e dos artigos 13.º e 18.º determina o pagamento de compensações no valor de (euro) 2 000, por cada TdB em falta.
2 - Em alternativa ao disposto no número anterior, a ENMC, E. P. E., mediante requerimento do incorporador, pode autorizar o cumprimento da obrigação de incorporação no trimestre seguinte, considerando-se a obrigação cumprida com a apresentação dos TdB na razão de 1,5 vezes por cada TdB em falta.
3 - Para efeitos do número anterior, os incorporadores apresentam o requerimento junto da ENMC, E. P. E., até ao final do mês seguinte ao trimestre a que respeita o incumprimento.
4 - No caso de os incorporadores em incumprimento não regularizarem a respetiva obrigação de incorporação nos termos dos números anteriores, a ENMC, E. P. E., determina a suspensão da certificação de interveniente do Sistema Petrolífero Nacional, emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 244/2015, de 19 de outubro, até à regularização da situação de incumprimento.
5 - A determinação e liquidação do pagamento das compensações, bem como a suspensão da certificação, competem à ENMC, E. P. E.
6 - No caso de aplicação do disposto no n.º 2, a ENMC, E. P. E., deve proceder ao cancelamento dos TdB em número equivalente ao número de TdB em falta, devendo os remanescentes reverter para a DGEG, que os pode colocar a leilão juntamente com os TdB correspondentes aos biocombustíveis introduzidos no consumo pelos pequenos produtores dedicados que beneficiem de ISP.
7 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 19.º, a receita obtida com estes TdB reverte para o Fundo Português de Carbono e para o Fundo de Eficiência Energética, na proporção prevista no n.º 1 do artigo 27.º.”

2.16 O que resulta deste artigo 24º do DL. nº 117/2010 é portanto, que, em caso de incumprimento da obrigação de apresentação dos TdB comprovativa da metas de incorporação de biocombustíveis, os incorporadores ficam sujeitos ao pagamento de uma compensação por cada TdB em falta.
2.17 Esta «compensação», de natureza pecuniária, destinar-se-á a sancionar os operadores em caso de não apresentação dos TdB´s, penalizando-os com o pagamento, no quantitativo indicado, pelos TdB´s em falta, compensando simultaneamente a vantagem diferencial decorrente da não incorporação de biocombustíveis, nos termos do artigo 11.º, e do valor dos combustíveis efetivamente introduzidos mercado, consubstanciando uma medida de cariz corretivo, e com isso, simultaneamente, compelindo os operadores a cumprirem a obrigação de incorporação das respetivas percentagens de biocombustível de modo a que as metas (nacionais e europeias) de incorporação sejam atingidas.
2.18 E é precisamente a decisão, que ao abrigo desse normativo, impôs à autora o pagamento de uma compensação (no valor apurado de 146.000,00€) pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis para o 2º trimestre de 2017, que vem impugnada na ação.
2.19 Note-se, simultaneamente, que o DL. 69/2016, de 3 de novembro revogou o artigo 25º nº 1 alínea a) do DL. nº 117/2010 (cfr. artigo 5º nº 1) que qualificava até então, como contraordenação (punível com coima de 500,00€ a 3.740,00€, no caso de pessoas singulares, e de 2.500,00€ a 44.891,00€, no caso de pessoas coletivas) o incumprimento das obrigações previstas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 11.º (isto é, a apresentação dos TdB respetivos), mantendo, no entanto, a contraordenação pelo não pagamento pontual das compensações previstas no artigo 24.º (cfr. artigo 25º nº 1 alínea c)).
Pelo que à data dos factos, e na decorrência das alterações introduzidas pelo DL. 69/2016 ao DL. nº 117/2010, a não apresentação periódica dos TdB devidos conduzia apenas ao pagamento das compensações pelos TdB em falta, nos termos previsto no artigo 24º, mas não constituía já qualquer contraordenação, não implicando a aplicação de qualquer coima, como até então.
2.20 Por outro lado, a Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL. nº 398/98, de 17 de dezembro, define no seu artigo 1º, a propósito do seu âmbito de aplicação, que ela “…regula as relações jurídico-tributárias, sem prejuízo do disposto no direito comunitário e noutras normas de direito internacional que vigorem diretamente na ordem interna ou em legislação especial” (nº 1). Explicitando para os seus efeitos “…consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas” (nº 2), e que para esse efeito integram a administração tributária “..a Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, a Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário, e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais”.
Estabelecendo por sua vez o seu artigo 3º, a propósito dos tributos e da sua respetiva classificação, o seguinte:
Artigo 3º
Classificação dos tributos
1 - Os tributos podem ser:
a) Fiscais e parafiscais;
b) Estaduais, regionais e locais.
2 - Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.
3 - O regime geral das taxas e das contribuições financeiras referidas no número anterior consta de lei especial.

2.21 A doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo, com apoio no artigo 165º nº 1 alínea i) da CRP e no artigo 3º da LGT, que para além da tradicional dicotomia entre impostos e taxas, a existência de um tertium genus dos tributos constituída pelas “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” mencionadas naqueles normativos.
2.22 A esse respeito se refere Suzana Tavares da Silva, in, “As taxas e a coerência do sistema tributário”, CEJUR, Estudos Regionais e Locais, Outubro, 2008, pág. 47, nos seguintes temos: “….alguns autores vêm fazendo apelo ao reconhecimento de uma verdadeira terceira categoria tributária autónoma dos impostos e das taxas. A sua argumentação radica no facto de o art. 165º nº 1 alínea i) da Constituição se referir expressamente a contribuições financeiras a favor de entidades públicas, categoria à qual – defendem – deve ser reconhecida, por força daquele preceito constitucional, identidade própria. Para estes autores as contribuições especiais constituem um “tertium genus” de receitas, uma “figura hibrida”, em parte com características dos impostos (inexistência de uma contrapartida individualizada) e noutra com a característica das taxas (porque visam retribuir um serviço prestado por uma entidade pública ou por uma entidade dotada de poderes públicos a um conjunto de entidades que beneficiam coletivamente da atividade daquela), qualificáveis como taxas coletivas. Tratar-se-ía, no fundo, de uma espécie de tributos bilaterais devidos por um grupo de sujeitos passivos beneficiários de uma contraprestação homogénea, de cariz coletivo, diferenciada e diferenciável do interesse público geral.
Ora, pela proximidade que representam relativamente às taxas, estes tributos têm vindo a suscitar o interesse da doutrina e da jurisprudência, podendo hoje agrupar-se em três tipos fundamentais: 1) como instrumentos de financiamento de novos serviços de interesse geral que ocasionam um benefício concreto imputável a alguns destinatários diferenciados (ex. prevenção de alguns riscos naturais) – contribuições especiais financeiras; 2) como instrumentos de financiamento de novas entidades administrativas cuja atividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários (ex, taxas de financiamento das entidades reguladoras) – contribuições especiais parafiscais; e 3) como instrumentos de orientação de comportamentos (finalidades extrafiscais) – contribuições orientadoras de comportamentos ou, como preferimos designá-las, contribuições especiais extrafiscais.
2.23 Podendo ler-se no acórdão do STA (2ª secção) de 04/07/2018, Proc. 01102/17, disponível in, www.dgsi.pt/jsta, do qual nos socorremos pela síntese doutrinária e jurisprudencial nele feita a propósito da diferente qualificação dos tributos como impostos, taxas ou contribuições financeiras, que se passa a citar: “(…) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coativamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma atividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respetiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à atividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspeto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respetivos pressupostos da sua cobrança. Relação sinalagmática essa que, como se sublinha no acórdão do Tribunal Constitucional n° 365/03, de 14/7/2003, «há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser superior (e porventura até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado.
O que não pode é ocorrer uma «desproporção intolerável» (Ac. nº 1140/96, in DR II Série, de 10/2/97)”, ou seja, “manifesta” e comprometedora, “de modo inequívoco, [d]a correspetividade pressuposta na relação sinalagmática”, sendo certo que a sua aferição há-de tomar em conta, não apenas o valor da quantia a pagar, mas também a utilidade do serviço prestado.»
Assim, embora (i) se venha acentuando que a taxa não pode ter só como pressuposto uma mera prestação administrativa sendo necessário que se dirija à compensação dessa prestação, estabelecendo-se uma relação comutativa entre a prestação e a taxa; (ii) e embora alguns autores entendam que a função compensatória das taxas se refere ao custo da prestação para a entidade pública ou ao benefício que esta acarreta para o devedor, elas também têm uma finalidade arrecadatória de receitas, intimamente associada à função compensatória, ou a outras finalidades (iii) também se acentua, por outro lado, que, apesar de não dever ultrapassar-se um certo patamar quantitativo nem perder o sentido comutativo, a equivalência se reconduz a uma equivalência jurídica (ver art. 4º do RTL) entre as prestações e não a uma equivalência económica; equivalência jurídica que deve, contudo, fundamentar-se numa relação entre o custo do serviço e o valor da prestação e é materialmente determinada segundo o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade. (Cfr. Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, CEJUR, Outubro de 2008, pp. 60/61. Idem, A Tutela jurisdicional dos sujeitos passivos das taxas, Conferência – A tutela jurisdicional efetiva dos sujeitos passivos das taxas, Coimbra, 3 de Fevereiro de 2011 – AO-CDC / Almedina, pp. 4/5.)
Mas, de todo o modo, a não visibilidade de bilateralidade efetiva entre as prestações, não permite concluir, ipso facto e de forma imediata, que um determinado tributo tem natureza de imposto: importa ainda verificar se estamos perante uma “contribuição”, tributo em relação ao qual a bilateralidade pode apresentar-se em termos menos visíveis, aceitando-se, por isso, a utilização de um critério distintivo que além de assentar no pressuposto do tributo, assente também na finalidade deste.
Com efeito, a LGT, depois de considerar no nº 2 do seu art. 3.º que «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas», logo estabelece no n.º 3 do art. 4.º que «as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumento de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são considerados impostos».
Ora, quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.
Como se sublinha na sentença recorrida, citando Sérgio Vasques (O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, p. 176.), se o elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face às taxas é o pressuposto de que partem, o elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade a que se dirigem. É a finalidade compensatória aquelas que permite distingui-las, designadamente, «dos impostos especiais e dos impostos consignados, figuras situadas junto à linha divisória entre os tributos paracomutativos e os tributos unilaterais», sendo que, «no caso dos impostos a angariação de receita é feita sem olhar ao modo como o produto é aplicado ou ao concreto fim a que se destina».
Também a distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, antes, «à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir.» (Ac. do T. Constitucional, nº 539/2015, de 20/10/2015, proc. n.º 27/15, que sobre estes aspetos, remete para Sérgio Vasques (em “Manual de Direito Fiscal”, p. 221, ed. de 2011, Almedina) e para Suzana Tavares da Silva, (em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pp. 89-91, 2ª ed., Coimbra Editora).)
Nas palavras de Casalta Nabais, (Taxas e contribuições financeiras a favor das entidades públicas e contribuições para a segurança social, Sobre o Regime Jurídico das Taxas, pp. 11 a 40, Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015. [Consult. 29 junho. 2018]. Disponível na internet: <URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_
Taxas_contribuicoes_financeiras.pdf) não obstante a consideração de três espécies de tributos, como acontece na generalidade dos países, a terceira espécie (as contribuições), atentos a sua estrutura e o critério da sua medida, acaba «sendo equiparada ou aos impostos ou às taxas, apresentando-se, assim, essencialmente, como impostos especiais ou como taxas especiais. Por conseguinte o reconhecimento constitucional de três espécies de tributos parece não se revelar suficiente para a identificação das contribuições especiais como uma figura tributária verdadeiramente autónoma. Nessa visão das coisas, poder-se-ia dizer que as «contribuições especiais» se reconduzem ao regime dos impostos e as «contribuições financeiras» ao regime das taxas. De resto, que a figura das taxas pode respeitar a tributos de estrutura bilateral grupal, tem base legal expressa no n.º 2 do artigo 5.º do RGTAL, em que se prescreve que «as autarquias locais podem criar taxas para financiamento de utilidades geradas pela realização de despesa pública local, quando desta resultem utilidades divisíveis que beneficiem um grupo certo e determinado de sujeitos, independentemente da sua vontade».

Também o Tribunal Constitucional já aceitara, aliás, a autonomização, no âmbito das categorias jurídico-tributárias, dos impostos, das taxas e das contribuições financeiras, acabando por reconduzir a taxa de regulação e supervisão constante do Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado pelo DL n.º 103/2006, de 07/06, à categoria de contribuição financeira (cfr. os acórdãos n.º 365/2008, de 02/07/2008, proc. n.º 22/08 e n.º 613/2008, de 10/12/2008, proc. n.º 425/08), e considerando, igualmente, que tendo a al. i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP passado a referir-se a essas três categorias de tributos (continuando os impostos sujeitos à reserva da lei formal, enquanto, relativamente às taxas e às contribuições financeiras, apenas a definição do seu regime geral tem que respeitar essa reserva de competência), pode a concreta criação deste tipo de tributos (contribuições financeiras), ao contrário dos impostos, ser efetuada por diploma legislativo governamental, sem necessidade de autorização parlamentar.
E posteriormente, a jurisprudência constitucional manteve idêntica linha de argumentação em relação à taxa de utilização do espectro radioeléctrico (cfr. o ac. nº 152/2013, de 20/03/2013, proc. n.º 460/12), bem como em relação à “penalização” prevista nos n.ºs 1 e 2 do art. 25.º do DL n.º 233/2004, de 14/12 (cfr. o ac. nº 80/2014, de 22/01/2014, proc. n.º 911/12) e, mais recentemente, relativamente à denominada taxa de segurança alimentar mais [cfr. o supra citado ac. nº 539/2015, de 20/10/2015 (com dois votos de vencido), proc. n.º 27/15, igualmente referenciado pelo MP], tendo o Tribunal avançado com argumentação no sentido de que (i) no conceito de contribuição financeira também cabem os tributos exigidos a quem a lei onere com o financiamento de uma tarefa administrativa que lhe possa ser imputável em razão da proximidade existente entre os sujeitos passivos e a finalidade a atingir com a atividade administrativa; no sentido de que (ii) a circunstância de o tributo poder incidir apenas sobre um grupo, não constituía, nesse específico e concreto caso, obstáculo de ordem constitucional material (ligado ao princípio da igualdade), pois no contexto global do regime jurídico em causa existiam outros instrumentos visando a efetivação do princípio da responsabilidade repartida; e no sentido de que (iii) tal tributo podia ser criado por Decreto-Lei.”.
2.24 E é com efeito já abundante a jurisprudência do Tribunal Constitucional que aceita a existência dessa tríplice tipologia de tributos, e que procurando, simultaneamente, determinar o respetivo enquadramento normativo constitucional, se entrega à tarefa da qualificação de um dado tributo como «imposto», «taxa» ou «contribuição financeira», densificando, também com apoio na doutrina, os respetivos critérios de distinção.
Nessa jurisprudência cumpre, entre os mais recentes, destacar os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 152/2013, Proc. nº 460/12, de 20/03/2013, consultável in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130152.html, atinente à denominada «taxa de utilização do espectro radio elétrico», prevista no artigo 7º da Portaria n.º 126-A/2005, de 31 de janeiro;
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 80/2014, Proc. nº 911/12, de 22/01/2014, consultável in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140080.html (em que estava em causa decisão da Agência Portuguesa do Ambiente, que ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 1 e 2, do DL. n.º 233/2004, de 14 de dezembro, aplicou uma penalização pelas toneladas de dióxido de carbono de emissões excedentárias num dado ano), que não julgou inconstitucionais as normas constantes do artigo 25.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 233/2004, de 14 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 243-A/2004, de 31 de dezembro;
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 39/2015, Proc. nº 27/15, de 20/10/2015, consultável in, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150539.html, atinente à designada «taxa de segurança alimentar mais» prevista no artigo 9º do DL. nº 119/2012, de 15 de junho, devida pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados enquanto contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar;
- o Acórdão n.º 539/2015, Proc. nº 27/15, de 20/10/2015, consultável in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150539.html que não julgou inconstitucionais as normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, referentes à taxa de segurança alimentar mais;
- o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 611/2017, Proc. nº 361/2017, de 03/10/2017, consultável in, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170611.html, referente à denominada «taxa municipal de proteção civil» prevista no Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, e que julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, 4.º, n.º 2, do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia;
- o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 418/2017, Proc. nº 789/2016, de 13/07/2017, consultável in, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170418.html, relativo à denominada «taxa municipal de proteção civil» do Regulamento da Taxa de Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, daquele Regulamento;
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 848/2017, Proc. nº 281/2017, de 13/12/2017, consultável in, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170848.html, referente à Taxa Municipal de Proteção Civil prevista no Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras Receitas do Município de Lisboa e que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 59.º, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 60.º, da primeira parte do artigo 61.º, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, todos do Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras Receitas do Município de Lisboa, republicado pelo Aviso n.º 2926/2016, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 45, de 4 de março de 2016 – normas essas respeitantes à Taxa Municipal de Proteção Civil –, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.;
- o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 17/2018, Proc. nº 388/2017, de 10/01/2018, consultável in, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180017.html, atinente à denominada «taxa municipal de proteção civil» prevista no Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, e que julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, daquele Regulamento;
- o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 367/2018, Proc. n.º 106/2018, de 03/07/2018, consultável in, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180367.html, atinente à denominada «taxa municipal de proteção civil» prevista no Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia e que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2 daquele Regulamento, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa;
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 7/2019, Proc. nº 141/16, de 08/01/2019, consultável in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190007.html, referente à designada «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» e que não julgou inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético», aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro;
- o acórdão do Tribunal Constitucional nº 364/2019, Proc. nº 66/2018, de 19/06/2019, consultável in, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190364.html relativo à denominada «taxa SIRCA» (sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações) prevista no DL. n.º 19/2011, e que julgou inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 38/2012, de 16 de fevereiro, na medida em que impõe aos estabelecimentos de abate a cobrança de uma taxa para efeitos de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações.
2.25 Assim como, e no que respeita à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, os seus seguintes acórdãos:
- o acórdão do STA (2ª secção) de 08/02/2012, Proc. nº 0836/11, in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: «I - A “taxa de regulação e supervisão” prevista nos artigos 4.º a 7.º do Regime das Taxas da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social - aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, tem natureza de “contribuição financeira” para cuja criação a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP apenas exige lei parlamentar no que respeita à definição do seu regime geral. II - Essa exigência foi cumprida através do artigo 51º da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, onde se enunciam as regras gerais que devem presidir à criação das taxas de regulação e supervisão. III - Os critérios que presidem à fixação do montante da “taxa de supervisão e regulação”, constantes do artigo 7.º do Regime das Taxas da ERC e do anexo II do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, cumprem os objectivos que lhes são assinalados pelo n.º 2 e 4 do artigo 51.º da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, não sendo, como tal, violadores dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, uma vez que as distinções que operam para efeitos de fixação do valor do tributo se não revelam arbitrárias e desprovidas de fundamento material bastante».
- o acórdão do STA (2ª secção), de 04/07/2018, Proc. nº 01102/17, in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: «Dado que as denominadas taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção, cobradas pelo Instituto da Vinha e do Vinho, IP, assumem natureza jurídica de contribuições financeiras, o respectivo regime jurídico não afronta, do ponto de vista orgânico, as normas constitucionais», em que se lê designadamente o seguinte: “(…) Com efeito, a LGT, depois de considerar no nº 2 do seu art. 3.º que «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas», logo estabelece no n.º 3 do art. 4.º que «as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumento de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são considerados impostos». Ora, quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efectivo e directo beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário. Como se sublinha na sentença recorrida, citando Sérgio Vasques (O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, p. 176.), se o elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face às taxas é o pressuposto de que partem, o elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade a que se dirigem. É a finalidade compensatória daquelas que permite distingui-las, designadamente, «dos impostos especiais e dos impostos consignados, figuras situadas junto à linha divisória entre os tributos paracomutativos e os tributos unilaterais», sendo que, «no caso dos impostos a angariação de receita é feita sem olhar ao modo como o produto é aplicado ou ao concreto fim a que se destina». Também a distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, antes, «à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir.» (Ac. do T. Constitucional, nº 539/2015, de 20/10/2015, proc. n.º 27/15, que sobre estes aspectos, remete para Sérgio Vasques (em “Manual de Direito Fiscal”, p. 221, ed. de 2011, Almedina) e para Suzana Tavares da Silva, (em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pp. 89-91, 2ª ed., Coimbra Editora).) Nas palavras de Casalta Nabais, (Taxas e contribuições financeiras a favor das entidades públicas e contribuições para a segurança social, Sobre o Regime Jurídico das Taxas, pp. 11 a 40, Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015. [Consult. 29 junho. 2018]. Disponível na internet: <URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_Taxas_contribuicoes_financeiras.pdf) não obstante a consideração de três espécies de tributos, como acontece na generalidade dos países, a terceira espécie (as contribuições), atentos a sua estrutura e o critério da sua medida, acaba «sendo equiparada ou aos impostos ou às taxas, apresentando-se, assim, essencialmente, como impostos especiais ou como taxas especiais. Por conseguinte o reconhecimento constitucional de três espécies de tributos parece não se revelar suficiente para a identificação das contribuições especiais como uma figura tributária verdadeiramente autónoma. Nessa visão das coisas, poder-se-ia dizer que as «contribuições especiais» se reconduzem ao regime dos impostos e as «contribuições financeiras» ao regime das taxas. De resto, que a figura das taxas pode respeitar a tributos de estrutura bilateral grupal, tem base legal expressa no n.º 2 do artigo 5.º do RGTAL, em que se prescreve que «as autarquias locais podem criar taxas para financiamento de utilidades geradas pela realização de despesa pública local, quando desta resultem utilidades divisíveis que beneficiem um grupo certo e determinado de sujeitos, independentemente da sua vontade». Também o Tribunal Constitucional já aceitara, aliás, a autonomização, no âmbito das categorias jurídico-tributárias, dos impostos, das taxas e das contribuições financeiras, acabando por reconduzir a taxa de regulação e supervisão constante do Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado pelo DL n.º 103/2006, de 07/06, à categoria de contribuição financeira (cfr. os acórdãos n.º 365/2008, de 02/07/2008, proc. n.º 22/08 e n.º 613/2008, de 10/12/2008, proc. n.º 425/08), e considerando, igualmente, que tendo a al. i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP passado a referir-se a essas três categorias de tributos (continuando os impostos sujeitos à reserva da lei formal, enquanto, relativamente às taxas e às contribuições financeiras, apenas a definição do seu regime geral tem que respeitar essa reserva de competência), pode a concreta criação deste tipo de tributos (contribuições financeiras), ao contrário dos impostos, ser efectuada por diploma legislativo governamental, sem necessidade de autorização parlamentar. E posteriormente, a jurisprudência constitucional manteve idêntica linha de argumentação em relação à taxa de utilização do espectro radioeléctrico (cfr. o ac. nº 152/2013, de 20/03/2013, proc. n.º 460/12), bem como em relação à “penalização” prevista nos n.ºs 1 e 2 do art. 25.º do DL n.º 233/2004, de 14/12 (cfr. o ac. nº 80/2014, de 22/01/2014, proc. n.º 911/12) e, mais recentemente, relativamente à denominada taxa de segurança alimentar mais [cfr. o supra citado ac. nº 539/2015, de 20/10/2015 (com dois votos de vencido), proc. n.º 27/15, igualmente referenciado pelo MP], tendo o Tribunal avançado com argumentação no sentido de que (i) no conceito de contribuição financeira também cabem os tributos exigidos a quem a lei onere com o financiamento de uma tarefa administrativa que lhe possa ser imputável em razão da proximidade existente entre os sujeitos passivos e a finalidade a atingir com a actividade administrativa; no sentido de que (ii) a circunstância de o tributo poder incidir apenas sobre um grupo, não constituía, nesse específico e concreto caso, obstáculo de ordem constitucional material (ligado ao princípio da igualdade), pois no contexto global do regime jurídico em causa existiam outros instrumentos visando a efectivação do princípio da responsabilidade repartida; e no sentido de que (iii) tal tributo podia ser criado por Decreto-Lei.”;
- o acórdão do STA (2ª secção), de 26/09/2018, Proc. nº 0394/13.8BEVIS-0812/17, in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: «I - Quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efectivo e directo beneficiário. II - Ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário. O elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade compensatória a que se dirigem. III - A distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. IV - Deixou de fazer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar. V - Partindo, pois, da qualificação jurídicas das denominadas taxas como contribuições financeiras a sua criação pelo governo não enferma de inconstitucionalidade orgânica, pois, a ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras, por parte da AR não impede o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas, no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo de a AR sempre poder revogar, alterar ou suspender a regulamentação criada pelo Governo.»;
- os acórdãos do STA (2ª secção), de 26/09/2018, Procs. nº 0273/13.9BEVIS-0694/17 e nº 0299/13.2BEVIS-01007/17, in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariados: «Dado que as denominadas taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção, cobradas pelo Instituto da Vinha e do Vinho, IP, assumem natureza jurídica de contribuições financeiras, o respetivo regime jurídico não afronta, do ponto de vista orgânico, as normas constitucionais»;
- o acórdão do STA (2ª secção), de 26/09/2018, Proc. nº 0392/13.1BEVIS-0810/17, in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: «I - Quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efectivo e directo beneficiário. II - Ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário. O elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade compensatória a que se dirigem. III - A distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. IV - Deixou de fazer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar. V - Partindo, pois, da qualificação jurídicas das denominadas taxas como contribuições financeiras a sua criação pelo governo não enferma de inconstitucionalidade orgânica, pois, a ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras, por parte da AR não impede o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas, no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo de a AR sempre poder revogar, alterar ou suspender a regulamentação criada pelo Governo.»;
- acórdão do STA (2ª secção), de 06/05/2020, Proc. nº 02921/17.2BEPRT, in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: «I - A Contribuição sobre o Setor Bancário tem natureza jurídica de contribuição financeira. II - As normas que aprovam o regime jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário, em que se inclui a prorrogação aplicável em 2017, não enfermam de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade, da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, da igualdade e da equivalência»;
- acórdãos do STA (2ª secção), de 17/06/2020, Procs. nº 02051/13.6BELRS-04417, nº 023181/15.2BELRS-01165/17 e nº 02356/14.9BELRS, in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariados: «I - A Contribuição sobre o Sector Bancário tem natureza jurídica de contribuição financeira. II - As normas que aprovam o regime jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário não enfermam de inconstitucionalidade orgânica, nem material, não violando os princípios constitucionais da legalidade, da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência.».
2.26 Para além da sua relevância para a densificação dos critérios de caracterização e distinção daquelas três tipologias de tributos, constitui traço comum dos citados acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo a circunstância de todos eles terem sido proferidos pela 2ª secção daquele Supremo Tribunal, isto é, pela secção tributária (cfr. artigo 26º do ETAF), na medida em que se configurou que aqueles processos, todos apreciados e decididos pelos tribunais tributários, eram da sua competência material.
E percebe-se que assim seja, já que desde logo se apelava à caracterização do tipo de tributo em causa (imposto, taxa ou contribuição financeira) com vista a definir o quadro normativo respetivo, de diferente natureza, e por via dele aferir da validade ou invalidade da sua liquidação e cobrança.
2.27 O que também sucedeu nos acórdãos do STA, igualmente da 2ª secção, de 23/01/2019, Proc. nº 01037/14.8BEPRT-0891/17 e de 13/03/2019, Proc. nº 01046/17.5BEPRT-0710/18, in, www.dgsi.pt/jsta, em que veio a considerar que a «contrapartida anual» exigida pelo TURISMO DE PORTUGAL, IP, às empresas concessionárias da atividade do jogo, ao abrigo do DL n.º 275/2001, de 17/10, se reconduz “…a uma prestação de natureza patrimonial, não enfermando o DL n.º 422/89, de 2 de dezembro (Lei do Jogo), bem como o DL n.º 275/2001, de 17 de outubro de inconstitucionalidade orgânica e/ou material”, entendendo-se que “…as contrapartidas pecuniárias (quer a inicial, quando prevista, quer a anual) não terão natureza tributária mas, antes, patrimonial, reconduzindo-se à «contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo a concessão numa zona territorial pré-determinada», independentemente até de o pagamento do imposto de jogo contribuir, juntamente com outros pagamentos, para a realização e preenchimento da contrapartida anual (casos há, aliás, em que não há que pagar qualquer contrapartida anual, mas somente imposto de jogo)”, e que “….estas obrigações financeiras (…) têm fundamento diferente do imposto e constituem receitas de natureza patrimonial”.
2.28 Ora, na situação presente a autora propugna na ação, para além do erro quanto aos pressupostos, que assaca à decisão administrativa impugnada (defendendo, designadamente, que não é «incorporador» para efeitos daquele diploma, e que não possuía TdB em falta), pugna pela ilegalidade do ato, designadamente com fundamento na inconstitucionalidade da norma que prevê a «compensação» em causa – a ínsita no artigo 24º do DL. nº 117/2010 – seja por violação do princípio da proporcionalidade (constitucionalidade material) seja por violação do artigo 165º nº 1 alíneas c), d) e i) da CRP (inconstitucionalidade orgânica), argumentando a este respeito, nas suas palavras, que “...aquela «compensação» esconde um verdadeiro imposto ou penalização”.
2.28 As dificuldades dogmáticas em torno da figura de «contribuição financeira» enquanto tertium genus dos tributos, não deixam de estar associadas à circunstância de não ter sido ainda, até à data de hoje, aprovado o regime geral das taxas e das contribuições financeiras que o nº 3 do artigo 3º da LGT prevê e refere, a ampla jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional, referenciada supra.
2.29 Mas a determinação do tribunal competente em razão da matéria, se o tributário, se o administrativo, não está dependente da sorte quanto à qualificação daquela obrigação pecuniária, como imposto ou contribuição financeira, ou como sanção e sobretudo, não cabe nesta fase processual e desde já, proceder a essa qualificação, o que se prenderá já com a decisão sobre o mérito do litígio, e que não deve ser antecipada em termos decisivos.
2.30 Esse raciocínio foi também em certa linha o seguido no acórdão do STA (2ª secção) de 06/05/2020, Proc. nº 0187/13.2BESNT-01617/15, in, www.dgsi.pt/jsta, ali assim sumariado «(…)IV - O tribunal tributário é o competente, em razão da matéria, para a apreciação da impugnação judicial deduzida contra a compensação dos encargos com o funcionamento dos Serviços de Inspeção de Jogos, referente à concessão de uma zona de jogo e em que essa compensação exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo vem impugnada como tributo e com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, bem assim por ilegalidade na determinação da matéria tributável e do tributo» que, revogou a decisão do Tribunal Tributário de 1ª instância que se tinha declarado incompetente em razão da matéria, e declarado competente o tribunal administrativo, com a seguinte fundamentação: “Segundo o Reclamante, a decisão reclamada, ao decidir a questão da competência do tribunal em razão da matéria, adiantou pronúncia de mérito, quer porque considerou que a compensação dos encargos com o funcionamento dos Serviços de Inspeção de Jogos tem natureza de tributo, quer porque considerou que houve uma liquidação desse tributo, o que tudo é matéria controvertida. Quanto à existência de liquidação diremos desde já que a decisão reclamada se limitou a reproduzir a identificação do ato impugnado tal como o identificou a Impugnante e nunca expendeu argumentação alguma no sentido de decidir se houve ou não liquidação. Quanto à natureza da compensação dos encargos com o funcionamento dos Serviços de Inspeção de Jogos, é certo que na decisão reclamada se poderá ter sido menos feliz quando, sem mais, se deixou dito que «essa compensação tem a natureza de tributo» e que «os considerandos expendidos valem igualmente em relação às componentes das contrapartidas anuais exigidas aos concessionários e que assumem natureza tributária» (sublinhado nosso). Mas, salvo o devido respeito, isso em nada contende com a validade daquela decisão, sendo que da leitura integral da mesma resulta que nunca se pretendeu emitir pronúncia sobre o mérito da impugnação judicial, mas tão-só sobre a questão da competência em razão da matéria. Ou seja, o que se pretendeu foi mencionar, por ser o que revelava para efeitos da determinação da competência em razão da matéria, o enquadramento jurídico efetuado pela Impugnante, que afirmou na petição inicial, quanto a essa compensação, que «estamos, em princípio, perante uma taxa», mas que, perante a violação pela mesma do princípio da proporcionalidade, «essa taxa acaba por se transformar num verdadeiro imposto». Nunca na decisão sumária se pretendeu dirimir a questão da natureza dessa compensação, mas tão só dar conta dos termos em que a petição inicial colocava a questão em juízo, por ser o que relevava para determinar a competência do tribunal em razão da matéria. Recuperando o que aí ficou dito: «De acordo com o disposto nos arts. 209.º, n.º 1, al. b) e 212.º, n.º 3, ambos da CRP, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos (a que correspondem atualmente as ações administrativas especiais) que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (cfr., igualmente, o n.º 1 do art. 1.º do ETAF). Portanto, como tem vindo a afirmar-se na jurisprudência do STA, «nesta jurisdição, o que determina a competência material do Tribunal é a circunstância de o conflito cuja resolução se pretende ter emergido de uma relação jurídica administrativa ou de uma relação jurídica fiscal. No primeiro caso será competente o Tribunal Administrativo, no segundo essa competência caberá ao Tribunal Tributário» (ac. do Plenário do STA, de 29/1/2014, proc. n.º 01771/13). E embora o conceito de relação jurídica administrativa não tenha assento legal, já o mesmo não sucede com a relação jurídica tributária, a qual, além de ter definição legal no n.º 2 do art. 1.º da LGT (é a relação estabelecida entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas) e de ter indicadas (no n.º 2 do mesmo art. 1.º) as entidades da AT que podem figurar como sujeitos dessa relação, também tem o seu objeto normativamente especificado: dispõe-se no art. 30.º da LGT que integram a relação jurídica tributária, o crédito e a dívida tributários; o direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição; o direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto; o direito a juros compensatórios; o direito a juros indemnizatórios. (cfr. o citado aresto do Plenário do STA). Daí que, como bem sublinha o MP, se deva considerar como consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que constitui questão fiscal, aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, inscritas no domínio da atividade tributária da administração, (1) [(1) Além do citado ac. do STA, Plenário, de 29/1/2014, proc. n.º 01771/13, cfr., igualmente, os acs. do Plenário, de 21/3/2012, proc. n.º 189/11; de 27/5/2009, proc. n.º 119/08; de 2/4/2009, proc. n.º 987/08. Na doutrina, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª ed., 2011, Vol. I p. 231] sendo que também a repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais fiscais tem como critério a apontada natureza da relação jurídica de onde emergem as questões submetidas à apreciação dos tribunais: relação jurídica administrativa ou relação jurídica tributária» (cfr. o citado acórdão de 3/2/2016, no processo n.º 0862/15). […]». Como também ficou dito na decisão reclamada, cuja redação ora nos permitimos aperfeiçoar: No caso, a Recorrente deduziu a presente impugnação judicial contra o ato que identificou como a liquidação da compensação dos encargos com o funcionamento dos Serviços de Inspeção de Jogos, prevista no art. 13.º da Lei Orgânica do Turismo de Portugal, I.P., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de Junho, referente à concessão da zona de jogo do (…), com fundamento em ilegalidades várias. A Impugnante qualificou essa compensação como tributo [se como taxa, se como contribuição financeira (() Eventualmente, na modalidade de contribuições por maior despesa, que ocorrem naquelas situações em que é devida uma prestação em virtude de as coisas possuídas ou de a atividade exercida pelos particulares darem origem a uma maior despesa das autoridades públicas (cfr. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 8.ª edição, Almedina, pág. 20 e segs.).) a favor de entidade pública (cfr. art. 4.º, n.ºs 2 e 3, da LGT), é questão que ora não releva]. Seja como for, na presente impugnação essa compensação vem impugnada como tributo e com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, bem assim por ilegalidade na determinação da matéria tributável e do tributo. Não está em causa, portanto, como bem referiu a Recorrente, qualquer questão sobre a validade do contrato de concessão celebrado entre ela e o Estado português. Assim, tendo presente que a competência em razão da matéria se afere pelo pedido formulado na ação e pela natureza da relação jurídica que lhe dá corpo, tal como é configurada pelo autor, podemos concluir, com a decisão reclamada, pela competência do tribunal tribuário em razão da matéria para conhecer da presente impugnação judicial».
2.31 Mas a autora não configura a ação como de impugnação de um ato tributário de liquidação de um tributo, ou de um ato administrativo em matéria tributária. Aliás hesita na qualificação daquela «compensação» como imposto ou penalização, e por essa razão, aliás propugna pela inconstitucionalidade da norma no artigo 24º do DL. 117/2010, seja por violação do disposto nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 165º da CRP, nos termos das quais constitui reserva relativa da Assembleia da República legislar sobre a “…definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal” e o “Regime geral de punição das infrações disciplinares, bem como dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo”, seja por violação da alínea i) do nº 1 do mesmo artigo 165º da CRP, nos termos da qual também constitui reserva relativa da Assembleia da República legislar sobre a “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”.
2.32 De notar, simultaneamente (até pela similitude com o normativo do artigo 24º do DL. nº 117/2010 que agora nos ocupa) que as ações tendentes à impugnação dos atos por penalização por emissões excedentárias de dióxido de carbono previstas no artigo 25º nº 1 e 2 do DL. n.º 233/2004, de 14 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 243-A/2004, de 31 de dezembro, têm vindo a ser decididas pelos tribunais administrativos, aceitando estes a respetiva competência material, sendo exemplo o processo em que além dos demais fundamentos de ilegalidade se invocou a inconstitucionalidade das normas, e sobre qual veio a recair o acórdão do Tribunal Constitucional nº 80/2014, Proc. nº 911/12, de 22/01/2014.
2.32 Tudo que razões que apontam no sentido de a competência material para apreciar a presente ação pertencer aos tribunais administrativos e não aos tribunais tributários.
2.33 Sendo certo que nesse mesmo sentido se decidiu também no recente acórdão deste TCA Norte de 10/06/2020, Proc. nº 2739/17.2BEBRG, em que igualmente estava em causa a impugnação de ato que determinou à autora ao abrigo do artigo 24º do DL n.º 117/2010 o pagamento da compensação ali prevista, no montante fixado, pelos TdB´s considerados em falta.
2.34 Aqui chegados, e por tudo o exposto, tem que conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.

Sem custas nesta instância de recurso, em face do decidido provimento – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Porto, 3 de julho de 2020

M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato