Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01676/12.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
CONDENAÇAO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO
RETIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
INSTRUMENTOS DE GESTÃO TERRITORIAL
Sumário:I- Verificando-se que a sentença recorrida distendeu a sua apreciação e decisão para além do escopo dos instrumentos de gestão territorial elencados no petitório inicial, é de concluir que a mesma excedeu a mesma os limites da condenação traçados no nº.1 do art. 609.º do CPC, infringindo a regra ne eat iudex ultra vel extra petita partium.
II- A eventual errada representação das consequências a extrair em sede de dispositivo não consubstancia qualquer nulidade de sentença, mas antes eventual erro de julgamento, insuscetível, portanto, de fulminar a sentença recorrida com a forma de invalidade mais gravosa.
III- Apurando-se que o Tribunal a quo olvidou-se de fixar em sede de dispositivo a condenação do Município demandado na adopção das diligências necessárias à retificação e regularização do erro de representação descrito nos autos, e constituindo tal uma decorrência do preceituado no art. 97.°-A, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de setembro, impõe-se condenar o mesmo em tais termos.
Recorrente:Município de Viana do Castelo e Outro(s)
Recorrido 1: Agência Portuguesa do Ambiente, IP e Outro(s)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Normas (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Recurso Principal: Conceder parcial provimento ao recurso.
Recurso subordinado: Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO
O MUNICÍPIO DE VIANA DO CASTELO, melhor identificado nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL intentados por AA e BB E CC contra o aqui Recorrente e a ADMINISTRAÇÃO DA REGIÃO HIDROGRÁFICA DO NORTE, I.P., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, em 09.07.2021, julgou a presente ação parcialmente improcedente e, em consequência, (i) reconheceu “(…) que não existe sobre os prédios melhor identificados em A) e B) do probatório qualquer linha ou curso de água (…)”; (ii) condenou “(…) a Agência Portuguesa do Ambiente à retificação de todos os documentos e plantas que instruíram o procedimento tendente à aprovação dos instrumentos de gestão territorial aprovados para o concelho de Viana do Castelo (…); (iii) declarou “(…) a ilegalidade da Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, do Plano de Pormenor para a Área ..., e da Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo na parte em que padecem ou se sustentam no erro de representação sobre os aludidos prédios (…)”; e (iv) ainda condenou “(…) o Município Demandado no apuramento de outras normas de cariz urbanístico e da sua competência afetadas pela apontada invalidade, devendo proceder às diligências necessárias com vista à sua alteração, em conformidade com o julgado (…)”.
Em alegações, o Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…)
I. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida, na parte em que julgando procedente a ação, condenou o ora Recorrente “no apuramento de outras normas de cariz urbanístico e da sua competência afetadas pela apontada invalidade, devendo proceder às diligências necessárias com vista à sua alteração, em conformidade com o julgado” é nula, porque se decidiu sobre um objecto diverso daquele que estava em causa nos autos e para além do pedido.
II. O objeto do processo, tal como os Autores o configuram na petição inicial com que introduziram em juízo a presente ação, é delimitado pelos pedidos formulados a final.
III. Não há efetiva correspondência entre o peticionado pelos AA. e a condenação determinada pela douta decisão recorrida, maxime no que concerne ao pedido formulado na alínea c) da parte final da p.i., no qual os AA. solicitavam a condenação dos RR. à adopção das “diligências necessárias à retificação e regularização desse erro de representação, nomeadamente, eliminando a linha ou curso de água que, na Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, no Plano de Pormenor para a Área ..., e na Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo e em quaisquer outros instrumentos de gestão territorial, surge representada sobre o prédio dos Autores” .
IV. A condenação que a Mma. Juíza a quo proferiu, no sentido de apurar e alterar “outras normas de cariz urbanístico e da sua competência afetadas pela apontada invalidade” não coincide com a almejada retificação e regularização do erro de representação alegado na p.i. e considerado verificado pela douta sentença, nem com a parte do pedido dos AA. destinado à eliminação da linha ou curso de água existente nas Plantas identificadas no pedido (e em quaisquer outros instrumentos de gestão territorial) em que a mesma surja representada.
V. Tendo em conta os pedidos formulados pelos AA., deveria a douta sentença do Tribunal a quo ter-se limitado a proferir condenação nesse expresso sentido, se entendia que os pedidos formulados cabiam na específica ação especial de impugnação de normas, determinando a condenação à correção dos instrumentos de gestão territorial existentes, em particular da Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, do Plano de Pormenor para a Área ..., e da Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo, traduzida na eliminação da citada linha de água, e nada mais para além disso.
VI. O que desde logo extravasa manifestamente o objecto do pedido é o segmento constante da douta decisão recorrida, na parte em que condena o Réu a apurar e alterar outras normas urbanísticas da sua competência afetadas pela apontada invalidade, que os AA. não invocam expressamente, nem enquanto causa de pedir, nem nos pedidos formulados na ação e que também não são concretizadas na douta sentença.
VII. A condenação proferida pela Mma. Juíza a quo não se coaduna com os poderes de condenação previstos na lei em sede de impugnação de normas, extravasando em absoluto o seu âmbito.
VIII. Apesar da convolação operada pela 1ª instância, há uma inadequação manifesta dos pedidos formulados pelos AA., que deveriam ter sido alvo de correção aquando da aludida convolação para a forma processual adequada, para passarem a coadunar-se em absoluto com forma de processo de impugnação de normas, nos termos previstos no CPTA, o que não sucedeu.
IX. Os AA., em lado algum da p.i. pedem a declaração de ilegalidade de quaisquer normas, escritas, ou gráficas, como sejam as Plantas que constituem o objecto da ação e sobre as quais fazem recair o petitório.
X. Os pedidos dos AA., não obstante a determinação pelo Tribunal a quo da convolação para a forma do processo actual, permaneceram inalterados, continuando a dizer respeito a uma condenação à adopção de condutas, segundo a previsão do art. 37°/2, d) do CPTA, à data aplicável e não àquele que caberia no âmbito de um processo de impugnação de normas, este sim dirigido à declaração de ilegalidade de normas.
XI. Mantendo-se uma clara inadequação entre a forma processual que deveria seguir um processo de impugnação de normas e a petição inicial apresentada pelos AA., designadamente no tocante aos pedidos formulados a final, inadequação partilhadas pela própria douta sentença recorrida, em particular na sua parte final e no segmento condenatório.
XII. Não podia a Mma. Juíza a quo condenar em objecto diverso do pedido, declarando uma ilegalidade que não foi suscitada ou peticionada pelos AA., nem condenar o R. Município a proceder a uma alteração de normas que em parte alguma são identificas, nem pelos AA., nem pela própria decisão judicial.
XIII. Condenação essa que não cabe no objecto, nem nos poderes de conformação da decisão e de condenação do julgador no âmbito de uma ação de impugnação de normas, nos termos delineados na lei processual administrativa.
XIV. Os pedidos formulados pelos AA. correspondem, tal como se apresentam formulados, aos procedimentos previstos no art. 97°-A do RJIGT, os quais tem fundamentos e trâmites específicos, que não se verificam no caso, não cabem no âmbito da presente ação, nem nos poderes condenatórios do Tribunal no âmbito de uma ação cujo objecto constitui a impugnação de normas.
XV. A condenação proferida não cabe no objecto legal de uma ação de impugnação de normas (que passaria pela eliminação ou desaplicação de normas concretas), nem tampouco corresponde aos pedidos formulados pelos Autores, que não suscitam qualquer declaração de ilegalidade.
XVI. O regime que o CPTA prevê é que, declarando a ilegalidade das normas, o Tribunal retire daí as consequências respetivas, ou seja, considere a norma (imediatamente operativa, no caso), inaplicável ao caso concreto, de acordo com o art. 73°/2 daquele, ou que determine que a norma simplesmente deixe de vigorar, sendo eliminada do ordenamento jurídico, no caso de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral.
XVII. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida, ao decidir coisa diferente, ou seja, em objecto diverso do pedido formulado pelos Autores e extravasando os poderes de pronúncia conferidos pela lei no âmbito de uma ação de impugnação de normas, violou as disposições dos artigos 72°, 73° e 76°, 95°/i e 2 do CPTA, 608°/2 e 615°/1/d) e e) e 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1° do CPTA, enfermando de nulidade (…)”.
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Notificados que foram para o efeito, os Recorridos AA e BB e CC contra-alegaram, defendendo a improcedência da apelação e a manutenção do decidido.
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Subsequentemente, AA e BB e CC deduziram RECURSO SUBORDINADO, para o que alegaram, apresentando para o efeito as seguintes conclusões: “(…)
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na parte em que absolveu o Réu Município de Viana do Castelo do pedido de condenação na adopção das diligências necessárias à retificação e regularização do erro de representação descrito nos autos, nomeadamente, eliminando a linha ou curso de água que, na Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, no Plano de Pormenor para a Área ..., e em quaisquer outros instrumentos de gestão territorial, surge representada sobre o prédio dos Autores.
2. Resulta dos referidos pontos dos factos provados que a Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo e a Planta de Implantação do Plano de Pormenor para a ... representam sobre os prédios dos Autores uma linha de água, e respectivo “espaço-canal”, que não existem.
3. Verifica-se, pois, um erro de representação nesses instrumentos de gestão territorial (IGT´s), na medida em que o teor das suas plantas não reflete com rigor a verdade dos factos, ao assinalar a existência de uma linha de água que, na realidade, não existe.
4. Ora, os arts. 93.º, n.º 1 e 97.º-A do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, na redação em vigor à data de entrada da ação) previam expressamente a possibilidade de retificação de erros materiais contidos em instrumentos de gestão territorial.
5. A douta sentença recorrida, relativamente a este concreto pedido, condenou a Ré APA na retificação de todos os documentos e plantas que instruíram o procedimento tendente à aprovação dos instrumentos de gestão territorial aprovados para o concelho de Viana do Castelo – condenação que não merece censura, pelo menos da parte dos ora Recorrentes.
6. Não obstante, absolveu desse pedido o Réu Município ou, pelo menos, não julgou a ação nos termos peticionados.
7. Tanto os planos diretores municipais como os planos de pormenor são PMOT´s, ou seja, planos municipais de ordenamento do território, tal como resulta do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, al. c), e n.º 4, al. b) do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, na redação em vigor à data de entrada da ação), e 2.º, n.º 1, al. d) e n.º 5 do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.
8. A partir do momento em que o Réu Município é a pessoa coletiva competente para proceder à retificação de erros materiais contidos nos IGT´s em referência nos autos, não poderia o mesmo deixar de ser condenado a adoptar as diligências necessárias a essa retificação ou regularização, conforme peticionado na al. c) do pedido.
9. Ao decidir em sentido diverso, não condenando o Réu Município nos termos peticionados na al. c) do pedido, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 93.º, n.º 1 e 97.º-A, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro.
10. Deve, pois, ser revogada, na parte em que não condenou o Réu Município conforme peticionado na al. c) do pedido, e substituído por Douto Acórdão que, nessa parte, condene o Réu Município a adoptar as diligências necessárias à retificação e regularização do erro de representação descrito nos autos, nomeadamente, eliminando a linha ou curso de água que, na Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, no Plano de Pormenor para a Área ..., e em quaisquer outros instrumentos de gestão territorial, surge representada sobre o prédio dos Autores (…)”.
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Relativamente a este recurso subordinado, o Município de Viana de Castelo produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
I. O objeto do processo, tal como os Autores o configuram na petição inicial com que introduziram em juízo a presente ação, é delimitado pelos pedidos formulados a final, sendo que o pedido da alínea c), é do seguinte teor: “c) condenar-se os RR. a adotarem as diligências necessárias à retificação e regularização desse erro de representação, nomeadamente, eliminando a linha ou curso de água que, na Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, no Plano de Pormenor para a Área ..., e na Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo e em quaisquer outros instrumentos de gestão territorial, surge representada sobre o prédio dos Autores”.
II. A procedência de tal pedido chocaria com os poderes de condenação previstos na lei em sede de impugnação de normas, extravasando em absoluto o seu âmbito.
III. Apesar da convolação operada pela 1ª instância, há uma inadequação manifesta dos pedidos formulados pelos Autores, que deveriam ter sido alvo de correção aquando da aludida convolação para a forma processual adequada, para passarem a coadunar-se em absoluto com a forma de processo de impugnação de normas, nos termos previstos no CPTA, o que não sucedeu.
IV. Em lado nenhum da petição inicial os Autores pedem a declaração de ilegalidade de quaisquer normas, escritas, ou gráficas, como sejam as Plantas que constituem o objecto da ação e sobre as quais fazem recair o petitório.
V. Os pedidos dos AA., não obstante a determinação pelo Tribunal a quo da convolação para a forma do processo actual, permaneceram inalterados, continuando a dizer respeito a uma condenação à adopção de condutas, segundo a previsão do art. 37°/2, d) do CPTA, à data aplicável e não àquele que caberia no âmbito de um processo de impugnação de normas, este sim dirigido à declaração de ilegalidade de normas.
VI. Mantendo-se uma clara inadequação entre a forma processual que deveria seguir um processo de impugnação de normas e a petição inicial apresentada pelos AA., designadamente no tocante aos pedidos formulados a final, inadequação que se agravaria com a pretendida procedência do pedido da alínea c) da p.i.
VII. À semelhança daquilo que ocorreu com os restantes pedidos, a douta sentença recorrida revelaria, ela própria, a mesma inadequação, se julgasse procedente o citado pedido da al. c) da p.i., justamente pelo facto de se ter de confrontar com pedidos que não fazem sentido no âmbito de uma ação de impugnação de normas e não eram - e não são - próprios da mesma.
VIII. Não pode o Tribunal julgar procedente o referido pedido da alínea c), ficcionando uma declaração de ilegalidade de normas que não foi pedida nem decidida, nem sequer tendo havido a identificação das normas que pretensamente deveriam ter sido declaradas ilegais.
IX. Tal pedido não cabe no objecto da ação para impugnação de normas, nem nos poderes de conformação da decisão e de condenação do julgador no âmbito de uma ação de impugnação de normas, nos termos delineados na lei processual administrativa.
X. O pedido da al. c) da p.i., tal como foi formulado, corresponde aos procedimentos previstos nos artigos 93º e ss. do RJIGT, mais especificamente aos previstos expressamente no artigo 97°-A do mesmo diploma (na versão em vigor à data da instauração da ação), os quais tem fundamentos e trâmites específicos, que claramente não se verificam no caso, nem cabem no âmbito da presente ação, nem nos poderes condenatórios do Tribunal no âmbito de uma ação cujo objecto constitui a impugnação de normas.
XI. O regime que o CPTA prevê é que, declarando a ilegalidade das normas, o Tribunal retire daí as consequências respetivas, ou seja, considere a norma (imediatamente operativa, no caso), inaplicável ao caso concreto, de acordo com o art. 73°/2 daquele, ou que determine que a norma simplesmente deixe de vigorar, sendo eliminada do ordenamento jurídico, no caso de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, não sendo isso, claramente, aquilo que resultaria da pretendida procedência do pedido da al. c) da petição inicial.
XII. O pedido da alínea c) da petição inicial mostra-se dotado de uma completa indefinição, generalidade, imprecisão e indeterminação, na parte em que se pede a condenação à adopção das diligências necessárias à retificação e regularização desse erro de representação, nomeadamente ... em quaisquer outros instrumentos de gestão territorial, surge representada sobre os prédios dos Autores”.
XIII. O pedido é um dos elementos essenciais da petição inicial, constituindo a sua verdadeira razão de ser, já que é através dele que o Autor formula ao Tribunal a sua pretensão concreta, pelo que não pode o mesmo deixar de ser claro, concreto, percetível, determinado ou determinável, congruente e coerente.
XIV. Não é isso que sucede no caso concreto, bastando pensar que nem todos os instrumentos de gestão territorial são elaborados e aprovados pelo Município de Viana do Castelo, sendo que desde logo e sem mais, há instrumentos de gestão territorial elaborados ao nível intermunicipal, regional e nacional.
XV. Jamais poderia proceder um pedido que, não identificando em concreto todos os instrumentos de gestão territorial que pretende abranger, se dirige apenas ao Réu Município, quando a este não assiste o exclusivo da competência para a elaboração e aprovação dos instrumentos de gestão territorial e, consequentemente, o exclusivo da competência para proceder à sua “retificação” e “regularização”.
XVI. Salvo o devido respeito, a procedência do recurso implicaria a violação das normas dos artigos 72°, 73°, 76° e 78°/2/g) do CPTA, 97°-A do RJIGT na versão à data em vigor e 552°/i/e) do CPC (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir consistem em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em:
(i) Recurso principal do Município de Viana do Castelo: (i.1) nulidade de sentença, nos termos das alíneas d) e e) do nº.1 do artigo 615º do CPC, e (i.2) erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 72°, 73° e 76°, 95°/i e 2 do CPTA.
(ii) Recurso subordinado de AA e BB e CC: erro de julgamento de direito, por ofensa do disposto das “(…) as disposições dos arts. 93.º, n.º 1 e 97.º-A, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro (…)”.
É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
A) Os Autores são donos e legítimos possuidores - na proporção de 74 de 100 partes indivisas - do prédio rústico com a área de 5900,00 m2, composto de leira de lavradio, vinha e árvores de fruto, sito no Lugar ..., na freguesia ..., em Viana do Castelo, a confrontar do Norte com DD, do Sul com parede, do Nascente com caminho público e do Poente com parede, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...57.° e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...07 - cf. documentos de fls. 16 a 35 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
B) Os Autores são donos e legítimos possuidores - na proporção de 5 de 8 partes indivisas - do prédio rústico com a área de 4 780,00 m2, composto de leira de lavradio e vinha, sito no Lugar ..., na freguesia ..., em Viana do Castelo, a confrontar do Norte com EE, do Sul com caminho público, do Nascente com caminho público e do Poente com FF, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...58.° e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...92 - cf. de fls. 16 a 35 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
C) O Plano Diretor Municipal de Viana do Castelo e o Plano de Pormenor da Marginal de Darque compreendem os prédios acima referidos – por acordo.
D) Desses Planos resulta que esses mesmos prédios estão localizados em área classificada como espaço canal - por acordo.
E) Essa classificação sustentou-se em plantas/peças desenhadas, integrantes dos Planos, nas quais se encontra representada uma linha ou curso de água que atravessa os prédios no sentido Sul-Norte - por acordo; cf. de fls. 110, 117 dos autos.
F) No âmbito de um pedido de emissão de certidão, o Diretor do Departamento de Recursos Hídricos do Litoral interveio adotando a posição que segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cf. documento de fls. 62 e ss.; 205 dos autos.
G) Por sua vez, nesse mesmo procedimento administrativo, a Câmara Municipal de Viana do Castelo adotou a posição que segue: «temos a informar que o parecer da ARH, entidade competente para a gestão dos recursos hídricos, não refuta de modo categórico a existência de linha de água referida, reconhecendo, pelo contrário, que são identificáveis indícios “que apontam para a existência da linha de água em causa, em conformidade com o PDM de Viana do Castelo e o Plano de Pormenor para a área marginal ao rio Lima, em Darque, no ponto em que desagua no rio Lima”.
Assim, enquanto a ARH, entidade competente nesta matéria, não se pronunciar de forma categórica quanto a este assunto, consideramos ser extemporâneo promover a alterações aos IGT requerida.» - cf. de fls. 90 dos autos.
H) Nas peças desenhadas dos vários Planos de Ordenamento do Território para o local, em vigor, designadamente na Planta de Implantação do “Plano de Pormenor para a ..., entre a Ponte Eiffel e a Ponte do IC1/A...8, em Darque” e na “Planta de Condicionantes do Concelho de Viana do Castelo - planta 40.4”, atualizada em outubro de 2019, Planta de Ordenamento “Plano Diretor Municipal do Concelho de Viana do Castelo - planta 40.4”, está representada uma linha ou curso de água que atravessa o terreno dos prédios dos Autores, no artigo ...58, no sentido SW/NE e no do artigo 257, no sentido Sul/Norte, integrada no Domínio Hídrico - cf. Relatório Pericial de fls. 295 e ss. dos autos.
I) Com base na cartografia que serviu de base à elaboração do Plano Diretor Municipal do concelho de Viana do Castelo, que entrou em vigor a 31 de dezembro de 1991, não existia qualquer linha de água nos terrenos dos Autores - cf. Relatório de Peritagem de fls. 295 e ss. dos autos.
J) Pelo menos há mais de cinquenta anos, não existe nos prédios identificados em A) e B) qualquer linha de água - cf. Relatório de Peritagem de fls. 295 e ss. dos autos.
K) -Não existe no local indício de “caixas de visita” ou de alteração da morfologia do terreno ou de que a linha ou curso de água que nas plantas dos citados Planos de Ordenamento de Território Municipal de Viana do Castelo surge representada sobre os prédios dos Autores tenha sido desfeita, aterrada, manilhada ou por qualquer outra forma obstruída. - cf. Relatório de Peritagem de fls. 295 e ss. dos autos (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
III.2.1- DO RECURSO PRINCIPAL
1. O Recorrente vem arguir a nulidade de sentença recorrida, com fundamento em condenação em objeto diverso do pedido e excesso de pronúncia.
2. A par de tal arguição, impetra ainda à decisão judicial recorrida erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 72°, 73° e 76°, 95°/i e 2 do CPTA.
3. Vejamos estas questões especificadamente.
4. Assim, e com reporte à arguida nulidade de sentença, cabe notar que a mesma vem estribada no entendimento, no mais fundamental, de que:
(i) “(…) extravasa manifestamente o objecto do pedido (…) o segmento constante da douta decisão recorrida, na parte em que condena o Réu a apurar e alterar outras normas urbanísticas da sua competência afetadas pela apontada invalidade, que os AA. não invocam expressamente, nem enquanto causa de pedir, nem nos pedidos formulados na ação e que também não são concretizadas na douta sentença (…)” .
(ii) “(…) A condenação proferida não cabe no objecto legal de uma ação de impugnação de normas (que passaria pela eliminação ou desaplicação de normas concretas), nem tampouco corresponde aos pedidos formulados pelos Autores, que não suscitam qualquer declaração de ilegalidade. (…)”.
5. Ora, quanto ao primeiro grupo de razões invocado pelo Recorrente, importa que se comece por sublinhar que, de acordo com o nº.1 do artigo 609º do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
6. Por sua vez, nos termos da alínea e) do nº.1 do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
7. É perante estes normativos que há que verificar se a sentença recorrido incorreu na nulidade que o Recorrente ora lhe imputa.
8. No caso vertente verifica-se que os autores formularam, de entre outros, os seguintes pedidos que a seguir se transcrevem, com o respetivo contexto para melhor entendimento: “(…)
Nestes termos, D. e A., deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, deve:
a) condenar-se os RR. a reconhecer de que não existe, nem existiu, desde tempos imemoriais, sobre os prédios identificados no artigo 1.° da petição inicial qualquer linha ou curso de água, nomeadamente, aquela que surge representada na Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, no Plano de Pormenor para a Área ..., e na Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo;
b) declarar-se que a Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, o Plano de Pormenor para a Área ..., e a Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo padecem de um erro de representação, na parte em que representam, sobre o aludido prédio, uma linha ou curso de água;
c) condenar-se os RR. a adotarem as diligências necessárias à retificação e regularização desse erro de representação, nomeadamente, eliminando a linha ou curso de água que, na Planta de Condicionantes do PDM de ..., no Plano de Pormenor para a Área ..., na Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo e em quaisquer outros instrumentos de gestão territorial, surge representada sobre o prédio dos Autores (…)”.
9. Conforme emerge grandemente do se que se vem de transcrever, os Autores formularam, com toda a clareza, três pedidos muito concretos, todos eles relacionados com a eventual existência de erro de representação sobre o prédio dos autores de uma linha ou curso de água na (i) Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, no (ii) Plano de Pormenor para a Área ..., e na (iii) Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo.
10. Sucede que, na sentença recorrida, para além de se (i) reconhecer que não existe sobre os prédios melhor identificados em A) e B) do probatório qualquer linha ou curso de água; (ii) declarar a ilegalidade da Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, do Plano de Pormenor para a Área ..., e da Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo na parte em que padecem ou se sustentam no erro de representação sobre os aludidos prédios; (iii) condenar a Agência Portuguesa do Ambiente à retificação de todos os documentos e plantas que instruíram o procedimento tendente à aprovação dos instrumentos de gestão territorial aprovados para o concelho de Viana do Castelo, foi ainda (v) condenado o Município Demandado no apuramento de outras normas de cariz urbanístico e da sua competência afetadas pela apontada invalidade, devendo proceder às diligências necessárias com vista à sua alteração, em conformidade com o julgado.
11. Assente o que se vem de expor, assoma evidente que a sentença da 1.ª instância, na parte em que condenou o Município Demandado “(…) no apuramento de outras normas de cariz urbanístico e da sua competência afetadas pela apontada invalidade, devendo proceder às diligências necessárias com vista à sua alteração, em conformidade com o julgado (…)”, excedeu os limites da condenação traçados no nº.1 do art. 609.º do CPC, infringindo a regra ne eat iudex ultra vel extra petita partium.
12. De facto, decorre do princípio do dispositivo, de entre outros corolários, a circunstância do “thema decidendum” ser circunscrito pelas partes.
13. Como se viu supra, as pretensões jurisdicionais formuladas nos autos envolviam a valoração da existência de eventual erro de representação de uma linha ou curso de água sobre o prédio dos Autores exclusivamente na (i) Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, no (ii) Plano de Pormenor para a Área ..., e na (iii) Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo.
14. Porém, a sentença recorrida, para além destes instrumentos de gestão territorial, distendeu ainda o dispositivo a “(…) outras normas de cariz urbanístico e da sua competência afetadas pela apontada invalidade (…)”, o que é claramente incompatível e contraditório com o preceituado no artigo 608º, nº. 2 do C.P.C.
15. Daí que se nos afigure que a sentença recorrida, ao condenar “(…) o Município Demandado no apuramento de outras normas de cariz urbanístico e da sua competência afetadas pela apontada invalidade, devendo proceder às diligências necessárias com vista à sua alteração, em conformidade com o julgado (…)”, incorreu em nulidade de sentença, por ofensa do disposto no nº.1 do artigo 609 e 615º, nº.1, alínea e), ambos do CPC.
16. Vingam, portanto, as objeções do Recorrente no particular conspecto em análise.
17. Idêntica asserção, porém, já não é atingível com reporte ao segundo grupo de razões aduzidas no âmbito da suscitada nulidade de sentença.
18. Realmente, a eventual errada representação das consequências a extrair em sede de dispositivo em face da motivação de direito transcorrida na decisão judicial recorrida, não consubstancia qualquer nulidade de sentença, mas antes eventual erro de julgamento, insuscetível, portanto, de fulminar a sentença recorrida com a forma de invalidade mais gravosa.
19. Resta-nos, pois, a questão de saber se o julgamento operado na decisão judicial recorrida encerra uma violação da normação estatuída nos artigos 72°, 73° e 76°, 95°/i e 2 do CPTA.
20. A resposta é, manifestamente, desfavorável às pretensões do Recorrente.
21. Na verdade, o Recorrente labora em manifesto equívoco ao defender que nos situamos no âmbito de uma ação de objeto estrito de impugnação de normas, sendo-lhe, por isso, de aplicar exclusivamente o regime jurídico envolvido na normação supra elencada, especialmente, quanto aos pedidos a formular nos autos.
22. Na verdade, os Autores cumularam um pedido de ação administrativa comum com dois pedidos de ação administrativa especial [impugnação de normas].
23. Este, aliás, foi o entendimento preconizado no despacho de 02.03.2016, que operou a correção da fórmula processual eleita no libelo inicial para a ação administrativa especial, nos termos do nº.1 do artigo 5º do C.P.T.A..
24. Se, porventura, o Recorrente discordava da forma como foi operada a convolação processual dos autos, maxime ao nível da falta de adequação dos pedidos formulados no libelo inicial com a nova fórmula processual, isto é, se discordava do teor do despacho promanado em 02.03.2016, então o meio processual adequado para o efeito passaria pela sua impugnação mediante a interposição do competente recurso de apelação.
25. Ora, não tendo o Recorrente impugnado tal despacho intercalar, é de manifesta evidência que o mesmo cristalizou-se na ordem jurídica, tornando-se definitivo.
26. Assim, quanto à questão de saber se a sentença recorrida incorreu em ofensa da normação prevista nos artigos 72°, 73° e 76°, 95°/i e 2 do CPTA, não pode se ignorar a solução preconizada pelo Tribunal no aludido despacho intercalar de 02.03.2016, por se mostrar já a mesma solidificada na ordem jurídica.
27. E se assim é, então não se pode afirmar que nos situamos no âmbito de uma ação de objeto estrito de impugnação de normas, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à demonstração da tese do Recorrente no sentido de que existe uma “(…) clara inadequação entre a forma processual que deveria seguir um processo de impugnação de normas e a petição inicial apresentada pelos AA., designadamente no tocante aos pedidos formulados a final, inadequação partilhadas pela própria douta sentença recorrida, em particular na sua parte final e no segmento condenatório (…)”.
28. Tudo isto para concluir que não assiste razão ao Recorrente na invocada ofensa da normação estatuída nos artigos 72°, 73° e 76°, 95°/i e 2 do CPTA.
29. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, impõe-se julgar o presente recurso parcialmente procedente, declarando-se nula a sentença na parte que condenou o Município Demandado “(…) no apuramento de outras normas de cariz urbanístico e da sua competência afetadas pela apontada invalidade, devendo proceder às diligências necessárias com vista à sua alteração, em conformidade com o julgado (…)”, no mais mantendo-se a decisão recorrida sem prejuízo do que se decidir quanto ao recurso subordinado interposto nos autos.
30. Ao que se provirá em sede de dispositivo.
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II- DO RECURSO SUBORDINADO
31. A questão decidenda que ora importa dissolver traduz-se em determinar se Tribunal a quo, ao absolver o Réu Município de Viana do Castelo do pedido de condenação na adopção das diligências necessárias à retificação e regularização do erro de representação descrito nos autos, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação, além de outras, das disposições dos arts. 93.°, n.° 1 e 97.°-A, n.° 1, al. b) e n.° 2 do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de setembro.
32. Realmente, e em síntese, os Recorrentes sustentam que a competência para retificação dos eventuais erros materiais existentes nos instrumentos de gestão territorial é pertença do órgão competente para a sua elaboração - que, no caso concreto, é o Réu Município de Viana do Castelo.
33. Assim, a par da Agência Portuguesa do Ambiente, não poderia o mesmo deixar de ser condenado a adoptar as diligências necessárias a essa retificação ou regularização, conforme peticionado na al. c) do pedido.
34. Adiante-se, desde já, que o recurso jurisdicional sub judice é de proceder, embora não pelas razões aduzidas pelos Recorrentes.
35. Para cabal compreensão da convicção que se vem evidenciar, impõe-se convocar a fundamentação de direito que ficou vertida na decisão judicial recorrida: “(…)
Vieram os Autores pedir que o Tribunal declare:
i) Que não existe, nem existiu, desde tempos imemoriais, sobre os prédios melhor identificados em A) e B) do probatório qualquer linha ou curso de água;
ii) Que a Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, o Plano de Pormenor para a Área ..., e a Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo padecem de um erro de representação, na parte em que representam, sobre os aludidos prédios uma linha ou curso de água.
E condene os Réus a adotarem as diligências necessárias à retificação e regularização desse erro de representação, nomeadamente, eliminando a linha ou curso de água que, na Planta de Condicionantes do PDM de ..., no Plano de Pormenor para a Área ..., na Planta de Ordenamento do PDM de Viana do Castelo e em quaisquer outros instrumentos de gestão territorial, surja representada sobre os prédios em causa.
Com efeito, nas peças desenhadas dos vários Planos de Ordenamento do Território para o local, em vigor, designadamente na Planta de Implantação do “Plano de Pormenor para a ..., entre a Ponte Eiffel e a Ponte do IC1/A...8, em Darque” e na “Planta de Condicionantes do Concelho de Viana do Castelo - planta 40.4”, atualizada em outubro de 2019, Planta de Ordenamento “Plano Diretor Municipal do Concelho de Viana do Castelo — planta 40.4”, está representada uma linha ou curso de água que atravessa os prédios em causa, no artigo ...58, no sentido SW/NE, e no do artigo 257, no sentido sul/norte, integrando o Domínio Hídrico.
Porém, com base na cartografia que serviu de base à elaboração do Plano Diretor Municipal do concelho de Viana do Castelo, que entrou em vigor a 31 de dezembro de 1991, não existia qualquer linha de água nos terrenos dos Autores.
Do julgamento da matéria de facto resultou provado que não existe nos prédios identificados em A) e B) qualquer linha de água no local. E, bem assim, que não existem no local quaisquer indícios de “caixas de visita” ou de alteração da morfologia do terreno ou de que a linha ou curso de água que nas plantas dos citados Planos de Ordenamento de Território Municipal de Viana do Castelo surge representada sobre os prédios em causa tenha sido desfeita, aterrada, manilhada ou por qualquer outra forma obstruída.
Salta à vista que o Plano Diretor Municipal do concelho de Viana do Castelo foi elaborado tendo por base errónea representação da realidade hídrica - cf. Lei n.° 54/2005, de 15 de novembro, imputável, desde logo, à Agência Portuguesa do Ambiente, que figura na presente ação na qualidade de sucessora, nas atribuições e competências legais, da Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P. - cf. Decreto-Lei .° 7/2012, de 17 de janeiro, e Decreto-Lei n.° 65/2021, de 12 de março - Entidade que fora inicialmente demandada.
Tal erro repetiu-se nas plantas e/ou desenhos, designadamente na Planta de Condicionantes, que ditam e sustentam, em parte, as opções subjacentes aos Planos aprovados.
A presente sentença obriga a que a Agência Portuguesa do Ambiente proceda à retificação de todos os documentos e plantas que instruíram os instrumentos de gestão territorial aprovados para o concelho de Viana do Castelo.
Por sua vez, o Município Demandado deverá retirar todas as consequências dessa retificação, alterando, por referência a essa retificação, opções formuladas nos instrumentos de gestão territorial com repercussão no território [destaque nosso].
Com efeito, o erro de representação provado nos presentes autos repercute-se em vício atinente à legalidade interna dos instrumentos de gestão territorial, vício material ou de fundo que torna necessário ao Município Demandado apurar quais as normas afetadas pela apontada invalidade (…)”.
36. Conforme grassa à evidência do que se vem de transcrever, o Tribunal a quo representou a obrigatoriedade da (i) Agência Portuguesa do Ambiente proceder ”(…) à retificação de todos os documentos e plantas que instruíram os instrumentos de gestão territorial aprovados para o concelho de Viana do Castelo (…)”, bem como do (ii) Município Demandado de “(…) retirar todas as consequências dessa retificação, alterando, por referência a essa retificação, opções formuladas nos instrumentos de gestão territorial com repercussão no território (…)”.
37. Porém, apenas condenou [em sede de dispositivo] a Agência Portuguesa do Ambiente no pedido de retificação de todos os documentos e plantas que instruíram os instrumentos de gestão territorial aprovados para o concelho de Viana do Castelo, deixando de fora o Município demandado.
38. O que se está em crer convictamente se ficou a dever a mero lapso, já que dúvidas não podem subsistir da representação do Julgador a quo a propósito da obrigatoriedade do Município demandado de “(…) altera[r], por referência a essa retificação, opções formuladas nos instrumentos de gestão territorial com repercussão no território (…)”.
39. Nestes termos, e por também por constituir uma decorrência do preceituado no art. 97.°-A, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de setembro, impõe-se condenar o Município de Viana do Castelo a adoptar as diligências necessárias à retificação e regularização do erro de representação descrito nos autos, nomeadamente, eliminando a linha ou curso de água que, na Planta de Condicionantes do PDM de Viana do Castelo, no Plano de Pormenor para a Área ..., surge representada sobre o prédio dos Autores.
40. Assim se decidirá.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP:
(i) CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso principal deduzido nos autos, pelo que:
(i.1) Declaram nula a sentença na parte que condenou o Município Demandado “(…) no apuramento de outras normas de cariz urbanístico e da sua competência afetadas pela apontada invalidade, devendo proceder às diligências necessárias com vista à sua alteração, em conformidade com o julgado (…)”.
(i.2) Mantém no restante a decisão recorrida sem prejuízo do que se segue quanto ao recurso subordinado.
(ii) CONCEDER TOTAL PROVIMENTO ao recurso subordinado interposto nos autos, pelo que condenam, a par da Agência Portuguesa do Ambiente, o Município de Viana do Castelo à retificação de todos os documentos e plantas que instruíram o procedimento tendente à aprovação dos instrumentos de gestão territorial aprovados para o concelho de Viana do Castelo.
Custas do recurso principal pela Recorrida e Recorrente, na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.
Custas do recurso subordinado pelo Recorrente.
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Porto, 25 de novembro de 2022,
Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia