Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00181/16.1BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/16/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Sumário:I- Não compete a um tribunal determinar quais os elementos re­levantes a considerar como fundamento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo, nem apreciar, em concreto, da aptidão de cada um deles para relevar como fundamento justificativo da indicação na proposta de um preço mais baixo; esse é um juízo que só ao júri do procedimento compete, em termos que não podem ser replicados pelo tribunal;
I.1- retira-se do exposto que, caso se verifique algum erro crasso, grosseiro, palmar, na avaliação efectuada por um júri de um concurso público, o tribunal pode corrigir esse erro, mas se esse mesmo júri não proceder a uma avaliação que devia efectuar, então o tribunal não se pode substituir ao júri, efectuando ele próprio a avaliação que o júri não efectuou;
I.2 -o que o tribunal pode fazer, neste caso, é determinar que o júri faça aquilo que não fez devendo tê-lo feito, ou seja, que proceda à avaliação que não efectuou.
II- No caso vertente o júri não avaliou tecnicamente nenhuma das três justificações apresentadas pela Autora/Recorrida para o preço anormalmente baixo da sua proposta, nem questionou os valores exibidos por esta.
III- Ora, sendo certo que o tribunal entendeu não aceitar os argumentos apresentados pelo júri para não avaliar as justificações da Recorrida e tratou de proceder a essa avaliação, violando, desta forma, o princípio da separação de poderes consagrado no artº 2º da CRP e a prerrogativa de avaliação que é exclusiva do júri, não é menos certo que os argumentos empregues pelo júri se revelaram ténues e imprecisos, de tal modo que não lograram convencer este tribunal;
III.1- por outro lado, também não pode olvidar-se que discricionariedade não se confunde com arbítrio, nem capricho;
III.2- tudo visto e dado que o elevado valor do contrato em causa impõe que se procure a melhor justiça e respeito pelas regras de concorrência, mister é que a actuação do júri, dentro das disposições legais aplicáveis, proceda à avaliação que não foi feita.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Associação de Municípios do Douro Superior de Fins Específicos e Outro(s)...
Recorrido 1:S...-Serviços Urbanos e Meio Ambiente, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
S...-Serviços Urbanos e Meio Ambiente, S.A., com sede na Rua …, instaurou acção de contencioso pré-contratual contra a Associação de Municípios do Douro Superior de Fins Específicos.
Indicou como contrainteressada F...-Serviços de Saneamento Urbano de Portugal, S.A..
Formulou o seguinte pedido:
A) Ser anulada a deliberação do Conselho Directivo da Associação de Municípios do Douro Superior de Fins Específicos tomada na sua reunião ordinária de 28 de Abril de 2016, que aprovou, por maioria, as propostas contidas no Relatório Final do Júri do Procedimento do Concurso Público Internacional N° 1/2014 "Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de RSU's para Estação de Transferência, Lavagem e Manutenção de Contentores e Limpeza Urbana, para os Concelhos do Douro Superior", datado de 13 de Abril de 2016, concretamente, a exclusão da proposta da aqui Autora, S... - Serviços Urbanos e Meio Ambiente, S. A. e a adjudicação da proposta apresentada pelo concorrente F... - Serviços de Saneamento Urbano de Portugal, S. A. - Com as legais consequências, nomeadamente a aceitação da proposta da S... (ie, dos esclarecimentos justificativos do preço da proposta da S...), daí resultando (dado tratar-se do critério de avaliação o mais baixo preço) a sua ordenação em 1° lugar, e consequente adjudicação (como tem sido Jurisprudência, a condenação na adjudicação da proposta do concorrente graduado em 1° lugar em procedimento concursal que tenha por único critério de adjudicação o do preço mais baixo não viola, quer o princípio da separação de poderes, quer o art° 79° do CCP, por tal não se traduzir em retirar à Administração qualquer poder que só a ela competisse na adjudicação, ou não, da proposta).
Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada procedente a acção, indeferido o pedido de levantamento do efeito suspensivo, anulada a deliberação impugnada e condenada a entidade demandada a admitir a proposta da Autora e a adjudicar-lhe o contrato objecto do concurso.
Desta vem recorrer a Associação de Municípios do Douro Superior de Fins Específicos.

Alegando, concluiu assim:
I. O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida em 02.09.2016, a qual julgou procedente a presente Acção de Contencioso Pré-Contratual instaurada pela Concorrente Autora, ordenando: i) a anulação da deliberação impugnada; e ii) a condenação da Entidade Demandada (ora Recorrente) a admitir a Proposta apresentada pela Concorrente Autora e a adjudicar-lhe o Contrato objecto do Concurso Público; sobre a Sentença proferida impendem nulidades, tendo a mesma sido ainda proferida em violação de normas jurídicas, e, bem assim, em erro na interpretação e aplicação de normas jurídicas.

II. Da Nulidade por Ausência de Produção de Prova (ou Erro de Julgamento): para efeitos de decisão da presente Acção de Contencioso Pré-Contratual, o Tribunal a quo não permitiu a produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente, tendo sido, por isso, com espanto, que a Recorrente constatou que o Tribunal a quo concluiu que: i) A Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora é suficiente e bastante para demonstrar/justificar o Preço Anormalmente Baixo apresentado; e que, ii) Não é de afastar o efeito anulatório previsto no artigo 283.º, do CCP, na medida em que a Entidade Demandada não demonstrou que o efeito anulatório requerido é desproporcional ou contrário à boa-fé ou não importa alteração subjectiva no Contrato a celebrar; decisão, como se disse, de estranhar, na medida em que, no artigo 286.º, da Contestação, requereu a ora Recorrente a produção de Prova Testemunhal.

III. Por outras palavras: na sua Contestação, a ora Recorrente requereu a produção de prova testemunhal, para prova adicional da factualidade por si alegada, com vista à demonstração: i) De que a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora não é suficiente nem bastante para demonstrar/justificar o Preço Anormalmente Baixo apresentado, conforme resulta do Relatório Preliminar e do Relatório Final; e, ii) Que o efeito anulatório requerido é desproporcional e contrário à boa-fé; a produção dessa prova testemunhal era, assim, relevante na defesa da ora Recorrente, já que pretendia a Recorrente evidenciar que, como resulta do Relatório Preliminar e do Relatório Final, a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora não é suficiente nem bastante para demonstrar/justificar o Preço Anormalmente Baixo apresentado.

IV. A omissão de pronúncia do Tribunal de 1.ª instância é, para além de surpreendente, no mínimo contraditória nos seus termos, já que ao mesmo tempo que encerra uma determinação de não produção da prova testemunhal requerida, acaba por indirectamente decidir que a Recorrente não demonstrou que a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora não é suficiente nem bastante para demonstrar/justificar o Preço Anormalmente Baixo apresentado, e, bem assim, que a Recorrente não demonstrou que o efeito anulatório requerido é desproporcional e contrário à boa-fé.

V. Impõe-se, por isso, e desde logo, concluir que existe uma contradição insanável entre a omissão de produção da prova requerida pela Recorrente e a decisão final, vertida em Sentença; existe, assim, nulidade da Sentença, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, pois que os fundamentos da Sentença se encontram em oposição com a (face à) decisão, o que determina a obrigatoriedade da revogação da Sentença em escrutínio, o que, desde já, assim se requer que seja determinado por V. Exas., ordenando-se, consequentemente, a produção da prova testemunhal requerida.

VI. Acresce, ademais, que, neste ponto, existe errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 90.º, do CPTA, aplicável, ex vi, do artigo 102.º, n.º 1, do CPTA, já que a referida disposição normativa estabelece que o Juiz do Processo não tem de satisfazer-se com as provas carreadas pelas partes, podendo ordenar a produção de outros meios de prova; mas o que o referido artigo não estabelece é que o Juiz do Processo possa rejeitar a produção de prova requerida, quando essa se afigure indispensável ao caso concreto; havendo matéria de facto relevante – a provar por inquirição de testemunhas –, não podia o Tribunal dispensar a prova requerida, ou considerá-la irrelevante (desnecessária), face aos factos que se deram como provados, com o que existe, assim, e em primeira linha, nulidade da Sentença, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, pois que os fundamentos da Sentença se encontram em oposição com a (face à) decisão.

VII. Caso assim não se entenda, a verdade é que, ao ter dispensado a produção de prova requerida, a Sentença em crise faz uma errada interpretação e aplicação do artigo 90.º, do CPTA, pelo que, nestes termos, deve a Sentença ser anulada, ao abrigo do disposto nos artigos 639.º, n.º 2, alínea b), e 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC; neste ponto, a Sentença em apreço foi ainda proferida em violação do artigo 90.º, do CPTA, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 639.º, n.º 2, alínea a), do CPC, violando, ainda, o artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, por interpretação e aplicação de preceitos da lei processual administrativa em violação do Princípio de Acesso ao Direito e do Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva.

VIII. Da Nulidade da Sentença por Violação do Princípio da Proibição das Decisões Surpresa: a Sentença em escrutínio surge em absoluta violação do enunciado Princípio, já que, ao não ter sido conferida a possibilidade de a Recorrente produzir a prova requerida – testemunhal –, a decisão passa a integrar o leque das denominadas Decisões Surpresa, com que a Recorrente não podia legitimamente contar; no caso vertente, a Recorrente não teve oportunidade de demonstrar que a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora não é suficiente nem bastante para demonstrar/justificar o Preço Anormalmente Baixo apresentado, conforme resulta do Relatório Preliminar e do Relatório Final, e, que o efeito anulatório requerido é desproporcional e contrário à boa-fé.

IX. A Sentença proferida não era, nem devia ser, previsível para a Recorrente, já que recaiu sobre factos/direito relativamente aos quais não foi produzida a prova testemunhal requerida, como tal aconteceu, existe nulidade processual, pois que, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, “(…) a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva (…) produzem nulidade (…) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”; a não produção da prova requerida – que é um direito da Recorrente – acabou por influir determinantemente no exame da causa, com o que forçosamente se tem que concluir que a Sentença proferida é, também por estas razões, nula.

X. Da Nulidade da Sentença por Violação do Artigo 3.º, n.º 3, do CPC (défice de actividade instrutória): Ao não ter havido lugar à prova requerida pela Recorrente – Inquirição de Testemunha –, o Tribunal ficou privado dos elementos relevantes à formação de um juízo adequado – e, nessa medida, correcto – sobre o mérito da causa; a não produção da prova requerida pela Recorrente implica que haja nulidade processual, pois que, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, (…) a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva (…) produzem nulidade (…) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”; no caso vertente, a omissão de produção da prova requerida pela Recorrente veio a influir de forma clara e determinante, quer no exame, quer na decisão da causa, assim se violando um princípio básico do direito processual, o do contraditório, não se permitindo que ao processo sejam trazidos elementos de forma a decidir-se a causa de acordo com as várias soluções plausíveis ao Direito.

XI. Da Nulidade da Sentença por Oposição entre os Fundamentos e a Decisão: O Tribunal a quo procede à sua interpretação do disposto nos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.º, n.º 1, alínea e), e 71.º, do CCP, considerando que “a inexistência ou insuficiência dos esclarecimentos relativos ao preço anormalmente baixo só determina a exclusão da proposta em causa se, após solicitação dos elementos justificativos relevantes, o júri considerar que o preço apresentado não é um preço sério ou razoável” (fls. 30); todavia, é reconhecido pelo Tribunal de 1.ª instância que este seu entendimento é contrário à Jurisprudência Nacional, a qual “entende que o júri não tem que pedir quaisquer esclarecimentos” (fls. 29); sucede, porém, que, como é reconhecido pelo Tribunal a quo, a Concorrente Autora “apresentou logo com a proposta documento justificativo do preço anormalmente baixo” (fls. 31).

XII. Assim, e para além da errada interpretação e aplicação das normas consubstanciadas nos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.º, n.º 1, alínea e), e 71.º, do CCP, é evidente e manifesto que a Sentença sob escrutínio padece de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão – artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC –, já que é por demais claro que se um Concorrente – como aconteceu com a Concorrente Autora – apresenta logo com a sua Proposta um Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixo, não se encontra o Júri do Procedimento obrigado a solicitar qualquer elemento justificativo desse Preço Anormalmente Baixo, e, nessa medida, não pode ser determinada a anulação de um Acto Administrativo – como veio a ser – com fundamento na ausência de um Pedido de Esclarecimentos à Concorrente Autora quando esta, durante o Procedimento Concursal e com a sua Proposta, apresentou esses Esclarecimentos, os quais, todavia, não foram atendidos, por serem improcedentes.

XIII. Existe, assim, neste segmento decisório, oposição entre os fundamentos da decisão e a própria decisão, já que não pode o Tribunal considerar um Acto de Adjudicação ilegal em virtude de o Júri do Procedimento não ter solicitado à Concorrente Autora os Esclarecimentos quanto à apresentação de um Preço Anormalmente Baixo quando a Concorrente Autora, logo na sua Proposta, apresentou uma Nota Justificativa do Preço Proposto, a Sentença sob escrutínio é, por esta razão, nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

XIV. Da Nulidade da Sentença por Conhecimento de Questões de que Não Podia Tomar Conhecimento: Nos presentes autos, a Concorrente Autora insurge-se contra aquilo que foi o juízo técnico – e discricionário – por parte do Júri do Concurso quanto à não admissibilidade dos “esclarecimentos justificativos” apresentados pela Concorrente Autora em tentativa de ver admitida e adjudicada a sua Proposta de Preço Anormalmente Baixo; sobre estas matérias de índole técnica, o Tribunal a quo discorreu longamente, apreciando aquilo que foram as razões técnicas apresentadas pela Concorrente Autora para procurar justificar o seu Preço Anormalmente Baixo.

XV. Ora, como já decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul, por Acórdão proferido em 23.11.2011, no Processo n.º 07914/11, “4- Da leitura deste artº 71.4 do CCP; resulta claro que a apreciação da validade da justificação do preço anormalmente baixo depende de critérios técnicos.” (destacado nosso). Foi entendimento e decisão nesse Acórdão que: “Da leitura deste artº 71.4 do CCP; resulta claro que a apreciação da validade da justificação do preço anormalmente baixo depende de critérios técnicos. É ao júri do concurso que compete apreciar se a justificação é tecnicamente aceitável, se é válida de acordo com os conhecimentos da técnica da matéria em concurso. Assim sendo, estamos perante uma área de poder discricionário da administração. Fora dos casos de manifesta evidência temos de concluir que não cabe aos Tribunais sindicar o julgamento técnico que o júri do concurso fez sobre a validade da justificação do preço anormalmente baixo.” (sublinhado e destacado nosso).

XVI. Assim já havia entendido esse Tribunal Central Administrativo Sul, quando, por intermédio de Acórdão proferido 17.02.2011, no Processo n.º 06985/10, decidiu que “Naturalmente que estamos em sede de valorações por recurso a juízos técnicos, melhor dizendo, o juízo jurídico sobre o preço anormalmente baixo é incindível dos juízos próprios da lex artis a que o contrato a adjudicar se reporta.” (destacado nosso).

XVII. Este sentido decisório vem já desde, pelo menos, 2010, quando por Acórdão proferido em 21.01.2010, no Processo n.º 05786/09, o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu que: “V. Na análise dos esclarecimentos prestados pelos concorrentes quanto ao preço anormalmente baixo que propuseram, previstos no art.º 71.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, o júri do procedimento goza de discricionariedade técnica, que em princípio é insindicável pelo tribunal, a não ser em caso de erro grosseiro, crasso ou palmar.”.

XVIII. Não existe, no caso vertente – nem sequer foi invocado e/ou demonstrado existir – qualquer erro gravíssimo, manifestamente grosseiro ou notoriamente palmar que pudesse conduzir à sindicabilidade do agir da Recorrente; ora, como é entendimento reiterado da Jurisprudência, o controlo jurisdicional dos juízos valorativos efectuados pelo Júri do Concurso – em especial numa área tão especializada como a dos autos – encontra-se significativamente limitado, uma vez que tais juízos valorativos se inserem na designada “área de discricionariedade técnica” do Júri do Concurso (Entidade Adjudicante).

XIX. Nesta matéria, e entre muitos, é exemplificativo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 16.03.2006, no Processo n.º 01459/06, onde se decidiu que: “3. No juízo de valoração de conceitos técnicos regem os conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica que estejam em causa, não cabendo ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extra-jurídicas para tanto necessária.” (destacado nosso).

XX. A análise do Júri do Concurso no tocante à apreciação da validade da justificação do Preço Anormalmente Baixo situa-se na zona de liberdade administrativa, no âmbito da qual – e com o devido respeito, que é muito – o Tribunal não dispõe de conhecimentos especializados para se pronunciar; in casu, o Tribunal a quo substituiu-se ao Júri do Concurso na apreciação da validade da justificação do Preço Anormalmente Baixo apresentada pela Concorrente Autora; Como se percebe, essa apreciação depende e exige conhecimentos técnicos próprios, inserindo-se, por conseguinte, na “margem de livre apreciação” ou nas “prerrogativas de avaliação”, que decorrem do exercício da discricionariedade técnica, domínio onde a Administração emite juízos de valor de carácter eminentemente técnico-especializado, os quais, nessa medida, se encontram subtraídos à apreciação jurisdicional.

XXI. Assim sendo, não é ao Tribunal – que lida com a técnica jurídica – que cabe sindicar as razões que, em concreto, conduziram o Júri do Concurso a apurar e concluir se uma determinada justificação é, ou não, bastante para legitimar um Preço Anormalmente Baixo; como se demonstrou, em domínios científicos/técnicos, é opinião unânime na Jurisprudência Superior que o Tribunal não pode sindicar juízos de carácter técnico ou científico, por não dispor de conhecimentos especializados para essa tarefa, na medida em que a sindicabilidade contenciosa do agir da Administração Pública pára exactamente na fronteira da reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa, o que é corolário do Princípio da Separação de Poderes, que impõe que os Tribunais Administrativos não se possam substituir às decisões técnicas da Administração.

XXII. Assim – e para além do erro de julgamento quanto à improcedência da Questão Prévia/Excepção de Inimpugnabilidade do Acto Administrativo Impugnado (1.ª Vertente) –, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, por ter conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, o que acarreta a sua nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

XXIII. Da Nulidade da Sentença por Ausência de Fundamentos de Facto que Justificam a Decisão: Na Sentença proferida, entende o Tribunal a quo que a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora é apta a demonstrar/justificar o Preço Anormalmente Baixo proposto; pese embora tal contradição ferir de nulidade a Sentença sob escrutínio – como visto em momento anterior –, a verdade é que, ainda assim, nada nos autos e/ou no procedimento permite essa conclusão; de facto, uma das razões apontadas pelo Júri do Concurso para não aceitação da Nota Justificativa do Preço Proposto foi, precisamente, a ausência de demonstração e mera alegação de poupanças com a execução do Contrato; nada foi carreado para o Procedimento Concursal – nem para o presente Processo – no sentido de demonstrar, evidenciar e provar as poupanças alegadas pela Concorrente Autora.

XXIV. O Tribunal a quo fez tábua rasa dessa ausência de prova, e, para além de se imiscuir indevidamente na reserva de administração, veio apreciar e valorar meras alegações da Concorrente Autora desprovidas de qualquer suporte probatório; não consta dos Factos Provados – fls. 4 a 16 – qualquer prova quanto às alegadas poupanças da Concorrente Autora, apenas daí constando a transcrição da Nota Justificativa do Preço Proposto (Facto Provado 8) e 9)), o que, à semelhança do que já ocorria em sede de Procedimento Concursal, nada releva para efeitos de prova; e aqui reside mais uma causa de nulidade da Sentença, por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, por falta de fundamentos de facto que justificam a decisão.

XXV. Mas mais. Em pronúncia judicial nunca antes vista, o Tribunal a quo aditou razões justificativas à Nota Justificativa do Preço Proposta apresentada pela Concorrente Autora, numa tentativa de lhe aditar fundamentos e assim demonstrar a aceitabilidade dessa Nota Justificativa, no sentido de considerar ilegal o Acto Administrativo Impugnado; não há qualquer suporte probatório às alegações da Concorrente Autora, assim como nenhum suporte probatório existe que legitime e fundamente o entendimento preconizado na Sentença sob Recurso Jurisdicional; Se o Tribunal considera que, de acordo com a interpretação (muito própria e contrária à Jurisprudência e à Doutrina) que faz dos preceitos do Código dos Contratos Públicos, se encontrava o Júri do Concurso obrigado/vinculado a solicitar Esclarecimentos à Concorrente Autora quanto ao seu Preço Anormalmente Baixo, não pode, depois, considerar que, afinal, a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora já apresentava esclarecimentos e justificações suficientes e bastantes, quando, e de resto, no caso vertente, a mesma apenas era constituída por alegações desprovidas de qualquer suporte probatório.

XXVI. Assim – e para além do erro de julgamento –, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, por manifesta ausência de fundamentos de facto que justifiquem a decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

XXVII. Da Anulação da Sentença por Insuficiência da Matéria de Facto: Sem conceder quanto aos fundamentos de nulidade da Sentença aqui em escrutínio, pelas razões aduzidas supra, caso se entenda que esses fundamentos são improcedentes – o que, sem conceder, se admite por cautela processual e de patrocínio – sempre a Sentença deverá ser anulada; como resulta do que se expôs anteriormente, afigura-se indispensável a ampliação da matéria de facto, o que só se logrará alcançar caso haja lugar à produção da prova requerida pela Recorrente: Inquirição de Testemunhas, termos em que, deve a Sentença em escrutínio ser anulada, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, ordenando-se a produção da prova requerida pela Recorrente, de acordo com a alínea a), do n.º 3, do artigo 662.º, do CPC.

XXVIII. A Sentença ora sob Recurso Jurisdicional padece ainda de fundados erros de julgamento quanto à interpretação e aplicação das normas jurídicas em causa, as quais são, essa medida, violadas pelo Tribunal a quo, o que se passa a demonstrar de seguida.

XXIX. Do 1.º Erro de Julgamento – Do Erro de Interpretação e Aplicação dos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.º, n.º 1, alínea e), e 71.º, do CCP: O Tribunal a quo procede à sua interpretação do disposto nos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.º, n.º 1, alínea e), e 71.º, do Código dos Contratos Públicos (“CCP”), entendendo que “a inexistência ou insuficiência dos esclarecimentos relativos ao preço anormalmente baixo só determina a exclusão da proposta em causa se, após solicitação dos elementos justificativos relevantes, o júri considerar que o preço apresentado não é um preço sério ou razoável” (fls. 30).

XXX. Sucede, porém, que, como é reconhecido pelo Tribunal a quo, a Concorrente Autora “apresentou logo com a proposta documento justificativo do preço anormalmente baixo” (fls. 31), com o que existe errada interpretação e aplicação das normas consubstanciadas nos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.º, n.º 1, alínea e), e 71.º, do CCP, já que é por demais claro que se um Concorrente – como aconteceu com a Autora – apresenta logo com a sua Proposta um Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixo, não se encontra o Júri do Procedimento obrigado a solicitar qualquer elemento justificativo desse Preço Anormalmente Baixo.

XXXI. Num primeiro momento, o Tribunal de 1.ª instância entende que se o Júri do Concurso tinha dúvidas quanto aos esclarecimentos prestados pela Concorrente Autora, era seu dever solicitar o esclarecimento previsto no artigo 71.º, n.º 3, do CCP. Não é assim e explicamos porquê.

XXXII. Em primeiro lugar, o Exmo. Júri do Concurso não ficou com dúvidas quanto aos “esclarecimentos justificativos” apresentados pela Concorrente Autora, como esta pretende induzir este Tribunal em erro; o que o Exmo. Júri do Concurso entendeu foi que a Concorrente Autora não demonstrou – com recurso a prova suficiente e bastante –, de forma cabal e suportada, i.e. não provou, em que termos conseguia alcançar uma redução de custos, já que a Concorrente Autora se limitou a alegar essa poupança de custos, sem nunca demonstrar/provar.

XXXIII. Não há um elemento probatório que seja no documento intitulado “Documentos Justificativos do Preço Anormalmente Baixo”, junto como Documento n.º 6 da Petição Inicial, assim como nenhum foi junto nos presentes autos.

XXXIV. Em segundo lugar, é incorrecta a interpretação que o Tribunal a quo faz do artigo 71.º, n.º 3, do CCP, e aqui reside um dos Erros de Julgamento. Atentemos.

XXXV. A disposição em apreço rege e é aplicável aos casos em que um Concorrente apresenta uma Proposta com/em Preço Anormalmente Baixo que não contenha os esclarecimentos justificativos desse preço; no caso em apreço, a Concorrente Autora apresentou esses “esclarecimentos justificativos” em sede de Proposta, os quais, todavia, se mostraram insuficientes para justificar o Preço Anormalmente Baixo apresentado, razão pela qual não havia lugar à aplicação do artigo 71.º, n.º 3, do CCP.

XXXVI. Este tem sido o entendimento unânime da nossa Jurisprudência, com a qual a Sentença sob Recurso confessadamente reconhece e admite estar em oposição e ser caso isolado – de resto, nenhuma Jurisprudência foi convocada pelo Tribunal a quo como apoio à sua tese.

XXXVII. Em sentido diametralmente oposto ao decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, entendeu o Tribunal Central Administrativo Sul, por intermédio de Acórdão proferido em 11.04.2013, no Processo n.º 09786/13; bem como o Tribunal Central Administrativo Sul por intermédio de Acórdão proferido em 28.04.2011, no Processo n.º 07299/11; bem como o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão proferido em 21.06.2011, no Processo n.º 0250/11; assim como o Tribunal Central Administrativo Norte, de que é exemplo o Acórdão proferido em 27.06.2014, no âmbito do Processo n.º 02935/13.1BEPRT.

XXXVIII. A Doutrina também assim o entende. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, inConcursos e outros procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2014, página 939, rodapé n.º 224, entendem que: “Questão diferente desta é a de, resultando claramente o valor do preço anormalmente baixo da proposta do seu confronto com o caderno de encargos ou programa, o concorrente não apresentar, com ela, o documento previsto na alínea d) do art. 57.º/1, hipótese que se vem entendendo ser causa de imediata exclusão, sem necessidade de solicitar o concorrente a justificação para o preço apresentado” (destacado nosso).

XXXIX. Jorge Andrade da Silva, in “Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado”, Almedina, 2015, página 242, em anotação ao n.º 3, do artigo 71.º, do CPP: “Só que, por força da alínea d) do n.º 1, do artigo 57.º, essa nota justificativa do preço tem que integrar a própria proposta, caso o programa do procedimento ou o convite estabeleçam o valor abaixo do qual preço é anormalmente baixo (…) poderá ainda pretender-se que essa solução deve igualmente ter lugar se a anormalidade do preço resulta logo da aplicação ao preço base das percentagens estabelecidas no n.º 1 deste preceito, pois, em todos esses casos, o concorrente está condições de saber que a sua proposta apresenta um preço anormalmente baixo. A ser assim, a disposição daquele n.º 3, quanto à obrigatoriedade daquela solicitação ao concorrente, terá apenas aplicação nos casos em que não tenha sido fixado um preço base.” (destacado nosso).

XL. Existe, aqui, e de forma manifesta, errada interpretação e aplicação das normas consubstanciadas nos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.º, n.º 1, alínea e), e, em especial, do artigo 71.º, n.º 3, do CCP, encontrando-se a Sentença recorrida – como a própria reconhece – em manifesta oposição com a Jurisprudência proferida nesta matéria, bem como em oposição com a Doutrina; em face do exposto, é manifesto o erro de julgamento do Tribunal a quo na interpretação e aplicação do artigo 71.º, n.º 3, do CCP, devendo, nessa medida, ser a mesma revogada.

XLI. Do 2.º Erro de Julgamento – Erro sobre aos Pressupostos de Facto: Sem conceder quanto à nulidade da Sentença por ausência de fundamentos de facto que justificam a decisão e necessidade da sua anulação por insuficiência da matéria de facto, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece, ainda, de Erro de Julgamento quanto aos Pressupostos de Facto, isto porque, como resulta evidente, nenhuma prova foi feita pela Concorrente Autora – seja em Procedimento Concursal seja na presente Acção –, quedando-se esta por alegações meramente conclusivas e gratuitas, desprovidas de qualquer suporte probatório, que, de resto, não foi trazido a estes autos, e, para além de nenhuma prova ter sido feita quanto às alegadas “poupanças”, a verdade é que, os elementos carreados para os autos não permitem a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo segundo a qual são admissíveis os esclarecimentos prestados pela Concorrente Autora em sede de Nota Justificativa do Preço Proposto, o que significa que a Sentença proferida assenta em Erro sobre os Pressupostos de Facto.

XLII. Nada nos autos e/ou no procedimento permite essa conclusão, o que, para além de significar a nulidade da Sentença por ausência de fundamentos de facto que justificam a decisão e necessidade da sua anulação por insuficiência da matéria de facto, significa ainda que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de Erro de Julgamento quanto aos Pressupostos de Facto. Vejamos.

XLIII. Uma das razões apontadas pelo Júri do Concurso para não aceitação da Nota Justificativa do Preço Proposto foi, precisamente, a ausência de demonstração e mera alegação de poupanças virtuais com a execução do Contrato; nada foi carreado para o Procedimento Concursal – nem para o presente Processo – no sentido de demonstrar, evidenciar e provar as poupanças alegadas pela Concorrente Autora; mas o Tribunal a quo fez tábua rasa dessa ausência de prova, e, para além de se imiscuir indevidamente na reserva de administração, veio apreciar e valorar meras alegações da Concorrente Autora desprovidas de qualquer suporte probatório.

XLIV. Não há qualquer suporte probatório às alegações da Concorrente Autora, assim como nenhum suporte probatório existe que legitime e fundamente o entendimento preconizado na Sentença sob Recurso Jurisdicional.

XLV. Se o Tribunal considera que, de acordo com a interpretação (muito própria e contrária à Jurisprudência e à Doutrina) que faz dos preceitos do Código dos Contratos Públicos, se encontrava o Júri do Concurso obrigado/vinculado a solicitar Esclarecimentos à Concorrente Autora quanto ao seu Preço Anormalmente Baixo, não pode, depois, considerar que, afinal, a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora já apresentava esclarecimentos e justificações suficientes e bastantes, quando, e de resto, no caso vertente, a mesma apenas era constituída por alegações desprovidas de qualquer suporte probatório.

XLVI. Quer seja apresentado imediatamente com a Proposta ou posteriormente e após pedido da Entidade Adjudicante, um Concorrente que apresente uma Proposta de Preço Anormalmente Baixo deve demonstrar, com recurso a documentos probatórios bastantes, de que forma dispõe de condições – “esclarecimentos justificativos” – que lhe permitem apresentar esse Preço; sucede, porém, que os “esclarecimentos justificativos” apresentados pela Concorrente Autora nunca foram, nem são, aptos a demonstrar que a Concorrente Autora dispõe das condições legalmente admissíveis para apresentar – e ser admitido – um Preço Anormalmente Baixo. Vejamos.

XLVII. Para que fique claro: a Concorrente Autora dedica meras 4 (quatro) fls., não completas, à tentativa de demonstrar e provar que consegue uma poupança justificada de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) relativamente ao limiar do Preço Anormalmente Baixo, e essas 4 (quatro) fls. correspondem a meras alegações conclusivas da Concorrente Autora, não suportadas documentalmente, tendo a Concorrente Autora sido incapaz de juntar ao Procedimento Concursal qualquer documento comprovativo da tão apregoada “poupança” de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros).

XLVIII. E nenhuma demonstração ou prova também logrou alcançar nos presentes Autos. Não há um único elemento probatório que suporte as alegações gratuitas da Concorrente Autora, não tendo essa carreado para o Procedimento Concursal, nem, de resto, para a presente Acção, qualquer elemento de prova suficiente e bastante para demonstrar em que termos consegue concorrer com um Preço Anormalmente Baixo justificado; tudo o que existe e que o Tribunal de 1.ª instância foi chamado a valorar são, tão-só, alegações da Concorrente Autora, as quais carecem em absoluto de prova.

XLIX. Não foi feita qualquer demonstração, nem sequer tentada, pela Concorrente Autora, já que apenas foram atiradas alegações sem qualquer suporte probatório, com o que as considerações da Concorrente Autora não poderiam ter sido aceites nem consideradas procedentes pela Recorrente, como, de resto, ocorreu.

L. Mas não só. É errado o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual “ao contrário do que é referido pelo júri, a justificação do preço anormalmente baixo não tem em vista apresentar fundamentos que revistam carácter de excepcionalidade” – fls. 33, da Sentença. Vejamos.

LI. Como decorre com clareza da letra da lei, as soluções técnicas adoptadas ou as condições favoráveis têm que ser excepcionais, e só o serão se, em cotejo com os demais Operadores do Mercado, mormente os Concorrentes ao Concurso, se afigurarem como únicas, desde que comprovadas; ora, no caso vertente, para além das soluções técnicas e condições favoráveis alegadas pela Concorrente Autora não virem demonstradas, foi fácil para o Júri do Concurso apurar que, ainda que essas se verificassem, as mesmas não seriam exclusivas da Concorrente Autora, não existindo, assim, relativamente a essas, a nota da excepcionalidade exigida pelo artigo 71.º, n.º 4, alínea b), do CCP, como pressuposto de admissibilidade de uma Proposta com Preço Anormalmente Baixo.

LII. Como resulta evidente, nenhuma demonstração foi feita pela Concorrente Autora, quedando-se esta por alegações meramente conclusivas e gratuitas, desprovidas de qualquer suporte probatório, que, de resto, não foi trazido a estes autos; de facto, essa é, sempre, a grande pecha da Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora, já que esta nunca foi capaz de demonstrar – nem nunca o tentou – nem provar a verdade material das suas alegações.

LIII. O Júri do Concurso não incorreu, por isso, em qualquer erro, já que nada havia de substancial para apreciar, atenta a absoluta ausência de suporte probatório das alegações da Concorrente Autora, e o Tribunal a quo decidiu em absoluta ausência de qualquer suporte probatório; o entendimento do Tribunal de 1.ª instância, a proceder, no que não se concede, conduziria ao absurdo de a Entidade Demandada ter que aceitar “esclarecimentos justificativos” desprovidos de qualquer suporte probatório, nomeadamente caso todos os Concorrentes viessem apresentar “esclarecimentos” de igual teor e ausência de substrato.

LIV. O argumentário trazido pela Concorrente Autora revela-se insuficiente para suportar a sua tese de que dispõe de condições favoráveis e justificativas de apresentação de um Preço Anormalmente Baixo, e, nessa medida, o Tribunal a quo decidiu em absoluta ausência de qualquer suporte probatório.

LV. De facto, e em face da essencialidade e relevância da/na justificação do Preço Anormalmente Baixo, não são quaisquer esclarecimentos que permitem aferir se o Preço é idóneo em termos que permitam uma decisão de aceitação desse Preço, mas, apenas, os esclarecimentos que se reportem a causas idóneas e suficientes; os “esclarecimentos justificativos” apresentados pela Concorrente Autora não preenchem as características da idoneidade e suficiência.

LVI. No caso vertente, não só não existiu qualquer justificação/demonstração suportada probatoriamente pela Concorrente Autora, como, ainda, não foram juntos quaisquer documentos que pudessem atestar o bem fundado dos seus “esclarecimentos justificativos”, seja em sede de Procedimento Concursal seja na presente Acção de Contencioso Pré-Contratual.

LVII. Assim – e sem conceder quanto à nulidade da Sentença por ausência de fundamentos de facto que justificam a decisão e necessidade da sua anulação por insuficiência da matéria de facto –, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece, manifestamente, de Erro de Julgamento quanto aos Pressupostos de Facto.

LVIII. Do 3.º Erro de Julgamento – Da Comparabilidade entre Concursos Públicos: Entendeu ainda o Tribunal a quo ser de comparar o presente Concurso Público a um outro lançado pela Recorrente, onde o Preço Anormalmente Baixo era inferior, para daí retirar a conclusão de que é plenamente justificável e admissível o Preço proposto pela Concorrente Autora; em momento próprio destas Alegações de Recurso Jurisdicional se demonstrará a improcedência deste argumentário; o juízo comparativo efectuado pelo Tribunal a quo entre dois Procedimentos Concursais, um entretanto anulado, é processualmente inadmissível.

LIX. Isto porque – como reconhecido e admitido pela Concorrente Autora no artigo 14.º, da Petição Inicial –, os Procedimentos Concursais tiveram critérios de adjudicação distintos, sendo o Preço Anormalmente Baixo também absolutamente distinto; o Tribunal a quo prestou-se a comparar dois Concursos Públicos – um entretanto anulado –, que obedeciam a critérios de adjudicação distintos – e cujo Preço Anormalmente Baixo era também distinto –, para daí retirar que, nesse Concurso Público entretanto anulado, o Preço Anormalmente Baixo era inferior ao do presente Concurso Público, concluindo assim que o Preço proposto pela Concorrente Autora tem que ser admitido neste Concurso Público.

LX. O juízo comparativo efectuado e a conclusão retirada são absolutamente desprovidos de lógica e sentido jurídico, já que não só os Concursos Públicos em causa obedeceram a regras distintas, tendo critérios de adjudicação distintos, sendo o Preço Anormalmente Baixo distinto, como, ainda, o que está em causa no presente Concurso Público e nesta Acção de Contencioso Pré-Contratual é apurar se deveria o Júri do Concurso ter solicitado Esclarecimentos adicionais à Concorrente Autora – e já vimos que não –, e, bem assim, decidir se a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora é ou não apta a demonstrar e justificar, de forma comprovada, que a Concorrente Autora consegue efectivas poupanças que lhe permitem apresentar uma Proposta de Preço Anormalmente Baixo, e, nesta matéria, também se concluiu que não.

LXI. O juízo comparativo de Propostas e Procedimentos Concursais que foi feito pelo Tribunal a quo é, por isso, para além de absolutamente inadmissível, igualmente improcedente, já que, para além de se comparar o incomparável e se estar a equiparar o presente Concurso Público a um outro entretanto anulado, essa comparação não permite dar resposta à questão de saber se, no caso vertente, a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora é justificável e deve ser aceite.

LXII. Mas os referidos Concursos Públicos são ainda incomparáveis na medida em que não só o 2.º Concurso Público foi entretanto anulado, como, ainda – e tal parece de basilar compreensão –, o apuramento do Preço Anormalmente Baixo tem que ser feito por referência à normatividade aplicável ao 1.º Concurso Público, e não ao que se consagrou no 2.º Concurso Público que, recorde-se, foi anulado após impugnação da Concorrente Autora.

LXIII. Os dois Concursos Públicos pautaram-se por critérios de adjudicação distintos e por fórmulas de apuramento de Preço Anormalmente Baixo também elas distintas, tendo, de resto, sido anulado o 2.º Concurso Público, com o que a comparação efectuada pelo Tribunal a quo surge não só como absolutamente improcedente, como, ainda, ilegítima; termos em que deve ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, por erro de julgamento.

LXIV. Do 4.º Erro de Julgamento – Das Consequências da Falta de Pedido de Esclarecimentos: a proceder a alegada violação do dever/obrigação de solicitar Esclarecimentos do Preço Anormalmente Baixo proposto pela Concorrente Autora – no que não se concede –, então a Sentença proferida pelo Tribunal a quo deveria ter determinado a anulação do Acto Administrativo Impugnado, ordenando o retorno ao Procedimento Concursal para aí o Júri do Concurso solicitar os referidos Esclarecimentos à Concorrente Autora.

LXV. O que se lhe encontrava vedado era substituir-se à Administração e, entrando na reserva de livre discricionariedade administrativa, apreciar a Nota Justificativa do Preço Proposto e, mais, aditar fundamentos e razões à mesma nunca antes alvitradas pela Concorrente Autora; nem, muito menos, considerar demonstradas/provas alegações desprovidas de qualquer suporte probatório; neste segmento houve manifesto erro decisório, com o que a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância deve ser revogada e substituída por outra que determine o regresso ao Procedimento Concursal para aí se solicitarem os Esclarecimentos à Concorrente Autora, sem conceder quanto às causas de nulidade que impendem sobre a Sentença proferida, e, bem assim, sem conceder quanto à circunstância de não se encontrar o Júri do Concurso vinculado a solicitar Esclarecimentos à Concorrente Autora, a que acresce ainda o facto de a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentada pela Concorrente Autora não conter qualquer demonstração/prova das alegadas poupanças aí invocadas.

LXVI. Do 5.º Erro de Julgamento – Do Não Afastamento do Efeito Anulatório: Entendeu o Tribunal a quo que: “Tendo em consideração a conclusão a que se chegou não é de aplicar o afastamento do efeito anulatório nos termos do artigo 283.º do CCP solicitado pela entidade demandada na contestação. Competia à entidade demandada já que invoca este normativo alegar e demonstrar que o efeito anulatório detectado é desproporcional ou contrário à boa fé ou então que não existe importa alteração subjectiva no contrato a celebrar.” (fls. 41).

LXVII. Para além da nulidade que nesta matéria impende sobre a Sentença proferida – nos termos e com os fundamentos expostos supra –, também aqui a decisão de 1.ª instância assenta em erro. Vejamos.

LXVIII. De acordo com o regime do artigo 283.º, do CCP – em aplicação conjugada com o disposto no artigo 102.º, n.º 7, do CPTA –, a ilegalidade do Acto Pré-Contratual em que assente o Contrato Público celebrado não é suficiente para invalidar tal Contrato, na medida em que o efeito anulatório pode ser afastado quando se verifiquem os pressupostos previstos no n.º 4, desse artigo.

LXIX. Ora, como demonstrado no presente Recurso Jurisdicional, no caso vertente os Vícios que vêm invocados pela Concorrente Autora conduzem, apenas – na hipótese da sua procedência, o que não se concede –, à mera anulabilidade do Acto Administrativo Impugnado, com o que seria desproporcionada a anulação do Contrato, para além de contrária à boa-fé da Contra-Interessada.

LXX. Da letra da Lei, da Jurisprudência e da Doutrina resulta que o Tribunal deve proceder à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, temperada pela gravidade da ofensa geradora do vício do Acto Procedimental em causa, para concluir se, no caso concreto, a anulação do Contrato se revela desproporcionada ou contrária à boa-fé, assim, e ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 283.º, do CCP, é de afastar o efeito anulatório previsto no n.º 2 desse artigo.

Termos em que,

Devem as presentes Alegações de Recurso Jurisdicional ser julgadas procedentes, por provadas, e, em consequência, e nos termos e com os fundamentos expostos supra:

- Ser declarada a nulidade da Sentença por Ausência de Produção de Prova;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser declarada a nulidade da Sentença por violação do Princípio da Proibição das Decisões Surpresa;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser declarada a nulidade da Sentença por violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC (défice de actividade instrutória);

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser declarada a nulidade da Sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser declarada a nulidade da Sentença por conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser declarada a nulidade da Sentença por ausência de fundamentos de facto que justificam a decisão;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser anulada a Sentença por insuficiência da matéria de facto;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser revogada a Sentença por erro de interpretação e aplicação dos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.º, n.º 1, alínea e), e 71.º, do CCP;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser revogada a Sentença por erro de julgamento sobre os pressupostos de facto;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser revogada a Sentença por erro de julgamento em matéria de comparabilidade entre Concursos Públicos;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser revogada a Sentença por erro de julgamento em matéria de consequências da falta de pedido de esclarecimentos;

Ou, caso assim não se entenda,
- Ser revogada a Sentença por erro de julgamento em matéria de não afastamento do efeito anulatório;
Assim se fazendo JUSTIÇA!

Também FCC ENVIRONMENT PORTUGAL, S.A. (anteriormente F... S.A.) recorre da sentença, concluindo nestes termos:
A) O entendimento vertido na Sentença recorrida, segundo o qual quando um concorrente apresenta um preço que é, como ocorre comprovadamente com o preço apresentado pela Recorrida no concurso dos autos, anormalmente baixo, bastará que esse concorrente demonstre que pode cumprir o contrato pelo preço que propõe, independentemente do tipo de justificação que apresente para o efeito, não tem correspondência com as disposições da legislação europeia e nacional que regulam esta matéria, no caso o artº 69º da Directiva 2014/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e artº 71º, nº 4, do Código dos Contratos Público, que transpôs o artº 55º, nº 1, da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho;

B) Em nenhuma destas disposições se diz que o concorrente pode apresentar qualquer tipo de justificação para um preço anormalmente baixo desde que demonstre que vai cumprir o contrato;

C) Se fosse esta vontade do legislador, essa possibilidade teria sido consagrada, de forma minimamente explícita, no texto da lei e, não sendo este o caso, forçoso é concluir que as mencionadas disposições legais não têm a amplitude que o Meritíssimo juiz a quo entendeu que têm;
D) Não é lícito concluir do texto da Directiva ou do artº 71º, nº 4, do CCP que qualquer tipo de justificações pode ser aceite para apresentação de uma proposta com preço anormalmente baixo;

E) Os exemplos de justificações de preço anormalmente baixo inscritos no artº 69º da Directiva 2014/24/CE são os "dados económicos do processo de fabrico, dos serviços prestados ou do método de construção", as "soluções técnicas escolhidas ou a quaisquer condições excecionalmente favoráveis de que o proponente disponha para o fornecimento dos produtos ou para a prestação dos serviços ou para a execução das obras", a "originalidade das obras, fornecimentos ou serviços propostos pelo proponente", o "cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 18º, nº2" e "o artigo 71º" e a "possibilidade de obtenção de um auxílio estatal pelo proponente, e correspondem na sua essência aos que, em transposição do artº 55º da Directiva 2004/18/CE, se encontram no nº 4 do artº 71º do CCP;

F) O que os exemplos de justificações de preços anormalmente baixos considerados na Directiva e no CCP têm em comum é que todos eles dizem respeito a economias que o concorrente deverá conseguir obter a nível dos custos, remetendo todos eles para situações de excepcionalidade ou, pelo menos, de diferenciação da proposta que contém um preço anormalmente baixo, em todo o caso sempre relativamente aos custos em que o concorrente vai incorrer na execução do contrato;

G) Do elenco dos exemplos de justificativos de preços anormalmente baixos vertidos na Lei não consta nenhum que diga respeito às condições comerciais praticadas pelos concorrentes, nomeadamente a nível de margens praticadas ou das opções contabilísticas seguidas pelo mesmo concorrente;

H) A ratio destes preceitos legais é a de beneficiar, ou pelo menos a de admitir, propostas que contenham vantagens competitivas resultantes de processos inovadores e diferenciadores ou de condições excepcionalmente favoráveis do concorrente para a prestação do serviço, e não propostas que sejam mais baratas porque na sua elaboração não foram contemplados todos os custos em que o concorrente vai incorrer, porque estes custos estão contabilizados de uma qualquer forma, que poderá ser, ou não, distinta do habitual, ou porque o concorrente prescinde de obter parte ou a totalidade da margem com a execução do contrato;

I) Nestes últimos casos o preço anormalmente baixo resulta de práticas que nada têm que ver com aprestação do serviço e que distorcem, ou podem distorcer, a concorrência e que podem ter efeitos perversos e muito negativos no mercado, e é por esse motivo que a Lei não consagrou nenhuma dessas práticas no elenco exemplificativo dos justificativos que podem tornar admissível uma proposta com um preço anormalmente baixo;

J) Pelo que se tem que considerar que nenhuma dessas práticas pode, à luz da Lei, ser aceite como justificação para um preço que seja anormalmente baixo;

L) No acordão do TJUE citado a páginas 29 da Sentença recorrida lê-se, no respectivo ponto 30, o seguinte:
"30 A este respeito, importa lembrar, por um lado, que embora a lista que consta do artigo 55º, nº 1, segundo parágrafo, da Directiva 2004/18 não seja exaustiva, não é no entanto meramente indicativa e não deixa, portanto, liberdade às entidades adjudicantes para determinar quais os elementos pertinentes a tomar em consideração antes de recusarem uma proposta com um preço anormalmente baixo (acordão de 23 de abril de 2009, Comissão/Bélgica, C-292/07, nº 159)", o que confirma que a legislação europeia (e a nacional) não permite a apresentação de qualquer tipo de justificação para um preço anormalmente baixo;

M) O entendimento que se encontra nesta decisão é o que consta expressamente no texto da Directiva 2014/24/CE, mais exactamente no nº 3 do respectivo artº 69º que determina que "A autoridade adjudicante avalia as informações prestadas consultando o proponente. Só pode excluir a proposta no caso de os meios de prova fornecidos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos preços ou custos propostos, tendo em conta os elementos a que se refere o nº 2"

N) O tipo de justificação que pode ser apresentada e aceite para um preço anormalmente baixo tem que ter correspondência, pelo menos conceptual, com o elenco de justificações constantes do artº 69º, nº 2 da Directiva 2014/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e do nº 4 do artº 71º do CCP;

O) As justificações que podem ser aceites para um preço anormalmente baixo têm que corresponder a situações de excepcionalidade ou, pelo menos de diferenciação da proposta que contém esse preço anormalmente baixo, e sempre relativamente aos custos em que o concorrente vai incorrer na execução do contrato;

P) A Recorrida apresentou três justificações para o preço anormalmente baixo da sua proposta, mais concretamente as seguintes:
-prazo de amortização das viaturas superior ao regime fiscal;
-adoção de práticas (supostamente) inovadoras de operação e manutenção de viaturas;
-redução da margem de EBITDA.

Q) As justificações relativas às alegadas poupanças resultantes do prazo de amortização das viaturas superior ao regime fiscal e da redução da margem de EBITDA não têm qualquer relação com os custos efectivos em que o concorrente vai incorrer com a prestação de serviços;

R) Essas duas justificações não têm qualquer relação com a própria prestação de serviços ou com a forma através da qual a Recorrida se propõe prestar esses mesmos serviços;

S) Pelo que a decisão do júri de não aceitar essas justificações sem sequer as avaliar tecnicamente e de, em consequência, excluir a proposta da Recorrida foi inteiramente lícita à luz da correcta interpretação e aplicação das disposições legais supra referidas;

T) A Sentença violou, neste particular, o artº 69º, nº 2, da Directiva 2014/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e o artº 71º, nº 4, do CCP;

U) A actividade de avaliação de propostas apresentadas num concurso público está vedada aos Tribunais, por força do Princípio da Separação de Poderes, consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa, que determina que "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa".

V) Como corolário deste Princípio, os Tribunais não podem imiscuir-se na actividade das entidades administrativas, as quais, no âmbito da apreciação de propostas em procedimentos concursais, gozam da chamada prerrogativa de avaliação, exercida através da discricionariedade técnica que é competência exclusiva da Administração;

X) Caso se verifique algum erro crasso, grosseiro, palmar, na avaliação efectuada por um júri de um concurso público o Tribunal pode corrigir esse erro, mas se esse mesmo júri não proceder a uma avaliação que devia efectuar, então o Tribunal não se pode substituir ao júri, efectuando ele próprio a avaliação que o júri não efectuou;

Z) O que o Tribunal pode fazer, neste caso, é determinar que o júri faça aquilo que não fez devendo tê-lo feito, ou seja, que proceda à avaliação que não efectuou;

AA) No caso vertente, o júri não avaliou tecnicamente nenhuma das três justificações apresentadas pela Recorrida para o preço anormalmente baixo da sua proposta, tendo considerado que as alegadas poupanças resultantes do prazo de amortização das viaturas superior ao regime fiscal e da redução da margem de EBITDA não constituíam justificações aceitáveis à luz da legislação aplicável e, no que respeita à adoção de práticas inovadoras de operação e manutenção de viaturas, que as mesmas não são exclusivas do concorrente em causa (logo, não são inovadoras) e que tais práticas e supostas poupanças não são explicadas nem concretizadas pela Recorrida;

BB) A actuação do júri relativamente ao prazo de amortização das viaturas superior ao regime fiscal e à redução da margem de EBITDA é inatacável, uma vez que a Lei não permite tais justificações para um preço anormalmente baixo;

CC) A recusa do Júri da justificação relativa às práticas de operação e manutenção de viaturas também foi inteiramente lícita e inatacável, porque o júri, de acordo com os conhecimentos técnicos que tem sobre o objecto do concurso, entendeu, e bem, que as práticas enumeradas pela Recorrida não eram inovadoras, não sendo exclusivas desse concorrente, pelo que as mesmas não justificavam nenhum tipo de poupança, não tendo a virtualidade de justificar um preço anormalmente baixo;

DD) O Tribunal, porém, entendeu não aceitar os argumentos apresentados pelo júri para não avaliar as justificações da Recorrida e tratou de proceder a essa avaliação, violando, desta forma, o Princípio da Separação de Poderes consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa e a prerrogativa de avaliação que é exclusiva do júri;

EE) Quando o que o Tribunal podia fazer, se a actuação do júri não tivesse sido (e foi) conforme com as disposições legais aplicáveis, era determinar que o júri procedesse à avaliação que entendeu que não foi feita;

FF) Na Sentença proferem-se afirmações sobre aspectos técnicos que não são correctas e que são erros clamorosos de avaliação desses mesmos aspectos;

GG) Avaliação essa que, em todo o caso, não podia fazer, por força do Princípio da Separação de Poderes e por não ter a prerrogativa da avaliação que, como se disse, é exclusiva da Administração, não tendo o Tribunal conhecimentos técnicos sobre o conteúdo da prestação de serviços objecto do concurso, no caso a recolha e transportes de resíduos sólidos urbanos, e sobre os meios humanos e de equipamento necessários para essa actividade;

HH) A Sentença recorrida violou o Princípio da Separação de Poderes consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa;

II) A decisão tomada pelo Meritíssimo Juiz a quo de aceitar como válidas as justificações da Recorrida não está fundada em factos que tenham sido dados como provados na Sentença;

JJ) Não foi dado como provado qualquer facto do qual se possa extrair a conclusão de que a Recorrida vai obter uma poupança no valor de € 822.088,45;

LL) O que representa uma violação do disposto no nº 3 do artº 94º do CPTA que prescreve que "Na exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes";

MM) Pelo que a Sentença recorrida é nula, nos termos do artº 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável por força do artº 1º do CPTA;

NN) A decisão do Tribunal, fundada na avaliação por si efectuada das justificações do preço anormalmente baixo da Recorrida, impede os demais concorrentes, entre os quais se inclui a Recorrente, de exercer os direitos correspondentes ao Princípio da Participação, consagrado no artº 12º do Código do Procedimento Administrativo e traduzido nas disposições relativas à audiência prévia constantes dos artºs 121º e seguintes do CPA e dos artºs 147º e seguintes do CCP;

OO) Se avaliação das justificações do preço anormalmente baixo da Recorrida tivesse sido efectuada pelo júri do concurso, os demais concorrentes teriam tido a oportunidade de se pronunciarem sobre essa avaliação antes de ser tomada uma decisão final sobre a mesma em sede de procedimento administrativo;

PP) A partir do momento em que essa avaliação é efectuada pela Tribunal, os demais concorrentes não têm oportunidade de apresentar, em sede de procedimento administrativo e antes de ser tomada uma decisão final nesse âmbito, os argumentos de ordem técnica que entendam que devem conduzir a uma decisão técnica diversa;

QQ) Pelo que a Sentença recorrida violou os referidos artºs 12º do Código do Procedimento Administrativo 121º e seguintes e 147º e seguintes do CCP;

RR) Mesmo que se entendesse que existe de algum fundamento para a anulação da adjudicação do concurso à proposta da Recorrente, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite mas sem conceder, a verdade é que o Tribunal não podia ter decidido, para além daquela anulação, a adjudicação do concurso à proposta da Recorrida;

SS) A partir do momento em que o Tribunal entende, como entendeu, que o júri não podia excluir a proposta da Recorrida sem solicitar previamente a esta a apresentação de esclarecimentos ao preço da sua proposta, a cominação para essa irregularidade não pode ser a admissão da proposta da Recorrida e a adjudicação do concurso à mesma;

TT) Sendo esse o entendimento, o que o Tribunal teria que decidir nesse caso seria a anulação da adjudicação à Recorrente e o regresso do concurso à fase anterior à ocorrência da irregularidade que precedeu a adjudicação, determinando que o júri solicite esclarecimentos à Recorrida sobre as justificações sobre o preço anormalmente baixo por si apresentado, seguindo o procedimento os seus trâmites normais a partir daí;

UU) A decisão do Tribunal de adjudicação do concurso à proposta da Recorrida constitui uma flagrante e evidente violação do disposto no artº 95º, nº 5, do CPTA;
Termos em que,
Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a Sentença, com as legais consequências
Como é de Lei e de Justiça!

A Recorrida S... contra-alegou e concluiu que:
I- A AMDS considera que a Decisão do Meritíssimo Juiz de indeferir a inquirição das testemunhas arroladas por considerar que os elementos documentais juntos aos autos lhe permitiam, nos termos do invocado art.º 88.º, nº 1, alínea b), ex vi art.º 102.º, nº 1, ambos do CPTA, conhecer o mérito da causa sem necessidade de mais indagações afecta de nulidade a Sentença recorrida por “ausência de produção de prova”.
II- O indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas não consta do catálogo das “nulidades da Sentença” previstas no art.º 615º do CPC (aplicável ex vi art.º 1º do CPTA). Também se não pode considerar que aquela “Decisão” possa constituir uma nulidade processual à luz do art.º 195º do CPC ─ omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva ─ pois que o CPTA não estabelece a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra), antes conferindo ao Juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção.
III- A produção da prova testemunhal arrolada está dependente da verificação da sua “necessidade” para a decisão da causa segundo o juízo de aferição do Julgador, pelo que, não constituindo uma formalidade legal vinculadamente imposta pelo CPTA, a sua preterição não consubstancia a nulidade do art.º 195º do CPC.
IV- A AMDS não demonstra minimamente a efectiva necessidade da produção da prova testemunhal, pois que não identifica qualquer facto concreto cuja não sujeição a prova testemunhal tenha influído negativamente no exame e boa decisão da causa.
V- Também não se verifica a nulidade (da Sentença) que a AMDS fundamenta no art.º 615º, nº 1, alínea c) do CPC, por alegada oposição entre a Decisão recorrida e os seus fundamentos.
VI- Só ocorre nulidade da Sentença por contradição/oposição entre os seus fundamentos e a Decisão, quando a construção da Sentença é viciosa, isto é, quando os fundamentos invocados pelo Juiz conduziriam, num raciocínio lógico-dedutivo, não ao resultado expresso na Decisão, mas a um outro resultado diferente daquele.
VII- A Sentença sob recurso, depois de identificar o objecto do litígio e enunciar as questões de mérito que ao Tribunal cumpria solucionar, expôs os fundamentos de facto e de direito e deles extraiu, em conformidade, o seu juízo jurídico-subsuntivo. Na elaboração do correspondente silogismo judiciário não se detecta qualquer oposição ou contradição.
VIII- A Decisão de indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas também não consubstancia uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 90º do CPTA (ex vi art.º 102º, nº 1 do mesmo diploma), porquanto a referida Decisão, sustentada nos poderes que o art.º 88º, nº 1, alínea b), do CPTA, concede ao Juiz, situa-se num momento processual cronologicamente anterior àquele de que cura o citado art.º 90º do CPTA.
IX- A Recorrente AMDS, que invoca a existência de uma suposta interpretação e aplicação erradas do disposto no art.º 90º do CPTA, e afirma que há matéria de facto relevante a provar por inquirição de testemunhas, afinal, não identifica qualquer facto controvertido ou carecido de prova testemunhal.
X- Considera a AMDS que o indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas tem como resultado que a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo constitui uma “Decisão Surpresa” com a qual a Recorrente não podia legitimamente contar, pois que recaiu sobre factos/direito relativamente aos quais não foi produzida a prova requerida.
XI- A Doutrina e a Jurisprudência convergem no entendimento de que uma “Decisão surpresa” é aquela que é produzida quando o Tribunal, desviando-se do que seria expectável em face dos elementos presentes nos autos, resolve uma “questão nova” sem antes ouvir as Partes a seu propósito ou profere uma Decisão baseada em “fundamentos” que as Partes não tenham previamente considerado.
XII- A Sentença sob recurso não apresenta qualquer “inovação”, quer no que respeita às “questões” que apreciou e decidiu, pois que o Meritíssimo Juiz circunscreveu o seu exercício decisório apenas às “questões” cuja resolução foi peticionada pelas Partes, quer quanto aos “fundamentos” em que se louva a Decisão proferida, os quais foram, todos eles, previamente discutidos, contraditados e valorados pelas Partes.
XIII- A AMDS invoca que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo constitui uma “Decisão Surpresa” mas não argui, e muito menos prova, os seus pressupostos, concretamente, não identifica qualquer “questão nova” que o Digníssimo Tribunal tenha decidido, ou qualquer “fundamento” da Sentença que não tenha sido considerado pelas Partes ou sobre o qual estas não tenham tido a possibilidade efectiva de se pronunciaram, discutirem, contestaram e valoraram nos termos que entenderam adequados de acordo com as regras legais aplicáveis.
XIV- Alega a AMDS que existe nulidade processual pois que, nos termos do disposto no art.º 195º, nº 1, do CPC, “a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva (…) produzem nulidade (…) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
XV- Não ocorre a nulidade do art.º 195º, nº 1, do CPC, desde logo, porque, para que assim fosse, era necessário que tal diligência fosse imposta, no sentido de inexoravelmente vinculada, ou no exacto dizer do referido art.º 195º, nº 1, do CPC, estivéssemos perante uma “formalidade que a lei prescreva”, isto, para além de se exigir a capacidade de poder influir no exame ou na decisão da causa.
XVI- É manifesto que a Decisão que indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas não consubstancia violação de qualquer acto/formalidade imposta por Lei, já que é a própria Leiart.º 88.º, nº 1, alínea b), do CPTA, aplicável às acções de contencioso pré-contratual (espécie dos presentes autos) ex vi art.º 102.º, nº 1, do mesmo diploma legal ─ que atribui ao Juiz a faculdade de dela poder prescindir.
XVII- Afirma a AMDS que a Decisão que indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas violou o Princípio do Contraditório, previsto no art.º 3º, nº 3 do CPC. Este Princípio, tal como todos os outros, não é de perspectivação e aplicação inelutável e absoluta, sendo de referir, desde logo, que o cumprimento do Princípio do contraditório não se reporta, pelo menos, essencial ou determinantemente, às normas que o Juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas Partes.
XVIII- Apenas é de admitir que uma Decisão/Sentença padeça de nulidade por violação do Princípio do Contraditório (art.º 3º, nº 3 do CPC) quando, e se, a solução seguida pelo Tribunal se desvinculou totalmente do alegado pelas Partes, na sua substancialidade ou na sua adjectividade, ou seja, uma Decisão/Sentença é susceptível de violar o Princípio do Contraditório quando o silogismo judiciário seguido não se fundamentar, com um mínimo de aderência, ao que foi alegado e sufragado pelas Partes durante a marcha do processo.
XIX- Nos autos em análise, as Partes analisaram e pronunciaram-se nos seus articulados, nos termos que entenderam adequados, sobre todas as questões sujeitas a julgamento e de acordo com as várias soluções plausíveis de Direito, pelo que a Douta Decisão que veio a ser proferida era expectável por qualquer um dos sujeitos processuais, reiterando-se que recaiu exclusivamente sobre factos/direito debatidos pelas Partes nos seus articulados.
XX- A AMDS teoriza abundantemente sobre a questão, mas não concretiza qual o “facto” ou qual a “solução de direito” vertidos na Douta Sentença que consubstanciam a alegada violação do disposto no art.º 3º, nº 3, do CPC, seja enquanto violação do Princípio do Contraditório, seja enquanto prolação de uma Decisão Surpresa.
XXI- Considera a AMDS que se verifica nulidade da Douta Sentença sob recurso por oposição entre os “fundamentos” e a Decisão, porquanto não pode o Tribunal considerar um Acto de Adjudicação ilegal em virtude de o Júri não ter solicitado à Concorrente “esclarecimentos” quanto à apresentação de um “preço anormalmente baixo”, quando a Concorrente apresentou, logo na sua Proposta, a respectiva Nota Justificativa.
XXII- Contrariamente ao que insinua/afirma a AMDS, a anulação do acto impugnado não teve por fundamento o facto de o júri não ter solicitado à S..., em momento prévio à exclusão da sua Proposta, “esclarecimentos” sobre eventuais pontos da Nota Justificativa do Preço Anormalmente Baixo que se mostrem carecidos de melhor explicação ou maior desenvolvimento.
XXIII- O que nesta matéria o Digníssimo Tribunal a quo decidiu foi o seguinte (que é significativamente diferente do que alega a Recorrente): decidiu que a Nota Justificativa do Preço Proposto é apta a demonstrar/justificar o Preço Anormalmente Baixo da Proposta da S..., pelo que deve ser aceite e considerada, mas, se o júri teve (ou tivesse tido) dúvidas sobre alguns pontos ou elementos específicos da referida “Nota”, não lhe é (era) lícito excluir a Proposta sem antes solicitar esclarecimentos ao Concorrente sobre esses concretos pontos carecidos de aclaração ou explicação complementar.
XXIV- Apenas ocorre nulidade da Sentença por contradição/oposição entre os seus fundamentos e a Decisão, quando das premissas de facto e de direito que o Julgador teve por apuradas, ele haja proferido uma Decisão oposta à que logicamente deveria ter extraído.
XXV- Se o Digníssimo Tribunal a quo interpretou o disposto nos arts.º 57º, nº 1, alínea d), 70º, nº 1, alínea e), e 71º, todos do CCP, no sentido que “a inexistência ou insuficiência dos esclarecimentos relativos ao preço anormalmente baixo só determina a exclusão da proposta em causa se, após solicitação dos elementos justificativos relevantes, o júri considerar que o preço apresentado não é um preço sério ou razoável”, e a Decisão proferida não colide com este entendimento, então resulta manifesto que não se verifica qualquer oposição entre a Decisão proferida e os seus fundamentos.
XXVI- Alegam as Recorrentes que a Sentença sob recurso também é nula nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, alínea d) do CPC, porquanto o Digníssimo Tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ─ in casu, as justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pela Autora S... ─ e que, situando-se esta matéria no campo da discricionariedade técnica da Administração, a mesma é judicialmente insindicável.
XXVII- A actividade desenvolvida pelo júri do concurso na parte sindicada nos presentes autos não se situa no âmbito ou esfera da denominada “discricionariedade técnica. Resulta cristalinamente do Relatório Preliminar e Relatório Final de Avaliação das Propostas que o júri não coloca em causa a “valia técnica” dos fundamentos/justificações do Preço Anormalmente Baixo da Proposta da S..., ou seja, o júri não efectua uma análise com recurso a juízos técnicos ou científicos específicos de natureza extrajudicial.
XXVIII- O júri limita-se a considerar que os fundamentos/justificações apresentados pela S... não podem ser tomados em consideração, mas, sempre sem emitir sobre os mesmos qualquer juízo técnico de natureza extrajurídica.
XXIX- O que está em causa, e foi apreciado e decidido pelo Digníssimo Tribunal a quo é um argumento jurídico que se reporta não à “valia técnica” dos fundamentos, mas antes e tão só à sua admissibilidade para justificar o preço anormalmente baixo.
XXX- Mesmo as matérias e decisões que se inserem no âmbito da discricionariedade técnica da Administração estão sujeitas a sindicância judicial, que abrange, designadamente, a correcção da interpretação da norma, a verificação dos pressupostos de aplicação da mesma e, bem assim, a observância dos Princípios pelos quais se deve pautar a actividade administrativa, mormente, o Princípio da proporcionalidade, em termos de se aferir do “iter” lógico desenvolvido pela Administração na valoração dos elementos da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que estiveram na base da aplicação da norma ao caso concreto, designadamente, aferir se esse percurso padece de erro grosseiro, crasso ou palmar.
XXXI- A verificação da causa de “nulidade” prevista no art.º 615º, nº 1, alínea d) do CPC (conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento) que as Recorrentes imputam à Sentença recorrida exige que estas demonstrem e provem que o controlo jurisdicional efectuado pelo Digníssimo Tribunal a quo violou o espaço de discricionariedade técnica próprio da Administração, o que não lograram alcançar.
XXXII- Consideram as Recorrentes que a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo também é nula, nos termos do art.º 615º, nº 1, alínea b) do CPC, por ausência de fundamentos de facto que justifiquem a Decisão.
XXXIII- Para que a Sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade do art.º 615º, nº 1, alínea b) do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que, eventualmente, a justificação da Decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
XXXIV- Como a AMDS reconhece no art.º 138º das suas Alegações de Recurso, a Decisão sob escrutínio fundamenta-se nas alíneas 8) e 9) do subcapítulo da Douta Sentença “IV.1.1 – Factos Provados, pelo que, mesmo que não houvesse outros fundamentos, que os há, e vários, estes, enunciados nas citadas alíneas 8) e 9), bastam para afastar, de todo, a hipótese de se verificar nulidade da Sentença por ausência de fundamentos de facto que justifiquem a Decisão.
XXXV- Alegam as Recorrentes que se o Tribunal considerou que o júri estava obrigado a solicitar esclarecimentos à Concorrente S... quanto ao seu Preço Anormalmente Baixo, então, não podia ter decidido que a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentava esclarecimentos e justificações suficientes e bastantes para ser aceite.
XXXVI- As Recorrentes truncam completamente o sentido da Decisão que o Digníssimo Tribunal a quo proferiu quanto a esta matéria. O que o Digníssimo Tribunal a quo decidiu foi o seguinte (que é significativamente diferente do que alega a Recorrente): quando as justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pelos Concorrentes suscitarem dúvidas ao júri sobre alguns pontos e/ou elementos concretos, então, o júri não pode excluir essa proposta sem antes solicitar ao concorrente a aclaração desses concretos pontos e/ou elementos específicos carecidos de melhor compreensão.
XXXVII- Considera a AMDS que a Douta Sentença sob recurso não contém todos os elementos de facto necessário à boa decisão da causa, requerendo a modificação/ampliação da matéria de facto mediante a produção de prova testemunhal.
XXXVIII- A AMDS não logrou demonstrar, e muito menos provar, qualquer desconformidade manifesta (ou alguma outra) dos factos assentes pelo Digníssimo Tribunal a quo relativamente aos meios de prova existentes nos autos, não tendo também logrado contrariar o conjunto da factualidade dada como provada em função da convicção do Julgador.
XXXIX- A matéria de facto dada por provada nos presentes autos é manifestamente suficiente para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, sendo sintomático a circunstância de a Recorrente não ter impugnado a matéria de facto assente, nem ter indicado quaisquer factos concretos que, na sua perspectiva, devessem ser aditados.
XL- Considera a Recorrente FCC que a Decisão proferida pelo Digníssimo Tribunal a quo viola o Princípio da participação previsto nos arts.º 121º do CPA e 147º do CCP.
XLI- O conceito de “Contra-interessado” está indissociavelmente associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da acção impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na relação material controvertida.
XLII- Nos presentes autos, a anulação do acto de adjudicação impugnado só acarreta prejuízo para a Entidade que o praticou (a AMDS) e para a Adjudicatária (a FCC), pois que, sendo o critério de adjudicação o do “mais baixo preço”, a Proposta que o apresenta pertence à Autora (aqui Recorrida) S....
XLIII- Sendo que a Adjudicatária FCC foi demandada nos presentes autos como Contra-interessada, e tendo vindo a praticar, nessa qualidade, os actos processuais que, nos termos da lei, entende por convenientes, não se alcança como tenha sido violado o Princípio da Participação.
XLIV- Alegam as Recorrentes que o Digníssimo Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 71.º, nº 3, do CCP, ao ter decidido que quando as justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pelos Concorrentes suscitarem dúvidas ao júri sobre alguns pontos e/ou elementos concretos, então, o júri não pode excluir essa proposta sem antes solicitar ao concorrente a aclaração desses concretos pontos e/ou elementos específicos carecidos de melhor compreensão.
XLV- As Recorrentes, nas justificações (jurisprudenciais e doutrinais) que apresentam em defesa de posição contrária ao decidido pelo Digníssimo Tribunal, enviesam os termos da questão em apreciação deslocando o seu epicentro para as situações em que o Concorrente conhece já de antemão que o preço da proposta que vai apresentar é anormalmente baixo, designadamente, por o limiar da anomalia constar do CE ou decorrer da aplicação do critério legal, mas, mesmo assim, não integra na sua proposta o(s) documento(s) que contenha(m) os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, nos termos do disposto no art.º 57º, nº 1, alínea d) do CCP.
XLVI- Perante os concretos factos carreados para os autos e dados por provados, a questão de direito que o Digníssimo Tribunal a quo foi chamado a apreciar e decidir foi a seguinte: Quando as justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pelos Concorrentes com a sua proposta suscitarem dúvidas ao júri sobre alguns pontos e/ou elementos concretos, pode o júri excluir de imediato essa proposta sem antes solicitar ao concorrente a aclaração desses concretos pontos e/ou elementos específicos carecidos de melhor compreensão?
XLVII- Questão que o Tribunal a quo decidiu negativamente, sendo de referir que tanto a jurisprudência como a doutrina convergem no entendimento de que nestas circunstâncias, em que a Nota Justificativa do Preço Anormalmente Baixo (que acompanhou a Proposta) suscita dúvidas ao Júri, as Directivas Comunitárias impõem a obrigatoriedade de a Entidade Adjudicante solicitar esclarecimentos ao concorrente relativamente aos concretos pontos e/ou elementos específicos carecidos de melhor compreensão.
XLVIII- Alega a Recorrente AMDS que a Sentença sob recurso padece de erro de julgamento quanto aos “pressupostos de facto” pois que as “justificações” do Preço Anormalmente Baixo apresentadas pela S... carecem de suporte probatório que permitissem ao Digníssimo Tribunal a quo decidir que as mesmas devem ser aceites e consideradas.
XLIX- O documento da Proposta da S... denominado “Documentos Justificativos Do Preço Anormalmente Baixo - Alínea e), Artigo 16º do Programa do Procedimento (cf. factos provados nºs 8 e 9 da Douta Sentença a quo), demonstra, concretiza, e quantifica, com clareza, adequação e suficiência, todas as “poupanças” aí indicadas no valor global de 822.088,45€.
L- Em tal documento a S... começou por demonstrar (ponto 2.1) que consegue uma poupança efectiva de 114 297,06€ nos cinco anos de vigência do Contrato, em resultado de considerar um prazo de amortização das viaturas afectas à execução contratual superior ao regime fiscal.
LI- Esta opção permite diminuir os custos imputados ao Contrato em 22 859,41€ por ano, num total de 114 297,06€ nos cincos anos de vigência da Prestação de Serviços, cujo cálculo, por viatura, se encontra demonstrado no “Quadro 2-1 – Cálculo do Diferencial de Custos na Amortização de Viaturas” da pág. 4 do “Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixo”.
LII- No ponto 2.2 do referido Documento da Proposta, a S... demonstra que desenvolveu e implementou na sua actividade operacional um conjunto de práticas e procedimentos inovadores no que respeita à manutenção e condução das viaturas afectas à prestação de serviços na sua área de actividade.
LIII- Por esta via, e como demonstra no ponto 2.2 do documento da proposta denominado “Documentos Justificativos do Preço Anormalmente Baixo”, a S... consegue uma poupança efectiva de 284 118,64€ nos cinco anos de vigência do Contrato.
LIV- A S... descreve como esta metodologia inovadora permite aquela redução do consumo de combustível no capítulo 8.5.4 da sua Proposta Técnica (documento que integra o processo administrativo), capítulo para o qual aquele ponto 2.2 expressamente remete, e apresenta, no “Quadro 2-2 – Cálculo dos Ganhos Decorrentes da Aplicação de Boas Práticas de Operação e Manutenção em Viaturas” da pág. 6 do “Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixoo cálculo dos concretos valores de “poupança” obtidos: 56 823,73€ por ano, o que representa, nos cinco anos de vigência do Contrato, um valor total de 284 118,64€.
LV- No ponto 2.3 do referido Documento da Proposta, a S... apresenta a justificação relacionada com a redução da margem de EBITDA de 23% para 10%.
LVI- Esta redução da margem de EBITDA de 23% para 10% permitiu à S..., como explicitado no ponto 2.3 do já identificado Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixo, reduzir o preço da proposta em 65 180,42€ por ano, o que representa, no cômputo dos cinco anos de vigência do Contrato, uma economia no preço total da proposta de 423 672,75€.
LVII- Alegam as Recorrentes que os “esclarecimentos” apresentados pela S... não integram o leque dos esclarecimentos justificativos admitidos pelo nº 4 do art.º 71º do CCP.
LVIII- Está hoje sedimentado, tanto na Doutrina como na Jurisprudência, o entendimento de que em matéria de justificação do preço anormalmente baixo não vigora um regime de numerus clausus, mas de causas abertas de justificação, tendo as diversas alíneas do art.º 71º, nº 4 do CCP um carácter meramente exemplificativo.
LIX- As “justificações” do Preço Anormalmente Baixo apresentadas pela S... são legalmente admitidas e aceitáveis e estão suficientemente explicitadas, demonstradas, quantificadas e provadas, pelo que bem andou o Digníssimo Tribunal a quo ao tê-las aceite e considerado válidas para justificação do preço proposto.
LX- Face ao preço médio das propostas apresentadas no “1º Concurso” (aquele que ora se encontra sob escrutínio), a Entidade adjudicante teve então noção de que, por um lado, o “preço base” do concurso é substancialmente alto, e por outro, a percentagem de 15% do Preço Base que delimita o intervalo inferior de preços da proposta considerados “normais”, “aceitáveis”, aqueles que não caem no anátema dos “preços anormalmente baixos”, é demasiadamente pequena.
LXI- Então, aquando do lançamento do “Novo Concurso”, ou “2º Concurso”, para que fosse possível aos Concorrentes (e especialmente à F..., agora FCC) oferecerem propostas a “preço justo”, ou “preço de mercado”, sem as constrições decorrentes da necessidade de elaboração, apresentação (e apreciação pelo júri) da “Nota Justificativa do Preço Anormalmente Baixo”, a Entidade Adjudicante AMDS determinou que, neste “Novo Concurso” (ou “2º Concurso”) seria considerada proposta de preço anormalmente baixo apenas aquela que apresentasse um preço 50% (metade) inferior ao preço base, ou seja, inferior a 2 150 000,00€ (cf. art.º 7.º do respectivo PP).
LXII- O preço médio das propostas apresentadas no 2º Concurso (e aceites, como tendo preços normais, não “anormalmente baixos”) é de 3.186.309,32€. Repare-se: preço abaixo, pois, do preço da proposta da S... (3.259.021,00€), que foi excluída por o júri não aceitar as razões justificativas do “preço anormalmente baixo” …!!)
LXIII- A Proposta da S..., apresentada no 1º Concurso (ora sub judice) com o preço de 3.259.021,00€ (que foi excluída por o júri não aceitar as razões justificativas do preço anormalmente baixo), e a proposta da F... (agora FCC) apresentada neste 2º Concurso, com o preço de 2.999.388,00€ (INFERIOR ao da S...), mas que a AMDS ia mesmo adjudicar, não fosse a Decisão do Tribunal a impedi-lo — foram elaboradas e apresentadas por referência: (i) ao mesmo objecto concursal; (ii) a ser executado de igual modo; (iii) com as mesmas exigências (de meios humanos e técnicos); (iv) na mesma área geográfica; (v) pelo mesmo tempo; (vi) nas mesmas quantidades, (vii) para a mesma Entidade Adjudicante; (viii) e analisadas/avaliadas pelo mesmo Júri.
LXIV- Neste contexto, é deveras revelador de uma conduta arbitrária, ilegal
e intensamente censurável, o facto de a Recorrente AMDS (Entidade Adjudicante) ter rejeitado agora as justificações do “preço anormalmente baixo” da proposta apresentada pela ora Recorrida S..., de 3.259.021,00€, e, consequentemente, ter excluído a proposta nos termos do art.º 71º, nº 2, alínea e) do CCP (em resultado da aprovação, por mera maioria, do Relatório Final de Avaliação de Propostas do júri), mas… no 2º concurso, idêntico ao 1ª quanto ao objecto contratual e sua execução, estivesse preparada (e o mesmo Júri ter proposto) para adjudicar uma proposta de valor bem inferior àquele da proposta da S..., sem que então, relativamente a essa proposta da F..., tenha questionado ou levantado quaisquer dúvidas sobre a sua viabilidade ou adequação do preço apresentado
LXV- As justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pela S... devem ser aceites pois que demonstram, de modo suficiente e adequado, a idoneidade das causas que permitiram obter a redução do preço da proposta naqueles concretos valores indicados. E, por outro lado, o preço da proposta da S... situa-se TOTALMENTE dentro dos preços de mercado, sendo até superior à média do preço das propostas apresentadas no 2º concurso, o qual, como vimos, era uma mera repetição do primeiro, em tudo idêntico a este.
LXVI- Alega a Recorrente AMDS que o juízo comparativo efectuado pelo Tribunal a quo entre os dois Procedimentos Concursais configura “erro de julgamento”, pois que, além do mais, se comparou o incomparável.
LXVII- As peças do procedimento (Caderno de Encargos e Programa do Procedimento) destes dois concursos são iguais no seu conteúdo, com excepção do critério de adjudicação e do preço anormalmente baixo.
LXVIII- Verifica-se uma absoluta identidade material num conjunto tão esmagadoramente abrangente de características essenciais destes dois concursos (o mesmo objecto contratual, o mesmo período de vigência, igual modo de execução, com as mesmas exigências (de meios humanos e técnicos), na mesma área geográfica, pelo mesmo tempo, nas mesmas quantidades, para a mesma Entidade Adjudicante, etc.), que não é a diferença existente no “critério de adjudicação” que esfuma esta identidade genética existente entre eles.
LXIX- Esta identidade genética existente entre estes dois concursos torna lógico, útil e admissível estabelecerem-se algumas comparações entre eles, designadamente, quanto ao “preço base” do procedimento e “preço anormalmente baixo”.
LXX- É de sublinhar que no denominado “Novo Concurso”, ou “2º Concurso”, que tem o mesmo preço base do primeiro (4 300 000,00€), é considerado preço anormalmente baixo o que for 50% inferior ao preço base, ou seja, inferior a 2 150 000,00€ (cf. art.º 7.º do respectivo PP), enquanto no 1º concurso (o concurso ora sub judice), é considerado preço anormalmente baixo o que for 15% igual ou inferior ao preço base, ou seja, igual ou inferior a 3 655 000,00€ (cf. art.º 7.º do respectivo PP).
LXXI- Afirmam as Recorrentes que a proceder a alegada violação do dever de solicitar esclarecimentos do Preço Anormalmente Baixo da Proposta apresentada pela aqui Recorrida S..., então, o Tribunal a quo deveria ter determinado a anulação do Acto Administrativo impugnado e ordenado o prosseguimento do Procedimento Concursal para serem, então, solicitados os referidos esclarecimentos.
LXXII- O raciocínio e conclusão das Recorrentes encontra-se fundado em premissas erradas. O Digníssimo Tribunal a quo não decidiu que no caso sub judice o júri deveria ter obrigatoriamente solicitado esclarecimentos à Concorrente S... sobre as justificações do Preço Anormalmente Baixo proposto.
LXXIII- Decidiu que a Nota Justificativa do Preço Proposto é apta a demonstrar/justificar o Preço Anormalmente Baixo da Proposta da S..., pelo que deve ser aceite e considerada, mas, se o júri teve (ou tivesse tido) dúvidas sobre alguns pontos ou elementos específicos da referida “Nota”, não lhe é (ou não lhe era) lícito excluir a proposta sem antes solicitar esclarecimentos ao Concorrente sobre esses concretos pontos carecidos de aclaração ou explicação complementar.
LXXIV- Alega, por último, a AMDS, que o não afastamento, pelo Tribunal a quo, do efeito anulatório do Contrato previsto no nº 2 do art.º 283.º do CCP, consubstancia erro de julgamento (referir, como nota lateral, que o Contrato ainda não foi celebrado).
LXXV- A prerrogativa concedida pelo nº 4 do art.º 283º do CCP só pode ser utilizada quando o Tribunal, posto perante os interesses públicos e privados em presença e ponderada a gravidade da ofensa que determinou a anulação do acto, conclua que a anulação do contrato será desproporcionada ou contrária à boa fé ou que a correcção do vício não alteraria as Partes nem o conteúdo essencial do contrato celebrado.
LXXVI- In casu, não se verificam tais requisitos uma vez que os vícios que determinaram a anulação do acto impugnado são graves e acarretam, não apenas uma modificação subjectiva no Contrato (a S... torna-se a adjudicatária em vez da FCC) mas também alteração do seu conteúdo essencial, concretamente, do “preço” a pagar pela Entidade Adjudicante (que diminui de 3. 655.000,01€ para 3.259.021,00€).
TERMOS EM QUE os recursos que apresentaram a Demandada Associação de Municípios do Douro Superior e a Contra-interessada FCC Environment Portugal, S. A. devem ser julgados totalmente improcedentes e não provados e, em consequência, confirmar-se inteiramente a Sentença recorrida por a mesma não merecer qualquer censura.
E ASSIM FARÃO
JUSTIÇA !!

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu qualquer parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade:
1) Por anúncio publicado no Diário da República, 2.ª Série, n° 163, de 26.08.2014 a entidade demandada lançou concurso público internacional para a "Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de RSU's para Estação de Transferência, Lavagem e Manutenção de Contentores e Limpeza Urbana, para os Concelhos do Douro Superior", que tem por objeto a aquisição de prestação de serviços de recolha e transporte de RSU’s para estação de Transferência, Lavagem, Desinfeção, Manutenção e Colocação de contentores de Limpeza Urbana para os Concelhos de Freixo de Espada à Cinta, Mogadouro, Tore do Moncorvo e Vila Nova de Foz Côa;
Anúncio referido
Doc. 2 junto com a p.i. do Proc. 725/14.3BECTB
2) Nos termos do disposto no artigo 21° do respetivo Programa do Procedimento «O critério de adjudicação é o do "mais baixo preço", nos termos da alínea b) do artigo 74.° do Código dos Contratos Públicos»;
Doc. 3 junto com a p.i. do Proc. 725/14.3BECTB
3) O preço base do concurso (sem IVA) era de € 4 300 000,00, tendo a entidade demandada determinado que o preço total da proposta é considerado "preço anormalmente baixo" quando for 15% ou mais inferior ao Preço Base (art.° 7° do PP);
Doc. 3 junto com a p.i. do Proc. 725/14.3BECTB
4) Foi apresentada lista de erros e omissões, na qual, a concorrente RA... considerou haver uma omissão no artigo 21° do Programa do Procedimento porquanto o mesmo não estabelecia um critério de desempate de propostas;
Doc. 4 junto com a p.i. do Proc. 725/14.3BECTB
5) Em reunião realizada no dia 09.10.2014, a entidade demandada aprovou a lista de erros e omissões nos termos da "Informação n.º 9/2014";
Doc. 4 junto com a p.i. do Proc. 725/14.3BECTB
6) A alínea a) do ponto 5.1. da referida "Informação n.º 9/2014" aceita a invocada omissão do artigo 21° do Programa do Procedimento quanto à não indicação de um critério de desempate de propostas, e supre esta omissão determinando que «no caso do mais baixo preço constar de mais de uma proposta deve ser adjudicada aquela que tiver sido apresentada mais cedo, nos termos do n° 2 do artigo 160° do CCP»;
Doc. 4 junto com a p.i. do Proc. 725/14.3BECTB
7) Apresentaram propostas os seguintes oito concorrentes: a autora propondo o preço de € 3 259 021,00; a sociedade EA... com o preço de € 3 399 419,056; H... com o preço de 3 435 000,00; RRI com o preço de € 3 655 000,01; a contrainteressada com o preço de € 3 655 000,01; R... com o preço de € 3 655 000,01; L... propondo o preço de € 3 655 000,01; e RA... com o preço de € 3 947 000,00;
Docs. juntos ao Proc. 725/14.3BECTB
8) Com a sua proposta, a autora apresentou documento denominado por «documentos justificativos do preço anormalmente baixo. Alínea e), Artigo 16º do Programa do Procedimento»;
Doc. 6 junto com a p.i.
9) O referido documento contém, entre o mais, o seguinte:
Doc. 6 junto com a p.i.
[imagem omissa]
10) Em 30.10.2014, e já depois de serem conhecidas todas as propostas apresentadas, o Conselho Diretivo da entidade demandada deliberou não adjudicar qualquer proposta invocando, como causa, o facto de o critério de desempate ter sido fixado quando já se encontrava submetida uma proposta, situação que contenderia com os princípios da transparência, igualdade e concorrência;
Doc. 1 junto com a p.i. do Proc. 725/14.3BECTB
11) Deliberou, então, «proceder à não adjudicação do procedimento» com fundamento em «circunstâncias imprevistas, sendo necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo para a presentação das propostas, conforme resulta da alínea c) do n° 1 do art. 790 do CCP»;
Doc. 1 junto com a p.i. do Proc. 725/14.3BECTB
12) A autora impugnou judicialmente esta deliberação, tendo instaurado a Ação de Contencioso Pré-contratual, que tramitou no TAF de Mirandela sob o número de processo 725/14.3BECTB;
Proc. 725/14.3BECTB
13) Na pendência da referida ação a entidade demandada lançou Novo Concurso Público Internacional para "Prestação de Serviços de Recolha e Transporte de RSU's para Estação de Transferência, Lavagem e Manutenção de Contentores e Limpeza Urbana, para os Concelhos do Douro Superior", que publicitou por anúncio no Diário da República, 2.ª Série, n.º 252, de 31.12.2014;
Doc. 2 junto com a p.i.
14) O preço base do concurso (sem IVA) é de 4 300 000,00 €, tendo a entidade demandada determinado que o preço total da proposta é considerado "preço anormalmente baixo" quando for 50% inferior ao Preço Base;
Doc. 4 junto com a p.i.
15) Este novo concurso tem exatamente o mesmo objeto do anterior e a ser executado exatamente nas mesmas condições de modo, tempo e lugar, sendo as peças do procedimento substancialmente e absolutamente iguais no seu conteúdo, com exceção de dois pontos: o critério de adjudicação no 2.° concurso é o da proposta economicamente mais vantajosa, enquanto que no primeiro é o do mais baixo preço; e o preço anormalmente baixo neste Novo Concurso, que tem o mesmo "preço base" do primeiro é considerado preço anormalmente baixo se for 50% inferior ao preço base;
Docs. 2 e 3 juntos com a p.i. do Proc. 725/14.3BECTB Docs. 3 e 4 juntos com a p.i.
16) Apresentaram propostas, neste 2.° Concurso, entre outras, os seguintes cinco concorrentes que foram admitidos ao concurso: EGEO com o preço de € 2 989 587,30; a contrainteressada com o preço de € 2 999 388,00; RRI com o preço de € 3 161 142,49; EA.../Mcv.. com o preço de € 3 237 428,80; e R... com o preço de € 3 544 000,00;
Doc. 5 junto com a p.i.
17) O Júri elaborou o respetivo Relatório Preliminar de Avaliação de Propostas, datado de 24.03.2015, tendo ficado classificada em 1° lugar a proposta da contrainteressada;
Doc. 5 junto com a p.i.
18) A autora requereu, no âmbito do processo n.º 725/14.3BECTB, a ampliação do objeto da ação de contencioso pré-contratual ao ato de lançamento do Novo Concurso Público Internacional referido em 11);
Proc. 725/14.3BECTB
19) Por acórdão proferido no referido processo de contencioso pré-contratual n.° 725/14.3BECTB, a 23.04.2015, foi anulado o ato de não adjudicação, foi anulado o novo concurso aberto por anúncio publicado em 31.12.2014, e foi a entidade demandada condenada a prosseguir com o concurso aberto por anúncio de 26.08.2014;
Acórdão proferido no Proc. 725/14.3BETCB
20) O acórdão referido foi confirmado por acórdão do TCA Norte, datado de 31.08.2015, que negou provimento aos recursos interpostos pela entidade demandada e pela contrainteressada;
Acórdão proferido no Proc. 725/14.3BETCB
21) Em 16.11.2015, o júri elaborou Relatório Preliminar de Avaliação de Propostas, no qual propõe a exclusão da proposta da autora porque não levou em consideração os esclarecimentos justificativos apresentados quanto ao seu preço ser inferior em mais de 15%, propondo a adjudicação à proposta da contrainteressada;
Doc. 4 junto com a contestação da entidade demandada
22) No referido relatório é referido, entre o mais, o seguinte:
Doc. 4 junto com a contestação da entidade demandada
[imagem omissa]
(…)
[imagem omissa]

23) A autora exerceu o direito de audiência prévia, alegando que a apreciação que o Júri fez dos esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo da sua proposta da autora foi totalmente incorreta, invocando a falta de rigor, de exatidão e de objetividade, por se limitar, genericamente, a invocar a “não excecionalidade” e “não exclusividade'' das justificações para fundamentar a não aceitação das mesmas;
Doc. 5 junto com a contestação da entidade demandada
24) O júri, no Relatório Final de Avaliação de Propostas, datado de 13.04.2016, considerou improcedentes todas as razões e argumentos invocados pela autora em sede audiência prévia, e manteve integralmente tudo quanto havia proposto no Relatório Preliminar, designadamente, a exclusão da proposta da autora e a adjudicação à proposta da contrainteressada;
Doc. 6 junto com a contestação da entidade demandada
25) Do referido relatório final consta, entre o mais, o seguinte:
Doc. 6 junto com a contestação da entidade demandada
(…)
[imagem omissa]
(…)
[imagem omissa]

26) Por deliberação de 28.04.2016, o Conselho Diretivo da entidade demandada aprovou, por maioria, as propostas contidas no Relatório Final, confirmando a exclusão da proposta da autora e a adjudicação à proposta da contrainteressada;
Doc. 1 junto com a p.i.
27) A deliberação referida supra foi comunicada aos concorrentes, via plataforma, a 10.05.2016;
Doc. 2 junto com a contestação da contrainteressada
28) A autora remeteu a p.i., via email, para o TAF a 13.06.2016 e remeteu também a mesma p.i., via postal registada, a 14.06.2016;
Fls. 1 e ss. dos autos
29) Os serviços objeto do contrato estão, em grande parte, a ser assegurados através de vários contratos celebrados ao abrogo de concursos urgentes.
Docs. 1 a 5 juntos com o requerimento da autora de 26.06.2016
Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou que inexistem factos com interesse para a decisão da causa que importe dar como não provados.
E no que à motivação da matéria de facto apurada concerne consignou que a sua convicção se baseou na análise dos documentos juntos aos autos. Os documentos em causa não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
Teve-se também em consideração os elementos juntos ao processo 725/14.3BECTB que correu termos no TAF de Mirandela, tendo como partes a mesma autora, a mesma entidade demandada e a contrainteressada, tendo também como contrainteressadas os outros concorrentes, além da autora e da contrainteressada.
Teve-se ainda em consideração a aceitação expressa de vários factos efetuada na contestação da entidade demandada (artigos 94º, 96º, 98º, 99º, 100º, 102º, 103º, 105º, 107º).

DE DIREITO
Está posta em crise a sentença do TAF de Mirandela que julgou procedente a acção.
Conforme resulta dos autos, o concurso público em causa tem por objecto a adjudicação de um contrato para a aquisição de Prestação de Serviço de Recolha e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos para Estação de Transferência, Lavagem, Desinfeção, Manutenção e Colocação de Contentores de Limpeza Urbana para os Concelhos do Douro Superior, que inclui os Concelhos de Freixo de Espada à Cinta, Mogadouro, Torre de Moncorvo e Vila Nova de Foz Côa.
Na óptica das Recorrentes a sentença padece de erros de julgamento de facto e de direito, este último sob as vestes de nulidade e erro.
Cremos que lhes assiste parcialmente razão.
Antes, atente-se no discurso jurídico fundamentador da decisão, na parte que ora interessa:

“(....)
IV.2.4 – Exclusão da proposta da autora
Entende a atora que a exclusão da sua proposta é ilegal por erro sobre os pressupostos de aplicação do artigo 70.º, n.º 1, al. e) do CCP, ofendendo ainda os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça, da razoabilidade, da transparência e da boa-fé.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 1, al. d) do CCP, a proposta deve ser instruída com os “documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, direta ou indiretamente, das peças do procedimento.
Assim, estando ou não previsto no programa de procedimento, as propostas devem ser instruídas obrigatoriamente, pelo menos, com os elementos que constam do artigo 57.º, n.º 1 do CCP, incluindo os documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo.
Conforme sublinha Rodrigo Esteves de Oliveira, a interpretação das normas do CCP deve pender para uma solução pro procedimento ou pro concorrente, ou seja, deve optar-se por uma posição a favor da manutenção do procedimento, dos concorrentes e das propostas – cfr. Rodrigo Esteves de Oliveira - «Os princípios Gerais da Contratação Pública» in Estudos da Contratação Pública, I, Coimbra Editora, 2008, pág. 113.
O artigo 70.º, n.º 1, al. e) do CCP prevê a exclusão das propostas cuja análise revele “um preço anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte.
E o artigo 71.º do CCP estabelece no número 3 que “nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo sem antes ter sido solicitado ao respetivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.
Repare-se que o artigo 70.º, n.º 1, al. e) do CCP remete na parte final para o artigo 71.º do mesmo Código, no qual se inclui o número 3.
A norma ora referida procede à transposição da norma contida no artigo 55.º, n.º 1 da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março de 2004 relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, que prevê o seguinte: “se, para um determinado contrato, houver propostas que se revelem anormalmente baixas em relação à prestação em causa, antes de as poder rejeitar, a entidade adjudicante solicitará por escrito os esclarecimentos que considere oportunos sobre os elementos constitutivos da proposta.
Conforme decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, o artigo 55.º da referida Diretiva “exige que na legislação nacional exista uma disposição (…) que prevê, no essencial, que, caso o candidato proponha um preço anormalmente baixo, a entidade adjudicante lhe peça, por escrito, um esclarecimento sobre o seu preço”, opondo-se “à posição de uma entidade adjudicante que considere que não está obrigada a solicitar ao candidato que esclareça um preço anormalmente baixo” – in acórdão do TJUE de 29.03.2012, Proc. C-599/10 (SAG ELV Slovensko e o.).
No acórdão a que se fez alusão, o TJUE refere o seguinte, que pela sua relevância se transcreve:
28 Decorre claramente destas disposições, redigidas em termos imperativos, que o legislador da União exige à entidade adjudicante que verifique a composição das propostas que apresentem um caráter anormalmente baixo, impondo-lhe, para o efeito, a obrigação de solicitar aos concorrentes que apresentem as justificações necessárias (v., neste sentido, acórdão de 27 de novembro de 2001, Lombardini e Mantovani, C-285/99 e C-286/99, Colet., p. I-9233, n.os 46 a 49).
29 Por conseguinte, a existência de um debate contraditório efetivo entre a entidade adjudicante e o concorrente, num momento útil do procedimento de análise das propostas, para este poder provar a seriedade da sua proposta, constitui uma exigência fundamental da Diretiva 2004/18, com vista a evitar a arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir uma sã concorrência entre as empresas (v., neste sentido, acórdão Lombardini e Mantovani, já referido, n.° 57).
30 A este respeito, importa lembrar, por um lado, que, embora a lista que consta do artigo 55.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18 não seja exaustiva, não é no entanto meramente indicativa e não deixa, portanto, liberdade às entidades adjudicantes para determinar quais os elementos pertinentes a tomar em consideração antes de recusarem uma proposta com um preço anormalmente baixo (acórdão de 23 de abril de 2009, Comissão/Bélgica, C-292/07, n.° 159).
31 Por outro lado, o efeito útil do artigo 55.°, n.° 1, da Diretiva 2004/18 implica que cabe à entidade adjudicante formular claramente o pedido dirigido aos candidatos em causa, de modo a estes poderem justificar plena e utilmente a seriedade das suas propostas.

É certo que existe jurisprudência nacional, que é até indicada na contestação da entidade demandada, que entende que o júri não tem que pedir quaisquer esclarecimentos. Porém, tal jurisprudência não pode ser seguida por ser contrária ao Direito da União Europeia, tal como definido pela mais alta instância nesta matéria.
Impondo-se uma interpretação conforme ao direito da União Europeia, é de concluir que da conjugação dos artigos 70.º, n.º 1, al. e) e 71.º, n.º 3 do CCP resulta que a não apresentação dos esclarecimentos justificativos com a proposta não determina a imediata exclusão da proposta, antes se impõe nesta situação que o júri convide o concorrente a apresentar por escrito os esclarecimentos que considere relevantes para o efeito.
Daqui resulta que a inexistência ou insuficiência dos esclarecimentos relativos ao preço anormalmente baixo só determina a exclusão da proposta em causa se, após solicitação dos elementos justificativos relevantes, o júri considerar que o preço apresentado não é um preço sério ou razoável.
As normas concursais a tomar em consideração respeitam ao concurso aberto por anúncio publicado em Diário da República, 2.ª Séria, de 26.08.2014, já que, como resulta da matéria de facto, a decisão de não adjudicar o contrato em causa, bem como a decisão de abrir um novo concurso, foram anuladas por acórdão de 23.04.2015 proferido no âmbito do processo n.º 725/14.3BETCB, confirmado por acórdão do TCA Norte de 31.08.2015, tendo a entidade demandada sido condenada a prosseguir com o concurso aberto pelo anúncio referido.
De acordo com as normas concursais constante no Programa do Procedimento, o critério de adjudicação era o do mais baixo preço. E o preço base para o concurso em causa foi fixado em € 4 300 000,00, considerando-se como “preço anormalmente baixo” o preço da proposta que seja 15% ou mais inferior ao preço base, ou seja, considera-se que uma proposta apresenta um preço anormalmente baixo quando a proposta tenha um preço igual ou inferior a € 3 655 000,00.
Resulta da matéria de facto que a autora apresentou proposta com preço de € 3 259 021,00. Portanto, a proposta da autora continha um preço anormalmente baixo.
Resulta também da matéria de facto que a autora apresentou logo com a proposta documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto.
Da análise de tal documento resulta que a autora procura justificar o preço apresentado mediante uma poupança global de € 822 088,45, alcançada mediante várias mediadas que são concretizadas e quantificadas, e que podem sintetizar-se no seguinte: prazo de amortização das viaturas afetas à execução contratual superior ao regime fiscal; adoção de práticas inovadoras de operação e manutenção de viaturas que permitem uma diminuição permanente e quantificável do consumo de combustível, principalmente nas viaturas pesadas; e redução da margem de lucro habitualmente aplicada.
O júri considerou, por maioria, que as justificações apresentadas não eram aceitáveis por não exercerem influência sobre os custos que a autora teria que suportar com a prestação dos serviços concursados, tendo, consequentemente, proposto a exclusão da sua proposta com base no disposto no artigo 70.°, n.° 2, alínea e) do CCP.
Entende a autora que a análise efetuada pelo júri padece de erro manifesto e grosseiro, resultante da superficialidade, falta de rigor, falta de exatidão e falta de objetividade com que apreciou, em concreto, os esclarecimentos do preço anormalmente baixo apresentados.
Analisado o documento justificativo de preço anormalmente baixo apresentado pela autora, a análise efetuada pelo júri e tendo presente as normas já referidas supra e a jurisprudência nacional e europeia sobre esta matéria, afigura-se que assiste razão à autora.
Em primeiro lugar, e como alegado na p.i., as considerações efetuadas no documento em análise pela autora quanto à sua experiência local, nacional e internacional não pretendem constituir uma justificação concreta do preço anormalmente baixo proposto. Trata-se de uma mera introdução.
Repare-se que ao contrário do que é efetuado nos demais itens, este aspeto não contém qualquer concretização de poupança. Trata-se de uma introdução que pretende demonstrar a vasta experiência da autora na área, procurando transmitir seriedade à concretização que se lhe segue.
E, de qualquer modo, conforme já se referiu, o júri estava obrigado a pedir esclarecimentos à autora quanto a este aspeto se concluísse que não estava suficientemente explicado de que forma a experiência da autora permitia justificar o preço. Na ausência de qualquer pedido de esclarecimentos, não pode o júri propor a exclusão da proposta da autora por entender que este aspeto não está suficientemente esclarecido como modo de justificar o preço anormalmente baixo. E se dúvidas houvesse sobre a experiência referida pela autora, deveria o júri pedir elementos demonstrativos da mesma ou esclarecimentos sobre a relevância dessa experiência para o concurso em causa.
Se o júri considera que uma justificação é genérica tem que solicitar os esclarecimentos necessários ao concorrente de modo a perceber se o preço apresentado é ou não sério, não podendo limitar-se a propor a exclusão da proposta em causa.
A tudo isto acresce que, ao contrário do que é referido pelo júri, afigura-se que a experiência de uma sociedade é um elemento relevante a considerar, quando invocado, como fundamento para um preço anormalmente baixo.
Na verdade, afigura-se evidente que a experiência de uma sociedade na área de concurso influencia o preço apresentado: a sociedade já conhece a forma de implementar o projeto e geri-lo de modo mais eficiente, controlando custo e maximizando as receitas. O core business de uma sociedade aumenta à medida em que a sociedade vai implementando novos projetos, pelo que a experiência da sociedade tende a diversificar os contactos com clientes e fornecedores, o que também é relevante no preço. Além disso uma sociedade com projetos já implementados num determinado ramo de atividade apresenta custos indiretos inferiores comparativamente a uma sociedade que está a iniciar a sua atividade naquele ramo, posto que os custos com a gestão daquele ramo económico estão mais diluídos.
Em segundo lugar, ao contrário do que é referido pelo júri, a justificação do preço anormalmente baixo não tem em vista apresentar fundamentos que revistam carater de excecionalidade. O que se pretende é que o concorrente demonstre a seriedade da sua proposta, isto é, que esclareça de que forma consegue propor concretamente o preço tendo em conta a execução do contrato; terá que justificar que pode cumprir integralmente o objeto do contrato que se encontra a concurso através do preço proposto.
Em terceiro lugar, quanto ao prazo de amortização das viaturas afetas à execução contratual, afigura-se evidente que este aspeto tem influência nos custos de uma sociedade, pelo que uma maior amortização permite apresentar um preço menor.
A autora refere que consegue, nos 5 anos de vigência do contrato, uma poupança de € 114 297,06 por considerar como prazo de amortização o período máximo de durabilidade das viaturas.
Como é do conhecimento geral, a amortização consiste na diluição contabilística do custo de um bem afeto à atividade produtiva (no caso as viaturas) durante um período de tempo. Como é evidente, quanto maior for o período a considerar menor será o custo a imputar.
Repare-se que a autora no documento justificativo concretiza para cada tipo de viatura o preço total da viatura, o prazo de amortização a considerar na proposta, bem como o prazo normalmente considerado e ainda o diferencial anual, o que totaliza o montante de poupança de € 114 297,06 no total dos 5 anos.
Ora, o júri limita-se a referir genericamente que este fator não permite explicar o preço apresentado por ser um fator que não incide sobre a forma como a concorrente pretende prestar os serviços.
É certo que a amortização não tem implicações sobre a forma como um serviço é proposto, mas tem implicações sobre o preço, já que quanto maior o prazo de amortização menor será o custo a considerar para remuneração dos bens afetos à execução do serviço.
Analisada a justificação da autora quanto a este aspeto, afigura-se evidente que estamos perante uma justificação séria, objetiva, quantitativamente concretizada e que deve ser considerada válida, já que é um aspeto que tem implicações sobre o valor dos custos a considerar pela sociedade na sua contabilidade, pelo que a diminuição de custos, ainda que marginal (trata-se de uma redução de € 114 297,06 num contrato cujo preço base é superior a 4 milhões) deve ser tomada em consideração como justificação para compreender a seriedade da proposta da autora quanto ao preço apresentado.
Em quarto lugar, relativamente às práticas inovadoras, afigura-se também que a análise efetuada pelo júri padece de erro manifesto na análise efetuada.
A autora esclarece no documento justificativo do preço anormalmente baixo que desenvolveu e implementou na sua atividade operacional um conjunto de práticas e procedimentos inovadores no que respeita à manutenção e condução das viaturas afetas à prestação de serviços na sua área de atividade, que permitem uma redução significativa, e quantificável, do combustível consumido, relativamente à media geral que viaturas deste tipo, não sujeitas àquele regime inovador de operação e manutenção, consomem em serviços idênticos, quantificando essa poupança em € 284 118,64 nos 5 anos de vigência do contrato.
A autora descreve e concretiza no referido documento essa metodologia, quantificando, por tipo de viatura, a redução do consumo de combustível.
Analisados os relatórios elaborados pelo júri, constata-se que foi considerado que também é expectável que os demais concorrentes desenvolvam as respetivas atividades com recurso às melhores práticas de organização do trabalho e de prestação do serviço, e que a autora não explica o processo concreto que lhe permite obter as economias anunciadas.
Como é evidente, o júri na análise dos fundamentos do preço anormalmente baixo não realiza uma análise em termos expectáveis, mas antes verifica que a proposta em causa é séria e concretizável em função do concreto preço proposto.
No ponto concreto em análise, o júri não pode tecer considerações subjetivas sobre o que é ou não expectável em abstrato sobre os concorrentes em geral. Como é percetível, cada concorrente sempre irá propor o melhor preço possível dentro das suas estratégias comerciais específicas, o que não significa que as possibilidades de cada um sejam concretamente iguais, o que se reflete na apresentação de preços distintos.
Conforme é referido pela autora, para efeitos de análise das razões justificativas do preço anormalmente baixo é irrelevante se outros concorrentes também poderiam, em abstrato, beneficiar da mesma redução de custos, já que cada proposta é autónoma, podendo cada concorrente de acordo com as suas estratégias comerciais adotar ou não técnicas de controlo mais ou menos rigoroso de custos e refletir ou não essas vantagens nas suas propostas.
Como é evidente, os custos de combustível são, pela própria natureza do objeto contratual em causa, constituem um aspeto relevante, pelo que o seu controlo permite a apresentação de um preço mais competitivo.
O júri entende que a autora não explica o processo concreto que lhe permite obter as economias anunciadas. No documento em análise a autora remete a concretização da metodologia nos vários pontos enunciados para o capítulo 8.5.4 da Proposta Técnica.
Ora, conforme já se referiu, o júri só pode excluir uma proposta por inexistência ou insuficiência dos elementos justificativos de um preço anormalmente baixo após solicitar os esclarecimentos justificativos, conforme decorre expressamente do artigo 71.º, n.º 3 do CCP.
Assim, se o júri entende necessário para aferir da seriedade da proposta que se explicasse a denominada metodologia inovadora, deveria ter solicitado à autora os esclarecimentos respetivos, o que não fez.
Por outro lado, analisada a metodologia em causa nos vários níveis referidos, afigura-se que a mesma permite um efetivo controlo de custos no consumo de combustíveis, designadamente a formação em condução económica, os planos de manutenção preventiva, a pressão interna dos pneus as inspeções e os lubrificantes de baixo coeficiente de atrito.
Repare-se que a poupança quantificada para os 5 anos é marginal face ao valor do contrato, sendo que aspetos salientados supra permitem efetivamente uma poupança de combustível, sendo de salientar que vários destes aspetos constituem objeto de inovações tecnológicas recentes que permitem diminuir os gastos de combustível nas viaturas (basta pensar na redução alcançada pelo sistema que desliga o motor da viatura quando esta está parada, o alerta para o controlo da pressão dos pneus ou a utilização de lubrificantes que visam diminuir o atrito).
Os valores em causa são perfeitamente concretizáveis, o que o júri não coloca sequer em causa. Afigura-se, pois, quanto a este aspeto, que estamos perante uma justificação séria, objetiva e que está quantitativamente concretizada.
Na contestação a entidade demandada procura colocar em causa os valores apresentados pela autora para o preço de combustível, referindo que o mesmo se encontra inflacionado. Trata-se, pela primeira vez, de uma análise de natureza técnica relativa ao fundamento em causa, porém, tal análise não foi efetuada pelo júri, que não colocou em causa qualquer dos valores apresentados, sendo que é de, de qualquer forma a alegação da entidade demandada na contestação é facilmente de afastar porque não tem em vista que o contrato deve ser executado no prazo de 5 anos, sendo que, como é do conhecimento geral, não há garantias que o preço dos combustíveis se mantenha relativamente baixo, já que o mesmo é sustentado pela diminuição do preço do petróleo nos mercados internacionais a que se tem assistido nos últimos anos.
Em quinto lugar, quanto à redução da margem de EBITDA habitualmente aplicada, também se afigura que o júri na sua análise incorreu em erro manifesto na apreciação.
Conforme resulta do documento justificativo do preço anormalmente baixo, a autora invocou ainda como justificação a diminuição da margem de EBITDA que habitualmente seria se 23% e que no caso concreto decidiu aplicar 10%.
Como também é evidente, a diminuição da rentabilidade do contrato para a autora possibilita-lhe apresentar uma diminuição do preço, sem que tal comprometa a prestação de serviços em si mesma, já que não contende com os fatores diretamente afetos à atividade a desenvolver mas à rentabilidade comercial do contrato. Assim, o júri, erradamente, considerou que a redução desta margem não permite a obtenção de uma poupança ao nível dos custos.
Repare-se que não é normal que o preço da proposta seja igual à soma dos custos com a execução de um contrato, já que além dos custos o preço visa também permitir que a sociedade dê lucro, o que significa que além dos custos, o preço internaliza uma margem de lucro, pelo que a diminuição da margem de rentabilidade permite a diminuição do preço proposto.
Mais uma vez estamos perante uma redução marginal do preço que totaliza 423 672,75.
Como decorre do exposto, o preço anormalmente baixo não tem que ter como causa justificativa a existência de uma redução de natureza excecional dos custos operacionais, podendo ser devida a outros aspetos que se repercutam direta ou indiretamente no preço e não comprometam a execução integral do contrato.
Com a justificação do preço anormalmente baixo, pretende-se habilitar o júri a perceber se aquele preço concretamente proposto é ou não sério, pelo que qualquer outro fundamento elencado pelo júri que se reduzam a meras considerações subjetivas e genéricas não pode ter acolhimento, já que constitui uma mera opinião que não se concretiza em aspetos concretos e específicos da execução contratual.
E se dúvidas houvesse, sempre o júri teria que solicitar os elementos contabilísticos ou financeiros se tal fosse considerado necessário.
Em sexto lugar, o júri ignora olimpicamente o cerne do próprio concurso.
Na verdade, o júri considera, no relatório preliminar, que na fixação do preço base a entidade adjudicante já teve em consideração a possibilidade dos concorrentes terem vantagens competitivas num conjunto alargado de fatores, não podendo esses fatores ser aceites como justificação para o facto de as propostas não se conterem dentro do intervalo.
Conforme é explicado no preâmbulo da Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro e decorre do artigo 47.º, n.º 1 do CCP, o preço base é “o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato a celebrar”, devendo ser, pois, ser excluídas as propostas cujo preço seja superior (artigo 70.º, n.º 2, al. d) do CCP).
E do artigo 71.º decorre que as propostas podem ter um preço anormalmente baixo, não implicando tal circunstância a sua exclusão, só por si.
No entanto, o mesmo artigo obriga o concorrente cujo preço seja considerado anormalmente baixo a esclarecer a seriedade da sua proposta. Visa-se habilitar o júri a distinguir as propostas com possibilidade de execução daquelas em que a remuneração proposta não permite a execução.
Repare-se que a justificação pode passar, entre outros aspetos, pelos elencados no artigo 71.º, n.º 4 do CCP. Ora, basta atender às alíneas b), c) e d) para perceber que os aspetos atinentes aos fatores considerados como normalmente necessários para a execução da prestação objeto do contrato podem servir como fundamento para justificar o preço anormalmente baixo.
Por outro lado, sendo o critério de adjudicação o preço mais baixo, é incoerente e contraditório considerar-se que os concorrentes apenas poderiam concorrer no preço tem em consideração o intervalo que medeia entre o preço base e o preço considerado anormalmente baixo.
Além disso, e como refere a autora, a tese do júri quanto a este ponto encontra como obstáculo o próprio comportamento da entidade adjudicante que em dois concursos (o primeiro concurso que é o que está em causa e o novo concurso objetiva e substancialmente igual lançado na sequência da decisão de não adjudicação anulada por acórdão proferido no processo n.º 725/14.3BETCB) estabeleceu margens entre o preço base e o preço anormalmente baixo completamente diferentes (no primeiro o preço anormalmente baixo foi fixado em 15% e no segundo em 50% do preço base).
De todo o exposto, afigura-se evidente que a decisão impugnada não pode manter-se.
Analisado o documento justificativo do preço anormalmente baixo apresentado pela autora, afigura-se que as justificações apresentadas demonstram a seriedade da proposta, bem como a exequibilidade da prestação a contratar, não sendo colocado em causa a possibilidade de cumprimento integral do contrato.
Constata-se que o júri nem no relatório preliminar nem no relatório final, sendo que este último faz referência expressa àquele, colocou em causa, em termos substantivos a plausibilidade das razões justificativas apresentadas pela autora.
Conforme já se referiu, o fundamento do júri para excluir a autora baseia-se essencialmente na interpretação, errada, de que os fundamentos invocados para justificar o preço anormalmente baixo têm que revestir natureza excecional e que dizer respeito a fatores não considerados pela entidade adjudicante na definição do intervalo de preços considerados “normais”.
Por outro lado, e como é referido pela autora, não há dúvidas que o preço proposto pela autora permite a execução do contrato. Quanto a este aspeto a poupança com a qual a autora justifica o preço proposto resulta de aspetos que não comprometem a execução da prestação, já que se reportam a aspetos como o tempo de amortização, o controlo de custos de combustível e a margem de rentabilidade do contrato.
A isto acresce que o preço proposto pela autora totaliza o montante global de € 3 259 021,00, sendo que no segundo concurso, que veio a ser anulado, que tinha um objeto e prestação substantiva e objetivamente idêntico foram admitidos preços mais baixos, o que vem reforçar a convicção da aceitabilidade e seriedade do preço proposto pela autora.
Assim, não só o preço deve ser aceite como justificado, como também deve a entidade demandada ser condenada a adjudicar o contrato em causa à autora, já que do que se foi referindo resulta que a proposta da autora deve ser aceite, como, face ao critério de adjudicação que é o preço mais baixo, deve esta proposta ser graduada em 1º lugar.

Tendo em consideração a conclusão a que se chegou não é de aplicar o afastamento do efeito anulatório nos termos do artigo 283.º do CCP solicitado pela entidade demandada na contestação.
Competia à entidade demandada já que invoca este normativo alegar e demonstrar que o efeito anulatório detetado é desproporcional ou contrário à boa fé ou então que não existe importa alteração subjetiva no contrato a celebrar.
A autora invoca ainda a violação dos princípios estruturantes da contratação pública, especialmente dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da razoabilidade, da transparência e da boa fé, tendo em consideração o comportamento do júri e da entidade demandada nos dois concurso, o primeiro e o que se lhe seguiu, e que acabou por ser anulado para que se retomasse o primeiro.
É certo que, como realça a autora, não deixa de ser no mínimo estranho que a mesma entidade adjudicante lance dois concurso cujo preço base é igual e que apresentam o mesmo objeto concursal, a serem executados de igual modo, com as mesmas exigências, na mesma área geográfica, pelo mesmo período de tempo, nas mesmas quantidades, e avaliados pelo mesmo júri, mas que apresentem uma discrepância tão grande ao nível do preço anormalmente baixo.
Mas não se afigura que dessa constatação se possa retirar a existência de uma conduta arbitrária, ilegal e intensamente censurável, já que estão em causa dois concurso que têm um critério de adjudicação diverso, no primeiro é o preço mais baixo e no segundo é a proposta economicamente mais vantajosa.
Além deste aspeto, não é possível retirar dos autos que tivesse existido um propósito de prejudicar a autora ou que tivesse sido utilizado relativamente à autora, comparativamente aos outros concorrentes dois pesos e duas medidas, já que a comparação da autora respeita a dois concurso diversos, que embora se estranhe a divergência, não deixam de assentar num critério de adjudicação diferente.”
X
Vejamos:
Ambas as Recorrentes impugnam a sentença proferida pelo Tribunal a quo, invocando, em síntese, o seguinte:
Do recurso da demandada Associação de Municípios do Douro Superior (ao diante abreviadamente denominada AMDS) -
Que a sentença recorrida padece de nulidade por:
Ausência de produção de prova;
Violação do princípio da proibição das “Decisões Surpresa”;
Violação do artigo 3º/3 do CPC;
Oposição entre os fundamentos e a decisão;
Conhecimento de questões de que o Tribunal não podia tomar conhecimento;
Ausência de fundamentos de facto que justifiquem a decisão;
Insuficiência da matéria de facto;
E que enferma dos seguintes erros de julgamento:
Erro de interpretação e aplicação dos artºs 57º/1/alínea d); 70º/1/alínea e); e 71º, todos do CCP;
Erro sobre os pressupostos de facto;
Erro em matéria de comparabilidade entre Concursos Públicos;
Erro em matéria de consequências da falta de pedido de esclarecimentos sobre o Preço Anormalmente Baixo;
Erro em matéria de não afastamento do “efeito anulatório” nos termos do artº 283º do CCP
Do recurso da contra-interessada FCC Environment Portugal, S.A., (doravante FCC)-
Que a sentença recorrida padece de nulidade por:
Violação do princípio da separação de poderes e da prerrogativa de avaliação do júri;
Falta de matéria de facto;
Violação do princípio da participação;
Não ter decidido o prosseguimento do Procedimento Concursal para solicitação de esclarecimentos sobre o Preço Anormalmente Baixo;
E que enferma dos seguintes erros de julgamento:
Erro de interpretação e aplicação do artº 71º/4 do CCP.
As questões suscitadas no recurso da FCC são também invocadas no recurso da AMDS, e de forma genericamente coincidente, pelo que serão agrupadas com estas e conhecidas em simultâneo, sem prejuízo de eventual consideração de algum matiz próprio, ou argumento mais específico aduzido. Tal é o que impõem razões de celeridade e economia processuais.
Assim:
Das nulidades -
Da alegada ausência de produção de prova -
Resulta dos autos sob recurso que o senhor juiz decidiu indeferir a inquirição das testemunhas arroladas por considerar que os elementos documentais juntos aos autos lhe permitiam, nos termos do invocado artº 88º/1/alínea b), ex vi artº 102º/1, ambos do CPTA, conhecer o mérito da causa sem necessidade de mais indagações.
A AMDS insurge-se contra este entendimento, alegando que a mesma afecta de nulidade a sentença recorrida por “ausência de produção de prova”.
Porém, não se alcança como esta decisão que prescinde da produção de prova testemunhal possa afectar de nulidade a sentença recorrida.
De facto, o indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas não consta do catálogo das “nulidades da sentença” previstas no artº 615º do CPC (aplicável ex vi artº 1º do CPTA).
Também se não pode considerar que aquela decisão possa constituir uma nulidade processual à luz do artº 195º do CPC - omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva - pois que o CPTA não estabelece a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra), antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção.
Com efeito, nos termos do disposto no artº 88º/1/alínea b) do CPTA [aplicável às acções de contencioso pré-contratual ex vi artº 102º/1 do mesmo diploma legal], é permitido ao juiz, na fase do “saneador”, conhecer logo do mérito da causa sem necessidade de mais indagações, se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo forneça os elementos necessários para o efeito.
Verifica-se, assim, que a produção da prova testemunhal arrolada está dependente da verificação da sua “necessidade” para a decisão da causa segundo o juízo de aferição do julgador, pelo que, não constituindo uma formalidade legal vinculadamente imposta pelo CPTA, a sua preterição não consubstancia a nulidade do artº 195º do CPC.
Por outro lado, repete-se, o indeferimento da produção de prova, designadamente testemunhal, não integra o elenco de “nulidades da sentença” contempladas no artº 615º do CPC.
Deste modo, o indeferimento da produção de prova testemunhal ao abrigo do disposto no citado artº 88º/1/alínea b), do CPTA, apenas seria susceptível de consubstanciar erro de julgamento na medida da eventual deficiência do juízo valorativo que a dispensou.
Porém, neste contexto, era dever da AMDS identificar e demonstrar o suposto “erro” em que a sentença incorreu quanto à (ir)relevância da prova testemunhal a produzir, indicando os concretos pontos da matéria de facto sobre os quais a produção da prova testemunhal requerida haveria de incidir, o que não fez. A AMDS não demonstrou minimamente a efectiva necessidade da produção da prova testemunhal, limitando-se a concluir genericamente que ficou, assim, impedida de provar:
que os esclarecimentos do preço da proposta da S... não justificam o Preço Anormalmente Baixo apresentado; e
que o requerido afastamento do “efeito anulatório” não é desproporcional ou contrário à boa-fé. Ou seja, a AMDS não identificou qualquer facto concreto cuja não sujeição a prova testemunhal tenha influído negativamente no exame e boa decisão da causa.
Desatende-se, pois, a alegada nulidade da sentença por “ausência de produção de prova”.
E também não se verifica a nulidade (da sentença) que a AMDS fundamenta no artº 615º/1/alínea c) do CPC, por alegada oposição entre a decisão recorrida e os seus fundamentos.
Só ocorre nulidade da sentença por contradição/oposição entre os seus fundamentos e a decisão, quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam, num raciocínio lógico-dedutivo, não ao resultado expresso na decisão, mas a um outro resultado diferente daquele, ou seja, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma decisão oposta à que logicamente deveria ter extraído.
Ora, percorrendo a decisão sob escrutínio, verifica-se que todas as premissas e dados factuais e jurídicos, bem como o discurso lógico-discursivo e decisório correspondente, se encontram clara e inequivocamente enunciados.
Não se alcança, pois, que exista qualquer contradição ou ilogicidade. A sentença, depois de identificar o objecto do litígio e enunciar as questões de mérito que ao Tribunal cumpria solucionar, expôs os fundamentos de facto e de direito e deles extraiu, em conformidade, o seu juízo jurídico-subsuntivo. Na elaboração do correspondente silogismo judiciário não se detecta qualquer oposição ou contradição.
É evidente que a AMDS não concorda com o sentido decisório a final extraído, mas tal discordância não é susceptível de fundamentar qualquer vício ou erro de raciocínio no desenvolvimento daquele silogismo.
A sentença ora posta em crise limitou-se a analisar criticamente a factualidade dada como assente. Toda a fundamentação de facto acolhida naquela e a fundamentação de Direito desenvolvida apontava, num contexto de raciocínio lógico, no sentido da procedência da acção, sentido esse que veio a consubstanciar-se na decisão em causa.
Tal equivale a dizer que o Tribunal a quo disse o que na realidade queria dizer e o que disse expressou-o claramente em termos perfeitamente coerentes e inequívocos, pelo que se conclui que não se verifica a invocada nulidade (da sentença) que a AMDS fundamentou no artº 615º/1/alínea c) do CPC, pois que que não se detecta qualquer oposição ou contradição entre a decisão recorrida e os seus fundamentos.
Mais alegou a AMDS que a decisão de indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas consubstancia uma errada interpretação e aplicação do disposto no artº 90º do CPTA, ex vi artº 102º/1 do mesmo diploma, porquanto o disposto neste artigo não permite que o “Juiz do Processo” rejeite a produção de prova requerida quando esta se afigure indispensável ao caso concreto (cfr. artsº 62º a 64º das alegações de recurso da AMDS).
Ora, como bem observa a Recorrida, a dilucidação desta questão exige que se contextualizem os momentos processuais nela implicados.
Deve começar por dizer-se que a decisão que indeferiu a produção da prova testemunhal se situa num momento processual cronologicamente anterior àquele de que cura o citado artº 90º do CPTA. Recorde-se que aquela decisão de indeferimento ocorreu na fase de saneamento do processo, sustentada nos poderes que o artº 88º/1/alínea b) do CPTA concede ao juiz, concretamente, conhecer totalmente do mérito da causa sempre que a questão seja apenas de direito, ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos formulados.
Quando o julgador considerar verificado este “estado do processo” - que permite, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos deduzidos -, pode indeferir a produção da prova requerida e conhecer totalmente do mérito da causa, situação que a ocorrer, como sucedeu no caso sub judice, inviabiliza, naturalmente, que os autos percorram as fases processuais subsequentes, designadamente, a fase da “instrução” disciplinada no citado artigo 90º do CPTA.
Ora, sendo que o processo dos autos foi objecto de uma decisão de mérito na fase do “saneador”, sem que tenha chegado à fase de “instrução” contemplada no citado artº 90º do CPTA, é objectivamente impossível que a decisão de indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas consubstancie uma errada interpretação e aplicação do disposto no artº 90º do CPTA, pois que este artigo (a disciplina que prescreve) reporta-se a uma fase processual que os presentes autos não atingiram.
Reitera-se que esta decisão que indeferiu a produção da prova testemunhal sustenta-se no disposto no artº 88º/1/alínea b) do CPTA, e não no artº 90º/ 3, do mesmo diploma, sendo que, neste último preceito se permite igualmente ao julgador indeferir a produção da prova requerida quando a considere desnecessária.
Não obstante o que se disse, é de referir que o nº 1 do artº 90º CPTA torna claro que “a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova”.
Sucede que a Recorrente AMDS, que invocou a existência de uma suposta interpretação e aplicação erradas do disposto no citado artº 90º e afirmou que há matéria de facto relevante a provar por inquirição de testemunhas (artº 66º das suas alegações), afinal, não identificou qualquer facto controvertido ou carecido de prova testemunhal.
Conclui-se, assim, que também nesta matéria, as alegações da AMDS têm de improceder, não se tendo verificado, em momento algum, qualquer violação dos princípios de acesso ao Direito e da tutela jurisdicional efectiva.
Da alegada violação do princípio da proibição das “Decisões Surpresa”-
Considera a AMDS que o indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas tem como resultado que a sentença proferida pelo Tribunal a quo constitui uma “Decisão Surpresa” com a qual a Recorrente não podia legitimamente contar, pois que recaiu sobre factos/direito relativamente aos quais não foi produzida a prova requerida.
Ora, uma “Decisão surpresa” é aquela que é produzida quando o Tribunal, desviando-se do que seria expectável em face dos elementos presentes nos autos, resolve uma “questão nova” sem antes ouvir as partes a seu propósito ou profere uma decisão baseada em “fundamentos” que as partes não tenham previamente considerado.
Analisando-se, porém, a sentença recorrida verifica-se que o senhor juiz apreciou e decidiu as seguintes “questões”:
-saber se é de determinar o levantamento do efeito suspensivo automático;
-saber se se verifica caducidade do direito de acção;
-saber se se verifica inimpugnabilidade do acto impugnado;
-saber se a exclusão da proposta da ora recorrida S... é ilegal.
-saber se é de aplicar o afastamento do efeito anulatório nos termos do artº 283º do CCP.
Compulsados os autos importa reconhecer que nenhuma destas “questões” consubstancia uma “questão nova” para efeitos de qualificação da sentença recorrida como “Decisão Surpresa”. A apreciação e decisão de todas estas “questões” pelo Tribunal a quo foi expressamente peticionada pelas partes.
Por outro lado, todos os fundamentos subjacentes à decisão sob recurso foram discutidos, contraditados, contestados e valorados pelas partes (Autora, Entidade Demandada e Contrainteressada Adjudicatária) nas peças processuais que produziram: petição inicial, contestações, resposta a excepções.
Como decidido no Acórdão do STA de 12/05/2016 no âmbito do processo 01428/15, “a «Decisão surpresa» não é a que simplesmente surpreenda a parte vencida porque, se assim fosse, o conteúdo do conceito variaria consoante a receptividade subjectiva do destinatário para se surpreender ou admirar. Tal noção tem, manifestamente, um alcance objectivo: a Decisão é desse tipo - e, então, surpreende - quando o Tribunal, desviando-se do que seria expectável em face do anteriormente discutido, resolve uma questão nova sem antes ouvir as Partes a seu propósito (artº 3º do CPC).
Por outro lado, a «Decisão surpresa» tem a ver com a novidade das questões - e não com a novidade dos argumentos utilizados na resolução delas; pois seria absurdo - e, também, pouco praticável e violador do Princípio «jura novit curia» (cf. art.º 5º, n.º 3, do CPC) - que, definida e discutida a «res decidenda», o Tribunal devesse ainda auscultar as Partes sobre cada um dos passos lógicos do seu provável discurso decisório.”
De tudo o que antecede é possível concluir que estaremos perante uma Decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que as partes interessadas a houvessem perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que as partes o haviam feito, o que manifestamente não é o caso.
A sentença posta em causa não apresenta qualquer “inovação”, tanto no que respeita às “questões” que apreciou e decidiu, pois que o senhor juiz circunscreveu o seu exercício decisório apenas às “questões” cuja resolução foi peticionada pelas partes, como nos “fundamentos” em que se alicerça a decisão proferida, os quais foram previamente discutidos, contraditados e valorados pelas partes.
Sempre se dirá que a AMDS invocou que a sentença proferida pelo Tribunal a quo constitui uma “Decisão Surpresa” mas não arguiu, e muito menos provou, os seus pressupostos, concretamente, não identificou qualquer “questão nova” que o Tribunal tenha decidido, ou qualquer “fundamento” da sentença que não tenha sido considerado pelas partes ou sobre o qual estas não tenham tido a possibilidade efectiva de se pronunciaram, discutirem, contestaram e valoraram nos termos que entenderam adequados de acordo com as regras legais aplicáveis.
Ainda quanto a este ponto alegou a AMDS que existe nulidade processual pois que, nos termos do disposto no artº 195º/1 do CPC, “a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva (…) produzem nulidade (…) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Sucede que não lhe assiste razão pois que não se vislumbra que, em situações como a dos autos, em que a inquirição das testemunhas arroladas foi indeferida ao abrigo do disposto no artº 88º/1/alínea b), do CPTA, ocorra qualquer vício de forma (nulidade processual).
Não ocorre, desde logo, porque, para que assim fosse, era necessário que tal diligência fosse imposta, no sentido de inexoravelmente vinculada, ou no exacto dizer do referido artº 195º/1, do CPC, que estivéssemos perante uma “formalidade que a lei prescreva”, isto, para além de se exigir a capacidade de poder influir no exame ou na decisão da causa. Isto é, para além de a formalidade omitida dever ter susceptibilidade para influir no exame ou decisão da causa, tem ainda de se tratar de formalidade imposta por lei, no sentido de a verificação de tal formalidade não estar, em circunstância alguma, sujeita a avaliação, segundo critérios de oportunidade, por parte do juiz.
Ora, no que a esta matéria diz respeito, resulta indiscutível, face ao preceituado no artº 88º/1/alínea b) do CPTA, que o juiz tem a faculdade de dispensar a produção da prova testemunhal arrolada se considerar, segundo o seu prudente juízo valorativo, que o estado do processo permite, sem necessidade de mais indagações, a apreciação e decisão dos pedidos formulados.
E, assim sendo, é manifesto que a decisão que indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas não consubstancia violação de qualquer acto/formalidade imposta por Lei, já que é a própria Lei - artº 88º/1/alínea b), do CPTA, aplicável às acções de contencioso pré-contratual (espécie dos presentes autos) ex vi artº 102º/1, do mesmo diploma legal - que atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir.
De salientar ainda que não se enxerga compatível que, por um lado, a Lei confira ao juiz o poder de não produzir a prova requerida pelas partes, e por outro, sancione a utilização de tal poder com um vício de forma fulminado com nulidade.
Desatende-se, pois, este segmento do recurso.
Da alegada violação do artº 3º/3 do Código de Processo Civil (CPC)-
Afirmou a AMDS que a decisão que indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas violou o princípio do contraditório, previsto no artº 3º/3 do CPC.
Diga-se, desde já, que a análise dos autos afasta liminarmente esta alegação da Recorrente.
Este preceito determina que “o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o Princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as Partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Este princípio assume-se como corolário, ou consequência, do princípio do dispositivo, emergente, para além de outras disposições, do nº 1 deste preceito, destinando-se a proteger o exercício do direito de acção e de defesa.
Na verdade, “quer o direito de acção, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respectiva articulação. Deste modo qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando asS... um grau particularmente relevante, é susceptível de comprometer a posição das partes (…) e daí a proibição imposta pelo nº 3” - cfr. Abílio Neto em Breves Notas ao Código do Processo Civil, Ano 2005, pág. 10.
Não obstante, importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspectivação e aplicação inelutável e absoluta, sendo de referir, desde logo, que o cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.
Assim, apenas será de admitir que uma decisão/sentença padeça de nulidade por violação do princípio do contraditório (artº 3º/3 do CPC) quando, e se, a solução seguida pelo Tribunal se desvinculou totalmente do alegado pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjectividade. Ou seja: uma decisão/sentença é susceptível de violar o princípio do contraditório quando o silogismo judiciário seguido não se fundamentar, com um mínimo de aderência, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante a marcha do processo.
Em conformidade com o que se expôs, é de concluir que a violação do princípio do contraditório a que se reporta o artigo 3º/3 do CPC (situação intimamente conexionada com a já acima abordada “Decisão Surpresa”), não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito, nem com a expectativa que elas possam ter acalentado, quanto à decisão a proferir, quer de facto quer de direito.
Pelo que, se os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estão ínsitos ou relacionados com o(s) pedido(s) formulado(s) pelas partes e se situam dentro do geral e abstractamente permitido pela Lei, e foram, de antemão, conhecidos e perspectivados pelas partes como possíveis, pois que discutiram, contestaram e valoraram tais fundamentos, então, não se pode falar de violação do princípio do contraditório (ou de Decisão Surpresa).
No caso em concreto, as partes, ao longo dos seus articulados, perspectivaram e pronunciaram-se sobre todos os factos e sobre todos os fundamentos que sustentam a sentença posta em crise.
Estamos, por isso, perante um caso em que as partes analisaram e pronunciaram-se nos seus articulados, nos termos que entenderam mais adequados, sobre todas as questões sujeitas a julgamento e de acordo com as várias soluções plausíveis de Direito, pelo que a decisão que veio a ser proferida era expectável por qualquer um dos sujeitos processuais, reiterando-se que recaiu exclusivamente sobre factos/direito debatidos pelas partes nas suas peças processuais, sendo sintomático o facto de a AMDS teorizar abundantemente sobre a questão, mas não concretizar qual o “facto” ou qual a “solução de direito” vertidos na sentença que consubstanciam a alegada violação do disposto no artº 3º/3, do CPC, seja enquanto violação do princípio do contraditório, seja enquanto prolação de uma Decisão Surpresa.
Daqui decorre a improcedência das alegações da AMDS relativas à suposta nulidade da sentença por violação do disposto no falado artº 3º/3.
Da alegada oposição entre os fundamentos e a Decisão-
Neste domínio considera a AMDS que se verifica nulidade da sentença sob recurso por oposição entre os “fundamentos” e a decisão, porquanto não pode o Tribunal considerar um acto de adjudicação ilegal em virtude de o júri não ter solicitado à concorrente “esclarecimentos” quanto à apresentação de um “preço anormalmente baixo”, quando esta apresentou, logo na sua Proposta, a respectiva Nota Justificativa.
Importa esclarecer que, ao contrário do que considera a Recorrente/AMDS, a anulação do acto impugnado não teve por fundamento o facto de o júri não ter solicitado à S..., em momento prévio à exclusão da sua Proposta, “esclarecimentos” sobre eventuais pontos da Nota Justificativa do Preço Anormalmente Baixo que se mostrem carecidos de melhor explicação ou maior desenvolvimento.
O que neste particular o Tribunal a quo decidiu foi o seguinte (que é significativamente diferente do que alega a Recorrente): quando as justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pelos concorrentes suscitem dúvidas ao júri em pontos e/ou elementos concretos, o júri não pode excluir essa proposta sem antes solicitar ao concorrente a aclaração daqueles pontos e/ou elementos específicos.
Isso mesmo entendeu o STA no Acórdão de 20/10/2016, proc. 01472/14, de cujo sumário retiramos o seguinte trecho: “V. Em matéria da disciplina do procedimento a desenvolver quanto às propostas que contenham preço anormalmente baixo o nosso regime de contratação pública, fruto da influência comunitária, aponta para uma regra de que a exclusão da proposta apresentada com uma tal anomalia não é automática, sendo necessário que seja dada a oportunidade ao concorrente de justificar o preço apresentado.”
Embora continue: “VI.Tal regime regra mostra-se, todavia, afastado naquelas situações em que o concorrente, conhecendo previamente o liminar de tal anomalia, ainda assim apresenta proposta cujo preço nela aposto é anormalmente baixo e o faz sem instrução com o documento exigido na al. d) do n.º 1 do art. 57.º do CCP, já que tal falha terá de conduzir à sua exclusão, exclusão essa automática e sem necessidade e/ou possibilidade de convite/interpelação para apresentação de esclarecimento e consequente abertura dum subprocedimento contraditório a posteriori destinado a decidir da verificação ou não da anomalia.” (condicionalismo este que aqui se não verifica).
Assim, não se descortina como a situação alegada possa consubstanciar uma suposta oposição entre a decisão proferida e os seus fundamentos.
Com efeito, e como foi já desenvolvido supra (para onde se remete integralmente por razões de economia processual), apenas ocorre nulidade da sentença por contradição/oposição entre os seus fundamentos e a decisão, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja proferido uma decisão oposta à que logicamente deveria ter extraído, condicionalismo esse que não se verifica, de todo, na situação presente.
Como se extrai da sentença acima transcrita, o Tribunal a quo interpretou o disposto nos artsº 57º/1/alínea d), 70º/1/alínea e) e 71º, todos do CCP, no sentido que “a inexistência ou insuficiência dos esclarecimentos relativos ao preço anormalmente baixo só determina a exclusão da proposta em causa se, após solicitação dos elementos justificativos relevantes, o júri considerar que o preço apresentado não é um preço sério ou razoável”; a sentença proferida não colide com este entendimento, pelo que é evidente que não se verifica qualquer oposição entre a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como também já se mencionou, apenas se verifica contradição/oposição entre a decisão e os seus “fundamentos” quando os “fundamentos” invocados pelo juiz conduziriam, num raciocínio lógico-dedutivo, não ao resultado expresso na decisão, mas a um outro diferente daquele.
Desatende-se, por isso esta argumentação da Recorrente AMDS.
Do alegado conhecimento de “questões” de que o Tribunal não podia conhecer-
Alegam as Recorrentes que a sentença sob censura é nula nos termos do disposto no artº 615º/1/alínea d) do CPC, porquanto o Tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento - in casu, as justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pela Autora S... - e que, situando-se esta matéria no campo da discricionariedade técnica da Administração, a mesma é judicialmente insindicável.
Vejamos:
O artº 3º do CPA determina que “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito dentro dos limites dos poderes que lhes foram conferidos e em conformidade com os respectivos fins”.
Tal limitação dos actos da Administração Pública imposta e decorrente do citado preceito visa colocar na esfera do Direito os actos que traduzam ou envolvam uma margem de “liberdade” e de “autodeterminação”.
E se é certo que a Administração Pública está subordinada à Lei, nos termos do princípio da legalidade, também é verdade que a Lei não regula sempre do mesmo modo os actos a praticar pela Administração, pois umas vezes a regulamentação legal é precisa (vinculação) e noutras é imprecisa (discricionariedade).
Porém, o poder discricionário (ou discricionariedade técnica) de que goza a Administração não pode ser exercido de modo “caprichoso” ou “arbitrário”.
Na verdade, a discricionariedade na Administração está limitada de duas formas.
Uma primeira, por intermédio de limites legais, nos quais se incluem:
a adequabilidade subjectiva do comportamento escolhido à realização do fim legal - o interesse público como meta padrão da escolha discricionária - (cfr. artº 266º/1 da CRP);
o princípio da justiça, que se traduz no dever de a Administração harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados (cfr. artº 266º/2 da CRP);
o princípio da imparcialidade (cfr. artº 266º/2 da CRP).
Uma segunda, por força dos limites decorrentes da auto vinculação que a Administração, no âmbito estrito das suas competências, cria com a elaboração de regulamentos externos pelos quais limita a sua própria discricionariedade.
Assim, a actuação da Administração no âmbito da denominada “discricionariedade técnica” está limitada quer pelas normas de competência, quer pelo fim específico visado pela lei na concessão daquela margem de livre decisão.
Nessa medida, a discricionariedade tem por limite interno o fim específico visado pelo legislador, sendo que, para tal limite, importa também considerar, como se aludiu supra, os princípios da imparcialidade, da proporcionalidade e da justiça.
Ora, admite-se (a própria Recorrida o assume) que a apreciação da validade das justificações do preço anormalmente baixo se insere no exercício de poderes que comportam uma margem de discricionariedade, figurando no âmbito daquilo que tradicionalmente se denomina de “discricionariedade técnica”. Tal actividade tem, por princípio, sido considerada jurisdicionalmente insindicável, restringindo-se, nesta sede, os poderes de controlo do Tribunal, conforme vem sendo entendido, à legalidade externa do acto, ao erro grosseiro ou manifesto, à utilização de critério desajustado, ou ao desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa(1).
Assim, temos de concluir que os actos da Administração (e do júri), mesmo quando praticados no âmbito do poder discricionário da Administração (a denominada “discricionariedade técnica”) admitem um controlo jurisdicional que abranja a correcção da interpretação da norma, a verificação dos pressupostos de aplicação da mesma e, bem assim, a observância dos princípios pelos quais se deve pautar a actividade administrativa, mormente, o princípio da proporcionalidade, em termos de se aferir do iter lógico desenvolvido pela Administração na valoração dos elementos da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que estiveram na base da aplicação da norma ao caso concreto, designadamente, aferir se esse percurso padece de erro grosseiro, crasso ou palmar.
Na hipótese vertente não assiste razão à Recorrente, porquanto a actividade desenvolvida pelo júri do concurso na parte sindicada nos presentes autos não se situa no âmbito ou esfera da denominada “discricionariedade técnica”.
Resulta do Relatório Preliminar e do Relatório Final de Avaliação das Propostas que o júri não colocou em causa a “valia técnica” dos fundamentos/justificações do Preço Anormalmente Baixo da Proposta da aqui Recorrida/S..., isto é, o júri não efectuou uma análise com recurso a juízos técnicos ou científicos específicos de natureza extrajudicial.
Na verdade, aquela entidade limitou-se a considerar que os fundamentos/justificações apresentados pela S... não podem ser tomados em consideração, mas, como se disse, sempre sem emitir sobre os mesmos qualquer juízo de natureza técnica ou científica de natureza extrajurídica.
Veja-se:
O júri começou a análise das “justificações” apresentadas pelas S... considerando que:
Com efeito, nenhum dos factores apresentados pelo Concorrente para justificar o preço anormalmente baixo da proposta que apresenta reveste um carácter de excecionalidade que possa justificar o facto do preço total da sua proposta não se compreender dentro do intervalo entre o preço base do concurso e o limiar de preço anormalmente baixo estipulado no artigo 7º do Programa de procedimento - (cfr. último parágrafo da pág. 8 e 1º parágrafo da pág. 9 do Relatório Preliminar de Avaliação de Propostas, posição que se manteve no Relatório Final).
Relativamente ao ponto 2.1 das “justificações” o júri limitou-se a declarar que:
Relativamente ao ponto 2.1 da justificação do concorrente S... para o preço que apresenta, “Prazo de amortização das viaturas superior ao fiscalmente considerado”, não se pode considerar que seja um factor que possa explicar a razão pela qual o preço deste Concorrente é anormalmente baixo, uma vez que é um factor que não incide sobre a forma como o Concorrente se propõe prestar os serviços objecto do procedimento, não introduzindo qualquer elemento excecional nessa prestação de serviços que permita a obtenção de uma poupança a nível dos custos que o concorrente terá que suportar para o efeito - (cfr. penúltimo parágrafo da pág. 9 do Relatório Preliminar de Avaliação de Propostas, posição que se manteve no Relatório Final).
Relativamente ao ponto 2.2, o júri continuou sem emitir qualquer juízo de natureza técnica ou científica de natureza extrajudicial:
Quanto ao ponto 2.2 da justificação do Concorrente S... para o preço que apresenta, “Práticas de operação e manutenção que garantem elevados níveis de desempenho”, não são as mesmas exclusivas deste Concorrente, uma vez que os demais concorrentes também apresentam evidências das melhores práticas neste tipo de serviço - (cfr. último parágrafo da pág. 9 do Relatório Preliminar de Avaliação de Propostas, posição que se manteve no Relatório Final).
Relativamente ao ponto 2.3, o júri manteve-se no mesmo registo:
No que concerne ao ponto 2.3 da justificação do Concorrente S... para o preço que apresenta, “Redução da margem de EBITA”, trata-se de mais um factor que não é passível de justificar o preço anormalmente baixo apresentado por este Concorrente, uma vez que este factor não incide sobre a forma como o Concorrente se propõe prestar os serviços objecto do procedimento, não introduzindo qualquer elemento excecional nessa prestação de serviços que permita a obtenção de uma poupança.
Na verdade, a margem de EBITA não tem sequer relação com os custos incorridos por cada concorrente com a prestação dos serviços objecto do procedimento - (cfr. primeiro e segundo parágrafos da pág. 9 do Relatório Preliminar de Avaliação de Propostas, posição que se manteve no Relatório Final).
Daqui ressalta que o júri nunca emitiu sobre as “justificações” do Preço Anormalmente Baixo apresentadas pela Recorrida qualquer juízo de natureza técnica ou científica de natureza extrajudicial.
Assim, como bem decidiu o Tribunal a quo, trata-se de um argumento jurídico que se reporta não à “valia técnica” dos fundamentos, mas antes e tão só à sua admissibilidade para justificar o preço anormalmente baixo.
Por outro lado, como se referiu, mesmo essas matérias estão sujeitas a sindicância judicial, que abrange, designadamente, a correcção da interpretação da norma, a verificação dos pressupostos de aplicação da mesma e, bem assim, a observância dos princípios pelos quais se deve pautar a actividade administrativa, mormente, o princípio da proporcionalidade, em termos de se aferir do iter lógico desenvolvido pela Administração na valoração dos elementos da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que estiveram na base da aplicação da norma ao caso concreto, designadamente, aferir se esse percurso padece de erro grosseiro, crasso ou palmar.
Acresce que a verificação da causa de “nulidade” prevista no artº 615º/1/ alínea d) do CPC - conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento - que as Recorrentes imputam à sentença recorrida sempre exigiria que estas demonstrassem que o controlo jurisdicional efectuado pelo Tribunal a quo invadiu/violou o espaço de discricionariedade técnica próprio da Administração, o que não ocorreu.
Deste modo não podem acolher-se as alegações das Recorrentes atinentes à suposta nulidade da sentença sob escrutínio por conhecimento de “questões” de que não podia tomar conhecimento.
Da alegada ausência de fundamentos de facto que justificam a Decisão-
A este propósito, consideram as Recorrentes que a sentença proferida é nula, nos termos do artº 615º/1/alínea b) do CPC, por ausência de fundamentos de facto que justifiquem a decisão.
Porém, como passará a expor-se, não lhes assiste razão.
Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade [art.º 615º/1/alínea b) do CPC] é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que, eventualmente, a justificação da Decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Ou seja, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a hipotética insuficiência ou mediocridade da motivação não produz nulidade.
Ora, como a própria AMDS reconhece no artº 138º das suas alegações, a decisão sob escrutínio fundamenta-se nos pontos 8) e 9) dos factos provados, pelo que carece de suporte o apelo à nulidade da sentença por ausência de fundamentos de facto que justifiquem a decisão.
Naturalmente que as Recorrentes podem discordar da concreta fundamentação de facto da decisão sob recurso, ou mesmo da apreciação crítica que da mesma foi feita, mas tal não releva para efeitos de verificação ou existência da nulidade contida no invocado artº 615º/1/alínea b) do CPC, que por isso se afasta.
É certo que as Recorrentes também alegam que se o Tribunal considerou que o júri estava obrigado a solicitar esclarecimentos à concorrente S... quanto ao seu Preço Anormalmente Baixo, então, não podia ter decidido que a Nota Justificativa do Preço Proposto apresentava esclarecimentos e justificações suficientes e bastantes para ser aceite.
Todavia não é esse o sentido da decisão proferida neste domínio.
O que o Tribunal a quo decidiu foi o seguinte: quando as justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pelos concorrentes suscitarem dúvidas ao júri sobre alguns pontos e/ou elementos concretos, então, o júri não pode excluir essa proposta sem antes solicitar ao concorrente a aclaração desses concretos pontos e/ou elementos específicos carecidos de melhor compreensão.
Termos em que improcedem as alegações das Recorrentes relativas à suposta nulidade da sentença sob escrutínio por ausência de fundamentos de facto que justifiquem a decisão.
Da anulação da Sentença por alegada insuficiência da matéria de facto-
Considera a AMDS que a sentença sob recurso não contém todos os elementos de facto necessário à boa decisão da causa, requerendo a modificação/ampliação da matéria de facto mediante a produção de prova testemunhal.
Como decidido por este TCAN, entre outros, no Acórdão de 11/02/2011, proc. 00218/08.8BEBRG, o Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos.
Sucede, porém, que a Recorrente não logrou alegar, e muito menos, demonstrar, qualquer desconformidade manifesta (ou alguma outra) dos factos assentes pelo Tribunal a quo relativamente aos meios de prova existentes nos autos, não tendo também logrado contrariar o conjunto da factualidade dada como provada em função da convicção do julgador.
Por outro lado, a matéria de facto dada por provada nos presentes autos é manifestamente suficiente para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, sendo sintomático a circunstância de a Recorrente não ter impugnado a matéria de facto assente, nem ter indicado quaisquer factos concretos que, na sua perspectiva, devessem ser aditados.
Assim, improcedem as alegações da AMDS relativas à requerida anulação da sentença por suposta insuficiência de material fáctico.
Da alegada violação do princípio da participação-
Considera a Recorrente FCC que a decisão proferida viola o princípio da participação previsto nos artsº 121º do CPA e 147º do CCP.
Afigura-se-nos carecer de suporte.
Com efeito, nos termos do disposto no artº 57º do CPTA, devem ser obrigatoriamente demandados, para além da entidade autora do acto impugnado, os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado.
Assim, na categoria de “Contra-interessado” decorrente do disposto no citado artigo, cabem duas espécies de pessoas; em primeiro lugar, aquelas que são directamente prejudicados pela anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado e, depois, aquelas cujo prejuízo não resulta directamente dessa anulação ou declaração de nulidade, mas que, ainda assim, têm interesse legítimo na manutenção do acto, visto que, se assim não for, verão a sua esfera jurídica ser negativamente afectada.
O que demonstra, como bem advoga a Recorrida, que o conceito de “Contra-interessado” está indissociavelmente associado ao prejuízo que poderá advir da procedência da acção impugnatória para todos aqueles que, de algum modo, estiveram envolvidos na relação material controvertida.
No caso em apreço, a anulação do acto de adjudicação impugnado só acarreta prejuízo para a Entidade que o praticou (a AMDS) e para a Adjudicatária (a FCC), pois que, sendo o critério de adjudicação o do “mais baixo preço”, a Proposta que o apresenta pertence à Autora, ora Recorrida.
Neste contexto, só a adjudicatária FCC é contra-interessada, uma vez que só ela tem um interesse convergente com o interesse da Entidade Demandada, e porque assim é, apenas a contra-interessada FCC pode beneficiar da garantia de “participação” concedida pela Lei.
Ora, visto que a Adjudicatária FCC foi demandada nos presentes autos como contra-interessada, e tem vindo a praticar, nessa qualidade, os actos processuais que, nos termos da lei, entende por convenientes, não se alcança como tenha sido violado o princípio da participação.
Não se acolhe, pois, este segmento recursivo.
E o que dizer dos apontados erros de julgamento de direito assacados à sentença impugnada?
Do invocado erro de interpretação e aplicação dos artsº 57º/1/alínea d); 70º/1, alínea e); e 71º, do CCP-
Segundo as Recorrentes, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artº 71º/3 do CCP, ao ter decidido que quando as justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pelos concorrentes suscitarem dúvidas ao júri sobre alguns pontos e/ou elementos concretos, então, o júri não pode excluir essa proposta sem antes solicitar ao concorrente a aclaração desses concretos pontos e/ou elementos específicos carecidos de melhor compreensão.
Não vemos que assim seja.
O Tribunal a quo foi chamado a apreciar e decidir, como se retira destes concretos pontos da PI (artsº 54 a 59) que a seguir se deixam:
54. Ainda no âmbito da apreciação deste factor justificativo do preço anormalmente baixo, refere o júri que a S... não explica o processo concreto que lhe permite obter as economias anunciadas.
55. Ora, é entendimento da S... que a metodologia inovadora que aplica em matéria de manutenção e operacionalização das viaturas afectas à execução da prestação contratual está suficientemente explicitada no capítulo 8.5.4 da Proposta Técnica.
56. Não obstante, se depois de analisar o referido capítulo, o júri ainda continua com dúvidas relativamente a esta concreta justificação, era seu dever solicitar esclarecimentos ao concorrente nos termos do disposto no art.º 71º, nº 3 do CCP, o qual prescreve que “nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo, sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.”
57. O que o júri não fez.
58. Como decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17 de Fevereiro de 2011 (processo nº 06985/10, consultável em www.dgsi.pt), “(…) sob pena de violação da directiva comunitária (cf. nº 1 do art.º 55º da Directiva nº 2004/18) [intercala-se: cf. art.º 69º, nº 3 da actual Directiva 2014/24], o art.º 71º do CCP deve ser interpretado à luz da jurisprudência Lombardini, [Acórdão do TJCE de 27.11.2001, processo C-285/99 e C-286/99 -Lombardini/Mantovani] no sentido de o seu nº 3 se aplicar, também, nos dois casos previstos no nº 1, quando as justificações anteriormente apresentadas tenham criado na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta”.
59. Neste contexto, em que o júri não aceita esta concreta justificação do preço anormalmente baixo por dúvidas quanto ao processo concreto que permite à S... atingir as poupanças no consumo de combustível que quantifica no já referido “Quadro 2-2 - Cálculo dos Ganhos Decorrentes da Aplicação de Boas Práticas de Operação e Manutenção em Viaturas”, impunha-se-lhe o dever de ter solicitado esclarecimentos à S... tendentes a esclarecer tais dúvidas.
Perante os concretos factos carreados para os autos e dados como provados (cfr. ponto 8 do probatório), a questão de direito que o Tribunal a quo foi chamado a apreciar e decidir é esta:
quando as justificações do preço anormalmente baixo apresentadas pelos concorrentes com a sua proposta suscitarem dúvidas ao júri sobre alguns pontos e/ou elementos concretos, pode o júri excluir de imediato essa proposta sem antes solicitar ao concorrente a aclaração desses concretos pontos e/ou elementos específicos carecidos de melhor compreensão?
Questão que o Tribunal a quo decidiu, e quanto a nós, bem, negativamente.
Como refere João Amaral e Almeida, em “As propostas de preço anormalmente baixo”, Estudos de Contratação Pública III, Coimbra Editora, págs. 143 a 145:
“(…) A segunda situação é a de as justificações apresentadas terem criado na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta. (…) Essas dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta, porque apontam no sentido da sua exclusão, implicam, pois, justificações adicionais ou complementares, destinadas a afastá-las e a revelar ou a manter a seriedade e a congruência da proposta”.
(…) na [nesta] segunda situação deve aplicar o nº 3 do artigo 71º do CCP e solicitar ao concorrente que apresente justificações relativas «aos elementos constitutivos da proposta» que considere relevantes para esse efeito”.
(…) Por isso, sob pena de violação da directiva comunitária (cf. nº 1 do artigo 55º da Directiva nº 2004/18) [intercala-se: cf. art.º 69º, nº 3 da actual Directiva 2014/24], o art.º 71º do CCP deve ser interpretado à luz da jurisprudência Lombardini, no sentido de o seu nº 3 se aplicar também, nos dois casos previstos no nº 1, quando as justificações anteriormente apresentadas tenham criado na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta”.
Também Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, em “Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina 2011, pág. 939, nota de rodapé nº 224 in fine, defendem esta posição escrevendo:
“(…) No caso de esse documento ser apresentado [Nota Justificativa do Preço Anormalmente Baixo] e se suscitarem dúvidas sobre a bondade da justificação, deve a entidade adjudicante solicitar esclarecimentos ao concorrente (…)”.
E, na jurisprudência que adoptou esta doutrina, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do TCA-Sul, de 17/02/2011, proc. 06985/10 “(…) sob pena de violação da directiva comunitária (cf. nº 1 do art.º 55º da Directiva nº 2004/18) [intercala-se: cf. art.º 69º, nº 3 da actual Directiva 2014/24], o art.º 71º do CCP deve ser interpretado à luz da jurisprudência Lombardini, [Acórdão do TJCE de 27.11.2001, processo C-285/99 e C-286/99 -Lombardini/Mantovani] no sentido de o seu nº 3 se aplicar, também, nos dois casos previstos no nº 1, quando as justificações anteriormente apresentadas tenham criado na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta”.
O que está em discussão nos presentes autos não é a situação em que o concorrente, não obstante conhecer já de antemão que o preço da proposta que vai apresentar é anormalmente baixo, designadamente, por o limiar da anomalia constar do CE ou decorrer da aplicação do critério legal, não integra na sua proposta o(s) documento(s) que contenha(m) os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, nos termos do disposto no artº 57º/1/alínea d) do CCP.
Os factos em análise nos presentes autos apresentam-se substancialmente diferentes. Situam-se no contexto em que as justificações do preço anormalmente baixo são apresentadas pela concorrente S..., aqui Recorrida, com a sua proposta, nos termos do disposto no artº 57º/1/alínea d) do CCP, mas, alguns pontos e/ou elementos concretos dessa “justificação” suscitam dúvidas ao júri, colocando-se, neste cenário, a questão de saber (de decidir) se o júri poderia excluir de imediato essa proposta sem antes solicitar ao concorrente a aclaração desses concretos pontos e/ou elementos específicos carecidos de melhor compreensão.
E, como vimos, tanto a jurisprudência como a doutrina convergem no entendimento de que nestas circunstâncias, em que a Nota Justificativa do Preço Anormalmente Baixo (que acompanhou a Proposta) suscita dúvidas ao júri, as Directivas Comunitárias impõem a obrigatoriedade de a Entidade Adjudicante solicitar esclarecimentos ao concorrente relativamente aos concretos pontos e/ou elementos específicos carecidos de melhor compreensão.
Como escreve João Amaral e Almeida, ob. cit., págs. 144/145, nota de rodapé 77, nem se compreenderia que assim não fosse:
“A solicitação de esclarecimentos sobre as propostas, previstas no nº 1 do artigo 72º do CCP, deve ser entendida como um verdadeiro poder-dever. Com efeito, não pode admitir-se que, perante dúvidas, contradições ou faltas de clareza de elementos de uma proposta, o júri pondere se recorre ou não ao mecanismo do art.º 72º. É sua obrigação solicitar os necessários esclarecimentos, pois não faria sentido que o projecto de decisão que lhe cabe elaborar em matéria de análise e de avaliação das propostas não seja um projecto esclarecido sobre o verdadeiro conteúdo e sentido das declarações de vontade que aquelas encerram. Por isso, quando as justificações apresentadas nos termos da alínea d) do nº 1 do art.º 57.º - que fazem parte integrante da proposta - necessitam de ser mais bem compreendidas, impõe-se igualmente ao júri que lance mão daquela faculdade”.
Tendo sido este o entendimento seguido pelo Tribunal a quo, não nos merece censura; o mesmo é dizer que improcedem as alegações das Recorrentes relativas ao alegado erro de interpretação e aplicação dos artsº 57º/1/alínea d); 70º/1/alínea e); e 71º do CCP.
Do erro de julgamento quanto aos “pressupostos de facto”-
No que a este respeita, a Recorrente AMDS considera que se verifica uma contradição entre os seguintes segmentos decisórios:
A decisão de que caso o júri tenha dúvidas sobre alguns pontos ou elementos específicos das “justificações” apresentadas respeitantes ao Preço Anormalmente Baixo ou estas (justificações) se mostrem carecidas de alguma explicação ou aclaração complementar, o júri deve, previamente à exclusão da Proposta, solicitar os respectivos “esclarecimentos” ao Concorrente; e,
A decisão de que a Nota Justificativa do Preço Anormalmente Baixo é apta a demonstrar/justificar o Preço da Proposta pelo que deve a mesma ser aceite e considerada.
Ora, da análise e interpretação destes dois segmentos decisórios nenhuma contradição (ou qualquer outro vício) se descortina.
O senhor juiz decidiu que a Nota Justificativa do Preço Proposto é apta a demonstrar/justificar o Preço Anormalmente Baixo da Proposta da S..., pelo que deve ser aceite e considerada, mas, se o júri teve (ou tivesse tido) dúvidas sobre alguns pontos ou elementos específicos da referida “Nota”, não lhe é (era) lícito excluir a Proposta sem antes solicitar esclarecimentos ao concorrente sobre esses concretos pontos carecidos de aclaração ou explicação complementar.
Estamos perante um raciocínio lógico e congruente, não se alcançado que o mesmo padeça de qualquer contradição ou antinomia, conforme observado pela Autora/Recorrida.
Prossegue a Recorrente AMDS, alegando que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento quanto aos “pressupostos de facto” pois que as “justificações” do Preço Anormalmente Baixo apresentadas pela S... carecem de suporte probatório que permitissem ao Tribunal a quo decidir que as mesmas devem ser aceites e consideradas.
Porém, a AMDS labora em erro pois que o documento da Proposta da S... denominado “Documentos Justificativos Do Preço Anormalmente Baixo - Alínea e), Artigo 16º do Programa do Procedimento” (cfr. factos provados sob os nºs 8 e 9), demonstra, concretiza, e quantifica, com clareza, adequação e suficiência, todas as “poupanças” aí indicadas no valor global de 822.088,45€. Em tal documento a Recorrida começou por demonstrar (ponto 2.1) que consegue uma poupança efectiva de 114 297,06€ nos cinco anos de vigência do Contrato, em resultado de considerar um prazo de amortização das viaturas afectas à execução contratual superior ao regime fiscal.
Tendo presente que os equipamentos, designadamente as viaturas (ligeiras ou pesadas), são bens rentáveis, com uma durabilidade de cerca de 7,5 anos para as viaturas ligeiras e de 15 anos para as viaturas pesadas, a Autora optou por considerar, para efeitos de custos do contrato, o período de vida útil máximo do bem.
Assim, considerou para as viaturas ligeiras um prazo de amortização de 7,5 anos, e para as viaturas pesadas, um prazo de 15 anos.
Esta opção permite diminuir os custos imputados ao contrato em 22 859,41€ por ano, num total de 114 297,06€ nos cincos anos de vigência da Prestação de Serviços, cujo cálculo, por viatura, se encontra demonstrado no “Quadro 2-1 - Cálculo do Diferencial de Custos na Amortização de Viaturas” da pág. 4 do “Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixo”.
Encontra-se ali suficientemente demonstrado que esta diluição dos custos com a amortização das viaturas por todo o seu período de vida útil, que é muito superior à duração da Prestação de Serviços, representa uma redução efectiva, real, dos custos imputados ao contrato, no montante global de 114 297,06€ nos cincos anos de vigência do contrato, valores, estes, que o júri não colocou em causa.
Logo, esta opção da S..., na medida em que lhe possibilita reduzir em 114 297,06€ o montante dos custos a imputar ao contrato, permite-lhe reduzir o valor global da proposta naquele exacto montante. Dito de outro modo: se a S... não tivesse conseguido (por via desta opção) reduzir em 114 297,06€ o montante dos custos a imputar ao contrato, a proposta apresentada seria, naturalmente, 114 297,06€ mais cara.
Esta justificação de o preço total da proposta ser inferior naquele concreto valor é objectiva, está quantitativamente demonstrada e, como tal, não se vê como não manter-se válida.
Seguidamente, no ponto 2.2 do referido Documento da Proposta, a Autora demonstrou que desenvolveu e implementou na sua actividade operacional um conjunto de práticas e procedimentos inovadores no que respeita à manutenção e condução das viaturas afectas à prestação de serviços na sua área de actividade. Estas “boas práticas de operação e manutenção das viaturas” permitem uma redução significativa, e quantificável, do combustível consumido, relativamente à média geral que viaturas deste tipo, não sujeitas àquele regime inovador de operação e manutenção, consomem em serviços idênticos. Por esta via, como resulta do ponto 2.2 do documento da proposta denominado “Documentos Justificativos do Preço Anormalmente Baixo”, a S... consegue uma poupança efectiva de 284 118,64€ nos cinco anos de vigência do contrato.
Esta descreve como esta metodologia inovadora permite aquela redução do consumo de combustível no capítulo 8.5.4 da sua Proposta Técnica (documento que integra o processo administrativo), capítulo para o qual aquele ponto 2.2 expressamente remete, e apresenta, no “Quadro 2-2 - Cálculo dos Ganhos Decorrentes da Aplicação de Boas Práticas de Operação e Manutenção em Viaturas” da pág. 6 do “Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixo” o cálculo dos concretos valores de “poupança” obtidos: 56 823,73€ por ano, o que representa, nos cinco anos de vigência do contrato, um valor total de 284 118,64€.
Esta metodologia inovadora implementada pela S..., que lhe permite obter “poupanças” consideráveis no consumo de combustível das viaturas afectas à execução contratual, está suficientemente explicitada no capítulo 8.5.4 da sua Proposta Técnica (para cujo capítulo o ponto 2.2 do Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixo expressamente remete).
A quantificação daquela “poupança” - em litros por viatura e o correspondente valor em euros - assim como o respectivo método de cálculo está suficientemente demonstrado no “Quadro 2-2 - Cálculo dos Ganhos Decorrentes da Aplicação de Boas Práticas de Operação e Manutenção em Viaturas”.
Afirma a AMDS que o custo do litro de gasóleo considerado nestes cálculos está inflacionado, porquanto, à data da proposta - 4º Trimestre de 2014 - o preço do gasóleo tinha um custo máximo por litro de 1,362€.
Como se salienta nas contra-alegações, a diferença deste preço - 1.362€ - para o preço considerado pela S... - 1.364€ - são 2 cêntimos por litro, diferença que exerce uma influência irrelevante nos cálculos apresentados: menos 83,32€ por ano, a que corresponde menos 416,59€ no total dos cinco anos.
Mais afirma a AMDS que ao dia de hoje o preço do litro do gasóleo oscila entre 1.174€ e 1.226€. Ora, não obstante se desconhecer a fidedignidade destes valores, a verdade é que a Proposta de cada concorrente teve que ser elaborada de acordo com os preços praticados à época, não sendo de somenos referir-se que, sendo o preço dos combustíveis algo tão substancialmente volátil, o raciocínio inverso também é verdadeiro, ou seja, se durante os cinco anos do contrato o preço por litro de gasóleo aumentar para além do preço considerado pela Recorrida, então, o valor da “poupança” alcançada ainda é superior ao valor demonstrado e considerado no referido documento.
Ora se a S... não tivesse conseguido (por via da implementação daquela metodologia inovadora) reduzir em 284 118,64€ o montante dos custos (de combustível) a imputar ao contrato, a proposta apresentada seria, naturalmente, 284 118,64€ mais cara. Esta justificação de o preço total da proposta ser inferior naquele concreto valor é também objectiva e está quantitativamente demonstrada, pelo que não pode deixar de ser considerada como justificação válida do preço anormalmente baixo da proposta.
No ponto 2.3 do referido Documento da Proposta, a S... apresenta a justificação relacionada com a redução da margem de EBITDA habitualmente aplicada.
Tendo presente o actual contexto de crise económica nacional, a S... adoptou, como solução estratégica, alterar a margem de EBITDA (margem antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) a aplicar na sua actividade, reduzindo essa percentagem de 23% para 10%.
Em termos simples pode dizer-se que a margem de EBITDA corresponde a uma determinada percentagem que a S... antecipadamente define como sendo a rentabilidade que pretende obter com aquele contrato.
Da relevância dessa percentagem de margem de EBITDA e dos custos operacionais previstos com a execução da Prestação de Serviços resulta o preço da proposta, sendo que, naturalmente, quanto menor a margem de EBIDTA, menor também o preço da proposta.
Assim, a Recorrida/S..., ao onerar os custos da prestação de serviços com uma taxa de EBITDA menor, abdicando de uma rentabilidade que se reflecte no EBITDA, consegue reduzir o preço do serviço e, consequentemente, o preço da proposta.
Esta redução da margem de EBITDA de 23% para 10% permitiu à S..., como explicitado no ponto 2.3 do já identificado Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixo, reduzir o preço da proposta em 65 180,42€ por ano, o que representa, no cômputo dos cinco anos de vigência do contrato, uma economia no preço total da proposta de 423 672,75€. Ou seja, se a S... tivesse aplicado a esta Prestação de Serviços a margem de EBITDA de 23% que se pode aplicar nesta actividade, e não aquela que efectivamente aplicou, que foi de 10%, o preço da proposta apresentada seria superior em 423 672,75€.
Como decorre do ponto 2.3 do Documento Justificativo do Preço Anormalmente Baixo, a redução da margem de EBITDA aplicada a esta Prestação de Serviços de 23% para 10% representa uma redução efectiva, real, do preço da proposta, em 423 672,75€, valores, estes, que o júri também não pôs em causa. Tal significa que se a S... não tivesse conseguido (por via desta opção) reduzir em 423 672,75€ o preço total do contrato, a proposta apresentada seria, naturalmente, 423 672,75€ mais cara.
Esta justificação de o preço total da proposta ser inferior naquele concreto valor é também objectiva e está quantitativamente demonstrada, pelo que não se vê por que não deva ser considerada como justificação válida do preço anormalmente baixo da proposta.
Invocam as Recorrentes que os “esclarecimentos” apresentados pela S... não integram o leque dos esclarecimentos justificativos admitidos pelo nº 4 do artº 71º do CCP.
Ora, em matéria de justificação do preço anormalmente baixo não vigora um regime taxativo, mas de causas abertas de justificação, tendo as diversas alíneas do artº 71º/4 do CCP um carácter meramente exemplificativo. No dizer do Prof. Mário Aroso de Almeida “O tipo de esclarecimentos que podem justificar o preço anómalo é elencado de modo exemplificativo pelo legislador, por referência a um padrão conceptual de razões justificativas, caracterizado por revelar con­dições singulares, legalmente admitidas, de execução da prestação pelo concorrente”, pelo que é aceitável que a justificação do “preço anormalmente baixo” tenha como base as justificações que a aqui Recorrida apresentou, mormente, a redução da margem de EBITDA, desde que essa margem (taxa de rentabilidade) concretamente aplicada não represente um aviltamento dos preços que justifique cautelas adicionais, designadamente, quanto a um eventual propósito de remeter para a fase de execução do contrato eventuais problemas que possam emergir do preço apresentado ou quanto a uma execução tecnicamente deficiente.
In casu, a margem de EBITDA de 10% concretamente aplicada pela S...
não suscita quaisquer preocupações daquele género, nem o júri alguma vez as invocou.

Do que se deixou dito resulta que as “justificações” do Preço Anormalmente Baixo apresentadas pela S... estão suficientemente explicitadas, demonstradas e quantificadas, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao tê-las aceite e considerado válidas para justificação do preço proposto - cfr. o Acórdão do TCA-Sul, de 23/02/2012, proferido no proc. 08460/12, cujo sumário é do seguinte teor:
-Nem sempre a um preço anormalmente baixo obtido por aplicação do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do CCP, corresponde um preço anormalmente baixo segundo a lógica do mercado;
-Tal situação ocorre, designadamente, quando se constata que o preço base é anormalmente alto, isto é, quando é substancialmente mais elevado que a média dos preços de todas as propostas apresentadas.
-Nessa situação, e sem embargo da aplicação do citado n.º 1 do art.º 71.º do CCP, a diferença entre o mais baixo preço proposto e o preço base não legitima uma conclusão automática de se estar perante uma proposta de preço anormalmente baixo segundo a lógica de mercado;
-Nesse contexto a apreciação das notas justificativas e os esclarecimentos prestados pelos concorrentes deve levar em conta o preço base como critério meramente indicativo, e ainda todas as circunstâncias de ordem técnica, económica, financeira, social, de mercado e mesmo o planeamento de execução da obra ou do fornecimento, que enformam a proposta.
Nessa apreciação o dono da obra não está vinculado a atender exclusivamente aos critérios estabelecidos no art.º 71.º, n.º 4, do CCP, gozando ainda de ampla discricionariedade quanto à aferição da razoabilidade e pertinência dos esclarecimentos prestados, desde que respeite os princípios a que se subordina a contratação pública.

Ora, no âmbito do procedimento concursal que nos ocupa, a Recorrente AMDS deliberou inicialmente não adjudicar qualquer proposta, invocando, como causa, o facto de o critério de desempate (opção pela primeira proposta a ser apresentada) ter sido fixado quando já se encontrava submetida uma proposta. Não obstante esta deliberação ter sido judicialmente impugnada pela aqui Autora S... (processo de contencioso pré-contratual nº 725/14.3BECTB), a AMDS lançou, logo a seguir, o Novo Concurso Público Internacional para “Prestação de [objecto exactamente igual] Serviços de Recolha e Transporte de RSU's para Estação de Transferência, Lavagem e Manutenção de Contentores e Limpeza Urbana, para os Concelhos do Douro Superior”.
O “preço base” do procedimento, quer o relativo ao concurso ora em apreciação (ao diante também denominado “1º concurso”), quer o relativo ao “Novo Concurso” (ao diante também denominado “2º concurso”) é de 4.300.000,00€ [cfr. cláusula 3ª dos respectivos Cadernos de Encargos, com “objectos” absolutamente iguais].
Ambos os concursos (tanto o “1º concurso” como o “2º concurso”) têm o
mesmo período de vigência [cfr. cláusula 4ª dos respectivos CE], o mesmo
objecto contratual [cfr. cláusula 1ª dos respectivos CE], a ser executado por
referência às mesmas quantidades, com os mesmos meios humanos e
técnicos e na mesma área geográfica, pelo que as peças do procedimento (Caderno de Encargos e Programa do Procedimento) destes dois concursos são iguais no seu conteúdo, com excepção do critério de adjudicação e do preço anormalmente baixo.

Neste “Novo Concurso” substituto, que tem o mesmo preço base do primeiro (4 300 000,00€), é (agora) considerado preço anormalmente baixo
o que for 50% (metade) inferior ao preço base, ou seja, inferior a 2
150 000,00€ (cfr. artº 7º do respectivo PP), enquanto no 1º concurso
repristinado pelo Tribunal (o concurso ora
sub judice), é considerado
preço anormalmente baixo o que for apenas 15% igual ou inferior ao
preço base, isto é, igual ou inferior a 3 655 000,00€ (cfr. artº 7º do respectivo PP). Ou seja: muito objectivamente, em condições comparativas de mercado, o “preço-base” (ou preço máximo a oferecer pelos concorrentes) é muito elevado; tanto que se aceitam (se aceitaram no concurso substituto) propostas a ele inferiores até 50%.

De facto, não obstante, estarmos perante dois concursos materialmente idênticos, verifica-se uma diferença abissal no que respeita ao “intervalo” de preços considerados normais: no 1º concurso, uma proposta no valor de 3 655 000,00€ já é uma proposta, à partida, de preço anormalmente baixo, enquanto no 2º concurso só uma proposta de valor inferior a 2150 000,00€ é que é categorizada como proposta de preço anormalmente baixo.
Ora, se ambos os procedimentos concursais, neste caso, separados no tempo por um curto período de cerca de três meses, têm, como se disse, exactamente o mesmo preço base, o mesmo objecto, a ser executado nas mesmas circunstâncias de modo (meios técnicos e humanos), tempo (mesmo período de vigência do contrato) e lugar (mesma área de execução), não se alcança fundamento ou justificação razoável para uma diferença tão significativa no que respeita à fixação do “intervalo” de preços considerados normais. Porque adequadas ao contexto do caso em concreto, atente-se nas seguintes considerações tecidas no citado Acórdão do TCA-Sul, proc. 08460/12: “(…) se houver suficientes indícios de que o preço base do concurso foi mal calculado, não é exigível que em tais circunstâncias se imponha ao concorrente afectado uma explicitação exaustiva do preço proposto nem deve ser imposto ao júri do concurso que adopte uma postura de grande exigência no que concerne às explicações solicitadas.
(…) Além disso, deve ter-se em consideração que nessas circunstâncias os esclarecimentos a prestar pelos concorrentes ou solicitados pelo júri não constituem tarefa fácil, já que se mostra algo difícil esclarecer um preço que é ajustado ao mercado sem cair em generalidades ou lugares comuns, que nada acrescentam à proposta que desejavelmente deve ser auto-explicativa, clara e concisa.
Doutro passo, um preço base anormalmente alto reduz ou elimina mesmo as dúvidas que poderiam pairar sobre a proposta de preço juridicamente anormalmente baixo, quanto à sua seriedade, congruência e vontade de ser cumprida.”
Desta feita e dado que esta questão se cruza com a alegada violação do princípio da separação de poderes e da prerrogativa de avaliação do júri, dir-se-á: nos termos que constam da sentença recorrida, o senhor juiz entendeu que as justificações apresentadas pela Recorrida para o preço anormalmente baixo que apresentou estavam, conceptualmente, de acordo com as disposições legais sobre a matéria e, em consequência desse entendimento e do facto do júri não ter procedido à avaliação técnica dessas justificações, avaliou ele próprio o respectivo conteúdo, decidindo que deviam ser aceites.
Sucede que a actividade de avaliação de propostas apresentadas num concurso público está vedada aos tribunais, por força do Princípio da Separação de Poderes, consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa, que determina que "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa".
Como corolário deste princípio, os tribunais não podem imiscuir-se na actividade das entidades administrativas, as quais, no âmbito da apreciação de propostas em procedimentos concursais, gozam da chamada prerrogativa de avaliação, exercida através da discricionariedade técnica que é competência exclusiva da Administração.
Como refere o Prof. Mário Aroso no parecer junto aos autos pela contra-interessada “É reconhecida a importância do princípio da tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos perante a Administração Pública e, nesse contexto, da garantia da fiscalização jurisdicional dos atos administrativos (artigos 20.° e 268.°, n.° 4, da Constituição). E, em particular, a relevância deste princípio no âmbito do Direito da contratação pública.
Este princípio tem, no entanto, de ser compaginado com o princípio da separação e interdependência de poderes, do qual resulta que a cada um dos complexos organizatórios do Estado cabe um domínio funcional ou de competência reservado. No que respeita ao poder executivo, este domínio concretiza-se na designada reserva da administração, que salvaguarda a existência de um espaço de criação jurídica em que o conteúdo da atuação da Administração não pode ser determinado pelo poder judicial.
É, pois, errada a ideia de que "a garantia constitucional de tutela jurisdicional administrativa implicaria uma revisibilidade jurisdicional sem limites da aplicação administrativa de qualquer passagem da lei"(2).
Pelo contrário, o equilíbrio entre os princípios da tutela jurisdicio­nal efetiva e da separação e interdependência de poderes é alcançado através da imposição de limites funcionais à jurisdição administrativa. Uma vez que a intervenção dos tribunais no julgamento de litígios emer­gentes de relações jurídico-administrativas envolve um juízo sobre a legi­timidade do exercício de uma outra função do Estado, a função admi­nistrativa, têm necessariamente de decorrer do princípio da separação de poderes limites funcionais a esta atividade de fiscalização, de modo a evitar que ela invada o núcleo essencial da função administrativa(3).
O legislador do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) procurou, aliás, garantir o respeito por esses limites funcionais em diversos preceitos, reportados aos momentos processuais em que são maiores as zonas de indefinição e de risco de sobreposição entre as áreas de decisão administrativa e jurisdicional.
Um dos mais importantes é o artigo 71.° do CPTA, que define o âmbito e a extensão dos poderes de pronúncia jurisdicionais no âmbito da ação de condenação à prática de ato devido, prevendo a emissão de sentenças de diferente conteúdo, consoante se esteja perante atos devidos vinculados ou atos devidos que envolvam a "formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa"(4).
Neste conspecto, verifica-se que o elemento essencial para se proceder à delimitação dos poderes de pronúncia do juiz administrativo é o preenchimento do conceito de 'formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa", que, numa aceção ampla, se pode dizer que abrange os espaços de discricionariedade administrativa(5), designadamente aqueles em que a lei confere uma margem de livre apreciação à responsabilidade própria e autónoma da Administração.”
E continua “Pode dizer-se que a margem de livre apreciação administrativa se carateriza pela outorga, pela lei, à Administração de prerrogativas de avaliação valorativa ou de prognose no preenchimento de conceitos normativos, cuja aplicação envolve uma indagação, formada a partir de factos existentes e conhecidos (base da prognose), para, servindo-se de princípios reconhecidos de experiência, se projetar sobre a ocorrência (provável) de um acontecimento futuro(6).
Para que se reconheça a existência de um espaço de livre aprecia­ção da Administração não é suficiente que a resolução autodeterminada de uma concreta situação social se faça através de um juízo valorativo. Exige-se, igualmente, que esta valoração seja própria do exercício da função administrativa. Trata-se de espaços que, no quadro do princípio da separação de poderes, a lei considera adequado reservar para a Administração, em domínios em que entende que ela dispõe de maior ido­neidade funcional para o efeito, em razão da sua estrutura orgânica, res­ponsabilidade política, legitimidade democrática e específicos meios e procedimentos de atuação(7).
Ora, neste enquadramento, uma das figuras técnico-jurídicas que, quer a jurisprudência, quer a doutrina, tendem a integrar nos espaços de livre apreciação administrativa, destinados a ser exercidos autonoma­mente pela Administração, é a chamada discricionariedade técnica.
No seu sentido mais rigoroso, esta expressão designa a atividade valorativa própria do exercício da função administrativa que tem como especificidade o facto de ser fundamentada em regras ou critérios de na­tureza técnica, cuja aplicação a cada caso concreto não dita, objetivamen­te, uma única solução correta, em termos de demonstração irrefutável, mas, pelo contrário, envolve a formulação de avaliações ou prognoses que a lei reserva para a Administração, por entender que ela dispõe de maior idoneidade funcional para o efeito, e que, por isso, não podem ser repetidas pelo juiz, ainda que através do recurso a prova pericial(8).
Com efeito, ao conceder ao agente administrativo prerrogativas de avaliação valorativa ou de prognose no preenchimento de conceitos nor­mativos, "o legislador confia-lhe a 'descoberta', sob responsabilidade ins­titucional administrativa, do sentido de tal juízo; um sentido delimitado mas não determinado por parâmetros jurídicos", que, por isso, não é apre­ensível por modo hermenêutico(9).
Ora, é esta circunstância que explica que os juízos formulados pela Administração no exercício de prerrogativas de avaliação enquadradas no âmbito da discricionariedade técnica, em sentido verdadeiro e próprio, não possam ser repetidos pelo juiz. Em conformidade com o princípio da separação de poderes, o juiz não pode, na verdade, arrogar-se a "última decisão" na aplicação de normas "através das quais o legislador comete à Administração uma concretização baseada num juízo de prognose ou de valoração metajurídica".
….
“….não compete a um tribunal determinar quais os elementos re­levantes a considerar como fundamento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo, nem apreciar, em concreto, da aptidão de cada um deles para relevar como fundamento justificativo da indicação na proposta de um preço mais baixo. Esse é um juízo que só ao júri do procedimento compete, em termos que não podem ser replicados pelo tribunal.”
Retira-se do exposto que, caso se verifique algum erro crasso, grosseiro, palmar, na avaliação efectuada por um júri de um concurso público, o tribunal pode corrigir esse erro, mas se esse mesmo júri não proceder a uma avaliação que devia efectuar, então o tribunal não se pode substituir ao júri, efectuando ele próprio a avaliação que o júri não efectuou.
O que o tribunal pode fazer, neste caso, é determinar que o júri faça aquilo que não fez devendo tê-lo feito, ou seja, que proceda à avaliação que não efectuou.
No caso vertente e como resulta da sentença recorrida, o júri não avaliou tecnicamente nenhuma das três justificações apresentadas pela Autora/Recorrida para o preço anormalmente baixo da sua proposta, tendo considerado que as alegadas poupanças resultantes do prazo de amortização das viaturas superior ao regime fiscal e da redução da margem de EBITDA não constituíam justificações aceitáveis à luz da legislação aplicável e, no que respeita à adopção de práticas inovadoras de operação e manutenção de viaturas, que as mesmas não são exclusivas do concorrente em causa (logo, não são inovadoras) e que tais práticas e supostas poupanças não são explicadas nem concretizadas pela Recorrida. Porém, como também já dito, não questionou os valores exibidos pela Autora.
Ora, sendo certo que o tribunal entendeu não aceitar os argumentos apresentados pelo júri para não avaliar as justificações da Recorrida e tratou de proceder a essa avaliação, violando, desta forma, o princípio da separação de poderes consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa e a prerrogativa de avaliação que é exclusiva do júri, não é menos certo que os argumentos empregues pelo júri se revelaram ténues e imprecisos, de tal modo que não lograram convencer este tribunal.
Por outro lado, como bem advoga a Autora/Recorrida, discricionariedade não se confunde com arbítrio, nem capricho.
Tudo visto e dado que o elevado valor do contrato em causa impõe que se procure a melhor justiça e respeito pelas regras de concorrência, mister é que a actuação do júri, dentro das disposições legais aplicáveis, proceda à avaliação que não foi feita.
Tal segmento recursivo determina a revogação da decisão recorrida.
DECISÃO
Termos em que se concede parcial provimento aos recursos, revoga-se a sentença sub judice, anula-se o acto impugnado, na parte em que excluiu a Recorrida/S..., e ordena-se o prosseguimento do procedimento do concurso para aí serem solicitados esclarecimentos sobre as justificações apresentadas por esta e, após tomada essa decisão sobre as justificações, se ordenarem os (as) concorrentes em conformidade.
Custas pelas Recorrentes e pela Recorrida, na proporção de metade.
Notifique e D.N.

Porto, 16/12/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Rogério Martins
__________________________________________
1 VII. A atividade desenvolvida pelo júri na avaliação das propostas pode corporizar-se não só em operações materiais mas também em operações jurídicas, e comporta momentos que, sob o ponto de vista jurídico, podem ser vinculados ou discricionários.
VIII. O júri do concurso na atividade de avaliação das propostas encontra-se vinculado ao estrito respeito daquilo que são as regras que se prendam com observância de formalidades e garantias procedimentais, das regras disciplinadoras da competência para a emissão de atos, da instrução probatória e fixação de factualidade que funcionem como pressuposto dos atos procedimentais [mormente, da avaliação das propostas e/ou da adjudicação], bem a todos e apenas aos fatores e subfatores densificadores do critério de adjudicação fixado no programa do procedimento ou decorrente de imposição constante de norma legal, não podendo fazer apelo a outros critérios ou a outros fatores/subfatores que não constem daquele programa ou que contrariem disposição legal imperativa, ou sequer atribuir-lhes ponderações e/ou pontuações/classificações diversas daquelas que se mostram fixadas no mesmo programa, ou ainda fazer apelo a sensibilidades, a juízos dubitativos ou assentes em opiniões veiculadas.
IX. O exercício de atividade caraterizada como envolvendo momentos de discricionariedade ou de exercício de poderes discricionários, do domínio da denominada “justiça administrativa”, mostra-se também ele abrangido pela fiscalização jurisdicional, disso sendo exemplos, a ilegalidade por desvio de poder, a admissão da impugnação fundada no erro de facto ou na existência ou inexistência dos pressupostos de facto, na violação dos princípios gerais de direito, na violação de regra de competência, do dever de fundamentação, ou, ainda, na infração do direito de audiência/participação.
X. No estrito âmbito da atividade de valoração e pontuação quanto a cada fator e subfator da grelha classificativa por parte do júri de propostas apresentadas nos procedimentos de contratação pública situamo-nos no domínio dum juízo de discricionariedade técnica, da referida “justiça administrativa”, em termos da livre apreciação sobre a valia das propostas ou da margem de livre apreciação de conceitos jurídicos indeterminados, e, como tal, os limites da sua sindicabilidade contenciosa, não respeitando a aspetos vinculados, mostram-se restringidos às situações de legalidade externa, ao erro grosseiro ou manifesto e/ou ao desrespeito dos princípios gerais que enformam o procedimento em questão e a atividade administrativa em geral.
XI. Constitui “erro grosseiro” ou “erro manifesto” aquele erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de refletir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de atuação não vinculadas - sumário do Ac. do STA de 20/10/2016, já citado.

2 Para mais desenvolvimentos, cfr. SÉRVULO CORREIA, "Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional", in Cadernos de Justiça Administrativa n.° 70, pp. 55 segs.
3 Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 15' ed., Coimbra, 2106, p. 94.
4 Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3' ed., Coimbra, 2010, p. 469.
5 Entendendo-se aqui o conceito de discricionariedade em sentido amplo, englobando quer a liberdade de escolha de resultados jurídicos, quer a liberdade de valoração concedida por certos conceitos indeterminados: cfr. ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, policop., Porto, s/d, pp. 68 e segs.; VIEIRA DE ANDRADE, "O Ordenamento Jurídico-administrativo Português", in Contencioso Administrativo, Braga, 1986, pp. 43 e segs..
6 Cfr. SÉRVULO CORREIA, Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, Lisboa, 2005, pp. 622 e segs
7 Cfr. ANTÓNIO CADILHA, "Os poderes de pronúncia jurisdicionais na ação de condenação à prática de ato devido e os limites funcionais da jurisdição administrativa", in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Coimbra, 2010, p. 186; NUNO PIÇARRA, "A Separação de Poderes na Constituição de 1976", in Nos dez anos da Constituição, Lisboa, 1986, p. 151.
8 Para mais desenvolvimentos, cfr. SÉRVULO CORREIA, "Conceitos jurídicos indetermina­dos e âmbito do controlo jurisdicional", pp. 38 segs..
9 Cfr. SÉRVULO CORREIA, "Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo júris­dicional", p. 39.