Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03057/15.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/16/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:COMPETÊNCIA. IMPUGNAÇÃO DE NORMAS.
Sumário:I) – Está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa, exclusão que sempre abrange o acto formal e materialmente legislativo, norma que, assim, não pode ser apodada de regulamentar.
II) – Ao processo de impugnação de normas previsto no CPTA é de umbilical pertença a norma regulamentar, a que está confinada a competência.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ERP e MJSGR
Recorrido 1:Ministério da Educação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
ERP (Rua …) e MJSGR (Rua …) interpõem recurso jurisdicional de decisão proferida pelo TAF de Braga, em acção administrativa especial intentada contra Ministério da Educação (Avª …), e na qual recaiu declaração de incompetência absoluta.

As recorrentes formulam as seguintes conclusões de recurso:
a) As ora Recorrentes apenas pedem que uma norma – a norma vertida no artigo 42º, nº2 do Decreto-Lei nº 83-A/2014, de 23 de Maio, na 3º alteração introduzida ao Decreto-Lei 132/2012, de 27 de Junho, conjugada com a norma vertida no artigo 10º, nº3, do Decreto-Lei nº 83-A/2014, de 23 de Maio, não lhes seja aplicada, no seu caso concreto.

b) Não está assim em questão qualquer decisão sobre a legalidade da mesma norma mas e tão só a sua aplicação.

c) A declaração de ilegalidade de uma norma com força obrigatória geral pertence ao Tribunal Constitucional, porém no caso concreto não é esse o pedido efectuado pelas Recorrentes.

d) Quer o pedido formulado quer a natureza da relação jurídica entre as Recorrentes e o Ministério da Educação é inequivocamente de direito público, logo diretamente sindicável, pelos Tribunais Administrativos.

e) O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ao declarar-se absolutamente incompetente para apreciar o pedido formulado nos autos, erra sobre os pressupostos de facto porquanto entende que o petitório consiste no pedido de declaração de ilegalidade de uma norma com força obrigatória geral.

f) Tal erro sobre os pressupostos de facto determina a violação de lei na vertente do direito aplicável - artº 73º nº 2 do CPTA bem como o artº 4º nº 1 alínea b) do ETAF :

g) O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ao declarar-se absolutamente incompetente para apreciar o pedido formulado nos autos, erra sobre os pressupostos de facto determinantes da aplicação do direito

h) As Recorrentes vêm pedir que uma norma que lhes é diretamente aplicável, sem dependência de um ato administrativo, geradora de óbvia lesividade, por ilegalidade seja desaplicada ao caso concreto das AA.

i) No caso concreto das Recorrentes, trata-se de uma relação jurídica de direito administrativo, gerida por uma entidade de direito público (pessoa coletiva de direito público) sendo que, inequivocamente, os contratos celebrados ao abrigo desta norma são submetidos ao foro administrativo.

j) Entendem as Recorrentes que a aplicação direta da norma “sub judice” aos seus casos concretos, sendo imediatamente geradora de ilegalidade e lesividade é sindicável pelos Tribunais Administrativos.

k) A aplicação imediata e retroativa desta norma permitiu que os professores por vezes, com mais, de 17 anos de serviço docente sucessivos, fossem obrigados a concorrer na 2ª prioridade do concurso externo nos termos do artigo 10º, nº3 do Decreto-Lei nº 83-A/2014, de 23 de maio, em virtude de não possuírem 5 anos de serviço sucessivo ou 4 renovações.

l) Decorre claramente do pedido formulado a final que, não está em causa o pedido de ilegalidade de uma norma com força obrigatória geral, mas e tão só o pedido da desaplicação da norma ao caso concreto das Recorrentes.

m) O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga é a instância competente para apreciar o pedido das Recorrentes, ao abrigo do artigo 4º nº1 e 73º nº2 ambos do ETAF e do artigo 212º, nº3 da CRP.

O recorrido contra-alegou, concluindo:
I. As recorrentes pretendem impugnar, não uma norma regulamentar, de acordo com o artigo 73°, n°2 do CPTA, nem um ato administrativo, qualquer um que ele seja, mas as normas contidas no n.º 2 do art. 42.º e alínea a) do n.º 3 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, em conjugação com n.º 1 do art. 4.º das disposições transitórias deste último diploma.

II. A jurisdição administrativa é absolutamente incompetente para apreciar as referidas normas legais produzidas ao abrigo da função legislativa.

III. As normas contidas num ato legislativo (produzido por órgão competente ao abrigo da al. a) do nº 1 do art. 198º da CRP, ou seja, pelo Governo no uso da competência legislativa em matérias não reservadas à Assembleia da República), são insindicáveis pelos tribunais administrativos e fiscais.

IV. Nos termos do art. 72.º do CPTA, “a impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objeto a declaração de ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo”.

V. Compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objeto de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF.

VI. Determina a alínea a) do n.º 2 do art. 4.º do ETAF que está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.

VII. Só as normas administrativas («normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo»), e não as normas legais, podem ser objeto de impugnação direta no contencioso administrativo com vista à «declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto» e consequente «desaplicação da norma» ao impugnante, como corolário do disposto nos art. 72° 1., 73° 2. do CPTA e 268° 5. da Constituição.

VIII. A norma que produz efeitos mediatamente, sem dependência de um ato administrativo ou jurisdicional de aplicação, que o lesado pode obter a desaplicação pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto, conforme se prescreve no n.º . 2 do art. 73.º do CPA, é a norma regulamentar, a que se refere o n.º 1 do art. 72.º do mesmo Código.

IX. O que as recorrentes poderiam ter dito, que não disseram, e isso, sim, tornaria a questão controvertida, é que «a norma do artigo 42°, n°2 do Decreto-Lei n° 83-A /2014, de 23 de maio, na 3.ª alteração introduzida ao Decreto Lei n°132/2012, de 27 de junho, conjugada com a norma vertida no artigo 10°, n°3 do Decreto-lei n° 83-A12014, de 23 de maio», afinal não têm natureza legislativa, mas sim natureza regulamentar, ou seja, foram emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo.

X. “à luz do direito positivo vigente, é lei todo o acto que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma a forma de lei”, pelo que, “a declaração de ilegalidade de uma tal norma está excluída da jurisdição administrativa, nos termos do disposto no artigo 4.º, número 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais” (cfr. Acórdão do STA de 5 de Dezembro de 2007, proferido no Processo n.º 01111/06).

XI. E legislativas são, ainda, se passadas pelo crivo de um critério material: consagram volições políticas primárias e têm como parâmetro de validade imediata a constituição e não outra lei. (Vide Jorge Miranda, in “Funções, Órgãos e Actos do Estado”, p. 175).

XII. Quanto ao critério material, pode ler-se no do STA de 16 de Março de 2004, in recurso 1343/03, “Entendendo-se a função legislativa como a actividade permanente do poder político que consiste na elaboração de regras de conduta social de conteúdo primacialmente político, revestindo determinadas formas previstas na Constituição e a função administrativa como o conjunto de actos de execução de actos legislativos, traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades colectivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder político do Estado-colectividade .

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O Exmº Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, dando Parecer de não provimento do recurso, pois que, em suma, «as autoras impugnam uma norma contida em decreto-lei, cuja natureza é inequivocamente “legislativa” e não “administrativa”».
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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A questão em recurso respeita à competência do tribunal administrativo, envolvendo pronúncia quanto à categorização normativa que é alvo de impugnação.
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As circunstâncias:
1º) - As autoras intentaram a presente acção, conforme termos da sua p. i. que aqui se têm em consideração, pedindo a final (cfr. p. i.):
Deve ser declarada ilegal, para efeitos de desaplicação às Autoras, de acordo com o artigo 73º, nº2 do CPTA, a norma do artigo 42º, nº2 do Decreto-Lei nº 83- A /2014, de 23 de maio, na 3ª alteração introduzida ao Decreto-lei nº132/2012, de 27 de junho, conjugada com a norma vertida no artigo 10º, nº3 do Decreto-lei nº 83-A/2014, de 23 de maio, com efeitos circunscritos ao caso concreto, por terem ficado ordenadas na 2ª prioridade - quando deviam ter ficado ordenadas na 1ª prioridade determinante do eventual ingresso na administração pública - da Lista Definitiva de Ordenação de candidatos ao Concurso Externo, do ano escolar de 2015/2016, publicada no dia 19 de junho de 2015, por violação dos artigos 23º, 143º e 148º do Código do Trabalho e 60º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014 de 20 de Junho e artigo 12º do Código Civil, com as consequências legais.”.
2º) - O tribunal “a quo” julgou-se absolutamente incompetente, absolvendo o réu da instância, fundamentando (cfr. decisão recorrida):
«(…)
Da excepção de incompetência absoluta do tribunal
O réu, na respectiva contestação, começa por defender-se sustentando a incompetência da jurisdição administrativa para a apreciação da ilegalidade de normas contidas em diploma legislativo.
As autoras, em resposta, defendem que, por se tratar de norma que lhes é directamente aplicável, sem dependência de um acto administrativo, “geradora de lesividade”, a questão cabe no âmbito da jurisdição administrativa.
Vejamos.
As autoras vêm propor a acção ao abrigo da norma contida no art.º 73.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na qual se estipula:
“Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando os efeitos de uma norma se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, o lesado ou qualquer das entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º podem obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.
Da norma decorre, efectivamente, a possibilidade de circunscrever os efeitos de apreciação de norma ilegal ao caso concreto, em sindicância, por oposição à declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, prevista no n.º 1 do mesmo artigo.
Porém, o objecto do contencioso de impugnação de normas é definido no artigo precedente, onde se estabelece, com pertinência para o caso em apreço:
“Artigo 72.º (Objecto)
1 – A impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objecto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de actos praticados no âmbito do respectivo procedimento de aprovação.
2 – Fica excluída do regime regulado na presente secção a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral com qualquer dos fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa.
Desta norma se retira, com clareza, que o âmbito objectivo deste meio processual se delimita em função da natureza administrativa das normas a sindicar, natureza que deriva justamente do facto de se tratarem forçosamente de normas “emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo”.
Daqui resultaria, desde logo, a exclusão do âmbito deste meio processual da sindicância da ilegalidade das normas que resultem do exercício da função legislativa, ao invés de traduzirem o exercício de poderes administrativos.
Tanto é, não obstante, reiterado pelo teor do art.º 4.º do ETAF, em cujo n.º 2 se exclui do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal “a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de (...) actos praticados no exercício da função política e legislativa” [al. a)].
Compulsados os autos, constata-se que se trata justamente da impugnação de norma contida em decreto-lei, cuja natureza “legislativa”, ao invés de “administrativa” é inequívoca.
De resto, se, por um lado, é notoriamente inviável aferir da conformidade de norma legal com norma legal, de idêntico valor e hierarquia, no âmbito da estrutura normativa constitucionalmente definida [artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa], por outro lado a aferição da respectiva inconstitucionalidade, nos termos em que foi peticionada, é, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 72.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 281.º, n.º 1, reservada ao Tribunal Constitucional.
Tanto se tem afirmado, inequivocamente, em jurisprudência unânime, de que se se cita, ilustrativamente, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.09.2013, proferido no âmbito do processo n.º 01096/13.0BEBRG (disponível em www.dgsi.pt):
“1. A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor.
2. A ilegalidade dos regulamentos consiste sempre na infidelidade deles relativamente à fonte legal.
3. Se estiver em causa a incompatibilidade dessas normas com a Constituição, a análise e decisão desta matéria cabe ao Tribunal Constitucional e não aos tribunais administrativos, conforme resulta do artigo 281º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 72º, n.º2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
4. A apreciação da inconstitucionalidade de normas constantes de diplomas legais que traduzem opções políticas constitui também, nos termos das mesmas disposições legais, matéria excluída da competência dos tribunais administrativos.
5. A simples circunstância de a impugnação de normas, com base em inconstitucionalidades, ter sido deduzida por um número limitado de pessoas ou apenas por uma pessoa, não impede a conclusão de que se trata de uma apreciação de carácter geral e abstracto.
(...).
Não estando em causa norma de natureza regulamentar, desde logo, e mais se pretendendo a sindicância da conformidade constitucional dessas normas, em geral e abstracto (independentemente da pretendida circunscrição dos efeitos ao caso concreto), a matéria encontra-se excluída do âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.
A violação das regras de competência material do tribunal conduz à incompetência absoluta do tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
A incompetência absoluta do tribunal implica a absolvição do réu da instância, o que, por conseguinte, importa declarar.
(…)».
*
O Direito:
Na decisão recorrida afirmou-se a incompetência absoluta do tribunal “a quo” para dirimir o litígio.
Na tese sustentada em recurso, «o pedido das Recorrentes de declaração de ilegalidade, para efeitos de desaplicação às Autoras, de acordo com o artigo 73º, nº2 do CPTA, a norma do artigo 42º, nº2 do Decreto-Lei nº 83-A/2014, de 23 de Maio, na 3º alteração introduzida ao Decreto-Lei 132/2012, de 27 de Junho, conjugada com a norma vertida no artigo 10º, nº3, do Decreto-Lei nº 83-A/2014, de 23 de Maio, com efeitos circunscritos ao caso concreto, por terem ficado ordenadas na 2ª prioridade – quando deviam ter ficado ordenadas na 1ª prioridade determinando o eventual ingresso na administração pública – da Lista Definitiva de Ordenação de candidatos ao Concurso Externo, do ano escolar de 2015/2016, publicada no dia 19 de junho de 2015, por violação dos artigos 23º, 143º e 148º do Código do Trabalho e 60º da lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014 de 20 de Junho e artigo 12º do Código Civil, enquadra-se na jurisdição dos Tribunais Administrativos» (cfr. corpo de alegações).
Posição contrária tem o recorrido.
Duas preliminares observações:
- podemos pacificamente assumir que quando as recorrentes mencionam o “artigo 42º, nº2 do Decreto-Lei nº 83-A/2014, de 23 de Maio, na 3º alteração introduzida ao Decreto-Lei 132/2012, de 27 de Junho, conjugada com a norma vertida no artigo 10º, nº3, do Decreto-Lei nº 83-A/2014, de 23 de Maio”, antes e em rigor se querem referir aos artºs. 42º, nº 2 e 10º, nº 3, do DL nº 132/2012, de 27/06, na redacção dada pelo DL nº 83-A/2014, de 23/05;
- a análise a que aqui se procede tem em conta o CPTA na sua versão anterior ao DL nº 214-G/2015, de 2/10.
Vejamos.
O DL nº 83-A/2014, de 23 de Maio, procedeu à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o regime de seleção, recrutamento e mobilidade do pessoal docente para os estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência.
Da conjugação dos referidos artºs. 42º, nº 2 e 10º, nº 3, na redacção que lhes foi dada pelo DL nº 83-A/2014, de 23/05, resulta que «Os contratos a termo resolutivo sucessivos celebrados com o Ministério da Educação e Ciência em horário anual e completo, no mesmo grupo de recrutamento, não podem exceder o limite de 5 anos ou 4 renovações. […] Os candidatos ao concurso externo são ordenados, na sequência da última prioridade referente ao concurso interno, de acordo com as seguintes prioridades: 1.ª prioridade — docentes que, nos termos do artigo 42.º, se encontram no último ano do limite do contrato ou na 4.ª renovação.».
É esta a normatividade impugnada.
Ao processo de impugnação de normas previsto no CPTA é de umbilical pertença a norma regulamentar, a que está confinada a competência.
Estabelece o art. 72º, nº 1 do CPTA que, “A impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objecto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de actos praticados no âmbito do respectivo procedimento de aprovação”.
Sendo que, no art.º 73º, nº 2, do mesmo Código, “quando os efeitos de uma norma se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, o lesado ou qualquer das entidades referidas no n.º 2 do artigo 9.º pode obter a desaplicação da norma pedindo a declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.”.
[Pelo que, visto o objecto da acção e todo o enquadramento processual para remete, não se alcança como podem agora as recorrentes afirmar, renegando, que “Não está assim em questão qualquer decisão sobre a legalidade da mesma norma mas e tão só a sua aplicação”! Nas não pedem as autoras/recorrentes que “Deve ser declarada ilegal, para efeitos de desaplicação às Autoras”?!; E por que se não aplica?...]
Assim, «Embora o Código não utilize a expressão, as normas que podem ser objecto do pedido de declaração de ilegalidade são apenas as normas administrativas, ou seja, aquelas que sejam emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo. É o que resulta da primeira parte do n.º 1 deste artigo 72.º, assim como do artigo 4.º, n.º 1, alíneas b) e d) do ETAF. Trata-se assim, de normas editadas pela Administração (estadual directa ou indirecta, regional, autárquica), no exercício da função administrativa, com exclusão tanto das normas privadas (…), como de qualquer outras normas públicas (como os actos legislativos – neste sentido, aliás, cfr. artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do ETAF).» - cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., Almedina, 2007, pág. 434. [itálico e sublinhado nossos]
O que imediatamente nos confronta com a regra do art.º 4º, nº 2, a), do ETAF:
2- Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de:
a) Actos praticados no exercício da função política e legislativa;
Nos termos do artº 112° da CRP, os actos normativos dividem-se em duas grandes categorias: os actos legislativos, por um lado, e os actos regulamentares, por outro, comportando cada uma destas categorias várias espécies.
A Constituição inclui entre os actos legislativos não só as leis formais da Assembleia (leis do parlamento, leis formais) mas também os actos normativos editados pelo Governo no exercício de funções legislativas - os decretos-leis; e, reflectindo o sentido de autonomia regional instituída pelo diploma básico de 1976, ligou-se a função legislativa ao exercício de poderes normativos autónomos (competência legislativa autónoma), daí resultando a existência de actos legislativos de âmbito regional: os decretos legislativos regionais.
A articulação de todos estes actos legislativos justifica o sentido formal de lei no ordenamento constitucional português: são leis todos os actos que, independentemente do seu conteúdo, são emanadas pela Assembleia da República, pelo Governo e pelas assembleias legislativas regionais, de acordo com os procedimentos e no exercício das competências legislativas jurídico-constitucionalmente estabelecidas.
A feitura de decretos-leis integra o exercício da função legislativa (cf. artº 198º da CRP).
Como se escreve em Ac. do STA, de 13-07-2016, proc. nº 01051 «a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de que as normas formalmente legislativas emanadas do Governo são havidas como tal, não sendo possível negá-lo a pretexto de que elas seriam materialmente administrativas (cfr. v.g., o acórdão do Pleno do STA, proferido em 7/6/2006 no recurso n.º 1257/05).”».
Claro está, incrustado o qualificativo, perante a dificuldade de distinção material entre normas legislativas e normas administrativas, “ a diferenciação entre actos legislativos do Governo e regulamentos governamentais tende a efectuar-se mediante recurso a um critério formal” (Ana Raquel Gonçalves Moniz, in “Estudos sobre os Regulamentos Administrativos”, Almedina, 2013, pág. 50).
E assim será, na maior parte das vezes, supondo a coincidência de adequação típica entre os procedimentos e instrumentos utilizados na expressão de cada exercício de poder (legislativo/regulamentar).
Porém, e não consagrando a Constituição qualquer domínio de reserva de regulamento, não deixa, então, de se poder questionar qual a possibilidade de controlo dos Tribunais Administrativos e Fiscais quanto a regulamentos sob a forma de lei (ou nela incrustados).
A respeito dos actos administrativos contidos em diploma legislativo, existe pacífico entendimento - com expresso respaldo dos art.ºs. 268º, nº 4, e 52º do CPTA -, que reconhece a sua sindicabilidade contenciosa.
Mas já a respeito do contencioso das normas assim não acontece.
Vasta jurisprudência assinala que “a distinção regulamento e lei só pode fazer-se no plano formal e orgânico”, sendo que, excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função legislativa, no confronto com lei formal sempre cabe tal incompetência (cfr., p. ex., Acs. do STA, de 05-12-2007, proc. nº 01111/06, de 31-01-2012, proc. nº 0901/11; Ac. do TCAN, de 02-02-2012, proc. nº 00007/10.0BCPRT).
Também na doutrina Mário Aroso de Almeida partilha que «só por referência a aspectos orgânicos e formais parece possível estabelecer a destrinça entre lei e regulamento. Na síntese feliz de Diogo Freitas do Amaral, pode, na verdade, dizer-se que, à luz do direito positivo vigente em Portugal, é “lei todo o ato que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma a forma de lei, ainda que […] contenha disposições de carácter regulamentar; é regulamento todo o ato dimanado de um órgão com competência regulamentar e que revista a forma de regulamento, ainda que seja independente ou autónomo, e por conseguinte inovador”» (in “Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, Almedina, 2014, pág. 94).
Sem hesitação, sumaria-se no Ac. do STA, de 09-10-2014, proc. nº 0951/14 : «III - Não há regulamentos sob forma legislativa».
Ao encontro, «vem assumindo também conceituada doutrina, no sentido de que os «actos normativos» inseridos em diplomas legislativos perdem a natureza de normas administrativas e passam a ter natureza de normas legais [ver, a respeito, M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira, in CPTA Anotado, Almedina, 2004, página 66; José C. Vieira de Andrade, in Autonomia Regulamentar e Reserva de Lei, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Rodrigues Queiró, página 13] - Ac. do STA, de 03-11-2016, proc. nº 0972/14.
«Quando a lei prescreve que a impugnação é das normas ao abrigo de “disposições de direito administrativo”, está a assinalar o que lhes é essencial, a sua marca genética, enquanto preceitos emitidos ao abrigo da constelação de regras jurídicas que definem o carácter e preenchem o conteúdo da função administrativa. É o direito administrativo que estrutura juridicamente aquela função, pelo que aquelas normas são emitidas a coberto, ou com fundamento em normas de direito administrativo.» - Mário Jorge Lemos Pinto, in Impugnação de Normas e Ilegalidade por Omissão no contencioso administrativo português, Coimbra Editora, 2008, pág. 145.
Sublinhe-se que a Constituição não estabelece qualquer definição material de acto legislativo, mas exclusivamente uma sua definição assente em critérios orgânicos e formais - Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira (1993) "Constituição da República Portuguesa, Anotada", 3ª edição revista, Coimbra Editora, p. 502 e Diogo Freitas do Amaral (2003) "Curso de Direito Administrativo", Almedina, Vol. II, p.166-169.
Na dogmática constitucional não deixa de ser lembrado o seu sentido material, assinalando que as leis consagram volições políticas primárias e têm como parâmetro de validade imediata a constituição e não outra lei (Vide Jorge Miranda, in “Funções, Órgãos e Actos do Estado”, pág. 175).
E a jurisprudência reconhece que «(…) ... Lei em sentido material não é apenas a lei enquanto investida de generalidade. Tem de ser, um acto da função política, sujeito imediatamente à Constituição. Sem a opção subjacente, sem a ponderação prospectiva do interesse geral, sem a visão ampla da comunidade política, não existe lei. Nem há lei sem a discricionariedade inerente à actividade política, a actividade criativa, a iniciativa livre que ela pressupõe.
Em suma, a lei é o meio de acção essencial do poder sobre a vida social. Com a lei trata-se de programar e promover pelas suas prescrições uma ordem político-social, trata-se de legitimar e normalizar, juridicamente, uma política global do Estado. (…)». - Ac. do STA, de 23-09-2003, proc. nº 01087/03, citando Ac. de 29/5/01, proferido no recurso n.º 44 688.
Como, p. ex., se faz notar em Ac. do STA, Pleno, de 19-03-2015, proc. nº 0949/14, «o Pleno deste Supremo já firmou entendimento de que estamos em presença de ato materialmente legislativo quando o ato jurídico impugnado introduziu na ordem jurídica uma opção primária e inovadora, tendo como parâmetro de validade a Constituição e não outra lei, e isso “independentemente de saber se essa materialidade se exprime com carácter geral e abstrato, visando destinatários determináveis ou indetermináveis ou através de uma determinação individual e concreta” (…) Aliás, como afirma M. Aroso de Almeida, “a materialidade do ato legislativo não se confunde com o carácter geral e abstrato das determinações nele contidas”, sendo que, se pese embora e por regra, a “intencionalidade própria da função legislativa se tenda a exprimir na emissão de regras de conduta, de carácter geral e abstrato” também “é verdade que é frequente o fenómeno da aprovação de atos legislativos, que embora exprimam uma opção política primária, inovadora, introduzem uma ou mais determinações de conteúdo concreto”, pelo que “o exercício da função legislativa só tendencialmente se concretiza na emanação de normas gerais e abstratas” já que “decisiva é a intencionalidade do ato, o facto de introduzir opções políticas primárias” e “quando isso suceda, temos um ato materialmente legislativo, ainda que as opções nele contidas tenham conteúdo concreto” (…)».
Ora, no caso sub judice, é bastante claro que a norma aqui impugnada emerge do exercício «daquela função livre e criativa que é a função legislativa estadual» (Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador, Coimbra, 1988, 293).
E no sentido de perscrutar da dita “intencionalidade, bastará atentar em breve passagem do preâmbulo do DL nº 83-A/2014, de 23/05:
«(…)

A visão valorativa do corpo docente assume especial destaque nos conteúdos expressos nas alterações introduzidas pelo presente decreto-lei.

As mudanças registadas permitem, a partir duma visão prospetiva das necessidades do sistema educativo, ter uma resposta anual para a contratação externa e quadrienal para ajustamentos internos, sem prejuízo de, justificadamente, poder haver lugar à sua antecipação.

O Governo, ciente de que os professores constituem um corpo decisivo na preparação e formação das gerações atuais e vindouras expressa através do presente decreto-lei, de modo acrescido, o empenho no reforço da sua valorização laboral, e na definição clara das necessidades do sistema a partir da análise da duração do vínculo temporário, conferindo assim, a necessária estabilidade laboral.

É também introduzido um novo olhar sobre a identificação das necessidades permanentes, construído a partir da constatação de que, no final de cinco anos letivos, o docente que se encontrou em situação contratual em horário anual completo e sucessivo, evidencia a existência de uma necessidade do sistema educativo, abrindo lugar no quadro docente do Ministério da Educação e Ciência através do mecanismo concursal externo para o quadro de zona pedagógico onde a necessidade se materializou.

(…)».

Efectivamente, teve ampla divulgação a discussão política sobre a matéria do vínculo do pessoal docente contratado, sobre a qual se clamou a adopção de uma intervenção legislativa que pudesse inovar na ordem jurídica; tema a que as autoras/recorrentes também se referem, desfilando a sua situação profissional, rematando que «Culminou esta situação na norma constante do artigo 42º, nº2 do Decreto Lei nº 83-A/2014, de 23 de maio, denominado, na gíria “norma travão”.» (art.º 26º da p. i.).
Assim, a despeito de melhor elucidação quanto à questão de fundo a respeito dos poderes de controlo de normas administrativas contidas em lei, logo realça que tratando-se, no caso, de acto formal e materialmente legislativo, e como é de hipótese pacífica, o conhecimento de litígios que o tenham por objecto está excluído do âmbito da jurisdição administrativa, nos termos do artigo 4º, nº2, alínea a), do ETAF.
Como sublinha Vieira de Andrade, e no que está vedado por força da Constituição, esta é uma “zona vermelha”, a da «impugnação directa de actos típicos de outras funções estaduais, designadamente, de actos da função política (pelo menos daqueles que não sejam actos do Governo), de normas editadas no exercício da função legislativa (incluindo as constantes de decretos-leis) e de actos de natureza jurisdicional (que não sejam os dos próprios tribunais administrativos)» (in “Reforma do Contencioso Administrativo, O Debate Universitário (Trabalhos preparatórios), Coimbra Editora, 2003, vol. I, pág. 127).
Donde, e nestes termos, cabe reconhecer a incompetência ratione materiae do tribunal “a quo”, para conhecer do pedido que lhe foi dirigido e dos seus fundamentos, como era o caso da invocada inconstitucionalidade.
[Consome qualquer relevância ao modo como na decisão recorrida se situou a possibilidade de tal invocação, ponto que as recorrentes se abalançam a contrariar quando fazem notar que tudo gira em torno de pedido de desaplicação de norma (imediatamente operativa) no caso concreto - e não declaração de ilegalidade com força obrigatória geral -, e que a seu ver não veda essa possibilidade; pudesse assim ser, ou acontecer - o que desde logo e a montante implicaria saber se estaríamos perante norma imediatamente operativa -, mais não fica que a possibilidade em tese (que, diga-se, encontra apoio de doutrina e jurisprudência)]
Pelo que, sob esta fundamentação, se confirma a declaração de incompetência.

*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelas recorrentes, pagando cada uma as suas.

Porto, 16 de Dezembro de 2016.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Sousa