Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00813/12.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:: PEDIDO DE RENOVAÇÃO DA LICENÇA DE USO E PORTE DE ARMA TIPO B1, ARTIGO 14º, Nº 1, C), DA LEI 5/2006, DE 23 DE FEVEREIRO, COM A REDACÇÃO CONFERIDA PELA LEI Nº 12/2011, DE 27/04
Sumário:I-A Administração limitou-se a indeferir o pedido de renovação de licença tendo por base os processos crime pelos quais o Autor vinha indiciado, sem sequer haver sido condenado, concluindo que por tal razão o Autor não possui temperamento, serenidade e ponderação;

I.1-discricionariedade não é sinónimo de arbítrio, pois, constituindo ela, embora, uma peculiar maneira de aplicação de normas jurídicas, encontra-se vinculada a regras de competência, ao fim do poder concedido, a variados princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, sem excepção, ao princípio da legalidade, mesma na vertente de reserva de lei;

I.2-de igual forma, o erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão é relevante no exercício de poderes discricionários, pois que a livre apreciação pretendida pelo Legislador ao conceder aqueles poderes pressupõe a veracidade dos factos em que a decisão se baseia;
I.3-é o que se entende por momento vinculado do acto discricionário - a constatação dos factos realmente ocorridos e/ou relevantes.

II-A sentença não atendeu a factos relevantes para a boa decisão da causa, apesar de os mesmos serem parte fulcral do petitório e argumentação do aqui Recorrente;

II.1- a sentença recorrida foi proferida sobre a informação do processo nº 25011/2009 do Comando Distrital de Braga, Polícia de Segurança Pública e concordando com o seu teor, nela se louvou, recolhendo os seus termos e fundamentos, tendo tal decisão se baseado em pressupostos insuficientes já que ignorando e desprezando a posição do Autor. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
C. instaurou acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos contra o COMANDANTE DA POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA (…)/MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, ambos melhor identificados nos autos, pretendendo a anulação do respectivo despacho, datado de 30 de janeiro de 2012, que lhe indeferiu o pedido de renovação da licença de uso e porte de arma tipo B1, com fundamento em que não estariam preenchidos os requisitos previstos no art.º 14º, nº 1, c), da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, com a redacção conferida pela Lei nº 12/2011, de 27.04.
Mais pediu que o Tribunal condene o Réu a conceder-lhe a sobredita licença.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
I. O ora recorrente não se conforma com a decisão de indeferimento da renovação da licença de uso e porte de arma,
II. é certo que a decisão recorrida se baseou única e exclusivamente no facto de existirem processos crime contra o ora recorrente,
III. O que com a alteração à lei se exclui, pelo que, a idoneidade deve ser verificada caso a caso,
IV. Ao não proceder desta forma o tribunal de primeira instância violou o disposto no nº 2 do artigo 14º da lei 5/2006 e fez uma interpretação materialmente inconstitucional de tal normativo por violação do artigo 30º da CRP
V. O autor na sua causa de pedir reporta-se à falta de verificação dos pressupostos em que o ato impugnado assenta - a sua falta de idoneidade,
VI. Referindo que é pessoa idónea, não existindo qualquer perigosidade em renovar a licença de uso e porte de arma,
VII. Existem elementos suficientes nos autos que permitem concluir que o ora recorrente é pessoa idónea para o uso e porte de arma,
VIII. A sentença ora recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronuncia na medida em que não faz qualquer menção aos factos invocados pelo ora recorrente para fundamentar a sua pretensão, não os tendo apreciado.
IX. Limitou-se exclusivamente a valorar a existência dos processos crime contra o ora recorrente,
X. Demonstrou o ora recorrente estar preenchida a condição prevista na alínea c) do artigo 14º da lei 5/2006 de 23 de fevereiro,
XI. O tribunal a quo concluiu que a decisão tomada pela administração foi proferida no âmbito dos seus poderes discricionários, podendo dessa forma não conceder a licença desde que fundamente que essa seja a melhor solução no caso concreto,
XII. No entanto a administração não fundamentou de forma alguma que a não renovação da licença de uso e porte de arma é a melhor solução no caso concreto,
XIII. Julgou mal o tribunal a quo ao entender que a administração decidiu com base nos seus poderes discricionários,
XIV. Os poderes discricionários estão também vinculados a variados princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação,
XV. Não foi pela administração ao indeferir o pedido de renovação de licença de uso e porte de arma respeitados tais princípios, razão pela qual o tribunal a quo deveria ter anulado o despacho proferido,
XVI. O erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão é relevante no exercício de poderes discricionários, pois que a livre apreciação pretendida pelo legislador ao conceder aqueles poderes pressupõe a veracidade dos factos em que a decisão se baseia,
XVII. Não atendeu a sentença a factos relevantes para a boa decisão da causa, factos alegados pelo recorrente,
XVIII. A sentença proferida concordando com o teor do despacho proferido pelo comandante da polícia de segurança publica, tendo aceite os seus termos e fundamentos, fez uma incorreta interpretação quer do texto constitucional, quer do CPA, quer dos princípios jurídicos supra referidos,
XIX. Pelo que padece a sentença proferida de erro ao entender que a decisão de indeferimento não enferma de vicio de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
Nestes termos e nos melhores de direitos aplicáveis, deverá a sentença recorrida ser revogada em conformidade e ser anulado o despacho proferido pelo Comandante da Polícia de Segurança Publica de Braga, datado de 30 janeiro de 2012 renovando assim a licença de uso e porte de arma, com todas as legais consequências.
É o que se pede e se espera desse Tribunal, assim se
fazendo Justiça.

O Réu não juntou contra-alegações.

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1. O A. requereu ao réu a renovação da licença de uso e porte de arma de tipo B1 través do NPL nº 25011/2009;
2. No decorrer do procedimento administrativo apurou-se que contra o aqui Autor corriam termos os processos-crime com os NUIPC n.º(s) 1570/07.8PBGMR; 1426/07.4PBGMR; 1069/07.2PCGMR; 1446/07.9PBGMR e 263/09.6PAVNF.
3. Nos sobreditos processos o autor estava indiciado por:
i. No Processo NUPC n.º 1570/07.SPBGMR: Em 26 de Novembro de 2007, a ex-companheira do aqui Autor, dirigindo-se a sua residência para ir buscar a filha de ambos, veio a ser ameaçada por aquele com as seguintes frases: "vou-te foder o focinho, não tenhas duvidas disso", reforçando tal ameaça estendendo o braço direito";
ii. No Processo NUPC n.º 1426/07.4PBGMR: Em 06-11-2007, recebeu uma chamada telefónica do aqui Autor ameaçando-a com a seguinte frase: "vou-te foder o focinho; ... ponho-te numa cadeira de rodas ou mando-te para o cemitério'';
iii. No Processo NUPC n.º 1069/07.2PCGMR: Em 07-11-2007, não ter respeitado o estipulado no processo de regulação do poder paternal, entregando a sua filha até as 20H00, tendo-o feito pelas 23H00, quando a sua ex-companheira se dirigiu a sua residência acompanhada de um elemento policial;
iv. No Processo NUPC n.º 1446/07.9PBGMR: Em 20 -11-2007, ter ameaçado a sua ex-companheira através de uma chamada telefónica, proferindo o seguinte: "(...) sabes o que vai acontecer, vais levar um balázio nos cornos ....
Já sabes que tens um caso na família que por ser puta levou um balázio nos cornos ... "
v. No Processo NUPC n.º 263/09.6PAVNF: Em 24-03-2009, o aqui Autor, após ter entregue a sua filha a ex-companheira na residência desta, começou a dar murros e pontapés na porta do prédio de forma a coagir e amedrontar a participante.
4. A PSP de Braga elaborou projecto de indeferimento da renovação de licença de arma de fogo Tipo B1, com fundamento na falta de idoneidade do Autor em deter ou usar armas de fogo.
5. No âmbito do procedimento Administrativo, o projecto de decisão foi notificado ao Autor, para fins de audiência prévia, tendo o A. usado de tal faculdade;
6. A PSP emitiu então decisão de indeferimento da licença de arma de fogo Tipo B1, com os fundamentos constantes da decisão em crise, datada de 30.01.2012, conforme consta do processo administrativo, de fls. 31 e 32 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que acolheu a leitura do Réu.
Atente-se no seu discurso fundamentador:
O Autor pretende que este tribunal anule o despacho do Comandante da PSP de Braga, datado de 30 de Janeiro de 2012, que lhe indeferiu o pedido de renovação da licença de uso e porte de arma tipo B1, com fundamento em que não estariam preenchidos os requisitos previstos no art.º 14º, nº 1, c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção conferida pela Lei nº 12/2011, de 27.04.
O Autor entende que o acto em questão incorre no vício de violação de lei, uma vez que o considera inidóneo sem que tenha sido condenado por qualquer dos crimes pelos quais se encontra indiciado e que se prendem com alegadas difamações e ameaças, alegadamente perpetradas contra a sua ex-companheira e mãe da sua filha menor, Teresa Lima de Araújo Carvalho.
Mais alega que, sendo gerente de uma empresa, se desloca de Norte a Sul de Portugal com avultadas quantias em dinheiro, incorrendo em “iminente e grave risco para a sua integridade física”.
Ora bem:
Nos termos do disposto no art.º 3º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o contencioso administrativo é apenas de legalidade. Cumpre saber se o réu violou a lei ou incorreu em algum vício que inquine o acto praticado.
A Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (Regime Jurídico das Armas), alterada pela Lei nº 12/2011, de 27 de Abril, estabelece, nomeadamente, o regime jurídico relativo a detenção e uso e porte de armas.
Um dos objectivos que se pretendeu com esse diploma foi regular toda a actividade relacionada com armas, com especial ênfase para as armas de fogo, dado a sua potencial perigosidade.
Dispõe o art.º 14.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro:
"1 - A licença B1 pode ser concedida a maiores de 18 anos que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Se encontrem em pleno uso de todos os direitos civis;
b) Demonstrem carecer da licença por razões profissionais ou por circunstâncias de defesa pessoal ou de propriedade;
c) Sejam idóneos;
d) Sejam portadores de certificado médico, nos termos do artigo 23.º;
e) Obtenham aprovação em curso de formação técnica e cívica para o uso e porte de armas de fogo.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 30.º da Constituição e do número seguinte, para efeito de apreciação do requisito constante da alínea c) do número anterior é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras razões devidamente fundamentadas, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão.
3 - No decurso do período anterior à verificação do cancelamento definitivo da inscrição no registo criminal das decisões judiciais em que o requerente foi condenado, pode este requerer que lhe seja reconhecida
a idoneidade para os fins pretendidos, pelo tribunal da última condenação.
4 - A intervenção judicial referida no número anterior não tem efeitos suspensivos sobre o procedimento administrativo de concessão ou renovação da licença em curso.
5 - O incidente corre por apenso ao processo principal, sendo instruído com requerimento fundamentado do requerente, que é obrigatoriamente ouvido pelo juiz do processo, que decide, produzida a necessária prova e após parecer do Ministério Público.
6 - Os pedidos de concessão de licenças de uso e porte de arma da classe B1 são formulados através de requerimento do qual conste o nome completo do requerente, número do bilhete de identidade, data e local de emissão, data de nascimento, profissão, estado civil, naturalidade, nacionalidade e domicílio, bem como a justificação da pretensão.
7 - O requerimento referido no número anterior deve ser acompanhado do certificado de aprovação para o uso e porte de armas de fogo da classe B1.” (negrito, itálico e sublinhado é sempre nosso)
No caso concreto, apesar de o autor aparentemente preencher os demais critérios
previstos nº 1 do artº 14º, acima transcrito, tendo em atenção os factos pelos quais estava indiciado o autor, nomeadamente as ameaças proferidas contra a vida da sua ex-companheira, entendeu o Comandante da PSP que aquele não reunia a idoneidade que lhe foi administrativamente reconhecida aquando da concessão da referida licença.
Ora:
O autor não alega, sequer, que a Administração tenha incorrido em qualquer erro grosseiro ou manifesto na apreciação que fez, apenas diverge do entendimento propugnado pela mesma, visto não ter ainda sido condenado por qualquer dos crimes pelos quais se encontra indiciado e que se prendem com difamações e ameaças, alegadamente perpetradas contra a sua ex-companheira e mãe da sua filha menor, T..
Mais alega que, sendo gerente de uma empresa, se desloca de Norte a Sul de Portugal com avultadas quantias em dinheiro, incorrendo em “iminente e grave risco para a sua integridade física”.
No entanto, tal como acima já se havia adiantado, ainda que nesta última parte possa preencher o requisito previsto no artº 14º, nº 1, b), segundo o réu, não preencherá, pelo menos, o previsto na alínea c).
Efectivamente, da leitura do nº 1 do artº 14º acima transcrito, resulta claro que a expressão "pode" indica que se trata aqui de um poder/dever de cariz discricionário; a Administração não conceder a licença requerida, caso entenda, fundamentando-o, que essa seja a melhor solução no caso concreto.
Neste caso, a Administração entendeu faltar ao autor o requisito expresso no art. 14.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, explicando o porquê dessa sua decisão.
Aludindo à discricionariedade, inerente à competência para concessão da licença em questão, diz-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 19-02-2013:
“1. Na redacção actual da Lei n.º 5/2006, a condenação em pena de prisão superior a um ano, pela prática de crime doloso, com uso de violência é susceptível de, por si só, indiciar falta de idoneidade para a concessão da licença de uso e porte de arma de caça, exigindo-se que esta circunstância indiciante, autonomizada normativamente pelo seu peso e significância, englobe os três requisitos cumulativos enunciados.
2. No entanto, passaram a ser ainda susceptíveis de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença «outras razões devidamente fundamentadas».
3. A condenação pela prática de crimes dolosos ou negligentes, mesmo que cometidos sem uso de violência e a que não corresponda pena superior a um ano, podem constituir factor atendível de ponderação e, concretamente, integrar essas «outras razões devidamente fundamentadas».
(…)”
Neste caso, entende este tribunal que o autor, pela própria argumentação que apresenta, não logrou por em causa avaliação efectuada pelo Comandante da PSP de Braga sobre a sua idoneidade, pelo que a mesma não merece qualquer censura, porque proferida em observância do desiderato ínsito ao regime legal de que aqui nos ocupamos (Regime Jurídico das Armas) e sopesando os interesses subjacentes à decisão de renovação da licença requerida.
Do que acima se expôs, conclui-se também que, consequentemente, não poderá proceder a pretensão do A. de ver condenado o Réu à prática de acto que lhe confira a licença em causa.
X
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim:
Discute-se na presente lide a anulação do despacho datado de 30 de janeiro de 2012, proferido pelo Comandante da Polícia de Segurança Pública de Braga/Ministério da Administração Interna, que indeferiu o pedido de renovação da licença de uso e porte de arma tipo B1, com fundamento em que não estariam preenchidos os requisitos previstos no artigo 14º, nº 1, al. c) da lei 5/2006 de 23 de fevereiro com a redação conferida pela lei 12/2011 de 27.04.
Vejamos:
Por ato proferido pelo Comandante da Polícia de Segurança Pública de Braga, de 30 de janeiro de 2012, indeferiu o pedido de renovação de licença de uso e porte de arma tipo b1. Confrontado com esta decisão o ora Recorrente propôs a competente ação administrativa especial, na qual pugnou pela anulação da decisão de indeferimento do pedido de renovação de licença de uso e porte de arma.
Apesar de toda a factualidade alegada pelo Recorrente foi considerado como assente que:
-o Autor requereu ao réu a renovação da licença de uso e porte de arma tipo B1 através do NPL nº 25011/2009,
-no decorrer do procedimento apurou-se que contra o aqui Autor corriam termos os processos crime com os NUIPC nº 1570/07.8PBGMR, 1426/07.4PBGMR, 1069/07.2PCGMR, 1446/07.9PBGMR e 263/09.6 PAVNF,
-a PSP de Braga elaborou projeto de indeferimento da renovação de licença de arma de fogo tipo B1, com fundamento, na falta de idoneidade do Autor em deter ou usar armas de fogo,
-no âmbito do procedimento administrativo, o projeto de decisão foi notificado ao Autor, para fins de audiência prévia, tendo o autor usado de tal faculdade,
-a PSP emitiu decisão de indeferimento da licença de arma de fogo tipo B1, com os fundamentos constantes da decisão em crise, datada de 30.01.2012.
Ou seja, com base nesta factualidade, o Tribunal a quo considerou que o Autor apenas diverge do entendimento propugnado pela Administração, visto não ter ainda sido condenado por qualquer dos crimes pelos quais se encontra indiciado e que se prendem com difamações e ameaças alegadamente perpetradas contra a sua ex-companheira e mãe da sua filha menor.
Considerou não estar preenchido o requisito previsto no artigo 14º, nº 1, alínea c) da lei 5/2006 de 23 de fevereiro com a redação conferida pela lei 12/2011 de 27 de abril, considerando ainda que a Administração entendeu faltar ao Autor o requisito expresso no artigo 14º, nº 1, al. c) da apontada lei 5/2006, explicando o porquê da sua decisão.
Na óptica do Recorrente a sentença recorrida assenta em erro.
Cremos que lhe assiste razão.
Com efeito, o Autor na sua causa de pedir reporta-se à falta de verificação dos pressupostos em que o ato impugnado assenta - a sua falta de idoneidade.
Sustentou o erro nos pressupostos de facto avançando que é pessoa idónea, não existindo qualquer perigosidade em renovar a licença de uso e porte de arma.
O ato proferido considerou que os comportamentos do Autor reportados nos processos nº 1570/07.8PBGMR, 1426/07.4PBGMR, 1069/07.2PCGMR, 1446/07.9PBGMR, 263/09.6PAVNF revelam a sua falta de idoneidade para a detenção, uso e porte de arma, requisito previsto no artigo 18º, nº 5, al. c e 14º nº 1, al. c da lei 5/2006 de 23 de fevereiro, existindo receio que as armas licenciadas possam ser utilizadas na prática de crimes.
Ora, conforme alegado, os referidos processos pelos quais o ora Autor foi denunciado datam na maioria do ano de 2007, sendo que à data da decisão de indeferimento - janeiro de 2012 -, nunca o Autor havia utilizado a arma para a prática de crimes.
Considerando o ato em crise que o Autor não possui temperamento, serenidade e ponderação que devem caracterizar todo e qualquer portador de arma de fogo, certo é que existem elementos nos autos que permitem concluir que o Autor é pessoa idónea para o uso e porte de arma, nomeadamente de que já é detentor da licença de uso e porte de arma há mais de 17 anos, nunca foi alvo de qualquer procedimento ou processo por uso indevido de arma, tendo ainda referido que é pessoa idónea e que nenhuma das denúncias efetuadas e motivadoras do indeferimento do pedido de renovação da licença são verdadeiras.
Os processos crime são todos intentados pela sua ex-companheira, com quem se debateu por vários anos judicialmente com questões relacionadas com as responsabilidades parentais da filha menor de ambos, em virtude da mãe o tentar impedir de exercer as suas funções de pai, motivo pelo qual propositadamente procedia às respectivas denúncias.
Acrescente-se que, embora denunciado pela prática de crimes de violência doméstica, não resulta demonstrado nos autos que o Autor tenha sido “condenado por crime de maus tratos ao cônjuge ou a quem com ele viva em condições análogas, aos filhos ou a menores a seu cuidado”.
Conforme referiu o Autor não se trataram os processos em causa de crimes de violência domestica, mas sim de crimes de ameaça ou difamação, não sendo nenhum deles tão pouco crime de ofensa à integridade física simples.
O Tribunal a quo não faz qualquer menção aos factos invocados pelo ora Recorrente, não os tendo simplesmente apreciado e valorado, limitando-se exclusivamente a valorar a existência dos processos crime contra o mesmo.
Ora, para efeitos de apreciação do requisito de idoneidade estabelecido na alínea c) do artigo 14º, nº 1
Artigo 14.º
Licença B1
1 - A licença B1 pode ser concedida a maiores de 18 anos que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Se encontrem em pleno uso de todos os direitos civis;
b) Demonstrem carecer da licença por razões profissionais ou por circunstâncias de defesa pessoal ou de propriedade;
c) Sejam idóneos;
d) Sejam portadores de certificado médico, nos termos do artigo 23.º;
e) Obtenham aprovação em curso de formação técnica e cívica para o uso e porte de armas de fogo.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 30.º da Constituição e do número seguinte, para efeito de apreciação do requisito constante da alínea c) do número anterior é suscetível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras razões devidamente fundamentadas, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão.
, refere o seu nº 2 que, sem prejuízo do disposto no artigo 30º da CRP é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outras ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão.
Assim, a aplicação de medida de segurança ou uma condenação em pena de prisão superior a um ano, pela prática de crime doloso, com uso de violência é susceptível de, por si só, indiciar falta de idoneidade, ou seja, constitui presunção de inidoneidade.
Logo, a condenação pela prática de qualquer crime já não permite, por si só e sem mais, indiciar desde logo a falta de idoneidade; exige-se a ponderação de outras quaisquer razões que no caso, justificadamente, possam influir na decisão.
Certo é que se demonstrou que o Autor não foi condenado em pena superior a 1 ano de prisão, pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, pelo que se demonstra preenchida a condição prevista na alínea c) do artigo 14º, nº 1 da lei 5/2006 de 23 de fevereiro.
Ficou, pois, demonstrado que as condutas consideradas como fundamento para a decisão de indeferimento do pedido de renovação de licença de uso e porte de arma - a saber ameaças e injurias à ex-companheira denunciadas por esta nos processos crime referidos não se enquadram em qualquer dos fundamentos determinantes do indeferimento da renovação da licença de uso e porte de arma.
De facto, e ao contrário da sentença proferida, o Autor alega que a Administração incorreu em erro na apreciação que fez, invocando factos demonstrativos da sua idoneidade.
A Administração entendeu não conceder a licença requerida com fundamento na falta de idoneidade do ora Autor para deter, usar ou portar armas de fogo de acordo com o regime previsto no artigo 14º, nº 2 do novo regime jurídico das armas e munições, aprovado pela lei 5/2006 de 23 de fevereiro alterada pela lei 12/2011 de 27 de abril, o que fundamentou tendo em conta os processos pelos quais o Autor vinha denunciado.
Concluiu ainda o Tribunal a quo que a decisão proferida pela Administração foi tomada ao abrigo de um poder/dever de cariz discricionário, com base no qual a administração caso entenda não conceder a licença pode fazê-lo desde que fundamente que essa seja a melhor solução no caso concreto, o que não fez.
Limitou-se a indeferir o pedido de renovação de licença tendo por base os processos crime pelos quais o Autor vinha indiciado, sem sequer haver sido condenado, concluindo que por tal razão o Autor não possui temperamento, serenidade e ponderação. Tendo o Tribunal a quo considerado que a decisão proferida não merece qualquer censura, porque proferida em observância do desiderato ínsito ao regime jurídico das armas e sopesando os interesses subjacentes à decisão de renovação da licença requerida.
E continuando: é, pois, um acto produzido no exercício de poderes discricionários.
Porém, como advogado, discricionariedade não é sinónimo de arbítrio, pois, constituindo ela, embora, uma peculiar maneira de aplicação de normas jurídicas, encontra-se vinculada a regras de competência, ao fim do poder concedido, a variados princípios jurídicos como a igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, a regras processuais e ao dever de fundamentação, sem excepção, ao princípio da legalidade, mesma na vertente de reserva de lei.
De igual forma, o erro sobre os pressupostos de facto subjacentes à decisão é relevante no exercício de poderes discricionários, pois que a livre apreciação pretendida pelo Legislador ao conceder aqueles poderes pressupõe a veracidade dos factos em que a decisão se baseia.
É o que se entende por momento vinculado do acto discricionário - a constatação dos factos realmente ocorridos e/ou relevantes.
Ora, a sentença não atendeu a factos relevantes para a boa decisão da causa, apesar de os mesmos serem parte fulcral do petitório e argumentação do aqui Recorrente.
A sentença recorrida foi proferida sobre a informação do processo nº 25011/2009 do Comando Distrital de Braga, Polícia de Segurança Pública e concordando com o seu teor, nela se louvou, recolhendo os seus termos e fundamentos, tendo tal decisão se baseado em pressupostos insuficientes já que ignorando e desprezando a posição do Autor.
Em suma:
- a decisão recorrida ao decidir de acordo com aquela informação não fez uma correta interpretação, quer do texto constitucional, quer do CPA, referente ao dever de fundamentação dos atos administrativos, pelo que padece de erro ao entender que a decisão proferida pelo Comandante da PSP de Braga de indeferimento da renovação da licença de uso e porte de arma não enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto;
- as objeções feitas à sentença recorrida têm consistência suficiente para afetar a sua correção e validade e, como tal, comprometem a sua manutenção na ordem jurídica.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se procedente a acção, com todas as legais consequências, designadamente, condenando-se o Réu a conceder-lhe a sobredita licença.
Custas pelo Réu e, nesta sede, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.

Notifique e DN.


Porto, 29/5/2020


Fernanda Brandão
Helder Vieira
Helena Canelas (vencida conforme declaração em anexo)

VOTO VENCIDO:
Voto vencida, já que confirmaria a sentença recorrida pelas seguintes razões essenciais: i) a entidade demandada considerou que o requerente não era idóneo, e fundamentou essa sua decisão; ii) o ato está fundamentado e o fundamento tem cabimento legal, na medida em que a falta de idoneidade não se limita à condenação penal com trânsito em julgado, podendo ser outros fundamentos a justificá-la, conduzindo, assim, à recusa da licença de uso e porte de arma; iii) cabendo à Administração, em exercício de discricionariedade, aferir da idoneidade do requerente, e não se mostrando haver erro grosseiro na avaliação que fez, não deve o Tribunal substituir-se no ajuizamento da idoneidade do requerente condenando a entidade administrativa a atribuir a licença de uso e porte de arma.