Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00467/20.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/03/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS; AFASTAMENTO COERCIVO DO TERRITÓRIO NACIONAL; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; NULIDADE;
ARTIGO 1º, N.ºS 1 E 2, DO DECRETO-LEI N.º 252/2000, DE 16.10;
N.º 1 DO ARTIGO 163º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO;
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA; AUDIÊNCIA PRÉVIA; ARTIGO 148º DA LEI Nº 23/2007, DE 04.07; FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO; VALIDADE; EFICÁCIA.*
* SUMÁRIO ELABORADO PELO RELATOR
Sumário:1. Por regra, a falta de fundamentação apenas conduz à anulação do acto e não á declaração de nulidade, tendo em conta o princípio geral de invalidade dos actos consagrada no n.º 1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo.

2. Um acto está devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido da decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto ou a sua impugnação.

3. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é um órgão de polícia criminal que tem como um dos “objectivos fundamentais controlar a circulação de pessoas nas fronteiras, a permanência e actividades de estrangeiros em território nacional” – artigo 1º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16.10.

4. No exercício das funções que a lei lhe atribui, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras averigua a situação de facto que invocam os pretendentes, como é aqui o caso, à concessão de asilo ou de residência por protecção subsidiária. Essa averiguação de facto, enquanto órgão de polícia criminal, faz parte daquilo a que se costuma designar por “discricionariedade técnica”.

5. E no campo da “discricionariedade técnica” é entendimento pacífico o de que a conduta da Administração é insindicável, salvaguardados os casos de erro grosseiro, uso de critérios manifestamente desajustados ou desvio de poder.

6. No caso de estrangeiro em situação irregular o direito de audiência prévia, em processo movido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, não se concretiza da forma genérica prevista nos indicados preceitos do Código de Procedimento Administrativo, mas na forma especial prevista no artigo 148º da Lei nº 23/2007, de 04.07.

7. Esta formalidade cumpre-se quando o visado é ouvido no procedimento administrativo, lavrando-se o correspondente “Auto de Declarações”.

8. A falta de notificação da decisão de afastamento coercivo ao mandatário da visada neste procedimento não afecta a validade do acto, menos ainda constitui nulidade por preterição de direito fundamental, porque a notificação é externa e posterior ao acto, afectando apenas a sua eficácia. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D.
Recorrido 1:Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

D. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo de Braga pela qual foi indeferida a providência cautelar requerida pela ora Recorrente contra a Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para suspensão de eficácia do despacho da ora Recorrida, de 20.02.2020, pelo qual foi determinado o afastamento coercivo da Requerente do território nacional pelo período de três anos, devendo abandonar este mesmo território no prazo de 10 dias, contra o Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Invocou para tanto, em sínteses, que a decisão recorrida errou ao julgar não verificado o requisito fumus boni iuris pois o acto suspendendo está afectado, no seu entender, do vício de erro nos pressupostos de facto e de direito e de vícios susceptíveis de determinar a sua nulidade, em concreto, a falta de fundamentação a falta de audiência prévia e a falta de notificação do seu mandatário.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Notificada deste parecer, a Recorrente veio reiterar, no essencial, a posição assumida no recurso.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. Cumpre, antes de tudo, mencionar que, a aqui Recorrente não aceita, de modo algum, a Decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga,

II. Que julgou improcedente a Providência Cautelar deduzida pela Recorrente, com fundamento no não preenchimento cumulativo do requisito do “fumus boni iuris”.

III. Em virtude de tal improcedência, e dado que a Recorrente, não se conforma com a Decisão, interpõe, aqui e agora, o presente Recurso Jurisdicional, iniciando pela análise do pressuposto da Providência Cautelar por si deduzida.

IV. Como é consabido, a ora Recorrente, intentou uma Providência Cautelar de Suspensão da Eficácia da Decisão proferida, em 28 de Fevereiro 2020, pela Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

V. A qual foi determinou o seu afastamento coercivo de Território Nacional, por um período de 04 (quatro) anos e de abandono do Território Nacional no prazo de 10 dias, nos termos do preceituado Artigo 146.º e seguintes da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, vulgo Lei dos Estrangeiros.

VI. Tal Decisão, desprovida de fundamento lógico-jurídico, teve como fundo, tão só e apenas, o facto de, supostamente, a Recorrente, permanecer em situação irregular em território nacional, conforme previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 134.º do referido diploma legal.

VII. Sem que algo o fizesse prever, por Sentença datada de 23 de Abril de 2020, veio, o Tribunal a quo julgar, erradamente, improcedente o presente Processo Cautelar,

VIII. Por entender, o que não se concebe de modo algum, que o pressuposto do “fumus boni iuris” não se encontra preenchido.

IX. Acontece porém que, a aqui Recorrente, discorda, como é obvio de tal Decisão, por ser, claramente e a todas as luzes, desprovida de qualquer fundamento legal ou factual.

X. Ora, estipula o n.º 1 do art.º 120.º do Código Processo dos Tribunais Administrativos, que as providências cautelares são adotadas “quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.

XI. Nessa conformidade, importa alegar que, a ora Recorrente, considerou que, se verificava, no caso sub judice, o preenchimento do requisito consagrado nesta norma, para que a solicitada Providência Cautelar de suspensão fosse decretada,

XII. Por outra, a Recorrente, considerava que o requisito consagrado do “fumus boni iuris”, ou seja, a procedência da pretensão a formular no processo principal, se encontrava preenchido,

XIII. Porquanto, durante toda a actuação do Requerido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, se verificaram atitudes abusivas, ficando cabalmente demonstrado que o Acto Administrativo é todo ele inquinado por vícios de violação de lei e por erros grosseiros sobre os pressupostos de facto.

XIV. Com esse propósito, a Requerente, carreada de razão factual e legal, imputou à Decisão proferida pela Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, vários vícios.

XV. Sucede, porém, que, contrariamente ao que seria expectável, atendendo toda a conduta ilegal e inconstitucional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Tribunal a quo julgou, erroneamente, improcedente a Providência Cautelar de Suspensão da Eficácia do Acto Administrativo,

XVI. Por considerar, inadequadamente, que não se verificam os vícios suscitados pela Requerente,

XVII. E em consequência, o preenchimento do requisito do “fumus boni iuris”.

XVIII. Face ao exposto, há que concluir que não pode, nem deve, a aqui Recorrente aceitar tal infundada Decisão por parte do Tribunal recorrido,

XIX. Pelo que, intenta o presente Recurso Jurisdicional, que com toda a certeza, V/Exas. Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte, julgarão procedente, revogando a Sentença recorrida, fazendo como sempre, inteira Justiça Material.

XX. Relativamente à falta de fundamentação do Acto Administrativo suscitada pela Recorrente, a Sentença do Tribunal a quo, entende que a mesma conheceu as premissas e os motivos determinantes do conteúdo resolutório do Acto Administrativo,

XXI. Pelo que, considera que não se verifica o vicio da falta de fundamentação e, consequentemente, a nulidade do Acto Administrativo.

XXII. Dessa forma, a Sentença do Tribunal a quo, considera indevidamente que o Requerido, Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, deu a conhecer à Requerente o Acto Administrativo suspendendo com fundamentação de facto e de direito suficiente.

XXIII. Mais uma vez, com o devido respeito, não pode a Recorrente deixar de mencionar que a Sentença recorrida, carece de total razão fáctica e jurídica, padecendo de vicissitudes várias.

XXIV. A este propósito, é importante realçar que a Decisão de Afastamento Coercivo de cidadã estrangeira, alegou, infundadamente e sem qualquer meio probatório, que a Requerente, ora Recorrente, se encontrava em permanência irregular em Território Nacional,

XXV. A desenvolver a atividade de alternadeira/prostituição no estabelecimento de diversão noturna “Residencial (...)”,

XXVI. Local esse, conotado com a Prática do alterne e da prostituição.

XXVII. A surpreendente conclusão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, também adoptada pelo Tribunal a quo, surge na sequência de uma acção de fiscalização levada a cabo por elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteira e da Polícia de Segurança Pública, junto do Estabelecimento noturno supra mencionado.

XXVIII. Dessa forma, importa destacar que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, crê que a Requerente, ora Recorrente, exercia alterne naquele estabelecimento comercial, somente porque, supostamente, a mesma, acedeu “ao respetivo quarto localizado numa área de acesso codificado e vedado a clientes desacompanhados, local onde guardava os pertences pessoais, mudas de roupa e os respetivos documentos”.

XXIX. Sucede, porém, que, olvidou-se o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e seguidamente a Sentença ora recorrida, de atender ao facto de a Requerente, no momento que ocorreu a ação de fiscalização, encontrar-se sozinha, junto do Bar do respetivo estabelecimento, a beber um café,

XXX. Não estando acompanhada, nem tampouco a exercer a atividade de alterne, como quis transparecer a tese da Decisão de afastamento coercivo, proferida pela Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

XXXI. Ainda a esse propósito, urge a necessidade de realçar que a Requerente, após ser injustificadamente detida pelos inspetores do Requerido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, deslocou-se à sua casa, com o propósito de pegar nos documentos e pertences pessoais,

XXXII. Demonstrando, totalmente, que não se encontrava a residir na “Residencial (...)” conforme alega o Requerido no Processo de Expulsão.

XXXIII. Nessa conformidade, e atento toda a factualidade supra exposta, não se compreende, a Decisão de Afastamento Coercivo da Recorrente,

XXXIV. Uma vez que, para além desta se encontrar, única e exclusivamente, a usufruir de um momento de lazer, num bar como tantos outros,

XXXV. Sendo cidadã brasileira, não se apercebeu do que estava a ocorrer em seu redor ou do alcance dos procedimentos adoptados, dado que não tinha conhecimento da conotação do Estabelecimento supra identificado.

XXXVI. Isto tudo a revelar, de modo claro e a todas as luzes, que é mais do que evidente a ausência de prova que sustente a alegada atividade de alterne da Requerente, bem como a Sentença proferida pelo Tribunal a quo,

XXXVII. Na medida em que, não existe qualquer meio probatório ou qualquer indício real, que permita concluir, sem margem para dúvidas, que a Recorrente se encontrava a prostituir-se no Estabelecimento Comercial “Residencial (...)”.

XXXVIII. Isto a significar que, salvo melhor opinião, o Acto Administrativo de Afastamento Coercivo, encontra-se indevidamente fundamentado de facto e de direito,

XXXIX. Tendo, inelutavelmente, como consequência legal, nulidade do Acto Administrativo proferido.

XL. Nessa conformidade, há que concluir, que no caso sub judice existiu, claramente e a todas as luzes, erro manifesto do Tribunal recorrido ao considerar que a falta de fundamentação não consubstancia a nulidade do Acto Administrativo,

XLI. Porquanto, é mais do que lógica a assunção que a Sentença ora Recorrida, não tem qualquer fundamento válido, quer do ponto de vista fáctico, quer do ponto de vista jurídico.

XLII. Por tal circunstancialismo, deve ser revogada a Sentença recorrida, como V/Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, com toda a certeza decidirão, fazendo como sempre inteira justiça material.

XLIII. Ainda a esse propósito, importar realçar o previsto na alínea a) do n°1 do artigo 152° do Código do Procedimento Administrativo,

XLIV. Dado que, prevê que carecem de ser fundamentados todos os actos que “...neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções.”

XLV. Por essa razão, o Acto Administrativo de Afastamento Coercivo emanado pela Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, deveria conter, obrigatoriamente, a referida fundamentação, de acordo com o n.º 1 do artigo 153. ° do Código de Procedimento Administrativo.

XLVI. O que não sucedeu.

XLVII. Em virtude de tal preterição, é indubitável a insuficiência, quer factual, quer legal, da fundamentação da Decisão de Afastamento coercivo,

XLVIII. Atendendo que estamos perante uma manifesta e clara falta de fundamentação, conforme consta do nº2 do Artigo 153.º do Código de Procedimento Administrativo.

XLIX. Ora, perante tal factualidade, é lógica a assunção que a falta de fundamentação inquinou o Acto Administrativo de nulidade,

L. Já que, ofendeu, inelutavelmente, o conteúdo essencial de um direito fundamental (Artigo 161º n.º1 al. d).

LI. Mas para além disso, configura pedra angular de todo o procedimento administrativo tal exigência de fundamentação, pois, mais do que uma exigência legal, é uma exigência constitucional nos termos do estabelecido no n°3 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa.

LII. Razão pela qual, o acto praticado, mais do que nulo, é inconstitucional.

LIII. E diz-se que, o Acto Administrativo emanado pelo Requerido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, mais do que nulo é inconstitucional, uma vez que o é de mais do que uma forma,

LIV. Desde logo da primeiramente apontada, e que respeita à directa falta de fundamentação, mas de igual forma pela consequência que resulta dessa falta de fundamentação e que se traduz no desrespeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (n°1 do artigo 266° da Constituição da República Portuguesa) e na desobediência à Constituição e à Lei a que estão subordinados.

LV. Isto a significar, claramente e a todas as luzes, que a essencialidade da fundamentação, enquanto elemento do Acto Administrativo, advém, inclusivamente, e antes de mais, de consagração constitucional nos termos do disposto no n°3 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa.

LVI. Mas igualmente consagrada na lei geral, relativamente a todos os actos que “...neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções.” – cfr. alínea a) do n°1 do artigo 152° do Código do Procedimento Administrativo,

LVII. Devendo tal fundamentação constar obrigatoriamente do acto - cfr. artigo 153° do Código de Procedimento Administrativo.

LVIII. Conforme preceitua o n.º 3 do Artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, todos os actos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos carecem de fundamentação, com transposição para a lei geral (artigo 152°, n°1, alínea a) Código de Procedimento Administrativo),

LIX. Razão pela qual, de acordo com o Artigo 153° do Código de Procedimento Administrativo, a fundamentação deve constar obrigatoriamente do Acto,

LX. Constituindo, assim, elemento de tal Acto Administrativo, e elemento essencial face à obrigatoriedade da sua existência.

LXI. Não obstante, e por outro lado, a falta de fundamentação, particularmente no Actos
Administrativos em causa, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental,

LXII. Porquanto, é uma manifesta violação de um dos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa: O Direito à Informação – conforme preceitua o n.º 1 do Artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa.

LXIII. Nos casos de obrigatoriedade de fundamentação do Acto Administrativo, como acontece no Acto de Afastamento Coercivo, existe o Direito Fundamental à Informação,

LXIV. No sentido de que todos têm o direito a ser informados (artigo 37°, n°1 da Constituição da República Portuguesa),

LXV. Especificamente, sobre a fundamentação relativa ao Acto Administrativo em que a mesma é obrigatória (artigo 268°, n°3 da Constituição da República Portuguesa) com vista ao cabal esclarecimento da motivação do Acto.

LXVI. Ora, na verdade e no que ao Acto Administrativo aqui em apreço diz respeito, é importante referir que clara e grave falta de fundamentação, colocou, a aqui Recorrente, numa posição diminuta em relação aos seus direitos de defesa,

LXVII. Porquanto, somente conheceu o sentido desfavorável da Decisão de Afastamento Coercivo, e não os elementos necessários para aquilatar se podia ou não impugnar.

LXVIII. Dessa feita, a inequívoca violação do Direito à Informação, configurou facto impeditivo para a Recorrente,

LXIX. Que com tal violação, deixou de poder exercer os seus direitos de defesa, na posse de todos os elementos necessários para tal.

LXX. Nessa conformidade, é mais do que lógica a assunção de que o presente Acto Administrativo configurou um Acto, amplamente, violador dos direitos de defesa da aqui Recorrente,

LXXI. Ficando, dessa forma, claramente, e sem margem para dúvidas, preenchido o requisito de “fumus boni iuris” para o decretamento da Providência Cautelar.

LXXII. Por essa razão, e em virtude de tudo o supra alegado, deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgando procedente, sendo revogada a Sentença ora recorrida, conforme V/Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, com toda a certeza decidirão, fazendo como sempre a acostumada justiça material.

LXXIII. De seguida, importa referir que, a Sentença ora Recorrida, no que concerne à preterição da Audiência Prévia por parte do Requerido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, entendeu que na situação em apreço, o Direito de Audiência mostra-se inútil,

LXXIV. Porquanto, considera que o Direito de Audiência consubstancia um acto de natureza meramente formal, sem quaisquer consequências face ao sentido da decisão a proferir.

LXXV. Ainda a esse propósito, a Decisão proferida pelo Tribunal a quo considera que “o Tribunal pode recusar o efeito invalidante resultante da omissão da realização de audiência prévia se o Acto tiver sido proferido no uso ou exercício de poderes vinculados e se puder, num juízo de prognose póstuma”,

LXXVI. Dito de outra forma, conclui que a Decisão Administrativa impugnada era a única concretamente possível.

LXXVII. Desprovida de fundamento legal válido, a Sentença recorrida considera que o Direito dos Interessados a serem ouvidos uma vez concluída a instrução e antes de ser tomada a decisão final, não possui a natureza jurídica de direito fundamental,

LXXVIII. Concebendo que, constitui, única e exclusivamente, um mero um princípio estruturante da atividade administrativa,

LXXIX. Sendo que, conforme destaca o no n.º 1 do Artigo 121 do Código de Procedimento Administrativo, a obrigação de realização de Audiência dos Interessados se mostra condicionada pela não verificação de nenhuma das situações previstas no referido Artigo 124º do Código de Procedimento Administrativo, este com epigrafe “Dispensa de audiência dos interessados”.

LXXX. In casu, Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga considera, erradamente, que o Acto objeto de suspensão de eficácia foi precedido da realização de Audiência Prévia,

LXXXI. Dado que, a Requerente, ora Recorrente, foi notificada e ouvida presencialmente para tomada de declarações, tendo-se pronunciado da forma que entendeu sobre as questões em causa e que fundamentaram o sentido do acto administrativo emitido,

LXXXII. Aliás, de modo incompreensível e atípico, a Sentença de que agora se recorre, estabelece que, mesmo que a Requerente não fosse notificada para o a Audiência Prévia, o que aconteceu, ou não se tivesse pronunciado,

LXXXIII. Conhecia, de igual modo, na integra o Acto Administrativo, uma vez que era um acto totalmente vinculado ao regime jurídico constante da Lei nº 27/2007, de 4 de Julho,

LXXXIV. Razão pela qual, a Entidade Demandada não poderia, nos termos da lei aplicável, emitir Acto Administrativo com outro conteúdo face ao exercício pela Requerente de uma atividade remunerada em território nacional sem ser titular de qualquer título que legitimasse a sua residência e trabalho no mesmo.

LXXXV. Perante tal infundada e aberrante conclusão, com o devido respeito, não pode a Recorrente, de qualquer modo, aceitar a Decisão do Tribunal a quo,

LXXXVI. Porquanto, tal inusitada conclusão, no que concerne à Audiência da Interessada, vai claramente ao total arrepio da lei, sendo, totalmente, desprovida de fundamento factual e jurídico.

LXXXVII. Ora, prevê o art.º 148.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, no âmbito do Procedimento Administrativo de Afastamento Coercivo, que deve ser assegurada a audição da pessoa contra a qual foi instaurado o processo, garantindo, dessa forma, a sua defesa.

LXXXVIII. Todavia, olvida-se o Tribunal recorrido de atender ao facto de a Recorrente não ter sido notificada para comparecer no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras fim de esclarecer a sua situação documental, nem tampouco foi informada de qualquer dispensa da realização da mesma audiência.

LXXXIX. Nessa conformidade, é lógica a assunção da existência da preterição da Audiência prévia,

XC. Pelo que, a Decisão de Expulsão proferida pelo Requerido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é, inelutavelmente, inválida,

XCI. Porquanto, não foi realizada a Audiência da Requerente, aqui Recorrente, ao abrigo do Art.º 148.º da Lei dos Estrangeiros.

XCII. Atenta toda a factualidade e a conduta do Requerido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, totalmente violadora de Direitos constitucionalmente consagrados, é incompreensível a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que, certamente por mero lapso, fez tábua rasa da obrigatoriedade do Audiência Prévia.

XCIII. A Requerente, ora Recorrente, na Providência Cautelar por si deduzida, alegou, e muito bem, que Audiência dos interessados é uma manifestação do Princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas,

XCIV. Sendo um “um princípio estruturante do processamento da atividade administrativa, pois que através dele se possibilita o confronto dos pontos de vista Administração com os do administrado”,

XCV. Principio esse que, em sintonia com o estabelecido o n.º 5 do Artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa, dá cumprimento à consagração constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações.

XCVI. Destaque-se ainda que, o princípio da participação tem consagração expressa no artigo 8.º do Código de Procedimento Administrativo.

XCVII. O qual impõe à Administração o dever de “assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos deste Código”.

XCVIII. Tal dever vem concretizado no artigo 121.º do Código de Procedimento Administrativo, tendo como primordial finalidade proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objeto do procedimento, chamado a atenção do órgão competente para a decisão relativamente aos pontos de vista que pretende sejam analisadas no procedimento.

XCIX. Desse modo, estamos perante uma formalidade essencial cuja violação tem como consequência jurídica a ilegalidade do próprio Acto normalmente sancionada com a sua anulabilidade,

C. Porquanto, conforme preceitua o Artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo, é a sanção prevista para os actos “praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”.

CI. Por outro lado, no âmbito da concretização deste princípio, dispõe o n.º 3 do Artigo 122.º do Código de Procedimento Administrativo, que “Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objeto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.”

CII. “Ainda que existam divergências doutrinais a este respeito, adere-se à orientação da jurisprudência mais recente, tanto do STJ como do STA, segundo a qual a omissão da audiência prévia constitui uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão administrativa”, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24 de Outubro de 2019, (Processo n.º 89/18.6YFLSB, relator Maria Graça Trigo).

CIII. Isto a significar, claramente e a todas as luzes, que não se respeitando “a estatuição do artigo 121º do Código de Procedimento Administrativo, incorre-se, pois, em vício de violação de lei, o que determina a sua anulabilidade, nos termos do nº 1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo.”

CIV. Assim sendo, há que se concluir que o Acto Administrativo proferido pela Exma. Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, padece de um vicio anulabilidade,

CV. Vício esse, que causou um prejuízo de difícil reparação para os interesses da ora Recorrente.

CVI. Atento o supra exposto, não restam dúvidas que, também no que concerne a este vício, se preenche, inelutavelmente, o requisito do “fumus boni iuris” nos termos do n. º1 do Artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

CVII. Nessa conformidade, perante tal o circunstancialismo, a sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser inteiramente revogada, julgando-se procedente o presente Recurso Jurisdicional, Como V/Exas. Venerandos Juízes Desembargadores decidirão, fazendo como sempre a justiça material.

CVIII. Por fim, no que concerne à falta de notificação ao Mandatário da Requerente, ora Recorrente, da Decisão de Afastamento Coercivo proferida pela Exma. Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Sentença recorrida entende, injustificadamente, que não assiste razão à Recorrente,

CIX. E isto porque, considera que, sendo o objetivo da notificação de qualquer Acto, nomeadamente lesivo, garantir que o seu destinatário possa reagir ao conteúdo desse Acto em tempo, no caso, obstando à sua expulsão do território nacional, se verificou,

CX. Na medida em que, independentemente da notificação ou não do Acto Administrativo ao Mandatário da Requerente, o que é certo é que a Requerente não se viu impedida de se opor à execução imediata do referido Acto por via judicial.

CXI. Por esse motivo, entende o Tribunal Recorrido que o vício suscitado pela Requerente se encontra sanado, tão só e apenas, por esta se opor à execução imediata do Acto Administrativo.

CXII. Com tal inusitada conclusão, a Sentença de que se recorre, estabelece que a falta de notificação do Acto suspendendo ao Mandatário da requerente não tem como consequência qualquer invalidade desse mesmo Acto,

CXIII. Uma vez que, no seu entendimento, o qual não se concebe de modo algum, e foi observado o disposto no Artigo 149º nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4.07, já que foi notificada pessoalmente a Requerente.

CXIV. Nesse entendimento, o Tribunal a quo, não reconhece, de forma perfunctória, a verificação de uma irregularidade processual, suscetível de determinar a invalidade do procedimento e do Acto Administrativo, conforme alegou a Requerente na Providência Cautelar por si deduzida.

CXV. Todavia, tal conclusão não é de aceitar de modo algum, porquanto é manifestamente desprovida de fundamento lógico-jurídico.

CXVI. Ora, a Requerente, aqui Recorrente, teve conhecimento da Decisão de afastamento Coercivo, quando se apresentou na Polícia de Segurança Pública, para dar cumprimento à medida de coação que lhe fora aplicada,

CXVII. Tendo sido, dessa forma, notificada pessoalmente de tal Decisão.

CXVIII. Sucede, porém, que, a Sentença do Tribunal a quo, olvidou-se de ter em atenção que mesmo sendo a Requerente uma cidadã estrangeira, sujeita a um processo de expulsão administrativa, também goza de todas as garantias de defesa como um cidadão Nacional,

CXIX. Razão pela qual, tal como qualquer cidadão Nacional, tem o total e intransmissível Direito de requerer a assistência por Advogado defensor, como o veio a fazer.

CXX. Perante tal assistência, é imprescindível realçar que conforme preceitua o Artigo 111º do Código de Processo Administrativo, “as notificações são efetuadas na pessoa do interessado, salvo quando este tenha constituído mandatário no procedimento, caso em que devem ser efetuadas a este.”

CXXI. Nessa medida, uma vez que a Requerente, ora Recorrente, constitui mandatário, as referidas notificações, inclusive a Decisão de Afastamento Coercivo deveriam, imperiosamente, serem feitas na pessoa do seu Mandatário.

CXXII. Assim sendo, perante tal factualidade, parece-nos que, salvo melhor opinião, ao Recorrente não lhe assiste qualquer tipo de razão,

CXXIII. Porquanto, o Acto Administrativo de Afastamento Coercivo em apreço padece de nulidade,

CXXIV. Uma vez que, a falta de notificação ao Mandatário, constitui, impreterivelmente, um Acto que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental (direito de defesa) conforme estipula o Artigo 161º, n. º1 al. d) do Código de Procedimento Administrativo.


CXXV. Por tudo o supra exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, é notório que a Sentença ora Recorrida fez uma interpretação errada quanto aos vícios supra elucidados de que padece o Acto Administrativo de Afastamento Coercivo.

CXXVI. Revelando, assim, o claro e irrefutável preenchimento do requisito cumulativo de “Fumus boni iuris” para o decretamento da Providência Cautelar.

CXXVII. Em virtude de tal factualidade, deve ser julgado procedente o presente Recurso Jurisdicional, revogando-se a Sentença recorrida, como V/Exas., Venerandos Desembargadores, com toda a certeza decidirão, fazendo, como sempre Justiça.

Termos em que e nos melhores de Direito deverão V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores:

a) Julgar procedente o presente Recurso Jurisdicional, revogando a Sentença recorrida,

b) E, em consequência, ser suspensa a eficácia do acto administrativo (decisão de expulsão) e os seus efeitos imediatos de afastamento coercivo de território nacional da Requerente, bem como a não colocação, ou sua eliminação caso já o tenha feito, na lista nacional de pessoas não admissíveis da medida de interdição de entrada em Portugal, por um período de 04 (quatro) anos e não colocação no S.I.S. da interdição de entrada no Espaço Schengen, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
*

II –Matéria de facto.

A Recorrente não indicou qualquer ponto concreto da matéria de facto indiciada que tivesse sido mal julgado nem indicou qualquer meio de prova que impusesse decisão diversa.

Em concreto defende que os pressupostos de facto do acto suspendendo são errados, mas não questiona que o acto tivesse sido praticado com os pressupostos dados como provados na sentença.

Deveremos assim dar como (indiciariamente) provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:

1 –A Requerente é cidadã de nacionalidade brasileira, onde nasceu em 10 de Maio de 1979, portadora do passaporte nº (...), válido até 13 de Outubro de 2029 (cfr. folhas 8 e 9 do processo administrativo).

2 – A Requerente entrou em Espaço Schengen, via aeroporto de Rossy, Paris, em 6 de Novembro de 2017 (cfr. folhas 32 e 33 do processo administrativo).

3 – A Requerente solicitou, em território nacional, a prorrogação de permanência neste território até 4 de Maio de 2018 (cfr. folhas 32 e 33 do processo administrativo).

4 – A prorrogação acabada de referir foi concedida à Requerente (cfr. folhas 32 e 33 do processo administrativo).

5 – A Requerente saiu de território nacional para o seu país de origem em 1 de Outubro de 2019 (cfr. folhas 32 e 33 do processo administrativo).

6 - Em 11 de Novembro de 2019, a Requerente voltou a entrar em Espaço Schengen, via aeroporto Rossy, Paris (cfr. folhas 30, 31 e 32 do processo administrativo).

7 - A Requerente não é titular de cartão de residência em território nacional, autorização de residência em território nacional, visto ou outro documento equivalente nem manifestou interesse rem qualquer mecanismo de regularização extraordinária em vigor (cfr. folhas 9 do processo administrativo).

8 – A Requerente não se encontra inscrita na Segurança Social Portuguesa (cfr. folhas 27 do processo administrativo).

9 – A Requerente não solicitou nos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras autorização para residir e trabalhar em território nacional nem manifestou interesse em qualquer mecanismo de regularização extraordinária (cfr. processo administrativo).

10 – Em 20 de Janeiro de 2019, pelas 00h00, a Equipa da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras realizou uma inspecção, no âmbito das competências para a monitorização da actividade dos imigrantes em território nacional e da fiscalização da regularidade das relações laborais, ou subordinação informais com trabalhadores estrangeiros, o estabelecimento de diversão, conotado com a prática do alterne e prostituição, denominado “Residencial (...)”, espaço sito na Rua (...) em (…) (cfr. folhas 8, 9 e 35 a 41 do processo administrativo).

11– No âmbito da fiscalização acabada de referir a Requerente foi detida, foi constituída arguida e prestou TIR (cfr. folhas 8 e 9 do processo administrativo).

12- Em 20 de Dezembro de 2019, pelo Inspector da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no NUIPC: 22/19.8ZRBRG, foi elaborado “Auto de Detenção” da Requerente, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. folhas 8 e 9 do processo administrativo).

13- Em 20 de Dezembro de 2019, a Directora Regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, determinou, por despacho, a instauração à Requerente de processo de afastamento coercivo, o qual correu termos na Delegação Regional de Braga sob o nº 21/2019-120, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. folhas 2 e 3 do processo administrativo).

14- Em 20 de Dezembro de 2019, a Requerente foi inquirida no Processo de Detenção de Cidadão Estrangeiro em Situação Ilegal nº 6689/19.0T8BRG, que correu termos no Tribunal Judicial de Braga, Juízo Local Criminal de Braga, Juiz 4 (cfr. folhas 17 a 22 do processo administrativo).

15- Em 20 de Dezembro de 2019, no processo acabado de referir, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor, o qual se dá por integralmente reproduzido (cfr. folhas 21 e 22 do processo administrativo):

“(…)

Com base no auto de notícia e detenção, mostra-se indiciariamente apurado que as arguidas (…) D. (…) encontram-se ilegalmente em território nacional uma vez que não são titulares de visto ou autorização de residência ou documento equivalente.

“(…)

Mostra-se ainda fortemente indiciado que todas as arguidas exerciam actividade profissional de alterne no estabelecimento comercial denominado “Residencial (...)”, na Rua (...), em (…).

Perante tais factos, conclui o Tribunal que as arguidas estão em Portugal em situação considerada irregular porquanto mesmo aquelas que aqui estão há menos de 90 dias e que poderiam beneficiar de regime de isenção de visto dele não podem beneficiar, uma vez que tal isenção se destina a cidadãos brasileiros que se desloquem ao nosso país exclusivamente a título turístico, o que não é o caso das arguidas que, como indiciariamente se deu como indiciário exercem uma actividade profissional neste país, designadamente de alterne. (…) “.

Considerando que as arguidas exercem uma actividade irregular em território nacional, considerando a sua vontade de permanecer em Portugal, considerando ainda o facto de agora terem a correr contra elas processo no SEF o Tribunal entende que existe perigo de fuga (…) no perigo do seu paradeiro se tornar desconhecido a fim de obstruírem a execução de uma eventual decisão de expulsão do território nacional (…)”.

16- A decisão judicial acabada de referir determinou que a Requerente aguardasse os ulteriores termos do processo sujeita às obrigações decorrentes do TIR já prestado, bem como a obrigação de apresentação semanal na PSP da área de residência (cfr. folhas 22 do processo administrativo).

17- Em 20 de Dezembro de 2019, a Requerente foi notificada para prestar declarações no âmbito do processo de afastamento coercivo nº 21/2019-120 no dia 10 de Janeiro de 2020 (cfr. folhas 24 do processo administrativo).

18- Em 10 de Janeiro de 2020, a requerente compareceu nos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras para prestar declarações no âmbito do processo de afastamento coercivo nº 21/2019-120 (cfr. folhas 25 do processo administrativo).

19- Em 10 de Janeiro de 2020, pelo Inspector da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no processo de afastamento coercivo nº 21/2019-120, foi elaborado “Auto de Declarações” da Requerente, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. folhas 25 do processo administrativo).

20- Em 15 de Janeiro de 2020, no processo de afastamento coercivo nº 21/2019-120, foi elaborado “Relatório”, no qual foi proposto o afastamento coercivo de território nacional da requerente para o seu país de origem, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. folhas 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41 do processo administrativo).

21- Em 15 de Janeiro de 2020, sob o Relatório acabado de referir, o Chefe da Delegação Regional de Braga do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferiu o seguinte despacho “Concordo com o proposto. (…)”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. folhas 43 do processo administrativo).

22- Em 20 de Janeiro de 2020, a Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferiu o seguinte despacho, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. folhas 47 do processo administrativo) – acto suspendendo:

“(…) Abonando-me na factualidade que se encontra adquirida no relatório de folhas 35 a 41, que aqui se deixa reproduzida para todos os efeitos legais, considero que a cidadã nacional do Brasil D., nascida a 10 de Maio de 1979, encontra-se em situação irregular em território nacional – cfr. art. 181º ex vi soa artigos 134º, 144º e 33º, todos da lei nº 2372007 de 04 de Julho, na sua actual redacção – e, consequentemente, determino:

a) O afastamento coercivo da cidadã supra referida do território nacional;

b) A sua interdição de entrada em território nacional por um período de QUATRO ANOS;

c) A sua inscrição na lista nacional de pessoas não admissíveis pelo período da referida interdição de entrada;

d) A sua inscrição no sistema de informação Schengen (5. I.5.) para efeitos de não admissão por um período de 3 (três) anos, ao abrigo do disposto no art. 24º, apreciável nos termos do art. 29º, ambos do Regulamento (CE) nº 1997/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro de 2006;

e) O custo das despesas da medida imposta pelo Estado Português, caso se comprove que a cidadã afastada coercivamente não possui meios económicos que lhe permitam custear as despesas de retorno.
(…)”.

23- Em 28 de Fevereiro de 2020, a Requerente foi pessoalmente notificada do despacho acabado de referir (cfr. folhas 54 dos autos).
24- O mandatário da Requerente não foi notificado deste acto, ora suspendendo (por acordo).

25 – A Requerente é licenciada em Marketing pela Universidade Estácio de Sá (cfr. documento nº 3 junto com a petição inicial).
26 - A Requerente pretende residir e trabalhar em território nacional (não impugnado).

27- A Requerente estava à procura de emprego (não impugnado).

28 - Actualmente a requerente não tem meios de subsistência (não impugnado).

29- A Requerente mantém uma relação amorosa com J., cidadão português, com quem pretende formar família em Portugal (não impugnado).
*
III - Enquadramento jurídico.

Importa apenas aqui apreciar a existência no caso do requisito fumus boni iuris, sendo certo que não se verificando este requisito, como não verifica, o que desde já adiantamos, a providência e o recurso estão condenados ao fracasso.

Isto tendo em conta que os requisitos para o decretamento da providência cautelar são cumulativos, como é pacificamente aceite (neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.10.2012, no processo 01087/12.9 –A BRG e toda a jurisprudência aí citada). Basta não se verificar este requisito para a providência ser indeferida, com prejuízo do conhecimento dos demais requisitos.

Vejamos então.

1. O vício de falta de fundamentação. A nulidade. A ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental. O direito à informação – artigos 268º e 37º da Constituição da República Portuguesa.

Não se vê aqui relevância de eventual vício do acto suspendendo determinar a sua nulidade em vez da sua anulabilidade, dado que apenas teria relevo tal distinção se estivesse em causa a caducidade do direito de acção, o que não sucede.

Em todo o caso, a falta de fundamentação por regra, como aqui sucede, apenas conduz à anulação do acto e não á declaração de nulidade, tendo em conta o princípio geral de invalidade dos actos consagrada no n.º 1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo.

Como se sustentou no acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 594/2008, publicado o Diário da República, 2ª série, n.º 17, de 26.01.2009:

“Estabelecendo, embora, o dever da fundamentação, a referida norma constitucional não fixa, todavia, as consequências do seu incumprimento. Como diz José Carlos Vieira de Andrade, caberá, por isso, à lei ordinária esclarecer, por exemplo, se o vício é (ou é sempre) causa de invalidade do acto administrativo, que tipo de invalidade lhe corresponderá, bem como em que condições serão admissíveis a sanação do vício ou o aproveitamento do acto. Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, com a anulabilidade, erigida a sanção-regra (art.º 135.º do CPA), e não com a nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica (art.º 133.º do CPA), bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição. E, dizemos “em princípio”, porque a violação da ordem jurídica pode ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da “garantia institucional” constitucional do dever de fundamentação, tenha a sanção para a sua falta de constituir na nulidade. Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do acto, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do n.º 1 do art.º 133.º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [art.º 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA]. Tal “acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo acto fundamentando” ou “quando se trate de actos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma protecção efectiva do direito liberdade e garantia” (cf. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., p. 293)».

E tal vício, de resto, não se verifica.

Determina o artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação”, e fazendo eco do disposto no artigo 268º, n.º3, da Constituição da República Portuguesa, que:

1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.

2 - Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”

Os n.ºs 1 e 2 do artigo 153º do actual Código de Procedimento Administrativo reproduziram estes preceitos.

Na interpretação destes preceitos formou-se a seguinte jurisprudência, uniforme (ver, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.12.2010, no processo 0554/10):

Um acto está devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido da decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto ou a sua impugnação.

Assim como se tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos (cf., por todos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.12.2002, proferido no recurso n.º 48366).

No caso concreto o acto administrativo está devidamente fundamentado porque indica o seu pressuposto que é suficiente para sustentar o acto suspendo, o qual impôs o afastamento coercivo da Requerente do Território Nacional no prazo de dez dias: a permanência irregular em território nacional e o disposto nos artigos 134º e 146º e seguintes da Lei dos Estrangeiros (Lei 23/2007, de 04.07).

Como a Recorrente bem percebeu, face ao que consta, designadamente, nas conclusões V e VI das suas alegações de recurso:

V. A qual foi determinou o seu afastamento coercivo de Território Nacional, por um período de 04 (quatro) anos e de abandono do Território Nacional no prazo de 10 dias, nos termos do preceituado Artigo 146.º e seguintes da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, vulgo Lei dos Estrangeiros.

VI. Tal Decisão, desprovida de fundamento lógico-jurídico, teve como fundo, tão só e apenas, o facto de, supostamente, a Recorrente, permanecer em situação irregular em território nacional, conforme previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 134.º do referido diploma legal

Não se verifica, pois, este vício do acto suspendendo.

2. O erro nos pressupostos: prostituição ou alterne.

Como se viu, o fundamento para o acto suspendendo foi a Requerente, ora Recorrente, encontrar-se em situação irregular no nosso país.

Facto que a própria Recorrente não põe em causa pois não comprovou, nem podia demonstrar que se encontra em Território Nacional devidamente autorizada para o efeito.

Em todo o caso, quanto à prática da prostituição ou alterne – que apenas serviu para explicitar a razão de ser da sua situação irregular – sempre se dirá que esse juízo feito pela Entidade Demandada não é passível de censura.

Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 19.06.2020, no processo 728/20.9 PRT, com o mesmo Relator (sumário):

“3. Acresce que, no caso, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é um órgão de polícia criminal que tem como um dos “objectivos fundamentais controlar a circulação de pessoas nas fronteiras, a permanência e actividades de estrangeiros em território nacional” – artigo 1º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16.10.

4. No exercício das funções que a lei lhe atribui, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras averigua a situação de facto que invocam os pretendentes, como é aqui o caso, à concessão de asilo ou de residência por protecção subsidiária. Essa averiguação de facto, enquanto órgão de polícia criminal, faz parte daquilo a que se costuma designar por “discricionariedade técnica”.

5. E no campo da “discricionariedade técnica” é entendimento pacífico o de que a conduta da Administração é insindicável, salvaguardados os casos de erro grosseiro, uso de critérios manifestamente desajustados ou desvio de poder.

Ora, como a própria admite, foi encontrada numa residencial que não é a sua residência e que é conotada com a prostituição e alterne (conclusões XXVI e XXIX).

É duvidoso que, como alega, não se tivesse apercebido de que estava num local conotado com a prostituição e alterne e apenas a beber um café – conclusões XXIX, XXXIV e XXXV.

Em todo o caso, o que não se pode afirmar, de todo, é que a conclusão tirada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de que a Recorrente estava a praticar a prostituição ou alterne no local, traduz um erro grosseiro ou evidente.

Tanto mais que a Recorrente embora afirme que se deslocou “à sua casa, com o propósito de pegar nos documentos e pertences pessoais” (conclusão XXXI) o certo é que não pôs em causa a afirmação de que “guardava os pertences pessoais, mudas de roupa e os respetivos documentos” num dos quartos reservados da residencial onde foi interceptada (conclusão XXVIII).

Pelo que também este vício não se verifica no acto suspendendo.

3. O vício de preterição da audiência prévia. A nulidade do acto. Direito fundamental; artigos 8º e 267º, n.º5, da Constituição da República Portuguesa; artigos 121.º e 122º do Código de Procedimento Administrativo.

No caso concreto o direito de audiência prévia não se concretiza da forma genérica prevista nos indicados preceitos do Código de Procedimento Administrativo, mas na forma especial prevista no artigo 148º da Lei nº 23/2007, de 04.07:

“1 - Durante a instrução do processo é assegurada a audição da pessoa contra a qual o mesmo foi instaurado, que goza de todas as garantias de defesa.

2 - A audição referida no número anterior vale, para todos os efeitos, como audiência do interessado.

3 - O instrutor deve promover as diligências consideradas essenciais para o apuramento da verdade, podendo recusar, em despacho fundamentado, as requeridas pela pessoa contra a qual foi instaurado o processo, quando julgue suficientemente provados os factos alegados por esta.

4 - Concluída a instrução, é elaborado o respetivo relatório, no qual o instrutor faz a descrição e apreciação dos factos apurados, propondo a resolução que considere adequada, e o processo é presente à entidade competente para proferir a decisão.”.

Formalidade que foi cumprida pois a ora Recorrente foi ouvida no procedimento administrativo, em 10.01.2020, tendo sido lavrado o respectivo “Auto de Declarações” (facto sumariamente provado sob o n.º 19 e folhas 25 do processo administrativo).

Não se verifica, pois, também este vício.

4. A falta de notificação ao Mandatário da Requerente, ora Recorrente, da decisão de afastamento coercivo; a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental (direito de defesa) conforme estipula o Artigo 161º, n.º1 alínea d), do Código de Procedimento Administrativo.

Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 26.01.2018, no processo 1494/17, com o mesmo Colectivo embora com diferente Relator:

Diga-se desde logo, que na situação controvertida apenas está em causa o ato de notificação, enquanto condição de eficácia do ato e não qualquer vício do ato notificado”.

Na verdade, a notificação não pode afectar a validade do acto pela simples razão que lhe é externa e posterior.

Neste sentido, pacífico, ver, por todos, o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 19.12.2014, no processo 01291/10.4 AVR, com o mesmo Relator.

O único direito de defesa que aqui poderia ter sido preterido não seria o direito de defesa em sede administrativa (esse, como vimos, foi assegurado pela audiência prévia) mas o direito de defesa em sede judicial.

Ora esse direito não foi preterido antes exercido através, desde logo, o pedido de suspensão da eficácia do acto notificado, deduzido pelo Mandatário da ora Recorrente.

Também por esta via a acção principal e, logo, a presente providência, estão condenadas ao fracasso.
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Por tudo o exposto, mostra-se acertada a decisão recorrida de considerar não verificado o requisito fumus boni iuris e, com prejuízo da análise dos demais requisitos, indeferir a providência.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
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Porto, 03.07.2020


Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Frederico Branco