Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00007/03-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/12/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
REQUISITOS
Sumário:I – Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. artigo 237.º, do CPPT):
a-A tempestividade da petição de embargos;
b-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
c-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
II – Os embargos de terceiro servem, actualmente, não só para defender a posse, como também qualquer outro direito que se mostre incompatível com a diligência ordenada.
III) No caso, ficou demonstrado, após ponderação crítica dos factos provados, verificar-se ofensa de direito de crédito da embargante, incompatível com a realização da penhora, que se traduziu num acto de agressão patrimonial, causal da procedência dos presentes embargos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Câmara Municipal do Porto
Recorrido 1:M..., S.A.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I – Relatório

M..., S.A., pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, Porto, deduziu embargos de terceiro, reagindo contra a penhora das rendas feita na execução n.º 907-A/96 movida pela Câmara Municipal do Porto contra a sociedade C…, S.A., no montante de 13.387.48 euros.
No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi proferida sentença, em 27/05/2010, que julgou procedentes os embargos, decisão com que a Câmara Municipal do Porto não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente os embargos de terceiros deduzidos pela ora Recorrida.
B. O que ora se coloca em crise é a apreciação crítica que o tribunal a quo fez dos factos que considerou provados e a consequente aplicação do direito que se lhe seguiu.
C. A motivação do presente recurso está relacionada com a defesa do interesse público e com a observação da justiça material em detrimento da justiça formal.
D. A acta n.º 9 de aprovação das contas relativas ao exercício de 1999 da Recorrida demonstra que a sua única accionista era a Executada C…, S.A.
E. No ano de 1999, a Recorrida dependia totalmente da Executada (empresa mãe), a qual era por sua vez dependente das empresas Sociedade de Construções …, S.A. e da F… (SGPS), S.A.
F. Desconhece-se a relação de grupo entre a Recorrida e as referidas empresas, bem como se as rendas ou prestações eram efectivamente pagas pelos lojistas à Recorrida ou à Executada, entendendo que a prova testemunhal produzido nos autos não é de todo suficiente para ancorar a convicção expressa na decisão judicial a quo que ora se coloca em crise.
G. Não desconhece a Recorrente que as duas sociedades comerciais sub judice – Recorrida e Executada - são pessoas jurídicas distintas.
H. Não ficou provado que a titularidade das rendas penhorados eram propriedade da Recorrida, sendo convicção que se tratam de créditos da proprietária das lojas, isto é, da Executada.
I. O Recorrente não consegue entender como é que numa cessão onerosa a Executada cede a exploração de todas as lojas e como contrapartida recebe da Recorrida um mínimo de 1% e um máximo de 5%...
J. Pelo exposto, deverá o tribunal ad quem julgar a rendas sub judice como propriedade da Executada, decidindo pela improcedência dos embargos de terceiro.
Termos em que, deverá ser revogada a sentença recorrida, com todas as legais consequências daí decorrentes, com o que será feita sã e costumeira justiça!

A recorrida apresentou contra-alegações em defesa da manutenção da sentença sob recurso, embora sem formular conclusões.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir o alegado erro de julgamento, por não se ter logrado provar ser a titularidade das rendas penhoradas propriedade da embargante, mas antes créditos da proprietária das lojas, isto é, da executada.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão da causa:

a) Na sequência da instauração pela Câmara Municipal do Porto da execução n.º 907-A/96, instaurado contra a sociedade “C…, S.A.”, foram penhorados os rendimentos dos estabelecimentos cuja propriedade é pertença do executado (cf. doc. de fls. 91/ 92 e 110 a 114 dos autos). ---
b) Em 29/12/1998 a executada celebrou com a Embargante um contrato pelo qual aquela cedia a esta “a exploração de todas as lojas e respectivas partes comuns identificadas no Anexo ao presente contrato, as quais integram o C… SHOPPING” (cf. doc. de fls. 33 a 40 – clausula 1). ---
c) De acordo com a cláusula 3 do mesmo contrato “A cessão da exploração confere à M…, nomeadamente os seguintes direitos: a) de praticar todos os actos relacionados com a implementação, direcção, coordenação e exercício das respectivas actividades; b) De celebrar, renovar e resolver contratos de integração em centro comercial com os lojistas, onde, nomeadamente, estabelecerá, nos termos e condições que entender, a contrapartida que os lojistas deverão pagar-lhe (…)” (cf. doc. de fls. 37 dos autos).---
d) Por seu turno refere a cláusula 6ª do contrato que “Em contrapartida da exploração que lhe é cedida a M..., em cada ano, pagará à CIA uma importância correspondente ao mínimo de um por cento e ao máximo de cinco por cento, do total das quantias que a M... facturar aos lojistas …” (cf. doc. de fls. 38 dos autos). ---
e) Em 28/05/1996, a embargante celebrou com a M…, S.A., um ”contrato de integração em centro comercial” visada aquele contrato a Loja 200 no Piso 4 do C… Shopping (cf. doc. de fls. 57 a 61 dos autos).---
f) A embargante e L…, S.A. celebraram em 01/07/1999, o contrato de “Cedência de posição contratual” que incida sobre as lojas 253/254/266 e 267 no C… Shopping (cf. doc. de fls. 62 a 63 dos autos).---
g) Ainda em 01/07/1999 foi celebrado entre a embargante a E…, LDA., um aditamento contratual relativo às lojas identificadas em f) (cf. doc. de fls. 64 a 66 dos autos). ---
h) Em 05/02/1998 a embargante celebrou com L…, S.A. o “contrato de integração em centro comercial” que incidiu sobre as lojas referidas em f) (cf. doc. de fls. 69 a 71 dos autos).---
i) Em 09/04/1996 a embargante celebrou com a sociedade A…, S.A. o “contrato promessa de integração em centro comercial” que incidiu sobre uma loja única no piso 2 e de um armazém com a área de 145m2, no piso 1 (cf. doc. de fls. 73 a 76 dos autos).---
j) Em 24/11/1997, a embargante celebrou com G…, S.A., um “contrato de integração em centro comercial” que incidiu sobre as lojas 126/127/128/129 e 130 do piso 3 e Health dos pisos 3 e 4 (cf. doc. de fls. 77 a 81 dos autos).---
k) Em 13/12/1999 a embargante celebrou com A… o “contrato de integração em centro comercial” que incidiu sobre a loja 205 do C… Shopping (cf. doc. de fls. 82 a 86 dos autos).---
l) O mesmo contrato referido na alínea anterior foi celebrado em 30/01/2001, entre a embargante e G…, LDA., incidindo sobre as lojas 255 e 256 (cf. doc. de fls. 87 a 90 dos autos).---
m) A acta n.º 9 de 20/03/2000, relativa à aprovação de contas do ano de 1999 da ora embargante, onde é dito que “ (…) verificou-se estar representada a totalidade do capital social, detido por um único accionista “C…, S.A.” (cf. doc. de fls. 119 a 122 dos autos).---
n) O relatório do Conselho de Administração da embargante, datado de 01/03/2000, onde se refere à executada como “empresa-mãe” (cf. doc. de fls. 123 a 137 dos autos).---
o) A embargante geria e cedia as lojas aos lojistas e recebia deles as rendas (cf. depoimento das testemunhas).---
p) Os contratos dos lojistas foram celebrados com a embargante, que posteriormente pagava uma contraprestação à executada (cf. depoimento das testemunhas).---

Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), importa aditar a seguinte factualidade à matéria de facto dada como assente, por se mostrar pertinente para a apreciação do recurso:

q) Dos considerandos do contrato referido em b) consta o seguinte: “(…) F) A CIA é proprietária das lojas identificadas no Anexo do presente contrato, as quais representam a maioria do C… Shopping; G) Porém, do objecto social da M... fazem parte a promoção, comercialização e administração de patrimónios imobiliários; H) Sendo assim, a M... surge como a entidade mais vocacionada para explorar as referidas lojas propriedade da C…, e respectivas partes comuns, o que, pela sua representatividade no conjunto, praticamente equivale à exploração do estabelecimento que é o C… SHOPPING; l) Para além disso, a M... está em condições de garantir à CIA que da sua exploração resultará a optimização das lojas e consequentemente do C… SHOPPING. (...)" (cf. doc. de fls. 35 e 36 dos autos).
r) De acordo com a cláusula 4 do mesmo contrato: “1- Com relação às lojas objecto da cessão de exploração a M... obriga-se, em especial, a: a) Zelar pela manutenção e reparação de todos os elementos componentes, partes integrantes, pertences e acessórios; b) Cumprir todas as obrigações assumidas no exercício da exploração, nomeadamente as emergentes de contratos de trabalho e de fornecimento, bem como fiscais e parafiscais; c) Pagar todas as quantias por perdas e danos que sejam causados por empregados, colaboradores, fornecedores ou clientes seus; d) Fiscalizar a actividade dos lojistas em ordem a assegurar um funcionamento de qualidade; e) Publicitar e promover o C… SHOPPING; f) Cumprir todas as disposições legais e regulamentares, nomeadamente o Regulamento do Condomínio. 2 – Mediante autorização, dada por escrito, e dentro dos limites do título constitutivo da propriedade horizontal, a M... poderá efectuar obras, designadamente de beneficiação e de inovação, nas lojas cuja exploração constitui o objecto deste contrato. 3 – Todas as despesas relativas às obrigações decorrentes da cessão de exploração, nomeadamente as referidas nos números um e dois da presente cláusula, são de conta da M....” (cf. doc. de fls. 37 e 38 dos autos).

III – 2 O Direito

No Código de Processo Civil, resultante da reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, os embargos de terceiro deixaram de ter a natureza de processo especial, passando a ser configurados como modalidade do incidente de oposição, ampliando-se os pressupostos da sua admissibilidade, assim deixando de estar ligados, necessariamente, à defesa da posse do embargante. Isto é, face a este novo regime, o embargante, através dos embargos, além da posse, pode defender qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial [cfr. artigos 351.º e seguintes, do Código de Processo Civil - CPC (os artigos 342.º a 350.º do actual CPC mantêm essa mesma redacção) e relatório constante do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12].
Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, estão previstos no artigo 237.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dispondo que: “1- Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro”.
Assim sendo, os embargos de terceiro não constituem actualmente um meio de defesa da posse, exclusivamente, podendo ser defendida através de embargos de terceiro a ofensa de qualquer outro direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou âmbito da diligência.
Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.670 e seguintes e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5.ª edição, 2007, pág.123 e seg.):
1-A tempestividade da petição de embargos;
2-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
3-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
No processo vertente é o exame do terceiro requisito que está em causa; dado que a recorrente expressamente reconhece serem a embargante e a executada pessoas jurídicas distintas – cfr. conclusão G das alegações de recurso.
Ora, analisada a alegação da recorrente e a motivação do presente recurso, retira-se a sustentação de não se ter logrado provar ser a titularidade das rendas penhorados propriedade da embargante, mas antes créditos da proprietária das lojas, isto é, da executada. Logo, não se verificará a ofensa de qualquer direito incompatível com a realização da penhora, não se traduzindo esta num acto de agressão patrimonial.
Como ensina Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. III, 6.ª edição, 2011, página 179): “[a] procedência dos embargos depende de o direito do embargante ser incompatível com a realização ou o âmbito da diligência e de ele dever prevalecer sobre o direito do exequente. (…) Haverá incompatibilidade entre o direito do embargante sobre uma coisa e a realização da diligência que a tenha por objecto sempre que aquele seja afectado pela diligência ou pela subsequente venda, isto é, não for possível concretizar a finalidade do processo executivo, sem afectar ou eliminar tal direito”.
Deve sublinhar-se que não pode bastar à procedência dos embargos a mera conjectura sobre possíveis ou eventuais ofensas, sendo indispensável a demonstração de que a diligência em causa colidia, de facto, com o direito da embargante.
A Câmara Municipal do Porto não se conforma com a apreciação crítica que o tribunal a quo fez dos factos que considerou provados e a consequente aplicação do direito que se lhe seguiu.
De todo o modo, limita-se a afirmar que desconhece se as rendas ou prestações em crise eram efectivamente pagas pelos lojistas à embargante ou à executada, entendendo não ser a prova documental oferecida e a prova testemunhal produzida nos autos de todo suficiente para ancorar a convicção expressa na decisão judicial a quo. Nesta sequência, conclui a recorrente não ter ficado provado que a titularidade das rendas penhoradas sejam propriedade da embargante, afirmando ser sua convicção que se trata de créditos da proprietária das lojas, isto é, da executada.
Na verdade, não se alcança, com a segurança e certeza exigíveis, se a recorrente pretende colocar em crise a apreciação e valoração da prova produzida [não chega a ser perceptível se a recorrente pretende pôr em causa o julgamento da matéria de facto que foi levada ao probatório na sentença recorrida, nomeadamente, nas alíneas o) e p)] ou somente a análise crítica dos factos apurados, ou seja, dos que foram considerados assentes, na subsunção ao direito aplicável.
De imediato, somos levados a afastar a primeira hipótese, pois a recorrente não satisfaz plenamente o disposto no artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, (fazendo-o, expõe de forma inaceitável). Por um lado, não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, por outro, não indica expressamente os meios de prova que, na sua óptica, levariam a julgamento diferente.
Saliente-se que o tribunal recorrido considerou provado, fundando-se no depoimento das testemunhas, que a embargante geria e cedia as lojas aos lojistas e recebia deles as rendas [cfr. alínea o)] e que os contratos dos lojistas foram celebrados com a embargante, que posteriormente pagava uma contraprestação à executada [cfr. alínea p)].
Ora, a recorrente somente sustenta não ter ficado provada a titularidade das rendas penhoradas. Tal reporta-nos para uma conclusão de direito, ou seja, para uma ilação de direito dos factos que se mostram assentes.
Assim, tudo indica, ter desejado a recorrente colocar este tribunal na segunda hipótese; pelo que não analisaremos se o tribunal recorrido errou no julgamento da matéria de facto levada ao probatório.
Logo, vejamos se a matéria de facto apurada, através da sua apreciação crítica, que a recorrente pretende ver efectuada pelo tribunal, permite concluir verificar-se ofensa da titularidade das rendas (pagas pela cedência das lojas), incompatível com a realização da penhora, que se traduza num acto de agressão patrimonial da embargante.
A embargante arrogou-se titular dos créditos/remunerações (rendas) resultantes dos contratos celebrados com os lojistas do C… Shopping, que constam elencados na factualidade apurada de e) a l). Pelo que, na sua óptica, a penhora efectuada ofende o direito de crédito da embargante.
Reitera-se, o tribunal recorrido considerou provado que a embargante geria e cedia as lojas aos lojistas e recebia deles as rendas [cfr. alínea o)] e que os contratos dos lojistas foram celebrados com a embargante, que posteriormente pagava uma contraprestação à executada [cfr. alínea p)].
Será possível concluir que a titularidade das “rendas” pertence à embargante quando também resulta assente que na acta n.º 9 de 20/03/2000, relativa à aprovação de contas do ano de 1999 da ora embargante, é dito que “ (…) verificou-se estar representada a totalidade do capital social, detido por um único accionista “C…, S.A.”; e que o relatório do Conselho de Administração da embargante, datado de 01/03/2000, se refere à executada como “empresa-mãe” [cfr. alíneas m) e n)]?
É evidente que este quadro de total proximidade (dependência) entre as duas sociedades não pode deixar de ser valorado. De todo o modo, na medida em que a recorrente não suscitou o erro de julgamento de facto do disposto nas alíneas o) e p) da factualidade apurada, dificilmente a conclusão será diversa de a titularidade das “rendas” ser da embargante.
Vejamos.
Embora a executada seja proprietária das lojas que integram o “C… Shopping” [alínea a)] e a recorrente afirmar desconhecer se as rendas eram efectivamente pagas pelos lojistas à embargante ou à executada; o certo é que se mostra assente que os contratos foram celebrados entre os lojistas e a embargante, e que esta recebia destes as respectivas rendas.
Na verdade, o teor do contrato referido em b) da factualidade não deixa margem para dúvidas que, em 29/12/1998, a executada celebrou com a embargante um contrato pelo qual aquela cedia a esta “a exploração de todas as lojas e respectivas partes comuns identificadas no Anexo ao presente contrato, as quais integram o C… SHOPPING”.
Aí se refere que do objecto social da “M...” faz parte a promoção, comercialização e administração de patrimónios imobiliários. Sendo assim, a “M...” surge como a entidade mais vocacionada para explorar as referidas lojas propriedade da executada, e respectivas partes comuns. Para além disso, a “M...” estaria em condições de garantir à executada que da sua exploração resultará a optimização das lojas e consequentemente, do “C… Shopping” – cfr. o extracto dos considerandos do contrato na alínea q) da factualidade.
A recorrente aponta para o surpreendente negócio ruinoso que a executada teria celebrado, na eventualidade de não receber as rendas dos lojistas – cfr. Conclusão I das alegações de recurso.
Não obstante ser claro tratar-se de uma cedência onerosa de exploração de lojas em Centro Comercial [cfr. alínea d)], verifica-se que a embargante não tinha só direitos [cfr. alínea c)], mas também obrigações, como decorre do estipulado na cláusula quarta do contrato, que pressupõe responsabilidade por despesas, sendo tal expresso no ponto 3 desta cláusula: zelar pela manutenção e reparação de todos os elementos; cumprir todas as obrigações assumidas no exercício da exploração, nomeadamente as emergentes de contratos de trabalho e de fornecimento, bem como fiscais e parafiscais; pagar todas as quantias por perdas e danos que sejam causados por empregados, colaboradores, fornecedores ou clientes seus (…) 3 – Todas as despesas relativas às obrigações decorrentes da cessão de exploração, nomeadamente as referidas nos números um e dois da presente cláusula, são de conta da M....
Queremos com isto salientar que não estaria apenas em causa o pagamento dos valores que constam da cláusula sexta, mas também todas as despesas elencadas na cláusula quarta, pelo que se afigura credível que fosse a embargante a receber o montante devido pela exploração das lojas. Tanto mais que a embargante, atento o seu objecto social, surgiu como a entidade mais vocacionada para explorar as referidas lojas propriedade da executada, e respectivas partes comuns.
Nesta conformidade, a ponderação crítica dos factos provados permite concluir que as rendas penhoradas eram pertença exclusiva da embargante, pois resultantes de contratos por esta formalizados com os lojistas elencados em e) a l) da factualidade provada, decorrentes de cessão onerosa [com as obrigações referidas em d) e r)] celebrada com a executada, e pela embargante recebidas [cfr. alínea o)]. Não se apresentando, em face de toda a factualidade assente, a proximidade societária entre embargante e executada [alíneas m) e n)] suficiente para afastar esta ilação.
Alcançando-se a conclusão de que as rendas penhoradas são titularidade da embargante (e não da executada), a penhora realizada constitui uma ofensa ao direito da mesma; encontrando-se, portanto, presente o terceiro requisito, enumerado supra e previsto no artigo 237.º do CPPT, que legitima os embargos em análise.

Deste modo, e sem necessidade de outras considerações, forçoso é concluir que nenhuma razão assiste à recorrente.

Conclusões/Sumário

I – Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. artigo 237.º, do CPPT):
a-A tempestividade da petição de embargos;
b-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
c-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
II – Os embargos de terceiro servem, actualmente, não só para defender a posse, como também qualquer outro direito que se mostre incompatível com a diligência ordenada.

III) No caso, ficou demonstrado, após ponderação crítica dos factos provados, verificar-se ofensa de direito de crédito da embargante, incompatível com a realização da penhora, que se traduziu num acto de agressão patrimonial, causal da procedência dos presentes embargos.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Sem custas, por a Câmara Municipal do Porto delas estar isenta – cfr. artigo 8.º, n.º 4 da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.
Porto, 12 de Dezembro de 2014
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves