Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01413/11.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RESPONSABILIDADE. INSOLVÊNCIA. PRESCRIÇÃO.
Sumário:
I) – Declarada a insolvência, e independentemente de o credor estar ou não munido de título executivo, a reclamação dos créditos contra a massa insolvente deve ser efectuada no respectivo apenso do processo de insolvência; a propositura de acção fora desse foro constitui excepção dilatória atípica conducente à absolvição da instância.
II) – Quando se verifique a absolvição da instância por motivo processual imputável ao titular do direito “o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo” (art.º 327º/2 e 3 do CC). *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MGC
Recorrido 1:Município de VNF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

MGC (Av.ª R…, Ribeirão, VNF), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, em acção administrativa comum sob a forma sumária intentada contra Município de VNF, absolvido do pedido por prescrição, e contra Massa Insolvente de UPUOP, Ldª, e Massa Insolvente de SO, SA, absolvidas por “verificada a excepção decorrente do uso impróprio da presente acção”.
Finaliza com as seguintes conclusões:
1) O caso sub judice insere-se na “área residual” que não é atribuída a outras instâncias, de acordo com o definido no artigo 66.º, do CPC e no artigo 18.º, n.º 1, da LOFTJ;
2) A conclusão antecedente foi a que presidiu à apresentação da acção nos Tribunais Cíveis e não constitui qualquer erro ou facto imputável ao A.;
3) O caso presente não configura qualquer erro ou facto imputável ao A. mas antes uma interpretação de entre as várias passíveis de direito e plausíveis no mesmo quadro normativo o que decorre, entre outros, do despacho-saneador de primeira instância que assim o entendeu e até do Acórdão do STA publicado in www.dgsi.pt, de 20-06-2007 melhor referenciado em sede de alegações;
4) Por tudo o que antecede, o MM julgador faz interpretação errada do disposto no artigo 327.º, n.º 3, do Código Civil, violando-o nos termos expostos, na justa medida em que sendo a absolvição da instância decorrente de uma interpretação jurídica plausível no mesmo quadro normativo não pode decorrer de facto imputável à parte;
5) E não decorrendo de facto imputável à parte, nessa medida, o recorrente beneficiou da duração da interrupção da prescrição até ter transitado em julgado a decisão que ordenou a absolvição da instância;
6) Em nosso entendimento só a partir do despacho emanado da 1.ª instância do Tribunal de VNF, em 01/07/11, que decide estender a decisão absolutória aos demais Réus, é que se poderá contar o novo prazo de prescrição primitivo de 3 anos;
7) Desta feita, o novo prazo de prescrição (decorrente da citação para o processo cível de primeira instância) só prescreverá em 01/07/2014, com base nas disposições legais invocadas, nomeadamente, o artigo 326.º e artigo 327.º n.º 1 do CC;
8) Mesmo no caso de se entender que é a partir do Acórdão da Relação do Porto, de 23/02/10, e não do despacho de 01/07/11, que começa a correr o novo prazo de prescrição, nessa eventualidade, o direito de indemnização ora reclamado pelo A. só prescreverá em 23/02/2013;
9) Nesta medida foram violados o artigo 326.º e artigo 327.º n.º 1 do CC, porque a douta sentença não equacionou a interrupção e a suspensão da contagem do prazo;
10) Nos termos expostos em sede de alegações o caso sub judice configura um crime de dano perpetrado na propriedade do autor, previsto e punível pelo artigo 212.º do Código Penal, que é passível de incorrer o seu agente na pena de prisão até três anos ou com pena de multa, sendo a prescrição para o procedimento criminal para este tipo a prevista no artigo 118.º, n.º 1, alínea c), isto é, de cinco anos;
11) Também com base neste fundamento, o prazo foi interrompido em 16 de Outubro de 2007 com a citação das RR., correndo novo prazo de prescrição e que acabaria em 16 de Outubro de 2012;
12) Nesta medida, a douta sentença violou o estatuído nos artigos 118.º, n.º 1, alínea c) e 212.º, ambos do Código Penal, e os artigos 323.º, n.º1, 326.º e 498.º, n.º 3, todos do CC.;
13) No caso vertente, considerando que desde a reforma introduzida pelo DL 329-A/95 de 12/12 os mandatários judiciais passaram a ter a obrigação de realizar tais notificações, impõe-se concluir, que a referida notificação efectuada pelo mandatário da recorrente no âmbito do processo declarativo em 13/04/2011 foi uma notificação judicial pelo qual o recorrente deu conhecimento aos RR. da sua intenção de fazer valer contra esta o seu alegado direito à indemnização no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga;
14) Em consequência, a prescrição interrompeu-se novamente em 13/04/2011, passando a correr desde essa data um novo prazo de prescrição igual ao primitivo;
15) Por isso, o novo prazo de prescrição primitivo de três anos começou a correr em 14/04/2011, logo, o novo prazo de prescrição do direito de indemnização ora reclamado pelo A./recorrente só prescreverá em 14/04/2014;
16) Atendendo aos motivos supra expostos e neste contexto especifico, a douta sentença ora sob recurso violou o disposto nos artigos 9.º, n.º 1, 323.º, n.ºs 1 e 4, 326.º, n.ºs 1 e 2, do CC, e os artigos 229.º-A, 260.º-A, 233.º ,nº 3, 245.º e 246.º, todos do CPC.;
17) A douta sentença proferida pelo MM julgador, omitiu pronúncia relativamente ao direito de propriedade dos prédios confinantes, da remoção dos tubos do terreno do recorrente que expressamente aquele requereu no pedido;
18) Esta omissão consubstancia nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668.º, n.º1, alínea d), do CPC que expressamente se argui;
19) O tribunal a quo ao não se pronunciar na forma descrita inviabilizou a garantia constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva do ora recorrente, bem como os princípios da proporcionalidade e da tutela da confiança de todos os cidadãos na resolução jurisdicional dos seus litígios, violando dessa forma o disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 202.º, n.º 2, todos da CRP;
20) A douta sentença, ao absolver da instância ambas as massas insolventes RR. violou o disposto nos artigos 85.º e 88.º a contrario, ambos do CIRE porque é legalmente possível a admissível a tramitação de acções declarativas para se aferir o âmbito e concreto conteúdo das questões submetidas a juízo;
21) Não pode afirmar-se que a forma própria de reacção seria a de reclamação de créditos porque, por um lado, não há montantes líquidos definidos a reclamar e, por outro lado, a remoção dos tubos do pedido final jamais poderia ser resolvida por uma mera “reclamação de créditos;
22) Em termos declarativos as Massas Insolventes tem legitimidade e o A. tem interesse em as demandar para efeitos de assegurar o necessário litisconsórcio entre os RR.;
23) Por isso, a douta sentença, nesta medida, violou também o disposto nos artigos 26.º, 28.º, 288.º, n.º 1, alínea e) e 493.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil;
24) A douta sentença ora sob recurso, por violação das disposições legais citadas, deve ser revogada;
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O recorrido Município, contra-alegou, oferecendo em conclusões:
A sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre o direito de propriedade dos prédios confinantes, pois esta questão não é do conhecimento oficioso, nem foi submetida pelas partes à apreciação do tribunal.
Não tendo a sentença conhecido do pedido formulado na alínea c) e na alínea f) da conclusão da petição inicial, o acórdão a proferir no presente recurso, declarando embora a correspondente nulidade, deverá emitir pronúncia sobre tal pretensão.
Uma vez que o estado dos autos já permite emitir essa pronúncia, deverá o réu, ora recorrido, ser absolvido do pedido.
Tendo o réu, ora recorrido, sido citado na primeira acção em 16.10.2007, interrompeu-se nessa data o prazo de prescrição do direito de indemnização aí reclamado pelo autor/recorrente, ficando inutilizado todo o tempo decorrido desde finais de 2004.
Tendo transitado em julgado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2010, que, na primeira acção, revogou o despacho da 1ª instância que tinha declarado o tribunal competente em razão da matéria para conhecer da questão subjacente aos autos, e absolveu da instância o réu, ora recorrido, o prazo de prescrição daquele direito de indemnização começou a correr logo após o acto interruptivo desencadeado pela citação efectuada em 16.10.2007, pelo que esse direito prescreveu, pelo menos, em 17.10.2010.
Nessa data, já há muito havia findado o prazo de dois meses imediatos ao trânsito em julgado daquele Acórdão do Tribunal da Relação, ocorrido em 11.03.2010, pelo que não tem sentido a invocação in casu do disposto no nº 3 do art. 327º do Código Civil.
Foi imputável ao autor/recorrente, como titular do direito de indemnização, o motivo processual pelo qual o réu, ora recorrido, foi absolvido da instância na primeira acção.
Não é aplicável na presente acção o prazo de prescrição mais longo previsto no nº 3 do art. 498º do Código Civil, pois os factos alegados na petição inicial não configuram a prática pelos réus, designadamente pelo ora recorrido, do crime de dano previsto no art. 212º do Código Penal.
Em 13.04.2011, já estava prescrito, relativamente ao réu, ora recorrido, o direito de indemnização reclamado pelo autor/recorrente, pelo que não tem sentido na presente acção a alegação de que o prazo de prescrição desse direito foi interrompido naquela data.
10ª A sentença recorrida não inviabilizou a garantia constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva do autor/recorrente, nem violou os princípios da proporcionalidade e da tutela da confiança de todos os cidadãos na resolução jurisdicional dos seus litígios.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal não emitiu parecer.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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O mérito da apelação.
A temática do recurso versa as diferentes razões que justificaram as absolvições dos réus.
►Sobre a absolvição das insolventes.
O tribunal “a quo” considerou o seguinte:
«(…)
Como resulta da sentença proferida no âmbito do processo n.º 2837/07.0 do 5.º Juízo Cível dos Juízos de Competência Cível de VNF, a UPUOP, Lda foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 29.06.2009, no âmbito do processo n.º 214/09.8TBPVL do Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso.
Por outra banda a SO, SA foi também declarada insolvente no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 1578/06.0 do 3.º Juízo Cível da Comarca de S. João da Madeira, como resulta do documento de fls. 153 dos autos.
Nos termos decididos em 08.04.2010 no âmbito do citado processo n.º 2837/07.0 (decisão com a qual se concorda na íntegra e que consta de fls. 139 e 140 dos presentes autos), a responsabilidade das insolventes apenas deve ser apreciada no âmbito dos respectivos processos de insolvência, não podendo os autos prosseguir os seus trâmites legais pelo que, em conformidade com o estatuído no art.º 287º, alínea e) do CPC, deveria a instância ser julgada extinta, por impossibilidade legal, quanto às RR. UPUOP e SO.
De harmonia com o disposto no art.º 128º, n.º 3 do CIRE “(…) mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.”
Desta norma resulta que o reconhecimento judicial do crédito no âmbito de uma acção intentada pelo respectivo titular contra o devedor/insolvente não tem força executiva no processo de insolvência. Só a sentença que, neste processo, julgar verificado esse crédito terá força (Artur Dionísio Oliveira, Os efeitos externos da insolvência – As acções pendentes contra o insolvente, in Julgar n.º 9, pág. 183).
Com efeito, como se refere em acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1 de Março de 2012 (processo 376/10.1 publicado em www.dgsi.pt), “visando o processo de insolvência a colocação de todos os credores em posição de igualdade jurídica perante o património da insolvente, mediante o chamado concurso universal de credores, a afirmação e reconhecimento de direitos de crédito sobre a insolvente (com efeitos no processo de insolvência, como a consideração da sua verificação) através de acções declarativas de condenação em que apenas um dos vários credores é parte, estaria aberto o caminho a situações de conluio e favorecimento entre alguns dos vários credores ou de falsos credores, por um lado, e a empresa à beira da insolvência ou já insolvente, por outro, através de simples expedientes como a não contestação das acções, omissão de apresentação de prova, confissão dos factos ou do pedido, etc., tudo com prejuízo manifesto dos restantes credores não intervenientes na acção declarativa. Afirma-se, assim, o regime da plenitude da instância falimentar em relação às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiro, cujo resultado possa influenciar o valor da massa”
No caso sub judice, quando a presente acção foi intentada já as RR. haviam sido declaradas insolventes pelo que, processualmente, não há lugar à extinção da instância apor impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
No entanto a argumentação supra exposta é integralmente aplicável, devendo entender-se que ocorre um uso indevido e impróprio da presente acção porquanto a acção adequada e própria para a satisfação da pretensão do Autor é a reclamação dos créditos na insolvência, excepção dilatória inominada que determina a absolvição das RR da instância nos termos dos art.ºs 493º, n.º 2 e 288º, n.º 1, alínea e) do CPC.
Em face do exposto julgo verificada a excepção decorrente do uso impróprio da presente acção e, consequentemente, absolvo as RR. Massa Insolvente de UPUOP, Lda e Massa Insolvente de SO, SA da instância.
(…)».
Falece razão ao recorrente.
A decisão recorrida nada refuta de interesse ou legitimidade, não se compreendendo que o recorrente o venha lembrar em recurso como se houvesse tal gravame.
A questão envolta é outra.
O STJ, no seu Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2014, de 08.05.2013, proc. nº 170/08.0TTALM.L1.S1 (DR, I Série, de 25.02.2014), definiu que «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C.».
[O Acórdão do Trib. Const. nº 46/2014, de 09/01/2014 (DR, I Série, de 11/02/2014) conheceu da constitucionalidade do sentido normativo tirado no referido Ac. Uniformizador relativamente aos princípio da igualdade, previsto no art 13º da CRP, e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artº 20º, nºs 1 e 5 da Constituição, assim decidindo: “Não julgar inconstitucional a interpretação normativa de acordo com a qual, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do CPC”.]
Cfr. Ac. RP, de 29-02-2016, proc. nº 204654/09.1YIPRT-A.P1:
«(…)
como se salienta no AUJ nº1/2014: “a finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal – art. 1.º /1 do CIRE 6 — postula a observância do princípio ‘par conditiocreditorum‘, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes suscetíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes”.
O Código da Insolvência no Capítulo II prevê os efeitos processuais da declaração de insolvência, nomeadamente, em relação às ações pendentes.
Nos termos do art. 88º, nº 1, do CIRE:
“ A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência”.
No que respeita às ações declarativas não existe norma correspondente, constando, apenas, do art. 85º, nº 1, que:
“Declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
Não sendo pedida a apensação, devem os créditos ser reclamados no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, como previsto no art. 128º do CIRE.
Ora, se a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva contra a massa insolvente, mesmo no caso de a ação declarativa prosseguir e ser proferida sentença de condenação do R. (insolvente) essa sentença não pode ser dada à execução.
Saliente-se que, conforme decorre do nº 3 do art. 128, o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento. Haverá, nestas circunstâncias, que proceder à reclamação do crédito exista, ou não, uma sentença transitada a reconhecer o mesmo, a fim de que, apreciada a sua existência e montante (art. 128º e seguintes do CIRE), este venha a ser considerado na sentença de verificação e graduação dos créditos (art. 140º do CIRE).
Como se observa no AUJ nº1/2014: “[d]eclarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, destinando -se a massa insolvente — que abrange, por regra, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que adquira na pendência do processo — à satisfação dos seus créditos, ‘ut’ arts. 46.º/1 e 47.º/1).
E, dentro do prazo fixado, devem os credores da insolvência (…) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, com as indicações discriminadas, sendo que a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e, mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento – art. 128.º, n.ºs 1 e 3.
O efeito da declaração de insolvência sobre os créditos que se pretendam fazer pagar pelas forças da massa insolvente vem categoricamente proclamado no art. 90.º. Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.
Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação a esta norma injuntiva do CIRE, consignam, com reconhecida proficiência, o seguinte: “Este preceito regula o exercício dos direitos dos credores contra o devedor no período da pendência do processo de insolvência. A solução nele consagrada é a que manifestamente se impõe, pelo que, apesar da sua novidade formal, não significa, no plano substancial, um regime diferente do que não podia deixar de ser sustentado na vigência da lei anterior.
Na verdade, o art. 90.º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos ‘em conformidade com os preceitos deste Código’.
Daqui resulta que têm de o exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE. É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como a caracteriza o art. 1.º do CIRE. Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, têm de nele exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo […].[…]a estatuição deste art. 90.º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores”.
(…)».
Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, destinando-se a massa insolvente - que abrange, por regra, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que adquira na pendência do processo - à satisfação dos seus créditos ('ut' arts. 46.º/1 e 47.º/1).
E, dentro do prazo fixado, devem os credores da insolvência reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, com as indicações discriminadas, sendo que a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e, mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento – art.º 128.º, n.ºs 1 e 3.
A decisão recorrida seguiu na mesma linha e razão de ser.
Verificando que, em particular, no caso dos autos, a declaração de falência até precedeu a propositura da acção, concluiu deparar-se excepção (dilatória) inominada.
Correctamente, sendo idónea uma reclamação de créditos.
Cfr. Ac. do STJ, de 21-10-2014, Revista n.º 1368/12.1TBCBR.C1-A.S1 - 6.ª Secção (não publicado):
I - Do disposto nos arts. 128.º, n.º 3 a 140.º, do CIRE, decorre inequivocamente que, uma vez declarada a insolvência e independentemente de o credor estar ou não munido de título executivo, a reclamação dos créditos contra a massa insolvente deve ser efectuada no respectivo apenso do processo de insolvência
II - A tramitação do apenso de reclamação e verificação de créditos assegura ao credor que não esteja munido de título executivo a possibilidade de obter o reconhecimento do seu crédito e respectiva garantia, não se percebendo, por isso, a razão pela qual se afirma que a discussão e reconhecimento de um crédito privilegiado tem que ser feita em acção autónoma.
III - Assim, dado que é no processo de insolvência que se deve discutir a existência, valor e natureza do crédito (sendo, após, verificado e graduado em consonância com tal decisão), a propositura de acção contra a massa insolvente com essa finalidade configura uma excepção dilatória atípica conducente à absolvição desta da instância (arts. 576.º, 577.º e 578.º, todos do CPC).
IV - A situação referida em III não consubstancia uma inadequação entre o pedido e a forma do processo – pelo que não se afirmar, com propriedade, que estamos em presença de um erro na forma no processo – mas antes a inobservância de uma exigência legal de que, após a declaração de insolvência, todos os direitos relativos à massa insolvente devam ser accionados no respectivo processo.
Não procedem as objecções a propósito colocadas a recurso.
Desde logo, a alegada violação dos referidos artºs. 85º e 88º do CIRE, ponderados na referida jurisprudência uniformizadora, que se mostra respeitada.
Também não são óbice à reclamação as opostas razões de iliquidez do crédito e de o pedido formulado na acção de “remoção de tubos” aí não poder resolvido : não há iliquidez no que se refere a restantes pedidos formulados em quantia certa; no que tange ao pedido de remoção de tubos, não deixa este de ser um crédito patrimonial – ainda que não lhe corresponda uma obrigação pecuniária –, que pode aí ser “reclamado” e decidido; de todo o modo, não deixa de poder ser encontrada uma sua expressão pecuniária, no que o autor deve fazer corresponder a um valor económico do pedido.
Bem assim não prospera objecção de na hipótese de o autor/recorrente deduzir a sua “reclamação” na insolvência poder aí ser oposta inobservância de litisconsórcio necessário, quando a situação o não impõe.
Sobre a absolvição do Município.
O autor/recorrente, pacífico é, veio a juízo com pretensão condenatória dos réus ao pagamento de indemnização, com fonte em responsabilidade (extracontratual).
Foi suscitada prescrição.
Os factos, que o tribunal “a quo” julgou assentes para decisão da excepção:
1) - Em 2007 o A. intentou, no Tribunal Judicial de VNF acção cível contra (nomeadamente) o R. Município de VNF, nos termos constantes de fls. 122 a 129.
2) - O R. Município foi citado, no âmbito dessa acção, em 16 de Outubro de 2007.
3) - Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.02.2010 que aqui se considera integralmente reproduzido, foi o R. absolvido da instância.
4) - A. e R. foram notificados deste acórdão em 1 de Março de 2007.
5) - A presente acção foi intentada no dia 5 de Setembro de 2011.
6) - O R foi citado no dia 8 de Setembro de 2011.
Há um claro erro de escrita no item 4), devendo antes ler-se: 4) - A. e R. foram notificados deste acórdão em 1 de Março de 2010.
A decisão recorrida alicerçou a ocorrência de prescrição, assim:
« (…)
O direito de indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa prescreve nos termos do art.º 498º do Código Civil ex vi art.º 1º e 5º do DL n.º 48 051 de 21 de Novembro de 1967, aplicável ao caso sub judice.
O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso, nos termos do art.º 498º, n.º 1 do Código Civil.
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art.º 323º, n.º 1 do Código Civil).
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte (art.º 326º, n.º 1 do Código Civil) sendo que “a nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º” (n.º 2).
Nos termos do art.º 327º, n.º 1 do Código Civil “se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.
Nos termos do nº2 do mesmo artigo “quando, porém, se verifique (…) a absolvição da instância (…) o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo”.
Mas tal solução tem que ser articulada com o número seguinte em que se dispõe que “ se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o ré for absolvido da instância (…) e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão (…), não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”, solução esta que está salvaguardada sob o ponto de vista adjectivo com o disposto no n.º 2 do artigo 289º do Código de Processo Civil.
Releva, pois, para o caso, averiguar se a causa interruptora invocada pelo autor tem por fonte um comportamento processual imputável ao mesmo.
Ora, no caso concreto em apreço, o réu foi absolvido da instância porque o tribunal onde o autor primeiramente interpôs a acção se julgou materialmente incompetente para os seus termos.
Ou seja, entendeu-se que o autor deveria ter proposto essa acção noutro tribunal, no caso, nos tribunais administrativos.
Manifestamente, pois, a absolvição da instância ocorreu por motivo imputável ao autor.
Sobre esta matéria pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.1.15 “in” www.dgsi.pt do seguinte modo:
(…) 4. A definição conceitual de motivo processual não imputável ao titular do direito, explicitado no n.º 3 do artigo 327.º do Código Civil, deve alicerçar--se, essencialmente, na ideia de culpa.
5. Assim, para a absolvição da instância ser imputável ao titular do direito basta que este tenha agido com mera culpa, a qual deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
6. Atendendo ao condicionalismo próprio da primeira acção intentada, é de imputar ao autor o vício da incompetência absoluta de que padecia a acção e, portanto, a absolvição do réu da instância, já que não empregou a diligência normal que seria de exigir a um profissional do Direito na ponderação dos pressupostos processuais relativos ao tribunal - a competência em razão da matéria -, face à evidência dos elementos característicos do contrato de trabalho, por isso, não se verifica o pressuposto de que depende a aplicação da norma prevista no n.º 3 do artigo 327.º do Código Civil”.
In casu, face à evidência da configuração jurídico-administrativa que o caso invocado na acção interposta no tribunal comum se revestia, não temos dúvidas em concluir que é de imputar ao autor a absolvição da instância.
E assim, que o autor não pode beneficiar do prazo estabelecido naquele n.º 3 do artigo 327º do Código de Processo Civil.
Ora, as obras de construção que alegadamente geraram os danos invocados pelo A. ocorreram em 2004, como resulta dos art.ºs 2º, 18º, 19º e 20º da petição inicial.
Assim sendo, quando o R. foi citado para a presente acção (08.09.2011) já havia decorrido o prazo de três anos dentro do qual o autor tinha que instaurar a acção, sob pena de considerar prescrito o invocado direito à indemnização.
É certo que em 16.10.2007 o R. Município foi citado no âmbito da acção que correu termos no Tribunal Judicial de VNF tendo então sido interrompido o prazo prescricional nos termos do citado art.º 323º, n.º 1 e 326º do Código Civil.
Mas, tendo sido o Município absolvido da instância atenta a incompetência material daquele tribunal, o novo prazo prescricional começou a correr logo após o acto interruptivo desencadeado pela sua citação sendo inequívoco que à data da instauração da presente acção já haviam decorrido mais de três anos sobre aquela data (16.10.2007).
Sendo certo, como já se evidenciou, que a absolvição da instância deve considerar-se imputável ao A. pelo que não pode o mesmo beneficiar do regime previsto no art.º 327º, n.º 3 do Código Civil.
Note-se que a manutenção dos efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu a que se refere o n.º 2 do art.º 289º do Código Civil ocorre “sem prejuízo da disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade.”
A procedência de uma excepção peremptória importa a absolvição do pedido, nos termos do art.º 493º, n.º 3 do CPC.
(…)».
O julgado é correcto.
Sem incorrer em qualquer omissão de pronúncia; não há omissão de pronúncia se o conhecimento da questão alegadamente omitida ficou prejudicado pela decisão dada a outra; e assim sucede, por conhecimento da prescrição.
Efectivamente, ela ocorre.
A reter que “as obras de construção que alegadamente geraram os danos invocados pelo A. ocorreram em 2004, como resulta dos art.ºs 2º, 18º, 19º e 20º da petição inicial.”.
O prazo de prescrição a considerar é o de 3 anos suposto na decisão recorrida; sempre aplicável o art.º 498.º, nº 1, do Código Civil (seja à luz do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967, como aqui é o caso, ou fosse já sob égide da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro) “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
Tem o autor o ónus de articular factos que preencham inteira e adequadamente algum tipo penal; “Ao realizar tal subsunção, - embora esta se destine exclusivamente a determinar se ocorre ou não ampliação do prazo prescricional comum da obrigação de indemnizar – tem o tribunal cível de obedecer inteiramente ao princípio da legalidade ou da tipicidade, não lhe sendo lícito realizar subsunções menos rigorosas da matéria de facto apurada, que sejam susceptíveis de representar uma inadmissível extensão dos elementos de um tipo penal, proscrita pela vigência daquele princípio fundamental.” (Ac. do STJ, de 03-02-2011, proc. n.º 1228/07.8TBAGH.L1.S1); ora, considerando a causa de pedir, tal como ela foi introduzida em juízo, não tem respaldo de alegação a intenção agora lançada a recurso de um alargamento do prazo para 5 anos, na suposição de um crime de dano… por uma imputada acção negligente.
Conforme artigo 323°, n.º 1, do CC, o prazo é interrompido “pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
Acontecendo que “a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente” (artigo 326°, n.º 1, do CC) e “se a interrupção resultar de citação, notificação (…) o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo” (artigo 327º, n.º 1, do CC).
Contudo, quando se verifique a absolvição da instância por motivo processual imputável ao titular do direito “o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo” (artigo 327º/2 e 3 do CC).
É regime com que se compagina o art.º 289º do CPC, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 41/2013, com mesma solução no actual art.º 279º, sobre o “alcance e efeitos da absolvição da instância”, em que se se previa que “[a] absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto” [n.º 1], e que “[s]em prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância” [n.º 2].
Partilhamos que relativamente à prescrição e à caducidade é inaplicável do disposto no nº 2, do artigo 279º do Código de Processo Civil (ou o seu antecedente 289º, nº 2, em anterior redacção), havendo lugar à aplicação exclusiva dos artigos 327º, nºs. 2 e 3, e 332º, nº 1, do Código Civil (cfr. Acs. do STJ, de 16-02-2012, proc. nº 566/09.0TBBJA.E1.S1, e de 16-06-2015, proc. n.º 1010/06.0TBLMG.P1.S1); «A aplicabilidade do art. 289º, n.º 2, do CPC faz-se à margem da consideração do prazo prescricional que, nos termos do art. 327º, n.º 2, do código Civil, se inicie com a citação do réu na primeira causa» (Ac. do STA, Pleno, de 15-05-2013, proc. n.º 01260/12).
Doutrina e jurisprudência têm afirmado que a aquisição conceitual de “motivo processual (não) imputável ao titular do direito” deve alicerçar-se essencialmente na ideia de culpa, que, na falta de outro critério legal, deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, sendo relevante um juízo sobre a imputabilidade da decisão de absolvição da instância, que deve assentar, de modo exclusivo, numa conduta errónea do titular do direito.
No caso, a competência em função da matéria foi a questão que motivou a absolvição da instância.
Observava VAZ SERRA («Prescrição Extintiva e Caducidade», em Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, Maio, 1961, p. 257, nota 1010, 3.º §), que pode não ser imputável a negligência do titular do direito o facto de se ter proposto a acção num tribunal incompetente, por exemplo, «por ser difícil a interpretação da lei sobre a competência».
Mas no caso em mãos não se pode reconhecer uma qualquer questão jurídica que pudesse oferecer dúvida fundada e razoável.
Bem pelo contrário, na expressão do supra referido Ac. do Tribunal da Relação do Porto, tribunal que na anterior acção determinou a absolvição da instância do réu Município, “não cremos que possam restar dúvidas”.
Por isso tirou pacífica conclusão: «Os Tribunais Comuns carecem de competência material – apresentando-se competentes os Administrativos – para conhecerem de questões relativas à responsabilidade civil de um Município (pessoa colectiva de direito público) decorrente da execução de empreitada de obras públicas, atento o estatuído no artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do ETAF: “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público”.».
Sem escolhos, quando o autor em 2007 no Tribunal Judicial de VNF a anterior acção cível, deparava-se isento de qualquer dúvida hermenêutica que desde 2004, “Com a entrada em vigor do ETAF aqui aplicável, de acordo com a regra geral do art. 4º/1/g), em regra, passou a ser da competência do juiz administrativo apreciar todas as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, quer relativas a relações jurídicas administrativas, quer referentes a relações extra-administrativas, independentemente de serem regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.” (Ac. deste TCAN, de 18-12-2015, proc. n.º 00879/08.8BEBRG).
Bem ao contrário da afirmação de que «O caso sub judice insere-se na “área residual”».
O recorrente invoca a favor aresto do Tribunal de Conflitos (e não do STA, como por lapso refere), de 20-06-2007, que (supõe-se como acertado, que, ainda que não o especificando o recorrente, a coincidência sumário que indica assim leva a pressupor), se referirá ao proc. 03/07.
Mas aí uma acção de contornos bem distintos, “no quadro de uma disputa que assenta sobre o direito de propriedade dos AA. e que tem por objecto a possível aquisição de parte do seu prédio, pelos 2°, 3°s e 4°s RR, mediante o pagamento da devida indemnização, por via da acessão imobiliária (art.° 1343° do CC) (No acórdão deste Tribunal de Conflitos de 10.02.1998, disponível em www.dgsi.pt, Processo 000319, foi entendido que, “pedido, contra uma Câmara Municipal, o reconhecimento do direito de propriedade de uma casa construída em terreno dessa autarquia, com fundamento em acessão industrial imobiliária, a competência material para a acção não cabe aos tribunais administrativos mas aos tribunais judiciais”.) e efeitos indemnizatórios emergentes da alegada violação desse direito de propriedade, sem que se impute à Câmara qualquer concreta ilegalidade de acto ou actos administrativos ou ilicitude de actuação tomados no exercício da sua actividade de gestão pública.
Tudo se reconduz, assim, a uma pura disputa a respeito de uma eventual violação do direito de propriedade dos AA. – violação que terá a ver com uma alegada invasão do prédio dos AA, sem título, com a construção levada a cabo nos lotes vendidos pela Câmara aos demais RR –, com os inerentes efeitos indemnizatórios, imputando-se a todos os RR., incluindo, portanto, a Câmara Municipal da Vidigueira, uma actuação ilícita fundante das reclamadas indemnizações.
Estamos, assim, no domínio de um litígio que tem a ver com limites e confrontações de propriedades privadas e que está fora da competência dos Tribunais Administrativos, integrando-se na dos Tribunais Judiciais, nos termos dos art.°s 66° do CPC e 18°, n.° 1 da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro.” (cfr. cit. Ac.).
Bem ao contrário e mais próxima, proclamando a competência dos tribunais administrativos - lembrando aí que “conforme resulta do artigo 4º, nº 1, alínea g), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ao invés do que ocorria no regime de pretérito, os conceitos de actividade de gestão pública e de gestão privada dos entes públicos não relevam para determinação da competência jurisdicional para a apreciação de questões relativas à responsabilidade civil extracontratual desses entes por tribunais da ordem judicial ou da ordem administrativa”-, a situação analisada em Ac. do STJ, de 12-02-2007, proc. n.º 07B238, de empreitada contratada por autarquia, na execução da qual o privado intenta acção por responsabilidade civil extracontratual em face da destruição de “esteios de ramadas, videiras, ferros de suporte”, etc.
Como se refere na decisão recorrida “face à evidência da configuração jurídico-administrativa que o caso invocado na acção interposta no tribunal comum se revestia, não temos dúvidas em concluir que é de imputar ao autor a absolvição da instância.”.
É desde a citação do R. Município [e tão só da sua citação, sem interrupção por outros actos que não citação ou notificação judicial ou outro meio judicial (art.º 323º do CC), assim supondo um acto no desenrolar duma instância, que iniciativa extrajudicial não substitui], em 16 de Outubro de 2007, que haverá de contar (novamente) o prazo prescricional (que com ela havia sido interrompido); contagem que faz terminar o prazo em 16/10/2010; a absolvição da instância exclui que o prazo não corra entre a citação e o trânsito em julgado da decisão que põe termo ao processo, que seria a solução de princípio do art.º 327º, nº 1, do CC; quando perante absolvição da instância a solução de lei é outra, a de que o novo prazo começa a correr logo após o acto interruptivo, com a sua normal contagem e termo final (art.º 327º, nº 2, do CC), ressalvando-se quanto a esse termo final a situação dessa absolvição não ser imputável ao titular do direito, em que se a prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses (art.º 327º, nº 3, do CC); não colhe, pois, que possa voltar a correr o trânsito em julgado do Ac da RP; muito menos de despacho que tenha decido “estender a decisão absolutória aos demais Réus”, alheio de efeitos ao réu que cuidamos.
Já alcançada estava a prescrição quando o réu foi citado na presente acção no dia 8 de Setembro de 2011.
Em conclusão.
O tribunal “a quo” decidiu sem erro de julgamento, sem as imputadas violações normativas ou de princípio.
***
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.
Porto, 12 de Julho de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Alexandra Alendouro