Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02175/17.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RECURSO.
Sumário:I) – Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e daí que o seu objecto sejam os vícios e os erros de julgamento que o recorrente lhes atribua.

II - Daí que se torne imprescindível que o recorrente na sua alegação de recurso desenvolva um ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C.
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

C. (Rua do (…), (…)), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, em acção administrativa intentada contra o Município de (...) (Praça (…), (…)).

O recorrente dá em conclusões o que a montante já tinha articulado:

1- O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga no despacho saneador/sentença decidiu absolver o Réu da instância no que tange ao pedido formulado na alínea a) do petitório, absolver da instância o Réu quanto aos pedidos formulados nas alíneas b) e e) do petitório do Autor e julgou verificada a exepção dilatória inominada de formulação ilegal de pedido alternativo e em consequência, absolveu o Réu da instância.
2- O aqui recorrente não se pode conformar com tal entendimento, razão pela qual apresenta o presente recurso
3- O tribunal a quo refere que "no caso dos autos, inexiste norma legal que preveja expressamente que a falta de notificação, invocada pelo Autor, conduza à nulidade do acto, bem como a mesma não consta do elenco de invalidades do artigo 161°, .º 2 do CPA concluindo que por tal facto, que a impugnação de actos para além do prazo de 3 meses só é admissível nos termos do n.° 3 do artigo 58° do CPTA
4-. Referindo que "quanto ao primeiro pedido efectuado pelo Autor, sendo o mesmo relacionado com a impugnação de acto nomeadamente da decisão que determinou ao Autor, a cessação da utilização da sua oficina de reparação de velocípedes, caducou o seu direito de acção, pelo que se verifica a existência da excepção dilatória de intempestividade da pratica de ato processual devendo o Réu, quanto a tal pedido ser absolvido da instância."
5- Prosseguindo com base na conclusão de que a invalidade que o Autor assaca ao ato administrativo não constitui uma nulidade o tribunal conclui que relativamente aos pedidos formulados pelo autor aqui recorrente sob as alíneas b e c) “, a proceder, teriam um efeito que o Autor apenas poderia obter com a impugnação do acto que determinou a cessação do exercício da sua actividade, na sua oficina de reparação de velocípedes e com a consequente anulação.",prosseguindo o Tribunal a quo referindo que esse efeito "apenas poder obter tendo impugando o acto administrativo que determinou a cessação dessa atividade em tempo, o que não fez."
6- Por último o Tribunal a quo relativamente ao pedido alternativo, refere o Tribunal a quo que "de facto com este, pretende o Autor a adopção, por parte da administração, de uma conduta que consiste na reinstalação do seu estabelecimento em outro local, com as mesmas condições da acessibilidade, salubridade e segurança. Os efeitos decorrentes da procedência de tal pedido não seriam equivalentes aos efeitos que adviriam da anulação do acto administrativo que determinou a cessação da actividade da sua oficina de reparação de velocípedes.
7- Prossegue referindo o Tribunal a quo que atenta a causa de pedir invocada pelo Autor, o direito que lhe assistiria, caso se concluísse pela procedência da sua argumentação, seria a anulação do ato administrativo pelo qual o Réu determinou a cessação de utilização da oficina de reparação, direito este que como vimos caducou" e ainda que "atento o que vem gizado pelo Autor, não se pode extrair uma obrigação do Réu em reinstalar o estabelecimento do Autor em outro local, razão pelo qual sempre este pedido improcederia por falta de fundamento legal.", julgando assim verificada a excepção dilatória de formulação ilegal de pedido alternativo." .
8- Ora o aqui recorrente não se conforma com o entendimento vertido no despacho saneador/sentença no que toca à invalidade do ato administrativo, porquanto entende que o acto administrativo se encontra ferido do vício da nulidade.
9- À luz do previsto no artigo 89, n.º 2 do RJUE, o réu poderia determinar a notificação do proprietário do imóvel arrendado onde se encontra instalada a oficina do aqui recorrente, para que procedesse às obras necessárias obras à correcção das anomalias do imóvel no que respeita à segurança ou da salubridade.
10- Com efeito, impende sobre a Administração Municipal a obrigação de ordenar a realização das obras destinadas a estancar essa situação independentemente de o proprietário estar ou não na posse efectiva do edificado e independentemente do valor da renda é paga pelo arrendatário, pelo que deveria a entidade demandada ter feito uso dos poderes que o art.° 89.°, n°2 lhe confere.
11- Mas no caso dos autos, as referidas obras nunca foram ordenadas no âmbito do artigo 89.°, n.°2 do RJUE, ou seja, no âmbito da prossecução do interesse público posto a cargo da Ré, e aliás consta dos autos, que o Município verificou, na sequência da vistoria realizada ao imóvel, que o mesmo carecia de adequadas condições de segurança e de salubridade e que, por isso, se impunha que fossem realizadas as obras necessárias a corrigir essas anomalias.
12-Todavia, não foi esse o entendimento do município, que omitindo esta formalidade legal, determinou a cessação da atividade, sem nunca ter ponderado, pelo menos não consta do processo, a notificação do proprietário do imóvel para que realizasse as referidas obras.
13- Salvo melhor entendimento, entende o aqui recorrente que o município deveria ter notificado o senhorio/proprietário do imóvel, nos termos do artigo 89° do RJUE para que o mesmo procedesse às necessárias obras ou proceder ao realojamento da oficina do aqui A. noutro local sendo que a omissão de tal ato constitui uma nulidade do procedimento e conduz à nulidade de todo o processado até à presente data, pelo que não ocorre qualquer caducidade do direito de ação, uma vez que a impugnação de actos nulos não está sujeita a prazo, conforme o previsto no n.° 1 do artigo 58 do CPTA, sendo por isso tempestiva a ação interposta pelo A.
14- Pelo que ao decidir em contrário, e ao julgar verificadas as exceções dilatórias de intempestividade da pratica do ato processual, excepção dilatória inominada que decorre da verificação do pressuoposto negativo do art. 38 2 cpta, e excepção dilatória inominada de formulação ilegal de um pedido alternativo o Tribunal a quo violou disposto no artigo 89, n.° 2 do RJUE e o previsto no artigo art.° 1 do artigo 58 do CPTA do cpa.
15- Por todo o exposto, deve o despacho. saneador/sentença ser substituído por outra que julgue improcedentes a excepção dilatória de intempestividade da pratica do ato processual, excepção dilatória inonunada que decorre da verificação do pressuoposto negativo do art. 38 2 cpta, e excepção dilatória inominada de formulação ilegal de um pedido alternativo, e em consequência, prosseguirem os autos com a apreciação do mérito.
16- Em consequência de todo o exposto, deverá pois ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida.

Sem contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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O autor formulou os seguintes pedidos:

a) Ser declarada a nulidade de todo o procedimento, com base na falta de cumprimento da notificação do proprietário do imóvel/senhorios do A. para a realização de obras, conforme o previsto no artigo 89, n.º 2 do RJUE;
b) Ser a R. condenada a adotar as medidas necessárias, tendentes à notificação do proprietário do imóvel identificado no documento nº 5, junto com o presente articulado para que o mesmo proceda à realização das obras necessárias à obtenção das condições de salubridade e segurança do edifício;
c) Ser declarada a legalidade da utilização do referido prédio para a atividade de reparação de velocípedes do aqui R. em conformidade com a legislação em vigor em Maio de 1990 e em consequência ser a R. condenada a reconhecer a legalidade da utilização do referido prédio para a atividade de reparação de velocípedes do aqui A., com todas as consequências legais.
Ou em alternativa, ser o Município condenado a proceder à reinstalação do estabelecimento do aqui A. noutro local, com as mesmas condições de acessibilidade, salubridade e segurança.

O tribunal “a quo” decidiu absolver o Réu da instância no que tange ao pedido formulado na alínea a) do petitório, pois concluiu que “caducou o seu direito de acção, pelo que se verifica a existência da excepção dilatória de intempestividade da prática de acto processual, devendo o Réu, quanto a tal pedido ser absolvido da instância (cfr. artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 al. k) do CPTA).”.

A este propósito, os factos, que o tribunal “a quo” considerou “Com relevo para o conhecimento da matéria de excepção em apreço”, foram os seguintes:

1- Em 03/11/2016, foi elaborado auto de vistoria técnica, no âmbito do qual decorre que a edificação isolada de garagem oficina de motorizadas, com a inscrição na matriz predial urbana com o NIP 414, sita na Rua (...), não reúne condições de segurança e de salubridade, propondo-se o início de um processo de obras coercivas, nos termos do artigo 89.º e seguintes do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - cfr. fls. 19 a 21 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2- Em 12/01/2017, pelo Chefe de Equipa da GPPDE, foi emitida informação, no âmbito da qual se considerou que deveria ser ordenada, ao Autor, a cessação da sua atividade, no local referido na alínea anterior, no prazo de 30 dias, facultando-lhe a «audiência prévia nos termos do CPA» - cfr. fls. 27 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3- Em 16/01/2017, na sequência da informação referida na alínea anterior, pelo Presidente da Câmara Municipal do Réu, foi proferido «despacho», no sentido de «concordo» - cfr. fls. 28 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4- Em 22/02/2017, pela Divisão de GPPDE do Réu, foi emitida informação no sentido não ser de merecer provimento a exposição do Autor, apresentada no âmbito da sua «audiência prévia», devendo a utilização da oficina de reparação de velocípedes cessar, conforme determinado no despacho referido em 2. - cfr. fls. 55 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5- Em 23/02/2017, na sequência da informação referida na alínea anterior, pelo Presidente da Câmara Municipal do Réu, foi proferido «despacho», no sentido de «concordo» - cfr. fls. 57 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6- Em 27/02/2017, foi remetido para o Autor, na pessoa da sua mandatária, o ofício n.º 1221/2017, dando-lhe conhecimento do «despacho» referido na alínea anterior, e de que a utilização como oficina de reparação de velocípedes, do estabelecimento referido em 1., teria de cessar no prazo de 30 dias – cfr. fls. 58 e 59 do PA.
7- No dia 25/10/2017, a presente acção deu entrada neste Tribunal - cfr. fls. 3 do processo físico.
O tribunal “a quo”, em suma, entendeu que com o pedido formulado na alínea a) do petitório estaria em causa a impugnação da “decisão do Presidente da Câmara Municipal do Réu de 23/02/2017, que, em concordância com o seu anterior despacho de 16/01/2017, determinou ao Autor a cessação da actividade do seu estabelecimento de reparação de velocípedes, no prazo de 30 dias.”.
Bem assim enquadrou que relativamente à causa alegada - omissão de notificação do senhorio/proprietário do imóvel, nos termos do artigo 89.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - “não está invocado nenhum vício que, a verificar-se, conduza à nulidade da decisão impugnada, pelo que existe um prazo para a impugnação do acto que é, no caso dos autos, de três meses”, prazo que, segundo contas feitas, estaria ultrapassado.
Fundamentou:

«(…)
Para que estejamos perante um acto nulo é necessário, nos termos do artigo 161.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, que a lei comine expressamente, determinado acto, com essa forma de invalidade, ou então, que se verifique uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, ou seja:
« 2 - São, designadamente, nulos:
a) Os atos viciados de usurpação de poder;
b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;
c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;
d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;
f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;
g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;
h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;
i) Os atos que ofendam os casos julgados;
j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;
k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;
l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido».

No caso dos autos, inexiste norma legal que preveja expressamente que a falta de notificação, invocada pelo Autor, conduza à nulidade do acto, bem como a mesma não consta do elenco de invalidades constantes do artigo 161.º, n.º 2 do CPA.
(…)».
O recorrente nada mais oferece em contrário que afirmar que “o município deveria ter notificado o senhorio/proprietário do imóvel, nos termos do artigo 89° do RJUE para que o mesmo procedesse às necessárias obras ou proceder ao realojamento da oficina do aqui A. noutro local sendo que a omissão de tal ato constitui uma nulidade do procedimento e conduz à nulidade de todo o processado até à presente data, pelo que não ocorre qualquer caducidade do direito de ação, uma vez que a impugnação de actos nulos não está sujeita a prazo, conforme o previsto no n.° 1 do artigo 58 do CPTA, sendo por isso tempestiva a ação interposta pelo A.”.

Sem maior labor de crítica, apenas a antinomia.

Ora, não demonstrando o erro de julgamento, que se não descortina, antes até sendo de confirmar o juízo feito, nada resulta que faça acolher censura sobre o julgado.

Relativamente à pretensões das alíneas b) e c) do petitório resultou também a absolvição da instância do réu, por neles se verem “efeitos que apenas se poderiam obter com a anulação do acto administrativo que determinou a cessação da actividade do estabelecimento do Autor”, assim se julgando “verificada a excepção dilatória inominada que decorre da verificação do pressuposto negativo do artigo 38.º, n.º 2 do CPTA”.
Também a este nível ocorre a denúncia “de iure” do erro, mas sem qualquer motivação impugnatória.
Como acontece relativamente ao último feixe decisório, que absolveu da instância quanto à última pretensão (o pedido de condenação do Réu a proceder à reinstalação do estabelecimento do Autor noutro local, com as mesmas condições de acessibilidade, salubridade e segurança), que o tribunal “a quo” viu como “formulação legalmente indevida de um pedido alternativo integra uma excepção dilatória inominada, o que acarreta a absolvição do Réu da instância”.
Mister seria que o recurso enfrentasse o que concretamente foi decidido.
Cfr. Ac. do STA, de 07-01-2009, proc. nº 0812/08 :

I - Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e daí que o seu objecto sejam os vícios e os erros de julgamento que o recorrente lhes atribua.
II - Daí que se torne imprescindível que o recorrente na sua alegação de recurso desenvolva um ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida.
«Efectivamente, como vem sendo entendido pela jurisprudência, desde há muito, os recursos jurisdicionais visam decisões judiciais, e devem, assim, consubstanciar pedidos de revisão da sua legalidade, com base em erros ou vícios das mesmas, erros ou vícios estes que devem afrontar, dizendo do que discordam e porque discordam [artigos 676º nº1 e 684º nº3 CPC; a propósito, AC STA/Pleno de 03.04.2001, Rº39531; AC STA de 09.05.2001, Rº47228; AC STA de 14.12.2005, Rº0550/05; AC STA/Pleno de 16.02.2012, Rº0304/09].» - Ac. deste TCAN, de 08-06-2012, proc. nº 00599/11.6BECBR.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
*
Custas: pelo recorrente.
*
Porto, 16 de Outubro de 2020.


Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Nuno Coutinho