Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00578/12.6BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NULIDADES DA SENTENÇA; CONTRADIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO; PRESCRIÇÃO.
Sumário:I. As nulidades da sentença nos termos previstos nas alíneas c) do n.º 1 do art. 668º do CPC, sendo um vício formal, não se confunde com eventual erro de julgamento sobre as questões nela apreciadas.
II. A citação do executado interrompe o decurso do prazo prescricional, revestindo, todavia, um efeito meramente suspensivo no caso de paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à autuação da execução, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, antes da entrada em vigor da Lei n.º53-A/2006, de 29 de Dezembro que o revogou.
III. Tal aplicação mostra-se irrelevante para o caso, em que o processo de execução instaurado em 2003, seguiu os seus normais trâmites não tendo sofrido qualquer paragem superior a um ano, atenta a revogação do art. 49º n.º 2, da LGT, ocorrida com a entrada em vigor da referida Lei n.º 53-A/2006, de 31 de Dezembro [revogação essa aplicável a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tivesse decorrido o período superior a um ano de paragem do processo (cfr. art. 91.° da Lei n.º 53-A/2006)].*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
P…, NIF 1…, residente em Alagoas, Bairro Novo, s/n, Miranda do Corvo, reclamou contra o despacho proferido pelo Sr. Chefe de Serviço de Finanças da Lousã que não reconheceu a prescrição de IRS do exercício de 2001.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi proferida sentença, em 26.11.2012, que negou provimento à reclamação, decisão com que a reclamante não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1. A divida em causa encontra-se prescrita, face ao que dispõem os regimes legais aplicáveis, desde Novembro de 2011;
2. O que segundo o artigo 175° do CPPT é de conhecimento oficioso, mas que até à presente data não foi reconhecido pelo Serviço de Finanças da Lousã, sendo inclusivamente negado através do despacho alvo da Reclamação;
3. Assim como foi negado na sentença de que agora se recorre.
4. A referida sentença recorrida é contraditória na sua decisão e nos fundamentos da mesma, quer factuais quer legais;
5. Segundo o despacho do Serviço de Finanças da Lousã, de que se reclamou, e cuja sentença recorrida manteve a decisão, a divida ainda não prescreveu, e fundamenta esta decisão em vários despachos anteriores do chefe do Serviço de Finanças, que são completamente contraditórios com a decisão reclamada,
6. E igualmente contraditórios com os fundamentos da presente sentença recorrida, pelo que considera a recorrente/reclamante que a douta sentença, agora objecto de recurso, é contraditória em relação á prova produzida;
7. A recorrente não concorda com a sentença proferida, nomeadamente porque considera haver contradição entre os factos dados como provados e a decisão final de não provimento da Reclamação (ponto B, C, D e E da sentença);
8. Assim como entende haver contradição entre os fundamentos de direito apresentados e a decisão final de não provimento da Reclamação.
9. 9 - Assim como havia factos apresentados e que não foram tidos em conta, nem houve quaisquer referências aos mesmos (nem que não fosse considera-los não provados! - documentos 4 e 8 juntos).
10. 10 - Também existe contradição entre os fundamentos de direito apresentados e a decisão final.
11. Nomeadamente contradição entre o ponto IV, numero 1, da Sentença piando refere que a Administração Tributária “ projectou que a prescrição poderia ocorrer “, e anteriormente considerou facto provado os vários despachos da mesma Administração Tributária onde esta afirma, conclui e informa claramente, que a prescrição ocorreria (e não poderia ocorrer pois aí seria uma suposição) e se efectivaria em Novembro de 2011!
12. Igualmente existe contradição entre o invocado no ponto IV, numero 2 da Sentença, em que se refere novamente claramente “que a aludida citação do executado tinha então efeito interruptivo, começando assim, a partir daí a correr novo prazo de prescrição” mas conclui que como não houve paragem superior a um ano, então não cessou o efeito da interrupção.
13. O alegado na sentença recorrida tem por base legal os artigos 48° e 49° da L.G.T. e artigos 326° e 327° do Código Civil e é válido, mas apenas está previsto para as situações em que se pretende contabilizar o prazo que correu antes da citação; e isto nada tem a ver com o início de contagem de um novo prazo que é a situação em apreço nos presentes autos.
14. Tal como não será aceitável fundamentar a aplicação do regime supletivo do Código Civil quando a Legislação fiscal não lhe atribui nenhum regime especial.
15. Nesta perspectiva, as causas e efeitos da interrupção e de suspensão da prescrição tributária só podem ser aquelas que constam dos artigos 48° e 49° da LGT.
16. Tudo isto para dizer que, não é possível no domínio das obrigações tributárias chamar à colação as normas do direito civil que regem os prazos de prescrição e respectivos efeitos da suspensão e interrupção, uma vez que são determinados pela Lei Geral Tributária;
17. Servindo as normas do CC., nomeadamente os artigos 326° e 327°, apenas para se ir aí buscar o sentido e alcance dos conceitos jurídicos da “prescrição”, da “suspensão” e da “interrupção”.
18. Aliás, a legislação fiscal inclui e refere-se à citação no artigo 49° da LGT em igualdade com a reclamação, recurso e impugnação.
19. Igualmente a jurisprudência invocada pela Reclamada, assim como a invocada na Sentença de que se recorre, são contraditórias com a decisão.
20. A jurisprudência apresentada refere-se a situações concretas em que se avalia a prescrição de dívidas, e em que está em causa decidir se o tempo decorrido antes da citação é contabilização em tempo de prescrição ou não;
21. E não é este tipo de situações que esta em causa nos presentes autos.
22. Aqui pretende-se que seja considerada a divida prescrita por decurso do tempo, contando-se para este prazo apenas o tempo decorrido após a citação, ou seja, após 28/11/2003;
23. Segundo os artigos 48° e 49° da LGT, as dividas fiscais prescrevem no prazo de 8 anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou a partir da notificação da divida; o que é reconhecido pela lei como facto interruptivo da prescrição (Acórdão TCA Norte, de 29/03/2012-proc. nº 1710/05.1 BEPRT);
24. Assim, conclui a recorrente que se aplica no presente caso o artigo 48° e 49 da L.G.T., sendo que a situação prevista no artigo 49°, numero 2, conjugado com o artigo 91° da Lei 53-A/2006, e que revoga o anterior, não é aplicável a esta situação em apreço.
25. A Lei 53-A/2006 que revoga o artigo 49°/ 2 da L.G.T. apenas se aplica (e apenas nesses casos poderá gerar dúvidas) em casos em que já havia decorrido tempo para o prazo de prescrição.
26. Ou seja, se a citação interrompe a prescrição, então reinicia-se novo prazo para prescrição, não se contabilizando o tempo anteriormente decorrido;
27. E só assim não será se, nos casos de processos anteriores a 2006, o processo esteve parado por mais de um ano; pois neste caso terá de se contabilizar o tempo decorrido anteriormente á citação.
28. Interrupção e suspensão têm efeitos diferentes; a primeira elimina o tempo decorrido anteriormente, e a segunda contabiliza o prazo decorrido antes da suspensão.
29. Segundo o artigo 49° da L.G.T, citação interrompe a prescrição e inicia-se novo prazo, eliminando-se o já decorrido anteriormente.
30. E só não será assim, em situações de paragem do processo superior a um ano anteriores a 2006, sem culpa do sujeito passivo; pois nestes casos contabiliza-se o tempo decorrido anterior à suspensão.
31. E por isso é que o mesmo artigo no seu numero 3 especifica situações em que o prazo se suspende, e não que se interrompe.
32. Ora, e pelo exposto, é fácil concluir que nos presentes autos o prazo de prescrição interrompeu-se com a citação em 28/11/2003; iniciando-se novo prazo de prescrição de 8 anos, que terminou em 28/11/2011.
33. Pelo que a divida em causa no processo executivo está prescrita;
34. O referido é comprovado através de documentos juntos e legislação aplicável, e entende a recorrente estarem verificados os pressupostos da prescrição de dívidas fiscais previstos nos artigos 48° e 49° da LGT;
35. Pelo que a divida relativa ao IRS de 2001, em causa no processo de execução fiscal nº 0760200301001892 encontra-se prescrita, devendo assim terminar o referido processo de execução fiscal, ainda em curso.
Pelo exposto, requerer-se a V. Ex.ª que se digne julgar procedente o presente recurso por provado e:
- revogue a decisão anterior, e dê provimento à Reclamação apresentada;
- consequentemente se decida e declare a prescrição da divida e em consequência,
- declare a extinção do processo executivo.
Nestes termos e nos melhores de direito, que doutamente serão supridos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, com reapreciação da prova produzida e, em consequência, deverá ser modificada a decisão recorrida, nos termos que se requerem supra.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que “o recurso poderá merecer provimento”.

Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir:
- Se a sentença recorrida padece de oposição entre os fundamentos de facto dados como provados sob os itens B, C, D e E e a decisão final, oposição entre a fundamentação de direito e a decisão final, ao ter projectado sob o ponto IV n.º 1 da sentença que “… a prescrição podia ocorrer” e no n.º 2 que “a citação do executado tinha efeito interruptivo…”;
- Se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao aplicar ao caso o art. 49º n.º 2 da LGT na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006.

III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
A – Foi instaurado processo de execução fiscal a J… e à Reclamante com o n.º 163593574 para cobrança da dívida de IRS relativa aos anos de 1999 e 2001 e respectivos juros (cf. docs. a fls. 1 a 140 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
B – Em 25.01.2010, o Sr. Chefe dos Serviços de Finanças da Lousã emitiu «Despacho», no qual concorda com o computo da prescrição de dívida de IRS relativa ao anos de 2001, apondo-se sob os itens «Prescrição LGT» e «Data prescrição com 2º Período de Suspensão» o dia 07.04.2011 (cf. doc. a fls. 509 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C – Em 25.10.2010, o Sr. Chefe dos Serviços de Finanças da Lousã emitiu «Despacho», do qual se retira que: “[…] constata-se que desde a data de 30/01/2006, supra referida, e a da revogação do n.º 2 do art.º 49.º da LGT conjugado com o artigo 91º da Lei n 53-A/2006, o facto interruptivo ocorreu com a citação em 28/11/2003, recomeçando a contagem do prazo de prescrição de 8 anos, previsto no nº 1 do artigo 48º da LGT, nesta última data, pelo que a divida ainda não se encontra prescrita […]” (cf. doc. a fls. 695 a 696 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D – Em 19.11.2010, foi emitida nota de notificação firmada pelo Sr. Adjunto do Chefe dos Serviços de Finanças da Lousã, para cujo conteúdo integral aqui se remete (cf. doc. a fls. 789 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
E – Em informação dos serviços de Finanças da Lousã, datada de 16.08.2008, firmada pelo respectivo Chefe, retira-se que: “[…] 3. O processo em causa corre risco de prescrição, encontrando-se projectado tal acontecimento para inícios de Novembro, caso não ocorram factos suspensivos até esse momento, pelo que a eventual marcação de nova venda, conforme requerido, não teria tempo útil para se consumar antes da prescrição […]” (cf. docs. a fls. 1200 a 1203 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
F – Em 24.07.2012, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças da Lousã, emitiu «Despacho» do qual se retira que: “ […] Na realidade, por ainda não ter decorrido nos presentes autos decisão que ponha fim ao processo – por exemplo a declaração em falhas – o novo prazo de prescrição ainda nem sequer se iniciou, pelo que podemos concluir que a divida aqui em execução não se encontra prescrita. Neste sentido ver o Acórdão do TCA Sul de 27/09/2011, proferido no processo 2970/09 e Jorge Lopes de Sousa in “Prescrição da Obrigação Tributária” da Áreas Editora, 2º Edição, 2010, pag 52 e seg.
O despacho supra transcrito motivou algumas afirmações/informações constantes dos autos que não se coadunam com a interpretação agora efectuada, no entanto tal facto não é impeditivo desta, nem as conclusões expressas no mesmo perderam actualidade, uma vez que o mesmo teve carácter saneador e limitou-se a concluir pela não prescrição da dívida ao tempo em que foi proferido […]” (cf. docs. a fls. 1360 a 1361 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
G – A Reclamante teve conhecimento do despacho referido na alínea anterior em 21.08.2012 (cf. docs. a fls. 1370 a 1372 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H – Em 30.08.2012, a Reclamante através da sua Advogada, apresentou nos serviços de Finanças da Lousã de uma exposição escrita que designou por «Reclamação» (cf. fls. 1405 a 1454 dos autos).

“A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação.
Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.”

III - 2. Aditamento oficioso de matéria de facto provada
Ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC (ex vi, artigo 281.º do CPPT), adita-se, ainda, a seguinte matéria de facto que igualmente se mostra provada e, que colmata, não só mas também, o alegado na conclusão 9:
I – O processo de execução referido em A – foi instaurado em 13.06.2003, por dívidas de IRS dos anos de 1999 e 2001, nos valores de 11.307,33 € e 81.335,52 €, respectivamente;
J – A dívida respeitante ao ano de 1999 encontra-se integralmente paga;
L – O executado J… foi citado pessoalmente para a execução em 28.11.2003 (fls. 51 dos autos);
M – Desde essa data e pelo menos até 30.01.2006, em face dos actos praticados na execução e à intervenção dos executados, o processo de execução não esteve parado por mais de um ano (fls. 51 a 160 dos autos);
N – Em 11.06.2010 no decurso das diligências encetadas para venda do imóvel penhorado, em informação prestada pelo respectivo funcionário afirmava-se “Há risco de prescrição no presente processo (cfr. fls. 509) – fls. 1427 dos autos físicos;
O – O Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lousã em 12 de Setembro de 2011 em despacho a remeter o processo ao TAF de Coimbra alertava para o “… risco de prescrição que está projectado a fls. 645 do PEF “ – fls. 1435 dos autos físicos.

III-3.ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Antes do mais, refere-se que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
Em execução fiscal instaurada contra a aqui recorrente [P..] e J… por dívidas de IRS de 2001, veio aquela arguir a prescrição da dívida exequenda, insurgindo-se contra o despacho que assim não considerou, ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou a reclamação improcedente, julgando inverificada a prescrição das dívidas exequenda do ano de 2001 e de que o comportamento do órgão de Execução fiscal, ao ter avançado com o reconhecimento em anteriores despachos da eminência da prescrição, ao indeferir o pedido da reclamante por via do acto reclamado não viola os princípios da certeza e segurança jurídicas, imparcialidade, Justiça e Boa-fé.

A Reclamante discordou da sentença quanto à não declaração da prescrição da dívida de IRS de 2001 e dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Norte.
Para o efeito, a Reclamante assaca nulidades a sentença recorrida, oposição entre fundamentos de facto e de direito e decisão [conclusão 4- a 11-], repudia o julgamento efectuado, invocando em suma que a mesma é contraditória a sua decisão e nos fundamentos da mesma, quer factuais quer legais, factual por transcrever os despachos anteriores do Chefe de Serviços de Finanças e não retirar daí as necessárias ilações, qual seja de que o serviço se vinha pronunciando no sentido da prescrição da dívida.

Da oposição - nulidade
A Recorrente (reclamante), nas conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional, arguí a nulidade da sentença recorrida [se bem entendemos o alegado, que qualifica como de contradição entre os fundamentos e decisão (vide conclusão 4 a 11)] para de imediato tecer considerações sob o ali decidido, demonstrando cabal apreensão do decidido e das razões de repúdio que cabalmente expressa (vide conclusões 13 a 35) quanto à prescrição em si [erro de julgamento na aplicação do regime prescricional].
Ora, como é sabido, as nulidades da sentença estão taxativamente previstas no artº668º, nº1 do CPC que dispõe que:
“1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.” (sublinhado nosso).
Tais nulidades constituem vícios formais da sentença, não se confundindo, portanto, com eventuais vícios substanciais de que a mesma padeça.
Ora, como se vê das conclusões das alegações de recurso e designadamente das conclusões supra transcritas, a Recorrente acaba por confundir a discordância com o decidido por via da alegada oposição entre a fundamentação e a decisão, sendo manifesto do seu discurso alegatório e conclusivo que a mesma não se conforma com valoração juridíco factual tida pelo juiz do tribunal “a quo”.
Evidentemente que o facto alegado pela Recorrente de, o Meritíssimo Juiz “a quo” ter referenciado que a “… circunstância da Administração Tributária ter projectado que a prescrição poderia ocorrer…”, e na fundamentação de facto considerou provado os despachos da administração tributária onde esta afirma e conclui e informa claramente, que a prescrição ocorreria e se efectivaria em Novembro de 2011, só acontece, porque olvida a recorrente o contexto daquela afirmação que aqui se transcreve “…circunstância da Administração Tributária ter projectado que a prescrição poderia ocorrer em determinada data e, posteriormente, ter definitivamente invertido essa sua posição, não constitui na esfera jurídica do Reclamante qualquer direito ou expectativa no sentido de se ter por irreversivelmente como boa aquela que era uma mera projecção (e não decisão) quanto a uma eventual data de prescrição (sem prejuízo de outras responsabilidade que possam resultar de tal supostamente indevida aferição)”.
Inexiste disparidade entre a factualidade constante dos factos insertos em B, C, D e E com o assim decidido, se a fundamentação que a acompanha está certa ou errada, é questão que se prende com o mérito da causa, mas não com a validade formal da sentença, com qualquer oposição entre fundamentação de facto e a decisão.
E, também se não verifica, qualquer pretensa oposição entre os fundamentos de direito e a decisão, já que a decisão de não conceder provimento à Reclamação é consequência lógica da respectiva fundamentação, ao ter considerado a inexistência de violação do princípios da certeza e segurança jurídicas, imparcialidade, Justiça e Boa-fé e da dívida exequenda não se mostrar prescrita, ao contrário do que era alegado pela Reclamante.
Se decidiu bem ou mal, é outra questão que se prende, como referimos, com o mérito da causa.
Não ocorre, pois, nulidade da sentença, por oposição entre os seus fundamentos e a decisão, invocadas pela Recorrente.

Do erro de julgamento
Cumpre aferir, se padece de erro de julgamento de direito, a sentença recorrida que decidiu pela não prescrição da dívida exequenda, sendo que apenas nesta parte à mesma vem assacado tal erro, sedimentando-se a questão tratada na 1ª instância da violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas, imparcialidade, Justiça e Boa-fé.
Para julgar improcedente a oposição, na apreciação da prescrição que lhe havia sido suscitada em sede de petição inicial, considerou o Mº Juiz o seguinte:
“A Reclamante invoca que a dívida relativa ao pagamento que seria devido em sede de IRS relativa ao ano de 2001, se encontra prescrita, ao contrário do que vai dito no despacho ora reclamado.
Ora, a dívida em questão diz respeito a dívidas de IRS de 2001 e respectivos juros, cuja liquidação se operou em 2003 (cfr. fls. 7 dos autos).
Dos autos resulta que o executado foi citado pessoalmente para a execução 28.11.2003 (cfr. fls. 51 dos autos).
À data daqueles factos estava em vigor o art.º 48.º da LGT na sua redacção originária, que consagrava para aquele imposto como prazo de prescrição os oito anos computados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (termo de 2001). Por outro lado, estava ainda em vigor a redacção dada ao art.º 49.º da LGT relativo à interrupção e suspensão da prescrição, dada pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho. Deste modo, a aludida citação do executado tinha, então, efeito interrumptivo, começando assim, a partir daí a decorrer novo prazo de prescrição. Ora, na presente situação, o processo esteve a decorrer os seus normais trâmites, pelo que não houve lugar a qualquer paragem superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, que fizesse cessar o efeito da aludida interrupção.
Ora, o aludido efeito de interrupção acresce um outro de postergação da contagem do novo prazo prescricional para após o trânsito em julgada da decisão que puser termo ao processo no qual é feita a aludida citação. A este respeito escreve J. Lopes de Sousa em «Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária», 2.ª Ed., 2010, pag. 70: “[…] No que concerne à citação, não estando previsto um regime especial sobre os seus efeitos, seria de lhe atribuir os que lhe reconhece o CC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art.º 2.º, alínea d), da LGT. Esse efeito é não só o instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (art.º 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, do CC) […]”. Ora, o processo executivo é um processo de natureza jurisdicional (vide arts.º 149.º e segs. do CPPT), pelo que as enunciadas regras do CC tem aqui inteira aplicação, considerando-se a sua subsidiariedade em face de ausência regulação específica na legislação fiscal.
Por isso, conclui-se que não se verifica a apontada prescrição.”
Em sede de recurso jurisdicional, a Recorrente insurge-se contra o assim decidido, defendendo que se verificou, in casu, a prescrição da dívida em cobrança coerciva, pelo que a reclamação não podia, como foi, ter sido julgada improcedente.
Vejamos, tendo presente, que está em causa uma dívida de IRS do exercício de 2001, que a lei reguladora da prescrição da dívida tributária é a que vigorar à data da sua constituição, ou seja, art. 48º e 49º da LGT e que em tudo aquilo que não estiver concretamente regulado, cumpre recorrer as definições de interrupção e suspensão insertos no Código Civil.
Quanto à contagem da prescrição, dispunha o art. 48.º, n.º 1, da LGT, na redação então em vigor, aplicável aos tributos em questão nos autos, que as dívidas tributárias prescreviam, salvo o disposto em lei especial, no prazo de 8 anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
Por outro lado, face ao disposto no art. 49.º, n.º 1, da LGT, a citação (de notar que foi considerada causa interruptiva da prescrição através da alteração efetuada ao art.º 49.°, n.º 1, da LGT pela Lei n.º 100/99, de 26 de julho, que entrou em vigor em 30/07/1999), a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompiam a prescrição.
E, até à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 31 de dezembro, ocorrida em 01.01.2007, a paragem do processo por período superior a um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, também fazia cessar o efeito interruptivo, pelo que, neste caso, se somava o tempo decorrido, após o período de um ano, ao que tivesse decorrido até à data da autuação (cfr. art. 49.º, n.º 2, da LGT).
No entanto, cumpre atentar à revogação do art. 49º n.º 2, da LGT, ocorrida com a entrada em vigor da referida Lei n.º 53-A/2006, de 31 de dezembro, revogação essa aplicável a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tivesse decorrido o período superior a um ano de paragem do processo (cfr. art. 91.° da Lei n.º 53-A/2006).
Acresce ainda, que a interrupção da prescrição eliminava o prazo que anteriormente tivesse decorrido para a prescrição (efeito instantâneo - cfr. art. 326.º, n.º 1, do CC) e obstava a que o novo prazo de prescrição decorresse na pendência do processo que deu causa à interrupção (efeito duradouro - cfr. art. 327.º, n.º 1, do CC), a menos que este processo estivesse parado por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, o que fazia cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo decorrido após esse período ao que tivesse decorrido até à data da autuação (cfr. art. 49.º, n.º 2, da LGT, na redação vigente até à sua revogação, operada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro).
Assim, neste último caso, desaparecia o efeito próprio da interrupção, a saber, de inutilização do tempo decorrido anteriormente, tudo se passando como se o facto - que era interruptivo - fosse um facto suspensivo (neste sentido, veja-se Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a prescrição da obrigação tributária, notas práticas”, 2010, Áreas Editora).
E, para além das causas interruptivas da prescrição elencadas na LGT, o prazo de prescrição suspendia-se, ainda, por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso (art. 49.º, n.º 3, da LGT, na redação da Lei n.º 100/99, de 26 de julho) ou em virtude de pagamento em prestações legalmente autorizadas ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida (art. 49.º, n.º 4, da LGT, na redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, em vigor - como já alvejámos - a partir de 01.01.2007).
Aplicando os princípios explanados à situação sub judice, temos que estando em causa dívidas de IRS do ano de 2001, o prazo prescricional de 8 anos, iniciou-se em 01 de janeiro de 2002.
Assim sendo, se não ocorresse qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, esta completar-se-ia em 31 de Dezembro de 2010.
Ora, uma vez que se provou que a citação da executada para a execução fiscal, ocorreu em 28.11.2003, sobreveio nessa data o primeiro facto com a virtualidade de obstar à contagem da prescrição, porquanto o interrompeu (v. item L - dos factos provados).
Consequente desta causa de interrupção, foi eliminado todo o período que entretanto havia decorrido, começando nova contagem do prazo de prescrição (8 anos) a partir do ato interruptivo (art. 326.º, n.º 1 do Código Civil), ou seja, a partir de 28.11.2003.
Advém, conforme resulta dos factos provados, que o processo de execução instaurado em 2003, seguiu os seus normais trâmites não tendo sofrido qualquer paragem superior a um ano.
Ora, a Lei n.º 53-A/2006 revogou a regra segundo a qual à paragem do processo, por período superior a um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar o efeito interruptivo (artigo 89. ° da Lei n.º 53-A/2006) e veio determinar que «a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo» (artigo 91º da Lei n.º 53-A/2006). Significa isto que, se o ano de paragem já se tiver consumado em 2006, o facto interruptivo continua a valer como facto suspensivo. Mas se o ano de paragem se consumar em 2007, o facto interruptivo vale como tal, sendo irrelevantes eventuais paragens do processo, uma vez que começou a correr novo prazo de prescrição a partir do facto interruptivo, cuja contagem se suspende enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, quando a reclamação, impugnação, recurso ou oposição determinem a suspensão da cobrança da dívida. (neste sentido vejam-se, entre outros, os acórdão do STA de 16.11.2011, in proc. n.º 0289/11 e de 02.03.2011, in proc. n.º 0125/11).Porém, como assinala Jorge Lopes de Sousa (obra citada, págs. 72 e 73), “esta Lei (Orçamento do Estado para 2007) entrou em vigor em 1-1-2007 e, sendo aquela uma norma sobre os efeitos de factos, ela só se aplica após a sua entrada em vigor, por força da regra do art. 12º, nº2, do CC.
Por isso, as causas de interrupção da prescrição que ocorreram anteriormente produziram os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência.
Isto significa, assim, que as causas de interrupção da prescrição que ocorreram a partir de 1-1-2007 só têm efeito interruptivo se, antes de elas ocorrerem, não ocorreu qualquer outra com idêntico efeito; mas, as que ocorreram anteriormente têm o seu efeito interruptivo próprio, de eliminar para a prescrição o tempo anteriormente decorrido e obstar ao decurso do prazo de prescrição até ao termo do processo ou até à paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte”.
Pelo que, não tem aplicação à situação dos autos o n.º 2 do art. 49.º da LGT.
Assim, mesmo que a tese da Recorrente tivesse apoio factual, que não tem de todo, era manifestamente inócua atenta a citação que, interrompeu o prazo da prescrição (art. 49.º, n.º 1, da LGT), inutilizando para a prescrição todo o tempo até então decorrido e determinando a abertura de novo prazo igual ao primitivo (cfr. os n.ºs 1 e 2 do art. 326.º do Código Civil (CC)), que não volta a correr até existir qualquer ocorrência que faça cessar o efeito interruptivo (cfr. art. 327.º, nº 1, do CC).
Pelo exposto, é manifesto que não estão prescritas as obrigações tributárias.

Nesta conformidade, em suma e em conclusão, a dívida de IRS do ano de 2001, em cobrança no processo executivo n.º0760200301001892, ainda não prescreveu, razão pela qual falece qualquer fundamento à pretensão veiculada pela Recorrente, no presente recurso jurisdicional.
IV - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 15 de fevereiro de 2013

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro