Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00809/09.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/04/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Bastos
Descritores:IRS; MÉTODOS INDIRETOS; CAPACIDADE CONTRIBUTIVA SIGNIFICATIVAMENTE MAIOR DO QUE A DECLARADA
Sumário:
I. A determinação da matéria tributável pelo método indireto a que aludem a alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e o artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária pressupõe a violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo com a administração e que dessa falta de colaboração derive a impossibilidade de comprovar, de forma direta e exata, a verdadeira situação tributária daquele.
II. No caso a que alude a segunda parte da alínea d) do referido artigo 88.º a falta de colaboração do sujeito passivo com a administração não é diretamente apurada, mas deduzida a partir de factos concretos que evidenciam uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada e que, por isso, não foram declarados os verdadeiros rendimentos.

III. Ao aludir a «factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva», o legislador tinha em vista os mesmos acréscimos de património ou consumos a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, com a particularidade de que, no caso da alínea d) do seu artigo 88.º, esses acrescimentos do património ou consumos não são evidenciados pelo sujeito passivo (manifestados) mas apurados pela administração tributária no cumprimento dos seus deveres de fiscalização tributária.
IV. Ao aludir a «uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada», o legislador tinha em vista o mesmo padrão de divergência entre o valor dos acréscimos de património ou consumos e os rendimentos declarados, a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, com a particularidade de que, no caso da alínea d) do seu artigo 88.º, a justificação dessas divergências não compete em primeira mão ao sujeito passivo, devendo ser despistada pela própria administração no exercício do seu dever de investigação e na fase instrutória do mesmo procedimento de inspeção tributária.
V. Tendo a administração tributária apurado acréscimos de património e consumos que patenteiam uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada e não tendo sido apurada justificação bastante para a divergência entre os rendimentos declarados e o que aqueles acréscimos e consumos evidenciam, estão reunidos os pressupostos da avaliação indireta a que aludem a alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e a segunda parte da alínea d) do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária;
VI. Em caso de determinação indireta da matéria tributável, recai sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar o excesso de quantificação – artigo 74.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FJNF
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório
1.1. FJNF, n.i.f. 10xxx80, com domicílio indicado na Rua V…, 4350-345 Porto, e MSFF, n.i.f. 10xxx72, com o mesmo domicílio, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que não julgou procedente a impugnação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2004 e 2005 e respetivos juros compensatórios, a que se reportam os documentos de cobrança n.ºs 2008 0000 1532387 e 2008 0000 1533425, nos valores de € 341.967,04 e de € 193.701, 48, recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Notificados da admissão do recurso, apresentaram alegações que remataram com as seguintes conclusões: «(…)
A) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º 809/09.0BEPRT, U.O. 3, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente improcedente o pedido formulado pelos impugnantes que aí pugnavam pela anulação dos actos de liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios relativos aos períodos de tributação de 2004 e 2005.
B) De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a improcedência parcial da impugnação encontra-se ancorada na circunstância de que os factos carreados pela AT são “suficientes para permitir à AT concluir pela existência de uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada, que inviabilizava o apuramento da matéria tributável, por estarem em causa sujeitos passivos de IRS, desobrigados de possuir contabilidade organizada, sendo os únicos elementos ao dispor da AT, para além daqueles extraídos das inspecções às sociedades que foram alvo das entregas (as entregas) as declarações de rendimentos apresentadas pelos próprios impugnantes que não justificam minimamente a capacidade contributiva que aqueles factos concretos evidenciam”.
C) O Tribunal a quo ao aderir sem reserva a parte da fundamentação da IT incorreu num claro erro de julgamento em matéria de direito.
D) Das disposições conjugadas dos artigos 87° a 89º da LGT, o recurso à avaliação indirecta depende da verificação na hipótese concreta, de um dos pressupostos taxativamente enunciados no artigo 87º da LGT e devidamente concretizados nos artigos seguintes.
E) É precisamente aqui que reside o logro intelectivo da Fazenda Pública, logro esse que acabaria por ser balizado pelo Tribunal a quo.
F) Em sede de Audiência Contraditória não logrou a AT demonstrar e provar o recurso a métodos indirectos nos termos em que era exigido.
G) A Sentença do Tribunal a quo ao entender que os factos nos autos são “suficientes para permitir à AT concluir pela existência de uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada, que inviabilizava o apuramento da matéria tributável, por estarem em causa sujeitos passivos de IRS, desobrigados de possuir contabilidade organizada, sendo os únicos elementos ao dispor da AT, para além daqueles extraídos das inspecções às sociedades que foram alvo das entregas (as entregas) as declarações de rendimentos apresentadas pelos próprios impugnantes que não justificam minimamente a capacidade contributiva que aqueles factos concretos evidenciam”.
H) Ponderando os factos que emergem dos documentos e dos depoimentos das várias testemunhas, e confrontados, com os indícios assinalados pelo RIT, facilmente se conclui pela sua fragilidade para ancorarem as correcções à matéria tributável.
I) Neste enfoque, sempre se dirá que, no sentido de sustentar o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável nos termos dos artigos 87º e seguintes da LGT, a AT deveria ter desenvolvido todo um conjunto de operações complementares tendentes a determinar a efectiva factualidade constante nos presentes autos,
J) E a verificação dos seus pressupostos de verificação, como tem sido entendimento da jurisprudência, necessita de ser comprovada de modo directo e não com recurso a contabilidade de terceiros – como se verificou nos presentes autos.
K) Diligencias que a AT, efectivamente não realizou, e que a sentença a quo, não sancionou nos termos legais.
L) A sentença a quo limitou-se a importar do RIT que pelos indícios recolhidos as operações em escrutínio o recurso à avaliação da matéria colectável por parte da AT se encontrava legitimado.
M) Todavia, tal entendimento não pode proceder.
N) Adicionalmente, sempre cumpre reafimar que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 87º e 88º da LGT, o recurso ao método de avaliação indirecta depende da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (cfr. Alínea b) do art. 87° da LGT),
O) A mera suspeição não tem qualquer relevância fiscal, cabendo à AT demonstrar factos concretos que legitimem o recurso à avaliação indirecta, pressuposto que lhe é exigido à luz do artigo 74º n.º 3 da LGT - ónus da prova - e dos Princípios Constitucionais.
P) Compulsados os autos e a matéria dada como provada resulta evidente que os motivos e pressupostos arrolados no relatório não preenchem a previsão da alínea b) do artigo 87º da LGT.
Q) Dos factos apurados verifica-se que os mesmos permitem corrigir a matéria colectável declarada pelos Recorrentes com simples correcções aritméticas.
R) E isto porque, como resulta evidente do relatório de fundamentação e, em consequência da matéria dada como provada e a fundamentação do Tribunal a quo a AT limitou a sua actividade de fiscalização, à detecção e identificação de operações realizadas entre o Recorrente marido e as diversas entidades em que detém participações sociais – e nos termos em que os mesmos eram registados na contabilidade -, recorrendo a um processo simples de soma de todos os valores referentes a suprimentos, entregas de sócios, prestações suplementares e aquisições de quotas.
S) Isto significa que a AT não se encontrava impossibilitada de quantificar de forma directa e exacta o rendimento que diz ter sido omitido pelos contribuintes, pois tinha ao seu alcance todos os elementos que por via de um processo simples de soma de valores, lhe permitiam quantificar exactamente o quantum de rendimento que os contribuintes nos anos de 2004 e 2005 alegadamente subtraíram à tributação.
T) Em face do exposto resulta evidente que também por este motivo as liquidações enfermam de vício de ilegalidade por violação dos artigos 81º, 87, 88º e 90º da LGT
U) Por outro lado, decorre do elenco de factos provados que os sujeitos passivos impugnantes não lograram comprovar parcialmente o excesso de quantificação.
V) Não obstante, crê-se que o critério invocado pela AT e balizado pelo Tribunal a quo relativamente às restantes correcções da matéria tributável não evidencia a verdadeira situação contributiva dos recorrentes, razão pela qual, não poderá ser tomado em linha de consideração para aferir o quantum de rendimento omitido à declaração pelos sujeitos passivos aqui impugnantes.
W) Desde logo, porque o tribunal a quo em linha com o raciocínio da AT [como emerge de fls. do relatório de fundamentação] desconsiderou por completo a totalidade dos valores cuja origem lhe foi comunicada pelo impugnante marido, no requerimento apresentado junto da respectiva inspecção tributária em 16/04/2008.
X) Mais uma vez o tribunal a quo limita-se a assentir sem mais às conclusões da AT bastando-se a assumir como factos provados meros juízos de valor e suspeições levantadas no RIT.
Y) Pois, como efectivamente se demonstrou e comprovou – lembramos que em momento algum questionaram a veracidade das operações cujos documentos pelo que os mesmos não foram alvo de impugnação mas de meros juízos de valor sem valor probatório - o valor de € 219.036,00 por se tratarem de acréscimos patrimoniais não sujeitos a declaração em sede de IRS, não poderão ser objecto de tributação.
Z) Por outro lado, reitera-se que os indícios recolhidos pela AT no decurso da acção inspectiva (isoladamente, ou na sua globalidade) não são suficientes para concluir como concluiu que a prova oferecida no procedimento tributário e nos presentes autos não foi apta para comprovar o excesso de quantificação.
AA) Da prova produzida decorre precisamente o contrário, i. é, que os sujeitos passivos detinham capacidade financeira [aforro] que lhes permitia efectuar as operações de capitalização das sociedades em apreço.
BB) Entendem os Recorrentes que da ponderação dos indícios recolhidos pela AT não poderá ser afastada a materialidade e a relevância destas operações – que em momento algum foram impugnadas – devendo as mesmas ter sido consideradas pelo Tribunal a quo.
CC) Daí que, na perspectiva dos Recorrente incorre a douta sentença ‘a quo’ em erro de julgamento por défice de valoração probatória.
DD) Ponderando os factos que emergem dos documentos e confrontados, com os indícios assinalados pelo RIT, facilmente se conclui pela sua fragilidade para ancorarem as correcções à matéria tributável.
EE) Assim, em face de quanto vem de se alinhar, deverá reconhecer-se que a sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito á factualidade apurada.
FF) Em face do exposto, todo o percurso da decisão a quo radicou em indícios recolhidos pela AT, indícios que não são factos demonstrados, mas apenas uma mera probabilidade, pelo que não cumprem o apertado espartilho do dever de prova previsto no artigo 74º da LGT
GG) Razão pela qual e ao abrigo do disposto no artigo 637º, n.º 1 e 2 do CPC ex vie art. 2º, al. e) do CPPT se requer reapreciação da prova documental junta no procedimento de inspecção relativamente à comprovação da capacidade financeira dos ora Recorrentes.
HH) Assim, tendo-se evidenciado o erro na aplicação do direito aos factos que integram os pontos anteriormente descritos da matéria dada como provada e não provada, deverá o Tribunal ad quem revogar a decisão em recurso.
II) Em face de quanto vem de se alinhar, deverá reconhecer-se que a sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito á factualidade apurada, violando o disposto no artigo 99º do CPPT, artigo 81º, 87º, 88º e 89º da LGT, artigo 58º e 74º da LGT.
(…)».
Pediram a revogação da sentença recorrida.
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1.2. O Recorrido não apresentou contra-alegações.
*
Remetidos os autos a este tribunal, foi aberta vista ao Exmo Sr. Procurador-Geral Adjunto, que emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
*
Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
*
2. Do Objeto do Recurso
Nas doutas alegações de recurso, os Recorrentes começam por anunciar que o recurso abrange o julgamento da matéria de facto.
Mas o que se consegue decantar a partir de uma desnecessariamente longa exposição de pendor descritivo é que a discordância dos Recorrentes face ao decidido em primeira instância no segmento do julgamento de facto se concentra no «ponto que foi dado como não provado» (pág. 16, 1.º §). E para percebermos porquê será necessário saltar mais cinco páginas: na página 21 in fine e no início da página 22, explicam finalmente que não se conformam com o facto de ter sido desconsiderada a prova documental que juntaram no âmbito do procedimento de inspeção, em 16 de abril de 2008. O que é confirmado na conclusão “W”, a única que apresenta alguma conexão com esta matéria.
Assim sendo, o primeiro fundamento do recurso é o erro no julgamento da matéria de facto, por o tribunal recorrido não ter dado como provado que «relativamente a 2004, os movimentos financeiros referidos no item 24) dos factos provados foram efetuados através da mobilização de rendimentos e património financeiro acumulado que resultou de várias operações de alienação de património e de mútuos bancários, conforme comunicado aos Serviços de Inspeção por requerimento de 16/04/2008 – facto alegado nos artigos 194.º a 197.º e 222.º da petição inicial».
Nas doutas alegações de recurso também se anuncia o «erro no procedimento de avaliação da matéria tributável» (pág. 24).
Trata-se de um vício que imputavam ao ato impugnado nos artigos 31.º a 109.º da douta petição inicial, onde os ali impugnantes defendiam que a administração tributária deveria ter recorrido ao procedimento de determinação da matéria tributável pelo método indireto a que alude o artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
A Mm.ª Juiz a quo analisou detalhadamente este vício nas páginas 34 a 41 da douta sentença (fls. 439 a 446 do processo físico), tendo ali concluído que «não assiste razão aos impugnantes quanto ao invocado erro quanto ao procedimento de determinação da matéria tributável».
Ora, analisando o conteúdo das alegações de recurso e das respetivas conclusões, não encontramos nenhuma referência a este segmento da decisão recorrida. Aliás, não há, nas conclusões de recurso, nenhuma referência ao artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
Deve entender-se, por isso, que o erro do procedimento na determinação da matéria tributável não faz parte do objeto do presente recurso.
Nas doutas alegações de recurso também se anuncia o «erro na quantificação na matéria tributável» (pág. 38).
Trata-se de um vício que imputavam ao ato impugnado e a que foi dado particular destaque na douta petição inicial (artigos 182.º a 269.º).
Sucede que o alegado pelos Impugnantes nesta parte teve parcial acolhimento na douta sentença. E o que resta resume-se a saber se ao rendimento tributável apurado pela administração tributária relativamente ao ano de 2004 deveria ter sido subtraído o valor dos fluxos cuja fonte foi devidamente comunicada à administração tributária em requerimento que lhe foi dirigido em 16 de abril de 2008.
Estamos, assim, reconduzidos às seguintes questões:
1.ª – a questão de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento na parte em que concluiu que estavam verificados os pressupostos do recurso à avaliação indireta a que aludem os artigos 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º, alínea d), segunda parte, da Lei Geral Tributária [conclusões “A” a “T”];
2.ª – a questão de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento na matéria de facto, na parte referente aos factos dados como não provados [conclusão “W”];
3.ª – a questão de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito à factualidade apurada, na parte em que não deu como verificado o excesso de quantificação no ano de 2004 [restantes conclusões].
*
3. Do Julgamento de Facto
3.1. Foi o seguinte o julgamento da matéria de facto em primeira instância:
“(…)
1. Com base na Ordem de Serviço n.º OI200700097, foi o Impugnante alvo de ação inspetiva, em sede de IRS, aos anos de 2004 e 2005, que teve lugar entre 15/02/2008 e 20/05/2008 – Cfr. fls. 51 do processo administrativo apenso.
2. Notificado, nos termos dos arts. 58.º e 59.º da Lei Geral Tributária e 29.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária para apresentar «Justificação devidamente fundamentada e documentalmente suportada para a divergência verificada entre os rendimentos declarados em sede de IRS nos anos de 2004 e 2005 e as entregas de valores efectuadas nesses anos, designadamente a titulo de: aumentos de capital, prestações suplementares, suprimentos, empréstimos ou qualquer outro tipo de entregas, nas sociedades de que é titular de partes de capital», veio o Impugnante, por requerimento de 25/02/2008, alegar o seguinte:
«(…)
05.(…) a A.F. não indica concretamente as justificações que pretende e muito menos as sociedades a que se reporta,
(…)
07. por mera “intuição” e porque em 14/12/2004 ocorreu um aumento de capital na sociedade IPI, que recentemente foi inspeccionada pelo Técnico que subscreve a notificação a que se responde, é possível concluir que a A.F. pretende obter explicações para esta operação.
Neste contexto,
08. esclarece o contribuinte que, tendo ocorrido o aumento de capital em 2004, o sujeito passivo utilizou capitais próprios que aforrou ao longo de vários anos de trabalho a que se vem dedicando.
09. capitais que obteve em 1996 com a venda do imóvel pelo valor de 40.000.000$00 (contravalor em euros € 200.000,00) – doc. 1,
10. que reforçou em 1997 com a venda de outro imóvel pelo valor de 20.000.000$00 (contravalor em euros = € 100.000,00) – doc. 2,
11. para além de outras operações realizadas ao longo de vários anos de trabalho.
Assim,
12. está perfeitamente identificada a capacidade financeira do contribuinte para subscrever o aumento de capital realizado na citada empresa,
13. pelo que entende estar devidamente cumprida a informação solicitada ao abrigo da notificação a que responde.
De todo o modo,
14. prestará as informações que a A.F. entender EM CONCRETO solicitar.» – Cfr. fls. 131-132 do processo administrativo apenso.
3. Com o requerimento referido em 2), juntou o Impugnante os seguintes documentos:
- doc. 1 – cópia de escritura pública outorgada pelos Impugnantes em 10/10/1996, de venda de 3 frações autónomas no valor global de 40.000.333$00 (€ 199.520,82);
- doc. 2 – cópia de escritura pública outorgada pelos Impugnantes em 08/04/1997, de venda de fracção autónoma no valor de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) – Cfr. fls. 133-144 do processo administrativo apenso.
4. Novamente notificado para «Remeter documentos de prova, nomeadamente, através de extractos bancários que em concreto e de forma inequívoca evidenciassem, os meios financeiros, seja aforros e outras operações geradoras de capital, por si referidos, que lhe permitiram a aplicação, na realização das operações efectuadas e concretamente identificadas» veio o Impugnante, por requerimento de 16/04/2008, alegar o seguinte:
«(…)
03. (…) do texto que integra o teor da notificação parece ser possível intuir que a matéria em causa se reporta às manifestações de fortuna previstas no art. 89.º-A da LGT
(…)
05. e no contexto da norma (…) é necessário que se verifiquem um conjunto de pressupostos.
6. Desde logo o facto típico patenteado nas “manifestações de fortuna”, previsto na tabela do art. 89.º-A da LGT.
07. E na tabela em causa só relevam os “suprimentos e outros empréstimos” (…)
08. Relevando apenas os suprimentos para efeitos de apuramento do rendimento padrão, verifica-se o seguinte relativamente a 2004:
Total dos suprimentos: € 276.382,80
Rendimento padrão (50%): € 138.191,40
09.(…) vejamos agora a sua fonte de rendimento:
a) Venda de participação social em 1995 que afectou ao aforro (doc. 1) € 93.356,00
b) IRS declarado € 22.000,00
c) Empréstimo contraído junto do BIC (doc. 2) € 50.000,00
d) Empréstimo contraído junto do BTA (doc. 3) € 53.680,00
€ 219.036,00
(…)
Relativamente a 2005
12. Mantendo o mesmo critério, apenas constituem suprimentos os valores que em Julho, Setembro e Novembro foram contabilizados como tal na sociedade “TB & M, Lda.”, no valor global de € 70.500,00.
13. O rendimento padrão é de 50%, a que corresponde o valor de €35.250,00
14. Dado que a lei admite no número 1 do art. 89.º-A da LGT um desvio que não exceda 50%
[…], verifica-se que a capacidade do contribuinte está perfeitamente justificada pois tem um IRS declarado de € 22.000,00, o que claramente excede o desvio permitido.
15. É, assim, entendimento do contribuinte que os elementos revelados são suficientes, e que o processo deverá ser arquivado sem qualquer alteração à matéria colectável para efeitos de IRS.». Cfr. fls. 119-121 do processo administrativo apenso.
5. Com o requerimento referido em 4), juntou o Impugnante os seguintes documentos:
- doc. 1 – cópia de escritura pública outorgada pelos Impugnantes em 31/03/1995, de venda de fracção autónoma pelo valor de dezoito milhões de escudos (€ 89.783,62);
- doc. 2 – cópia de aviso de lançamento a crédito referente a desconto de livrança junto do BIC no valor de € 50.000,00, com data de crédito de 03/06/2004 e vencimento a 01/12/2004;
- doc. 2 – cópia de livrança e respetivo aviso de lançamento a crédito decorrente do seu desconto junto do BTA no valor de € 53.680,00, com data de crédito de 30/03/2004 e vencimento a 30/05/2004.
– Cfr. fls. 122-129 do processo administrativo apenso.
6. Pelo ofício ref.ª 38458/0505, de 21/05/2008, remetido por correio registado de 21/05/2008, foi o Impugnante notificado do projeto de relatório de inspeção tributária referente à ação inspetiva mencionada em 1), para, no prazo de 15 dias, querendo, exercer o respetivo direito de audição – Cfr. fls. 44-45 do processo administrativo apenso.
7. Em 20/06/2008, os Serviços de Inspeção Tributária elaboraram o relatório de inspeção tributária referente à ação inspetiva mencionada em 1), com o seguinte teor:
«(…)
IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Conforme refere o n.º 1 do artigo 75.º da LGT (Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17-Dez.): "Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal."
Contudo, a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, enuncia uma das situações em que essa presunção não se verifica, ou seja, quando: "As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo."
Os elementos na posse dos Serviços de Inspecção Tributária, a que se fará referência no presente relatório, ilidem a presunção acima referida.
IV.1 - Elementos Recolhidos nas Empresas de que é Titular de Partes de Capital
Com base nos Despachos DI200801727, DI200801728, DI1200801729 e na Ordem de Serviço OI200700087, foram levadas a cabo acções, respectivamente, às empresas " TB & M, Lda." - NIPC: 50xxx08; "JFCSMI, Lda" - NIPC: 50xxx40; " ML & Irmãos, Lda" - NIPC: 50xxx14 e " IPI, Lda." - NIPC: 50xxx37, decorrentes das quais foi apurado que, no decurso dos anos de 2004 e 2005, o contribuinte FJNF efectuou as seguintes entregas de valores a sociedades das quais é detentor de partes de capital:
Ano de 2004:
OperaçãoPeríodoValor
TB & M, Lda. – NIF 50xxx08
Prestações Suplementares Dez/2004 305.400,00€
Entrega por conta sócios Set/2004 45.000,00€
Entrega por conta sócios Nov/2004 25.000,00€
Entrega por conta sócios Dez/2004 206.382,90€
Aquisição de quotas Ago/2004 50.000,00€
IPI, Lda. – NIF 50xxx37
Aumento de capital 143.000,00€
Total 2004: 774.782,90€
Ano de 2005:
OperaçãoPeríodoValor
TB & M, Lda. – NIF 50xxx08
Entrega por conta sócios Jul/2005 25.500,00€
Entrega por conta sócios Set/2005 25.000,00€
Entrega por conta sócios Nov/2005 20.000,00€
Prestações Suplementares Set/2005 85.000,00€
Prestações Suplementares Set/2005 90.000,00€
Prestações Suplementares Out/2005 65.500,00€
Prestações Suplementares Out/2005 62.000,00€
Prestações Suplementares Out/2005 25.000,00€
Prestações Suplementares Out/2005 21.000,00€
Prestações Suplementares Out/2005 27.500,00€
Prestações Suplementares Nov/2005 25.000,00€
Prestações Suplementares Nov/2005 3.000,00€
Aquisição de quotas Abr/2005 50.000,00€
ML & Irmãos, Lda. – NIF 50xxx14
Prestações Suplementares Jan/2005 3.750,00€
Prestações Suplementares Jul/2005 4.250,00€
Total 2005: 532.500,00€
IV.2 - Rendimentos do Agregado Familiar
A capacidade financeira declarada nos últimos anos, pode ser aferida através do Rendimento Líquido Disponível que resulta dos Rendimentos Brutos Declarados após abatimento das importâncias retidas e/ou aplicadas em despesas e poupanças, conforme vertido no quadro seguinte:
AnoCat. ACat. ECat. FRend. Global Agregado (Bruto)Total de Abatimentos e deduções (*)Rend. Líquido disponível Agregado (**)
2000 16.260,08 6.391,58 22.651,66 6.024,70 16.626,96
2001 18.954,40 6.501,12 25.455,52 7.514,00 17.941,52
2002 8.978,40 8,25 6.534,97 15.521,62 6.500,39 9.021,23
2003 12.470,00 5,50 6.534,97 19.010,47 9.194,14 9.816,33
2004 14.964,00 6,93 6.651,28 21.622,21 14.034,66 7.587,55
2005 14.964,00 5,24 6.709,44 21.678,68 15.381,99 6.296,69
2006 14.964,00 1.750,00 6.709,44 23.423,44 19.031,03 4.392,41
(*) Total das deduções à colecta, abatimentos, retenções na fonte e contribuições para a Segurança Social suportadas pelo agregado em cada ano civil
(**) Total do rendimento líquido disponível do agregado após abatimento dos montantes suportados conforme (*)
IV.3 - Notificações Efectuadas
IV.3.1 - Notificações Pessoais
Conforme ficou evidente, os valores das entregas efectuadas (IV.1) não se mostram consistentes com a capacidade financeira declarada (IV.2).
Deste modo, foi o contribuinte notificado pessoalmente, em 15-02-2008 e 26-02-2008, nos termos dos art. 58° e 59° da lei Geral Tributária e art.29° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, sendo que a segunda é a repetição da primeira face à impossibilidade demonstrada pelo contribuinte para lhe dar cumprimento na data estipulada, para apresentar:
- Justificação devidamente fundamentada e documentalmente suportada para a divergência verificada entre os rendimentos declarados em sede de IRS nos anos de 2004 e 2005 e as entregas de valores efectuadas nesses anos, designadamente a titulo de: aumentos de capital, prestações suplementares, suprimentos, empréstimos ou qualquer outro tipo de entregas, nas sociedades de que é titular de partes de capital.
Em resposta às referidas notificações, e não obstante as mesmas terem sido efectuadas pessoalmente e com indicação do local em que os elementos deveriam ser apresentados, veio o contribuinte, porque entende que o cumprimento do dever de colaboração não exige a presença física, responder por escrito e via epistolar ao solicitado, conforme registos de entrada n.º 012390 de 25-02-2008 e n.º 013268 de 27-02-2008.
Na resposta produzida, considera que na notificação efectuada não foram identificadas concretamente as situações e sociedades a que se reporta o pedido de justificação, pelo que justifica unicamente, a capacidade financeira para subscrever o aumento de capital realizado na empresa "IPI, Lda." - NIPC: 50xxx37, apresentando fotocópias das escrituras relativas a duas alienações de imóveis ocorridas, respectivamente, em 1996 e 1997 pretendendo assim demonstrar a capacidade financeira subjacente ao referido aumento de capital.
Não obstante o contribuinte considerar ter respondido cabalmente às notificações efectuadas, mostra contudo disponibilidade para produzir nova informação que lhe viesse a ser solicitada em concreto e por escrito.
IV.3.2 - Notificação via CTT
Assim, uma vez que de facto as referidas notificações não se mostravam cabal e integralmente cumpridas, foi o sujeito passivo novamente notificado em 19-03-2008, através do ofício n.º 2238010505, nos mesmos termos e para os mesmos efeitos dos princípios do Inquisitório e da colaboração consagrados nos artigos 58.º e 59.º da Lei Geral Tributária e 29.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, reiterando o expressamente solicitado nas anteriores notificações, para:
- Remeter documentos de prova, nomeadamente, através de extractos bancários que em concreto e de forma inequívoca evidenciassem, os meios financeiros, seja aforros e outras operações geradoras de capital, por si referidos, que lhe permitiram a aplicação, na realização das operações efectuadas e concretamente identificadas nos quadros inseridos (idênticos aos que constam no ponto IV.1).
Na mesma notificação foi efectuada menção expressa de que essa prova poderia ser efectuada, em alternativa, ou complementarmente, por autorização para a derrogação do sigilo bancário (conforme declaração que se anexava), a fim de permitir a obtenção dessa informação directamente das instituições financeiras envolvidas, indicando as contas bancárias e as operações realizadas, bem como as respectivas datas, através das quais se demonstre o percurso da capacidade financeira gerada e a sua aplicação nas situações em análise.
Foi de igual modo efectuada expressa referência à cominação em que incorreria em caso de incumprimento: "O não cumprimento da presente notificação fará incorrer na infracção tipificada e punida pelo artigo 117º do Regime Geral das Infracções Tributárias, sem prejuízo do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável de IRS, nos termos do artigo 9° do Código do IRS e artigos 87º e 88º da Lei Geral Tributária"
Em 16-04-2008 deu entrada nestes Serviços (registo de entrada n.º 025782) a resposta oferecida pelo contribuinte, após ter solicitado a prorrogação do prazo inicialmente concedido, pretensão, que foi atendida, fixando-se como data limite para cumprimento da notificação o dia 18-04-2008.
Na resposta, o contribuinte, enquadra as operações em análise nas normas caracterizadora das Manifestações de Fortuna" nomeadamente na tabela do art. 89°-A da LGT, por considerar, incorrectamente, não constar da notificação o enquadramento legal que a Administração Fiscal pretende invocar. Neste contexto, o alegado vem no sentido de que:
- Da tabela em causa só relevem os suprimentos e outros empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, à luz deste preceito legal, as prestações suplementares que não são empréstimos mas elementos pecuniários que integram o capital social, nem aquisição de partes sociais que integram investimentos financeiros, não contemplados na tabela em apreço;
Assim, considerando o total de suprimentos o valor de €276.382,80 no ano de 2004 e €70.500,00 no ano de 2005, a que corresponde um rendimento padrão de respectivamente €138.191,40 e €35.250,00, e ainda o desvio não superior a 50% desse rendimento padrão, vem o contribuinte, relativamente ao ano de 2004, justificar apenas o rendimento padrão determinado de acordo com as regras do art. 89°-A da LGT, invocando como fontes desse rendimento, além do rendimento declarado para IRS na respectiva declaração, as seguintes operações:
- Venda de Imóvel em 1995, no valor de 18.000,000$00, o que equivale a €89.783,62 e não, conforme referido, €93.356,00.
- Empréstimo contraído junto do BIC, com base em Livrança, no valor de € 50.000,00, cujo crédito em conta foi efectuado em 03/06/2004 e cuja data de vendimento seria em 01/12/2004.
- Empréstimo contraído junto do BTA, com base em Livrança, no valor de € 53.680,00, cujo crédito em conta foi efectuado em 30/03/2004 e cuja data de vendimento seria em 30/05/2004.
Relativamente ao ano de 2005, e mantendo o mesmo critério, considera que apenas constituem suprimentos os valores que em Julho Setembro e Novembro foram contabilizados como tal na sociedade " TB & M, Lda.”, no valor global de € 70.500,00, a que corresponde o rendimento padrão de € 35.250,00, valor este que comparado com o rendimento declarado para efeitos de IRS, não supera o desvio de 50% referido no nº 1 do art. 89°-A da LGT, considerando assim devidamente justificada a sua capacidade financeira para fazer face aos referidos suprimentos.
IV.3.3 - Resumo e análise dos elementos apresentados pelo Contribuinte
O objectivo das notificações efectuadas era a obtenção dos necessários esclarecimentos e documentos, por parte do contribuinte, acerca da existência de capacidade financeira que viria a permitir a realização das operações identificadas bem como a identificação dos meios financeiros utilizados nessas operações.
Os elementos oferecidos pelo contribuinte, não dão cabal cumprimento ao solicitado, quer em termos de exaustividade das operações, quer em termos de documentos de prova que em concreto e de forma inequívoca evidenciem a disponibilidade, à data das operações, dos meios financeiros necessários à sua realização,
De facto, apenas apresenta fundamentação no sentido de justificar, numa primeira etapa, o aumento de capital por si subscrito na empresa " IPI " e numa segunda fase, intenta justificar a capacidade para a realização dos suprimentos identificados, pelo que, no conjunto das alegações, não é contemplada a totalidade das operações em análise e concretamente identificadas.
Por outro lado, as justificações que de forma individualizada e espartilhada foram apresentadas, não se traduzem em evidências claras e inequívocas de que à data das operações disponha da capacidade financeira necessária para as realizar, porquanto:
- Relativamente aos alegados empréstimos contraídos apenas foram remetidas as notas de lançamento em conta dos montantes mutuados, desacompanhados dos respectivos contratos que elucidariam sobre a forma, prazo e montante de pagamento e/ou amortização, condições e eventuais garantias prestadas, ficando, portanto, também por demonstrar a capacidade financeira para prover ao seu pagamento, o que considerando que as datas previstas para o seu vencimento se situam no mesmo ano, apenas justificam uma disponibilidade momentânea porquanto a sua liquidação implica um aumento da capacidade financeira global quando analisado o ano em que essa liquidação ocorra.
- Quanto às alienações ocorridas na sua esfera patrimonial em 1995, 1996 e 1997, não demonstram de per si serem constitutivas da capacidade financeira questionada, tendo em conta o hiato temporal entre as referidas alienações e a realização das operações identificadas, por um lado, e também porque, ficou por demonstrar que tais montantes tenham sido objecto de eventual aforro e que o mesmo estaria ainda disponível para aplicação nas operações em causa.
IV.4 - Enquadramento Jurídico-Tributário
Conforme pontos anteriores, ficou demonstrado que a presunção a que se refere n.º 1 do artigo 75.º da LGT, não se verifica, face à verificação de uma das situações previstas na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, ou seja, quando: "As declarações... revelarem omissões,.... ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo."
Ora, o artigo 87.º da LGT, enumera os casos em que é possível realizar a avaliação indirecta, designadamente perante a "Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto".
Por outro lado, de acordo com o artigo 88.º da LGT:
"1 - A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos da aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: (...)
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou I serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada"
Ora, as operações detectadas, constituem factos concretamente identificados que patenteiam uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada, conforme já exposto nos pontos IV.1 e IV.2.
Estão assim reunidos os pressupostos para a avaliação indirecta da Matéria Tributável de IRS relativa aos anos de 2004 e 2005, nos termos da b) do art. 87º e d) do art. 88°,ambos da LGT.
V. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
De acordo com o artigo 9º do CIRS constituem Incrementos Patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, os acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87.º,88.º ou 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT).
Por outro lado, de acordo com a alínea i) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT, em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a sua determinação por métodos indirectos poderá ter em conta:
"Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte" .
Na tabela seguinte apresentamos um resumo dos rendimentos brutos declarados à Administração Tributária, dos rendimentos líquidos disponíveis que resultam das mesmas declarações e apurados conforme se evidenciou no ponto IV.2, bem como o total anual das entregas de valores efectuadas para realização das operações identificadas no ponto IV.1:
AnoTotal dos Rendimentos Brutos do Agregado FamiliarTotal dos Rendimentos Líquidos do Agregado FamiliarTotal das Entregas de valores
2004 21.622,21€ 7.587,55€ 774.782,90€
2005 21.678,68€ 6.296,69€ 462.000,00€
Obs.: no ano de 2005, foram desconsiderados nesta análise, os 70.500,00€ relativos a entregas de suprimentos na empresa " TB & M, Lda.", por se considerar que, havendo a sua restituição no mesmo ano, as entregas não se traduziram numa necessidade financeira efectiva.
Comparando os valores acima apresentados, constata-se que os movimentos financeiros não são compatíveis com os rendimentos declarados.
Face ao exposto, os montantes apurados nas operações identificadas, deverão ser considerados como incrementos patrimoniais não justificados, verificando-se as regras de incidência a que se refere o artigo 9° do CIRS, ou seja: será considerado como incremento patrimonial - categoria G de IRS, o valor correspondente à soma das operações detectadas, que ascende a 774.782,90 €, para o ano de 2004, e a 462.000,00 €, para 2005.
O montante global das entregas de valores foi considerado rendimento na totalidade, dado que esses montantes não denotam ter qualquer relação com os rendimentos declarados.
A tabela seguinte apresenta os valores de rendimentos declarados, as correcções propostas e os valores de rendimentos após correcções, sendo que os rendimentos apurados em sede de categoria G de IRS - Incrementos Patrimoniais, são considerados como obtidos pelo sujeito passivo A - FJNF, uma vez que as operações em causa se mostram tituladas por este.
TitularRendimentos declarados
Ano de 2004 Ano de 2005
Cat. A Cat. E Cat. F Cat. G Cat. A Cat. E Cat. F Cat. G
S.P. A 14.964,00 6,93 3.325,64 --- 14.964,00 5,24 3.354,72 ---
S.P. B --- --- 3.325,64--- --- --- 3.354,72 ---
Totais 14.964,00 6,93 6.651,28 ---14.964,00 5,24 6.709,44 ---
TitularCorrecções Propostas
Ano de 2004 Ano de 2005
Cat. A Cat. E Cat. F Cat. G Cat. A Cat. E Cat. F Cat. G
S.P. A --- --- --- 774.782,90 --- --- --- 462.000,00
S.P. B --- --- --- --- --- --- --- ---
Totais --- --- --- 774.782,90 --- --- --- 462.000,00
TitularRendimentos Corrigidos
Ano de 2004 Ano de 2005
Cat. A Cat. ECat. F Cat. G Cat. A Cat. ECat. F Cat. G
S.P. A 14.964,00 6,93 3.325,64 774.782,90 14.964,00 5,24 3.354,72 462.000,00
S.P. B --- --- 3.325,64 --- --- --- 3.354,72 ---
Totais 14.964,00 6,93 6.651,28 774.782,90 14.964,00 5,24 6.709,44 462.000,00
(…)
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO
O contribuinte foi devidamente notificado para o exercício do direito de audição, através do ofício n.º 38458/0505 enviado por carta registada em 2008-05-21, não tendo, porém, vindo oferecer qualquer resposta.
Assim sendo, serão de manter as correcções propostas no projecto de relatório. (…)» – cfr. fls. 50-61 do processo administrativo apenso.
8. Pelo ofício refª 46805, de 25/06/2008, remetido sob correio registado com aviso de receção assinado em 27/06/2008, foram os Impugnantes notificados do relatório de inspeção tributária referido em 7) e das respetivas notas de fixação do rendimento líquido, por métodos indiretos nos valores de € 792.846,01 (2004) e € 480.050,08 (2005) – cfr. fls. 46-48 do processo administrativo apenso.
9. Em 25/07/2008, os Impugnantes deduziram pedido de revisão da fixação por métodos indiretos da matéria coletável de IRS dos exercícios de 2004 e 2005 junto da Direção de Finanças do Porto, requerendo a nomeação de perito independente e alegando, resumidamente, o seguinte:
- o erro quanto ao procedimento de determinação da matéria tributável, porque à situação em causa é inaplicável a alínea b) do artigo 87.º da LGT sendo no limite aplicável a sua alínea d) [artigos 5.º a 131.º];
- ainda que assim não se entenda, o erro de apuramento, porque a AT desconsiderou por completo a totalidade dos valores que em 16/04/2008 lhe foram comunicados quanto a 2004 (€ 219.036,00), os quais devem ser subtraídos e tomou em consideração um conjunto de potenciais prestações suplementares (€305.400,00 + €206.382,90) que têm natureza meramente contabilística porque visavam dotar a sociedade de autonomia financeira para concorrer ao sistema de incentivos financeiros “SIME”, quando as únicas operações que resultaram de um efetivo fluxo reportam-se às 2 entregas de sócios (€45.000,00 + €25.000,00), à aquisição de quotas (€50.000,00) e ao aumento de capital na IPI (€143.000,00) e para o efeito, mobilizaram rendimentos e património financeiro acumulado, conforme se evidencia no referido requerimento, pelo que, a ser legitimo o recurso à avaliação indireta, sempre a imputação adicional de acréscimo de rendimentos seria reduzida à soma das referidas parcelas (€45.000,00 + €25.000,00 + €50.000,00 + €143.000,00) [artigos 132.º a 169.º], sendo que, também quanto ao ano de 2005, as entregas de € 404.000,00 são meramente contabilísticas [artigos 170.º a 181.º].
- entretanto, por vicissitudes contratuais, a sociedade teve de devolver o incentivo e “regularizou” as referidas prestações suplementares [artigos 182.º a 204.º] – Cfr. fls. 62-94 do processo administrativo apenso.
10. Em 05/12/2008, reuniram os peritos da Fazenda Pública e dos Impugnantes tendo sido lavrada a ata n.º 117, com o seguinte teor:
«(…)
Por não ter sido possível o acordo entre os Peritos, cada um deles lavrou o seu parecer, que se anexa à presente acta.
(…)
O perito independente designado pelo contribuinte não compareceu à reunião. No entanto, comunicou que, em tempo oportuno, entregará o seu relatório.
PARECER DO PERITO DO CONTRIBUINTE sucintamente fundamentado:
A nossa posição é que não concordamos com o parecer da Administração Fiscal.
Na nossa opinião expressa no nosso procedimento de revisão a Administração Fiscal não tem justificação nem legitimidade para recorrer a métodos indirectos no sentido do apuramento de valores de rendimento.
PARECER DO PERITO DA FAZENDA PÚBLICA sucintamente fundamentado:
A posição assumida pelo Perito do Contribuinte no início da reunião deixou claro que a análise do “quantum” não estava no seu horizonte e, consequentemente, não reconhecia qualquer relevância à sua apreciação.
Em seu entender, tudo se resumia na não aceitação da tributação por avaliação indirecta, em qualquer circunstância, isto é, quer pela óptica prevista na alínea d) do art. 87.º em conjugação com o artigo 89.º-A, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), quer pela óptica considerada pela Administração Fiscal (al. b) do art. 87.º e art. 88.º, al. d), ambos da LGT).
Assim sendo, a nossa atitude incidiu no reforço da posição assumida pela Administração Fiscal, afastando a via restritiva prevista no art. 89.º-A da LGT, uma vez que o contribuinte não considerou todo o conjunto de situações susceptíveis de revelarem acréscimos patrimoniais não justificados.
Conforme refere a alínea d) do n.º 1 do art. 9.º do CIRS, os acréscimos patrimoniais não justificados podem resultar de situações previstas, isolada ou conjuntamente, nos arts. 87.º, 88.º ou 89.º-A. No caso em apreço, estamos em presença de um conjunto de situações traduzidas em vários factos concretamente identificados, através dos quais é patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior que a declarada.
De facto, não estamos apenas na presença de “suprimentos”.
Assim sendo, a análise e enquadramento tem de ser vista no seu conjunto, isto é, com consideração de “suprimentos”, “aquisição de quotas”, “prestações suplementares” e “aumentos de capital”. Consequentemente, a avaliação indirecta segundo o referido na alínea b) do art. 87.º da LGT, resulta das circunstâncias referidas na última parte da alínea d) do art. 88.º da LGT.
Uma vez que o Perito do Contribuinte assumiu a posição descrita, inviabilizou a análise do “quantum” e, consequentemente, impediu a discussão de alguns pontos que, hipoteticamente poderiam alterar os valores propostos.
Assim, entendemos que o pedido de revisão oficiosa deverá ser indeferido na totalidade.» Cfr. fls. 101-108 do processo administrativo apenso.
11. Em 17/12/2008, o perito independente apresentou do Serviço de Apoio às Comissões de revisão, o seu laudo, com o seguinte teor:
«(…)
4 - Em 2004 na firma TB & M, Lda, foram feitos novamente lançamentos incorrectos, um de 305.400,00 e outro de 206.382,90€, movimentando indevidamente a conta caixa, conforme apresenta FJNF no seu pedido de revisão, com o objectivo de alcançar determinada autonomia financeira, tentando cumprir com requisito de um projecto ao abrigo do SIME. Foi feito um movimento como prestações suplementares de 305.400 € que transformou o saldo inicial da conta 53 em 2004 de 120.0000 em 425.4000. Não me foi facultado cópia do respectivo balancete, mas pelos dados apresentados este saldo não está influenciado da entrega de 206.382,90€. Contudo, pode-se verificar pelo saldo que mencionam da conta 53 em 2005, que atinge uma saldo de 829.400€ após um reforço de 404.000€ durante esse ano. Permite concluir que os 206.382,90€ foram uma entrega de sócios. Comprova-se assim ser inverosímil ao referido nos pontos 158 a 161 do pedido de revisão interposto.
5 - Quanto ao ano de 2005, foram efectuadas diversas entregas como prestações suplementares que totalizaram os 404.000€. Conforme a explicação do procedimento de revisão apresentado pelo Sujeito Passivo, essas verbas destinavam-se afinal, a eliminar os saldos das contas 25511, 25512 e 26422, de 274.914,80€, 176.761,51€ e 176.761,57€ respectivamente. Não nos podemos esquecer que do 1º saldo só foram retiradas efectivas de dinheiro 129.471,02€ conforme parecer da AF, e os últimos dois valores correspondem a quotas subscritas e não liquidadas, a de FF e a outra dos ex-sócios Agostinho Mourão e Nelson Gonçalves as quais foram transferidas para a conta do 1º sócio aquando da aquisição de quotas em 21 de Março de 2003.
Independentemente de estes valores terem sido posteriormente corrigidos e deixarem de ser prestações suplementares, as quantias de 145.443,78€ (274.914,80-129.471,02€) e 176.761,51 + 176.761,51€ não correspondem a reembolsos de empréstimos, logo demonstram uma capacidade financeira que não corresponde aos rendimentos declarados. Penso que as correcções efectuadas visaram tornar credíveis as explicações apresentadas.
6 - O aumento de capital da IPI, Lda, de 143.000€ foi justificado pelo contribuinte.
7 - Não concordo com a justificação dada pelo SP no cumprimento do seu dever de colaboração quando diz que as prestações suplementares não são empréstimos, mas elementos pecuniários que integram o capital. A ser um elemento pecuniário não poderia ter relevado na contabilidade o lançamento efectuado para efeitos de constituição de autonomia financeira, já que no procedimento de revisão vem dizer que não foi um movimento de capital.
Não foi respeitado o nº 2 art. 210º do Código das Sociedades Comerciais que diz «As prestações suplementares têm sempre dinheiro por objecto». Apesar de fazer parte do capital social podem ser restituídas aos sócios sob as condições do artº 213 do CSC, equiparando-se nestas circunstâncias a empréstimos, embora sem datas e não remunerados.
8 - Resumindo a minha opinião sobre as situações referida, e partindo do quadro apresentado no relatório de Inspecção Tributária, acho que são de considerar Empréstimos de sócios / Suprimentos, as seguintes entregas:
Ano de 2004:
TB & M, Lda. – NIF 50xxx08
Operação Período Valor
Entrega/EmpréstimoSet.2004 45.000,00€
Entrega/Empréstimo Nov.2004 25.000,00€
Entrega/Empréstimo Dez.2004 206.382,90€
Entrega/Empréstimo Ago.2004 50.000,00€
Subtotal 326.382,90€
Imóvel vendido em 1995 -89.783,62€
Total ano de 2004 236.599,284
Ano de 2005:
TB & M, Lda. – NIF 50xxx08
OperaçãoPeríodo Valor
Entrega/Empréstimo Jul.2005 25.500,00€
Entrega/Empréstimo Set.2005 25.000,00€
Entrega/Empréstimo Nov.2005 20.000,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Set.2005 85.000,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Set.2005 90.000,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Out.2005 65.500,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Out.2005 62.000,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Out.2005 25.000,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Out.2005 21.000,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Out.2005 27.500,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Nov.2005 25.000,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Nov.2005 3.000,00€
Aquisição de Quotas 50.000,00€
Subtotal524.500,00€
ML & Irmãos, Lda. – NIF 50xxx14
OperaçãoPeríodoValor
Prest. Suplementares/EmpréstimoJan.20053.750,00€
Prest. Suplementares/Empréstimo Jul.20054.250,00€
Subtotal 8.000,00€
Total ano de 2005 532,500,00€
Penso que o caso em análise se enquadra na d) do art° 87° da Lei Geral Tributária, e consequentemente se deveria aplicar o disposto no artº 89-A da mesma Lei, nomeadamente o n° 4, pelo que a considerar-se a aplicação dos métodos indirectos pelas regras dos art.rs 87.º e 88.º da LGT, não deverá ser fixado valor superior ao que resulta da aplicação da tabela a que se refere o n.º 4 do aludido art. 89-A, com base nos montantes dos empréstimos atrás mencionados.». – Cfr. fls. 109-113 do processo administrativo apenso.
12. Em 17/12/2008, foi proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão referido em 9), com o seguinte teor:
«Conforme acta n.º 117, de 05/12/2008, da reunião dos peritos a que se refere o art. 92.º da Lei Geral Tributária, para apreciar o pedido de revisão apresentado pelo contribuinte ao abrigo do art.º 91.º da citada Lei e não tendo sido possível o acordo, cada um dos peritos elaborou o seu parecer, que se encontra anexo à citada acta.
Nos termos e para os efeitos do n.º 6 do art. 92.º da Lei Geral Tributária, analisaram-se os documentos do processo, nomeadamente:
- Relatório de Inspecção Tributária
- Petição apresentada pelo contribuinte
- Parecer do perito nomeado pelo contribuinte
- Parecer do perito da administração tributária
O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.
Na falta de acordo e nos termos do n.º 6 do art. 92.º da Lei Geral Tributária, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos.
DOS PARECERES DOS PERITOS
Constata-se coincidência de pontos de vista entre a petição apresentada pelo contribuinte e o parecer do perito nomeado pelo mesmo.
Em tese geral alegam a sua discordância quanto à aplicação de métodos de avaliação indirecta quanto ao IRS e ao exercício de 2004 e 2005 nos exactos termos em que foi fundamentada nos termos constantes no Relatório de Inspecção Tributária (R.I.T.), alegando a inexistência dos pressupostos para a sua aplicação, bem como a quantificação daí decorrente, tudo nos termos do parecer do perito nomeado pelo contribuinte anexo à supracitada acta, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
O perito independente, nomeado a solicitação do contribuinte, nos termos do parecer anexo à supracitada acta, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, conclui que “Resumindo a minha opinião … acho que são de considerar Empréstimos de sócios / suprimentos, as seguintes entregas:--------------------------------------------------------------
--- TB & M, Lda. NIF 50xxx08-----------------------------------------------------
---Ano de 2004 € 236.599,28-----------------------------------------------------
---Ano de 2005 € 524.500,00-----------------------------------------------------
---ML & Irmãos, Lda. NIF 5xxx14------------------------------------------------
---Ano de 2005 € 532.500,00”----------------------------------------------------
---“Penso que o caso em análise se enquadra na alínea d) do art.º 87.º da Lei Geral Tributária, e consequentemente se deveria aplicar o disposto no art. 89.º-A da mesma Lei, nomeadamente o n.º 4, pelo que a considerar-se a aplicação dos métodos indirectos pelas regras dos arts. 87.º e 88.º da LGT, não deverá ser fixado valor superior ao que resulta da aplicação da tabela a que se refere o n.º 4 do aludido art. 89.º-A, com base nos montantes dos empréstimos atrás mencionados”.------------------------------------------------
O perito da Administração Tributária, nos termos do parecer anexo à supra citada acta, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais é de opinião estarem reunidos os pressupostos necessários à aplicação dos métodos de avaliação indirecta para os exercícios de 2004 e 2005 e quanto ao IRS.
Quanto à quantificação daí decorrente, concorda com a metodologia adoptada pela inspecção tributária pelo que, em sua opinião, “o pedido de revisão deverá ser indeferido na totalidade”.
DECISÃO
Face aos pareceres dos Senhores Peritos, cumpre decidir.
Perante os factos evidenciados no relatório de inspecção tributária, afigura-se-nos estarem reunidos os pressupostos que permitem o recurso à tributação por métodos de avaliação indirecta, nos termos dos arts. 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária.
Concordo com a quantificação da matéria tributável proposta pelo perito da Administração Tributária, pelas razões constantes no seu parecer, que acompanho, e aqui dou por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Nestes termos, rejeito o parecer do perito independente nomeado a pedido do contribuinte, no uso da faculdade prevista no n.º 4 do art.º 91.º da Lei Geral Tributária pelas razões expostas.
CONCLUINDO
Nos termos e para os efeitos no n.º 6 do art. 92.º da Lei Geral Tributária com o meu acordo ao parecer do Perito da Administração Tributária pelas razões nele constantes, que acompanho e aqui dou por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e, face ao exposto, indefiro o pedido de revisão apresentado, mantendo os valores propostos no Relatório de Inspecção Tributária no que concerne ao IRS e quanto aos exercícios de 2004 e 2005.» – Cfr. fls. 114-118 do processo administrativo apenso.
13. Em 26/12/2008 e 29/12/2008, foram emitidas em nome dos Impugnantes as liquidações de IRS n.º 2008 5004719413, referente ao ano de 2004, no valor a pagar de € 341.608,81 que inclui juros compensatórios de € 37.439,32 e n.º 2008 5004719603, referente ao ano de 2005, no valor a pagar de € 193.349,42 que inclui juros compensatórios de € 15.033,07 – Cfr. os documentos 19-20 e 22-23 juntos com a petição inicial.
14. As liquidações referidas em 13) deram origem às demonstrações de acerto de contas n.º 2008 00001532387 e n.º 2008 00001533425, nos valores a pagar de € 341.967,04 e € 193.701,48, ambas com data limite de pagamento de 09/02/2009 – Cfr. os documentos 21 e 24 juntos com a petição inicial..
15. Em 25/03/2009, a petição inicial dos presentes autos de impugnação deu entrada neste TAF – Cfr. fls. 2 dos autos.
Mais se provou, com interesse para a decisão, o seguinte:
16. O Balancete geral de apuramento do exercício de 2003 da sociedade TB & M, Lda. revelava o seguinte:
(Valores em euros)
No. Conta NomeMovimento anualSaldos
DébitoCréditoDébitoCrédito
11 Caixa 5.374.905,65 4.973.439,49 401.466,16
25511 Accionistas - empréstimos - FF 284.314,80 9.400,00 274.914,80
25512 Accionistas - empréstimos - FF 176.761,51 176.761,51
26422Outros devedores e credores - subscritores de capital – FF 176.761,51 176.761,51
53 Prestações suplementares 120.000,00 120.000,00
– Cfr. o documento 2 junto com a petição inicial.
17. Entre os representantes legais da sociedade TB & M, Lda. (promotor) e do Instituto de Turismo de Portugal foi outorgado “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros ao Investimento”, no âmbito do “Sistema de Incentivos à Modernização Empresarial” (“SIME”), regulamentado pela Portaria n.º 262/2004, de 11 de março, tendo por objeto a concessão de um incentivo financeiro reembolsável de € 213.621,20 com prémio de realização convertível até esse montante, para aplicação a execução, pelo promotor, de um projeto de investimento no montante de € 725.900,00, no período compreendido entre 01/01/2005 e 30/03/2006, obrigando-se o promotor a, além do mais, manter as fontes de financiamento previstas no anexo III ao contrato e a manter uma situação económica e financeira equilibrada e certificação legal de contas por um revisor oficial de contas – Cfr. o documento 1 junto com a petição inicial.
18. Do anexo III ao contrato referido em 17) consta mapa da cobertura financeira do projeto, com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
– Cfr. o documento 1 junto com a petição inicial.
19. Com data de 31/12/2004, a sociedade TB & M, Lda. efetuou os seguintes registos contabilísticos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
– Cfr. o documento 4 junto com a petição inicial.
20. O extrato da conta “25511 – FJNF” evidencia os seguintes movimentos contabilísticos no ano de 2004:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
– Cfr. o documento 5 junto com a petição inicial.
21. O extrato da conta “531 – Prestações suplementares” evidencia os seguintes movimentos contabilísticos no ano de 2004:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
– Cfr. o documento 6 junto com a petição inicial.
22. O Balancete geral de apuramento do exercício de 2004 da sociedade TB & M, Lda. revelava o seguinte:
(Valores em euros)
No. Conta NomeMovimento anualSaldos
DébitoCréditoDébitoCrédito
11 Caixa 6.298.740,49 5.438.139,16 860.601,33
25511 Accionistas - empréstimos - FF 279.914,80 276.382,80 3.532,00
25512 Accionistas - empréstimos - FF 261.868,90 261.868,90
26422Outros devedores e credores - subscritores de capital – FF 261.868,90 261.868,90
53 Prestações suplementares 425.400,00 425.400,00
– Cfr. o documento 3 junto com a petição inicial.
23. Os registos contabilísticos de prestações suplementares (“conta 53” - € 305.400,00) e de empréstimos de sócios (“conta 25511” - € 206.382,80), por contrapartida do incremento do saldo da conta “11-caixa”, referidos nos itens 18) a 22) supra, tiveram como único e exclusivo propósito dotar a sociedade TB & M, Lda. de autonomia financeira, em termos meramente contabilísticos, com vista à aprovação da candidatura ao plano “SIME”, não tendo tido associado qualquer injeção efetiva de fundos na empresa por parte do Impugnante – Cfr. a prova testemunhal produzida.
24. As duas entregas de sócios (€ 45.000,00 + € 25.000,00) e a aquisição de quotas (€ 50.000,00) referentes à sociedade TB & M, Lda. e o aumento de capital da “IPI” (€ 143.000,00) realizados no ano de 2004, resultaram de um efetivo fluxo financeiro despendido pelos Impugnantes – Facto confessado no artigo 221.º da petição inicial.
25. A necessidade de dotar a sociedade TB & M, Lda. de autonomia financeira para efeitos do plano “SIME” manteve-se no exercício de 2005 – Cfr. a prova testemunhal produzida.
26. Em 02/08/2005, a sociedade TB & M, Lda. abriu a conta à ordem n.º 01xxx344 no Banco Internacional de Crédito (BIC) – Cfr. os documentos 1 e 23 juntos com o requerimento de fls. 268 do processo físico, o documento 7 junto com a p.i. onde é feita alusão à conta e a prova testemunhal produzida.
27. Em 13/09/2005, a conta referida em 26) foi abonada com o valor de € 126.601,12, com origem na conta 001xxx37 titulada pela mesma empresa junto do Banco BCP – Cfr. os documentos 2 e 23 juntos com o requerimento de fls. 268 do processo físico, o documento 7 junto com a p.i. onde é feita alusão à conta e a prova testemunhal produzida.
28. Da conta referida em 26), a sociedade TB & M, Lda. emitiu os seguintes cheques à ordem do seu fornecedor “DEHS Unipessoal, Lda.” que, por seu turno, os endossou ao Impugnante que, em seguida, os depositou na sua conta particular n.º 11xxx34 junto do BCP:
N.º chequeData de emissãoData mov. do depósitoValor (€)
26xxx5816/09/200516/09/200596.000,00
24xxx6123/09/200523/09/200580.000,00
72xxx8830/09/200530/09/200565.000,00
97xxx9607/10/200507/10/200563.000,00
61xxx0014/10/200514/10/200519.500,00
93xxx1814/10/200514/10/200535.000,00
46xxx3421/10/200521/10/200528.273,21
71xxx4228/10/200528/10/200526.000,00
87xxx5107/11/200507/11/200520.000,00
22xxx6915/11/200515/11/200510.000,00
Total 442.773,21
– Cfr. os documentos 11,12,13,14,15,16,18,19,20,21 e 22 juntos com o requerimento de fls. 268 do processo físico e a prova testemunhal produzida.
29. Da conta particular do Impugnante n.º 11xxx34 detida junto do BCP saíram os seguintes valores, através de cheques emitidos à ordem da sociedade TB & M, Lda., a título de prestações suplementares, que foram depositados na conta à ordem n.º 011xxx344 titulada pela empresa junto do BIC:
N.º chequeData da entregaData mov. Do depósitoValor (€)
77xxx8121/09/200522/09/200585.000,00
77xxx7227/09/200528/09/200590.000,00
77xxx2404/10/200506/10/200565.500,00
77xxx4412/10/200513/10/200562.000,00
77xxx3818/10/200519/10/200525.000,00
77xxx4119/10/200520/10/200521.000,00
77xxx3226/10/200527/20/200527.500,00
77xxx1403/11/200504/11/200525.000,00
77xxx1610/11/200511/11/20053.000,00
Total 404.000,00
– Cfr. os documentos 3 a10 e 22 e 23 juntos com o requerimento de fls. 268 do processo físico e a prova testemunhal produzida.
30. O Balancete geral de apuramento do exercício de 2005 da sociedade TB & M, Lda. revelava o seguinte:
(Valores em euros)
No. ContaNomeMovimento anualSaldos
DébitoCréditoDébitoCrédito
11 Caixa 5.867.595,14 4.901.500,26 966.094,88
25511 Accionistas - empréstimos - FF 70.500,00 70.500,00 0,00
25512 Accionistas - empréstimos - FF 261.868,90 261.868,90
26422Outros devedores e credores - subscritores de capital – FF 261.868,90 261.868,90
268 Devedores e credores diversos - FJNF (Abr 50.000,00 50.000,00
53 Prestações suplementares 829.400,00 829.400,00
– Cfr. o documento 7 junto com a petição inicial.
31. O Balancete geral de apuramento do exercício de 2006 da sociedade TB & M, Lda. revelava o seguinte:
(Valores em euros)
No. ContaNomeMovimento anualSaldos
DébitoCréditoDébitoCrédito
11 Caixa 6.059.567,29 6.008.282,19 51.285,10
25511 Accionistas - empréstimos - FF 34.100,00 34.100,00
25512 Accionistas - empréstimos - FF 261.868,90 261.868,90
26422Outros devedores e credores - subscritores de capital – FF 261.868,90 261.868,90
53 Prestações suplementares 604.637,80 945.650,00 341.012,20
– Cfr. o documento 8 junto com a petição inicial.
32. Em 2008, a sociedade TB & M, Lda. efetuou alterações contabilísticas ao exercício de 2004, cujo novo Balancete geral de apuramento passou a revelar o seguinte:
No. ContaNomeMovimento anualSaldos
DébitoCréditoDébitoCrédito
11 Caixa 5.786.957,69 5.438.139,16 348.818,53
25511 Accionistas - empréstimos - FF 279.914,80 70.000,00 209.914,80
25512 Accionistas - empréstimos - FF 261.868,90 261.868,90
26422Outros devedores e credores - subscritores de capital – FF 261.868,90 261.868,90
53 Prestações suplementares 120.000,00 120.000,00
– Cfr. o documento 16 junto com a petição inicial e a prova testemunhal produzida.
33. Em 2008, a sociedade TB & M, Lda. efetuou os seguintes movimentos contabilísticos de regularização relativamente ao exercício de 2005:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
– Cfr. os documentos 9 e 10 juntos com a petição inicial e a prova testemunhal produzida.
34. Os movimentos contabilísticos de regularização referidos em 33) foram refletidos nos extratos das seguintes contas:
Conta “25512 – FJNF”
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Conta “26422 – FJNF”
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Conta “531 – Prestações suplementares”
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
– Cfr. os documentos 12,13 e 14 juntos com a petição inicial.
35. De igual modo, o extrato da conta “25511 – FJNF” referente a 2005 sofreu alterações tendo passado a refletir o seguinte:
Conta “25511 – FJNF”
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
– Cfr. o documento 11 junto com a petição inicial.
36. Após as alterações contabilísticas efetuadas, o Balancete geral de apuramento do exercício de 2005 da sociedade TB & M, Lda. passou a revelar o seguinte:
(Valores em euros)
No. ContaNomeMovimento anualSaldos
DébitoCréditoDébitoCrédito
11 Caixa 5.355.812,34 4.901.500,26 454.312,08
25511 Accionistas - empréstimos - FF 276.882,80 70.500,00 206.382,80
25512 Accionistas - empréstimos - FF 261.868,90 261.868,90
26422Outros devedores e credores - subscritores de capital – FF 261.868,90 142.131,10 119.737,80
53 Prestações suplementares 404.000,00 524.000,00 120.000,00
– Cfr. o documento 15 junto com a petição inicial.
37. Em 23/07/2008 e 25/07/2008, a sociedade TB & M, Lda. entregou declarações anuais de informação contabilística e fiscal de substituição, relativas aos exercícios de 2004 e 2005, refletindo as alterações referidas em 33) a 36) – Cfr. os documentos 17 e 18 juntos com a petição inicial.
III.2 – Factos Não Provados
Da prova produzida nos autos, não resultou demonstrada a seguinte factualidade:
1. Que, relativamente a 2004, os movimentos financeiros referidos no item 24) dos factos provados foram efetuados através da mobilização de rendimentos e património financeiro acumulado que resultou de várias operações de alienação de património e de mútuos bancários, conforme comunicado aos Serviços de Inspeção por requerimento de 16/04/2008 – facto alegado nos artigos 194.º a 197.º e 222.º da petição inicial.
III.3 – Motivação
O Tribunal formou a sua convicção, quanto à matéria de facto provada e não provada, através da ponderação crítica: (i) dos documentos juntos aos autos pelos Impugnantes e dos constantes do processo administrativo junto, designadamente, o relatório de inspeção tributária e os demais documentos que integram o procedimento inspetivo, cuja força probatória se reporta aos factos que nele são referidos como tendo aí sido praticados pela administração tributária (v.g. as diligências realizadas e os pedidos de esclarecimento efetuados), valendo os meros juízos pessoais afirmados pela administração tributária como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador, sendo de aplicar o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (art. 371.º, n.º 1 do Código Civil); (ii) de confissão pelos Impugnantes (cfr. o item 24.º dos factos provados); e (ii) dos depoimentos prestados, que foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396.º do Código Civil, atendendo, para tal efeito, à razão de ciência e credibilidade demonstrada por cada uma das testemunhas inquiridas, tudo conforme indicado em cada um dos itens do probatório.
No que concerne, em particular:
Ao item 23) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se essencialmente no depoimento prestado pela testemunha NMPR, cuja razão de ciência advém do facto de ter assessorado a sociedade TB & M, Lda. na elaboração da candidatura e no acompanhamento da implementação ao projeto “SIME”, justificando o conhecimento direto dos factos em causa e mostrando-se credível pela conformidade e consonância entre as várias respostas dadas e a forma precisa e escorreita como narrou os factos em causa, factos cuja verosimilhança - independente de juízos de valor sobre a sua conformidade com o ordenamento jurídico -, resulta, ainda, das regras da experiência comum.
Assim, a este respeito, as demais testemunhas - MELA, técnica oficial de contas da sociedade TB & M, Lda. e MFNDCB, empregada de escritório -, limitaram-se a confirmar que realizaram os movimentos contabilísticos em causa por indicação do referido Consultor, embora tivessem dito saber que tais movimentos tinham em vista a aprovação da candidatura ao “SIME”.
Assim, a testemunha NMPR admitiu ter sido o próprio, na sua qualidade de consultor, a “sugerir” a criação artificial de tais registos contabilísticos - prestações suplementares (€ 305.400,00) e empréstimos de sócios (€ 206.382,80) -, sem suporte em movimentos financeiros reais e efetivos, com vista à aprovação da candidatura ao “SIME”, pois, como narrou ao tribunal, de acordo com as últimas contas então aprovadas, referentes a 2003, a sociedade não reunia as condições necessárias em termos de autonomia financeira para poder ver tal candidatura deferida, mais tendo esclarecido que não iria ser averiguada a existência real dos respetivos fluxos financeiros pois, nesta fase de aprovação da candidatura, bastava apresentar um balanço intercalar certificado.
De resto, a testemunha em causa chegou mesmo a afirmar, com conhecimento de causa, sem qualquer despudor, que a alteração da contabilidade (vulgo “maquilhagem contabilística”) para apresentar um balanço mais adequado à finalidade pretendida – in casu, a obtenção de fundos comunitários - é prática habitual e normal nas empresas promotoras, numa tentativa de legitimar tal conduta, mostrando-se tranquilo na medida em que, como referiu, no caso concreto, tal alteração não trouxe implicações fiscais para a empresa, dado só terem sido movimentadas contas de balanço, sem impacto em resultados e o subsídio recebido acabou por ter de ser reposto (segundo disse, por motivo da existência de dívidas fiscais por parte da empresa no decurso da sua implementação).
Aos itens 25) a 29) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento prestado pela mesma testemunha NMPR, pelas razões acima apontadas, que, a este respeito explicou que, para efeitos da implementação do projeto de investimento – entre 01/01/2005 e 30/03/2006 (cfr. o item 17) dos factos provados) - e da verificação da autonomia financeira, o Instituto do Turismo de Portugal já exigia a prova efetiva dos fluxos financeiros, daí a abertura da conta no BIC (cfr. o item 26) dos factos provados) e a implementação de um esquema de “triangulação e rotação” de valores, com a colaboração ativa do fornecedor “DEHS Unipessoal, Lda.”, tendo em vista o registo contabilístico de prestações suplementares na sociedade TB & M, Lda. que assegurassem tal autonomia (cfr. os itens 27) a 29) dos factos provados), depoimento que se mostra inteiramente consistente com os documentos juntos, mencionados nos referidos itens do probatório (designadamente, os cheques emitidos pela sociedade TB & M, Lda. à DEHS e por esta endossados ao Impugnante e os extratos da conta particular do Impugnante, onde se podem ver, a crédito, os cheques endossados pela DEHS e a débito os cheques emitidos à sociedade TB & M, Lda. para realização das prestações suplementares, com valores similares em datas muito próximas, bem como os talões de depósito destes cheques na conta do Banco BIC dedicada ao “SIME” e o extrato contabilístico dessa conta de bancos), tendo a testemunha esclarecido, já a instâncias da Exma. Representante da Fazenda Pública, que os cheques emitidos à ordem da DEHS tinham como suporte faturas “de favor” emitidas por este fornecedor, que eram subsequentemente anuladas através de notas de crédito.
Aos itens 32) e 33) dos factos provados, a convicção do Tribunal quanto à data em que as regularizações contabilísticas foram feitas – visto que a existência das regularizações em si mesmas decorre dos próprios documentos aí referidos - resulta da confirmação pela testemunha MFNDCB que referiu ter efetuado tais alterações e que, quando confrontada pela Exma. Representante da Fazenda Pública com a circunstância de as respetivas declarações anuais de substituição apenas terem sido apresentadas em 2008 (note-se que as duas anteriores testemunhas não haviam sido confrontadas com tal questão), admitiu que tais alterações foram efetuadas nesse mesmo ano.
No que concerne em particular ao facto não assente, a decisão do tribunal baseou-se na insuficiência da prova produzida a tal respeito, na medida em que os Impugnantes apenas remetem para a prova apresentada no decurso do procedimento inspetivo, concretamente, o requerimento apresentado em 16/04/2008 e os documentos aí juntos, prova essa que, então, não foi aceite por não ter sido considerada suficiente e inequívoca para o efeito, e, cientes disso, nada mais ofereceram para prova do alegado, quedando-se pela crítica passiva da não aceitação pela AT das justificações apresentadas.
Ora, como bem entendeu a AT, tendo em conta a circunstância de as operações identificadas como tendo sido realizadas em 2004 e 2005 não serem contemporâneas das vendas de imóveis (em 1995, 1996 e 1997), mostrando-se distantes no tempo em cerca de 8/9 anos, o Tribunal apenas poderia concluir com os Impugnantes que tais operações foram efetuadas com recurso a capital aforrado proveniente de tais vendas depois de verificar o destino dado ao respetivo valor de realização, designadamente, a sua aplicação em investimentos e/ou poupança, o que não foi objeto de qualquer prova, porque lá ou aqui não foram juntos quaisquer extratos bancários para justificar a disponibilidade de tais quantias.
Outrossim, como bem concluiu a AT, considerando que a data de vencimento dos empréstimos obtidos em 2004 se situa no mesmo ano em que os mesmos foram concedidos, estes só originaram uma disponibilidade momentânea de fundos, não podendo servir de justificação.
De resto, o que o Impugnante alega no requerimento de 16/04/2008 não é sequer consistente com o que vem agora alegar na impugnação, pois aí procura justificar a origem dos fundos com que, em 2004, realizou suprimentos no valor de € 276.392,80 e aqui alega e demonstra que, afinal, desse montante de € 276.392,80, só as entregas de € 25.000,00 e € 45.000,00 têm subjacente um efetivo fluxo financeiro, sendo o valor restante, de € 206.382,80, uma mera cifra contabilística.
No mais, dir-se-á que as restantes asserções constantes da petição inicial constituem meras considerações pessoais, juízos de valor, generalidades e/ou conclusões a extrair de factos não alegados, que, por total ausência de consubstanciação, tão pouco estariam sujeitos a prova ou haveria que elencar nos factos não provados.
Por fim, da instrução da causa não resultaram demonstrados quaisquer outros factos com interesse para a decisão a proferir.».
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3.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se o erro no julgamento da matéria de facto.
Com efeito, nas doutas alegações de recurso, os Recorrentes anunciam que não se podem conformar com o ponto que foi dado como não provado na douta sentença recorrida e que a parte correspondente do julgamento de facto constitui objeto do recurso.
E na conclusão “W” referem, a este propósito, que o tribunal desconsiderou por completo a totalidade dos valores cuja origem lhe foi comunicada pelo impugnante marido no requerimento apresentado junto da respetiva inspeção tributária em 16/04/2008.
O ponto que foi dado como não provado na douta sentença recorrida diz respeito ao alegado nos artigos 194.º a 197.º e 222.º, todos da douta petição inicial, que remetem para as justificações apresentadas à administração fiscal, na fase de instrução do procedimento, relativamente às duas entregas de sócios efetuados em setembro de 2004, no valor de € 45.000,00, e em novembro de 2004, no valor de € 25.000,00, à aquisição de quotas na “TB & M” em agosto de 2004, no valor de € 50.000,00, e ao aumento de capital na “IPI”, no valor de € 143.000,00.
Resulta dos pontos 2 e 3 dos factos provados e da pág. 7 do relatório de inspeção tributária que as disponibilidades financeiras respetivas foram justificadas por estes com vendas de imóveis em 1996 e 1997, com um empréstimo contraído junto do BIC em 2004/06/03 e com vencimento em 2004/12/01, no valor de € 50.000,00, e com um empréstimo contraído junto do BTA em 2004/03/30 e com vencimento em 2004/05/30, no valor de € 53.680,00.
O tribunal recorrido deu como não provado que os Recorrentes tivessem mobilizado o produto daquela venda e destes empréstimos para as referidas operações porque não foi efetuada qualquer prova dos fluxos financeiros respetivos, designadamente através de documentos bancários que confirmassem a disponibilização de tais quantias. E, quanto aos empréstimos, anotou também que se venceram no próprio ano de 2004, pelo que não poderiam servir de justificação para as disponibilidades financeiras.
E neste raciocínio não detetamos qualquer fragilidade, porque o produto de vendas efetuadas em 1996 e 1997 não denunciam, por si só, disponibilidades financeiras em 2004, até porque pode ter sido mobilizado para outros gastos em anos anteriores. E quanto aos empréstimos, parece lógico que, se teriam que ser saldados no próprio ano de 2004, os Recorrentes necessitariam de fontes de rendimento quer para os saldar, quer para efetuarem as demais operações referidas no relatório e referentes aquele ano de 2004. Aliás, nenhum dos empréstimos é contemporâneo das referidas operações e um deles vence-se mesmo antes de qualquer delas ser realizada. Quer dizer: os Recorrentes tiveram que saldar esse empréstimo antes nas entregas efetuadas às referidas sociedades.
Em boa verdade, os Recorrentes também nada contrapõem a este raciocínio. Em vez disso, preferem enfatizar que dele deriva «que a única forma de prova da capacidade contributiva seria feita através de extratos bancários ou então, através do levantamento do sigilo bancário».
Ora, não foi nada disso que o tribunal recorrido disse. A Mm.ª Juiz a quo limitou-se a fazer referência a algumas das formas mais óbvias de fazer essa demonstração. A verdade é que os Recorrentes não se dignaram apresentar no tribunal qualquer elemento probatório relacionado com este facto. E as testemunhas ouvidas em audiência também não disseram uma palavra a este propósito, o que o tribunal de recurso teve o cuidado de verificar, apesar de aqueles não terem indicado os concretos meios probatórios que justificavam conclusão diversa daquela a que o tribunal recorrido chegou.
Tanto basta para concluir que o recurso não merece provimento por aqui.
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4. Do Julgamento de Direito
4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que não julgou procedente a impugnação das liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares dos anos de 2004 e de 2005.
A parte em que a impugnação não procedeu é a que sanciona a legalidade das liquidações efetuadas com recurso a métodos indiretos na determinação da matéria tributável, a coberto dos artigos 87.º, n.º 1, alínea b), e 88.º, alínea d), segunda parte, ambos da Lei Geral Tributária. Como resulta do seu teor, a Mm.ª Juiz a quo considerou que as seguintes entregas de valores, por parte do Recorrente, a sociedades de que é detentor de partes de capital patenteavam uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada [quadro elaborado a partir do que consta do ponto IV.1 do relatório de inspeção tributária]:
Ano de 2004
Empresa de que o Recorrente é titular de partes de capitalOperaçãoMêsValorRelevado na sentença
Prestações SuplementaresDez305.400,00€Não
Entrega por conta sóciosSet45.000,00€Sim
TB & MEntrega por conta sóciosNov25.000,00€Sim
Entrega por conta sóciosDez206.382,90€Não
Aquisição de quotasAgo50.000,00€Sim
IPIAumento de capital143.000,00€Sim
Total considerado pela administração 774.782,90€
Total relevado na sentença263.000,00€33,9%
Ano de 2005
Empresa de que o Recorrente é titular de partes de capitalOperaçãoMêsValorRelevado na sentença
Prestações SuplementaresSet85.000,00€Não
Prestações SuplementaresSet90.000,00€Não
Prestações SuplementaresOut65.500,00€Não
Prestações SuplementaresOut62.000,00€Não
Prestações SuplementaresOut25.000,00€Não
TB & MPrestações SuplementaresOut21.000,00€Não
Prestações SuplementaresOut27.500,00€Não
Prestações SuplementaresNov25.000,00€Não
Prestações SuplementaresNov3.000,00€Não
Aquisição de quotasAbr50.000,00€
MLPrestações SuplementaresJan3.750,00€Sim
Prestações SuplementaresJul4.250,00€
Total considerado pela administração 462.000,00€
Total relevado na sentença58.000,00€12,6%

Com o decidido em primeira instância não se conformam os Recorrentes, desde logo por entenderem que a sentença padece de erro de julgamento na parte em que concluiu que estavam reunidos os pressupostos da avaliação indireta da matéria tributável.
Alegam os Recorrentes, a este propósito, que o tribunal recorrido concluiu erradamente que a administração tributária reuniu factos concretos que a esta permitiam imputar àqueles uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada. Mas também que concluiu erradamente que estavam reunidos os pressupostos do recurso à avaliação indireta, porque não foi demonstrada a impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável.
Os Recorrentes invocam, assim, a não verificação de nenhum dos pressupostos de facto da avaliação indireta da matéria tributável a que alude a alínea b) do artigo 87.º da Lei Geral Tributária e a segunda parte da alínea d) do seu artigo 88.º: a existência de factos concretos através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada e a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável correspondente à verdadeira capacidade contributiva.
Com efeito, a determinação da matéria tributável pelo método indireto a que aludem a alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e o artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária pressupõe, de um lado, a violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo com a administração no âmbito da relação jurídico-tributária, a que alude o artigo 59.º, n.º 4, do mesmo diploma (uma infração) e, de outro lado, que dessa falta de colaboração derive a impossibilidade de comprovar, de forma direta e exata, a verdadeira situação tributária daquele (um resultado).
Em geral, a violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo com a administração exprime-se através de factos constatados pela própria administração no cumprimento dos seus deveres de verificação tributária. É o que sucede quando se depara com a inexistência ou insuficiência de elementos da contabilidade o da declaração, com a falta ou atraso na escrituração ou ainda com erros ou inexatidões na contabilidade e irregularidades na sua organização ou execução. É o que sucede também quando se depara com comportamentos mais graves (dolosos) como a recusa da exibição da escrita, a falsificação ou viciação de suportes documentais ou a apresentação de diversas contabilidades. Em qualquer dos casos, a violação daqueles deveres é um facto manifestado, revelado ostensivamente por comportamentos que diretamente o evidenciam.
Nos casos a que alude a alínea d) do artigo 88.º da Lei Geral Tributária, porém, a falta de colaboração não é diretamente patenteada, mas deduzida indiretamente de outros factos que manifestam por si só uma capacidade contributiva superior à declarada.
Ou seja, nestes casos o sujeito passivo não evidencia falta de colaboração. Evidencia riqueza incompatível com a declarada que, por sua vez, permite deduzir que o sujeito passivo não declarou uma parte significativa dos seus rendimentos e que, por conseguinte, não colaborou com a administração. Poderá, então, falar-se de uma «falta de colaboração presumida», no sentido de que é ela própria extraída de outros indicadores externos.
Daqui deriva já, com interesse para a decisão, que, do ponto de vista fenomenológico, são notórios os pontos de contacto entre o método indireto de determinação da matéria tributável previsto neste dispositivo e o método indireto do artigo 89.º-A da mesma Lei. Em ambos os casos, estamos perante fenómenos da vida real que manifestam riqueza (e que o legislador pretendeu sintetizar na expressão «manifestações de fortuna»). E, em ambos os casos, a origem dessa riqueza não é identificada (sendo por isso, de resto, que é qualificada como «acréscimo patrimonial não justificado» no artigo 9.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e ali enquadrada residualmente na categoria “G”).
E as semelhanças não estacam ali. As «manifestações de riqueza» pressupostas na determinação da matéria tributável pelo método indireto a que alude o artigo 87.º, n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributária, conjugado com a alínea d) do artigo 88.º da mesma Lei, também partilham com as legalmente denominadas «manifestações de fortuna» pelo menos um aspeto da sua natureza jurídica: constituem simultaneamente um elemento objetivo na previsão normativa de um facto tributário e um elemento de uma regra de determinação da matéria tributável.
Quer dizer: aquelas manifestações de riqueza constituem simultaneamente um indício de capacidade contributiva superior à declarada e um indício de falta de colaboração que pode conduzir à determinação da matéria tributável por métodos indiretos. Ali, assumem inequivocamente um caráter material ou substantivo, porque contendem com a modelação normativa dos elementos constitutivos do facto tributário (fazem parte de uma norma de incidência em sentido estrito). Aqui, terão um caráter procedimental-instrumental, porque não têm uma função identificadora dos elementos dos rendimentos ou da riqueza a tributar, mas uma função que se relaciona com determinação do próprio procedimento a adotar na determinação da matéria tributável.
E porquê este enfoque na determinação da sua natureza jurídica? Porque, na parte em que revista caráter material ou substantivo e, por esta via, possa ser mobilizada para a determinação da existência de um facto sujeito a imposto, a norma inserida no artigo 88.º, alínea d), da Lei Geral Tributária, está subordinada ao principio da reserva material da lei ou princípio da tipicidade fiscal. Do qual deriva que os elementos essenciais dos impostos devem ser definidos em termos tais que permitam ao contribuinte, com razoável precisão e segurança, prever o montante de imposto a pagar. E, por conseguinte, «que deve ser limitada a discricionariedade da administração na concretização dos elementos essenciais dos impostos, assim como o uso de conceitos indeterminados no seu recorte legal» [cit. Sérgio Vasques, in «Manual de Direito Fiscal», Almedina 2012, pág. 288].
Ora, o que ressalta de uma primeira análise da segunda parte da alínea d) do artigo 88.º da Lei Geral Tributária é que, aparentemente, o legislador terá renunciado à descrição ou até mesmo à enunciação de situações da vida típica (os casos típicos ou paradigma) adequadas a revelar uma «capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada». O que já levou alguma doutrina a assinalar que estamos perante a mobilização de uma formulação legislativa com «um largo conteúdo de indeterminação» e, por isso, de difícil concretização prática [vd. José Guilherme Xavier de Basto, in «IRS – Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos», Coimbra Editora 2007, pág. 370].
Deve assinalar-se, porém, que a exigência constitucional da tipificação (ou formulação jurídica de tipos como forma de determinação legal dos elementos essenciais do imposto e, por essa via, assegurar a previsibilidade da atuação administrativa) não é, em si mesma, incompatível com o recurso pelo legislador a conceitos jurídicos indeterminados (ver o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 756/95). A necessidade de assegurar a igualdade da tributação e as limitações decorrentes da praticabilidade das normas fiscais podem justificar uma significa margem de indeterminação, sobretudo quanto a normas que estejam vocacionadas para abranger os denominados “casos atípicos” ou “casos difíceis”.
Ora, a indeterminação na identificação do facto gerador do imposto na norma em análise parece estar justificada pela finalidade de identificação e captação de acréscimos patrimoniais de causa e natureza mais ou menos desconhecida, mas de cuja existência se não tenha razões para duvidar, a enquadrar numa categoria residual e periférica de rendimentos (a dos «acrescimentos patrimoniais inominados»).
Por outro lado, uma lei indeterminada não é necessariamente uma lei indeterminável. Não será assim quando a sua determinação puder constituir uma questão de interpretação, totalmente controlável pelos tribunais e, por isso, a sua aplicação ao caso individual dever conduzir a um único resultado juridicamente correto. Porque, como refere Ana Paula Dourado [in «O Princípio da Legalidade Fiscal – Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação», almedina 2007, pág. 367], «a interpretação de conceitos jurídicos indeterminados é reconhecida como uma tarefa judicial típica».
Ora, no caso existem elementos interpretativos que permitem reduzir significativamente a indeterminação. Porque o preceito está legalmente enquadrado num sistema normativo da avaliação indireta que identifica as manifestações de riqueza e delimita quantitativamente as divergências entre os rendimentos declarados e os rendimentos manifestados que devam ser consideradas significativas.
Vale isto por dizer que a interpretação sistemática do preceito permite concluir que, ao aludir a «factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva», o legislador tinha em vista os mesmos acréscimos de património ou consumos a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, conjugado com o n.º 5 do artigo 89.º-A da mesma Lei. Com a particularidade de que, no caso da alínea d) do seu artigo 88.º, esses acrescimentos do património ou consumos não são evidenciados pelo sujeito passivo (manifestados) mas apurados pela administração tributária no cumprimento dos seus deveres de fiscalização tributária.
Por outro lado, a interpretação sistemática do preceito também permite concluir que, ao aludir a «uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada», o legislador tinha em vista o mesmo padrão de divergência entre o valor dos acréscimos de património ou consumos e os rendimentos declarados, a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária. Com a particularidade de que, no caso da alínea d) do seu artigo 88.º, a justificação dessas divergências não compete em primeira mão ao sujeito passivo, devendo ser despistada pela própria administração no exercício do seu dever de investigação e na fase instrutória do mesmo procedimento de inspeção tributária.
Ora, estes elementos de densificação que foram utilizados para a redução da margem de indeterminação dos conceitos imprecisos utilizados na alínea d) do artigo 88.º citado, tendo em vista uma interpretação conforme à Constituição do preceito, na parte destinada a identificar manifestações de riqueza que constituem indícios de capacidade contributiva, também podem (e devem) ser mobilizados para a redução da margem de indeterminação no que respeita à identificação dos indícios de falta de colaboração que possam conduzir à determinação da matéria tributável por métodos indiretos. Porque o que o legislador não distingue o intérprete também não deve distinguir.
Sendo, esta, a nosso ver, a interpretação correta do preceito, analisemos agora o caso dos autos.
E a primeira constatação a fazer é que os factos que indiciaram, na perspetiva da administração, uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada (e, por conseguinte, também uma presumida falta de colaboração dos sujeitos passivos no cumprimento dos seus deveres declarativos) não foram manifestados pelo sujeito passivo mas apurados pela administração tributária no âmbito das ações de inspeção tributária às sociedades de que era sócio. Não estamos, por isso, no âmbito da alínea f) do artigo 87.º. Não estamos perante uma «manifestação de fortuna».
Por outro lado, os factos que a administração apurou autonomamente no cumprimento dos seus deveres de fiscalização tributária eram constituídos por «prestações suplementares», «entregas por conta sócios», aumento de capital», «aquisição de quotas». Ou seja, factos concretamente identificados que traduzem ou acréscimos de património ou atos de disposição de riqueza, sem dúvida adequados a evidenciar rendimentos tributáveis (ainda que de origem desconhecida) e, por conseguinte, uma capacidade contributiva relevante para efeitos de IRS.
Por outro lado, ainda, e tendo em contra, de um lado, os rendimentos declarados nos anos em causa [€ 21.622,21 no ano de 2008 e € 21.678,68 no ano de 2005] e, de outro lado, a redação da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária à data dos factos, a divergência apurada entre estes rendimentos e os acréscimos de património é muito superior a um terço.
Finalmente do relatório de inspeção tributária deriva que, no decurso da fase instrutória do procedimento, a administração tributária não desconsiderou um conjunto de iniciativas dirigidas ao apuramento da existência de justificação cabal para essas divergências, antes de decidir o que quer que fosse. É bem verdade que o conjunto das diligências realizadas se concentrou em provocar a colaboração do sujeito passivo e analisar os elementos que este ofereceu (colaboração procedimental). Mas, tendo em conta a factualidade a apurar (em particular os fluxos financeiros que foram mobilizados para as aquisições e os empréstimos e que constituem informação reservada) não se se descortinam outras diligências que pudessem ser realizadas.
A este propósito, referem os Recorrentes na página 35 das doutas alegações [último parágrafo] e na conclusão “I” que a administração tributária «deveria ter desenvolvido todo um conjunto de operações complementares tendentes a determinar a efetiva factualidade constante nos presentes autos».
Mas nem num lado nem noutro se dispuseram sequer a enunciar as diligências que a administração poderia e deveria ter realizado. Padecendo a sua alegação, nesta parte, de alguma inconcludência.
A este propósito, referem ainda os Recorrentes, na página 37 das doutas alegações de recurso e nas conclusões “Q” a “S” que os factos apurados permitiam «corrigir a matéria coletável declarada (…) com simples correções aritméticas». E isto porque a administração tributária se limitou a recorrer «a um processo simples de soma de todos os valores referentes a suprimentos, entregas de sócios, prestações suplementares e aquisições de quotas».
Trata-se de um discurso argumentativo hábil, por ser propositadamente ambíguo, que poderia ser mobilizado tanto para dizer que a administração recorreu a um método indireto indevidamente como para dizer que a administração anunciou um método indireto a que verdadeiramente não recorreu.
Mas é um discurso que não merece acolhimento, em nenhum destes sentidos. A administração tributária estava impossibilitada de proceder à determinação e quantificação direta e exata da matéria tributável, em primeiro lugar, porque não apurou rendimentos, mas acréscimos patrimoniais a partir dos quais deduziu a existência dos rendimentos. Em segundo lugar, porque desconhecia a natureza e origem desses rendimentos e estava, por isso, impossibilitada de os apurar com recurso às regras específicas aplicáveis à categoria a que verdadeiramente pertenciam. O valor a que chegou é, por isso mesmo, um valor aproximado, como é próprio da avaliação indireta.
De todo o exposto decorre que, ao contrário do que alegam os Recorrentes, estavam reunidos os pressupostos para a tributação pelo método indireto a que aludem os artigos 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º, alínea d), segunda parte, ambos da Lei Geral Tributária.
Pelo que o recurso também não merece provimento por aqui.
4.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se também o erro na quantificação da matéria tributável.
Alegam os Recorrentes a este propósito que ao rendimento tributável deveria ter sido subtraído o valor dos fluxos cuja fonte foi devidamente comunicada em requerimento dirigido aos serviços de inspeção em 16 de abril de 2008.
Sucede que o tribunal recorrido não deu como provado que o produto das alienações e dos empréstimos contraídos, a que alude o referido requerimento, tivesse sido mobilizado para as operações em causa em 2004.
E o tribunal de recurso já sancionou a correção do julgamento efetuado em primeira instância, como deriva do ponto 3.2. supra, para que agora remetemos.
Pelo que, a única questão que fica é a de saber se, não estando em causa que os Recorrentes venderam os imóveis nas datas indicadas e contraíram os referidos empréstimos em 2004, competia à administração tributária provar que os recursos financeiros respetivos não foram mobilizados para as aquisições desse ano ou competia aos ora Recorrentes demonstrar a sua mobilização para tais operações.
A esta questão respondemos que era aos Recorrentes que competia fazer a prova de que os fluxos financeiros respetivos foram mobilizados para suportar os acréscimos patrimoniais ou de consumo. É o que resulta do artigo 74.º, n.º 3, última parte, da Lei Geral Tributária. «Em caso de dúvida sobre o excesso de quantificação da matéria tributável efetuada por métodos indiretos, ela resolve-se, pois, a favor da administração» [cit. António Lima Guerreiro, in «Lei Geral Tributária Anotada», Rei dos Livros, pág. 329].
A este propósito, referem ainda os Recorrentes que a administração tributária andou mal em se ter bastado com os elementos existentes na contabilidade de uma sociedade e com base neles ter partido para a fixação da matéria tributável. Aqueles elementos contabilísticos deveriam ter constituído o ponto de partida, e não o ponto de chegada. Citou um acórdão deste tribunal [o acórdão do TCAN de 12/01/2012, proferido no processo n.º 01104/11.0BEPRT].
É verdade que num procedimento de natureza inquisitória, como é o procedimento tributário, a administração deve realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material. É o que resulta do artigo 58.º da Lei Geral Tributária. As regras do ónus probatório só operam quando, na fase final da instrução, se chegar a uma situação de non liquet, falando-se a este propósito de um ónus de falta de prova.
Sucede que, no caso dos autos – e ao contrário do que sucedia no processo de onde foi extraído o acórdão que citam – não está em causa que o Recorrente efetivamente realizou as operações escrituradas. O que esteve em causa e foi discutido nos autos era se os Recorrentes tinham disponibilidades financeiras para as realizar e mobilizaram para o efeito dinheiro que não proveio de rendimentos auferidos ou proveio de rendimentos auferidos em anos anteriores.
E já vimos que os Recorrentes não lograram fazer essa prova.
Pelo que o recurso não merece provimento.
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5. Conclusões
I. A determinação da matéria tributável pelo método indireto a que aludem a alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e o artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária pressupõe a violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo com a administração e que dessa falta de colaboração derive a impossibilidade de comprovar, de forma direta e exata, a verdadeira situação tributária daquele.
II. No caso a que alude a segunda parte da alínea d) do referido artigo 88.º a falta de colaboração do sujeito passivo com a administração não é diretamente apurada, mas deduzida a partir de factos concretos que evidenciam uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada e que, por isso, não foram declarados os verdadeiros rendimentos.

III. Ao aludir a «factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva», o legislador tinha em vista os mesmos acréscimos de património ou consumos a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, com a particularidade de que, no caso da alínea d) do seu artigo 88.º, esses acrescimentos do património ou consumos não são evidenciados pelo sujeito passivo (manifestados) mas apurados pela administração tributária no cumprimento dos seus deveres de fiscalização tributária.
IV. Ao aludir a «uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada», o legislador tinha em vista o mesmo padrão de divergência entre o valor dos acréscimos de património ou consumos e os rendimentos declarados, a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, com a particularidade de que, no caso da alínea d) do seu artigo 88.º, a justificação dessas divergências não compete em primeira mão ao sujeito passivo, devendo ser despistada pela própria administração no exercício do seu dever de investigação e na fase instrutória do mesmo procedimento de inspeção tributária.
V. Tendo a administração tributária apurado acréscimos de património e consumos que patenteiam uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada e não tendo sido apurada justificação bastante para a divergência entre os rendimentos declarados e o que aqueles acréscimos e consumos evidenciam, estão reunidos os pressupostos da avaliação indireta a que aludem a alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e a segunda parte da alínea d) do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária;
VI. Em caso de determinação indireta da matéria tributável, recai sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar o excesso de quantificação – artigo 74.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária. *
***
6. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas do presente recurso pelos Recorrentes.
Registe e notifique.
Oportunamente, informe a Secção de Processos da Procuradoria-Geral Distrital do Porto (cfr. fls. 463 do processo físico)
Porto, 4 de julho de 2019
Ass. Nuno Bastos
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina Bento