Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01071/08.7BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/09/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:OS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA E DA PROPORCIONALIDADE;
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; ARTIGOS 5º E 6º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E 266º Nº 2 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; DECRETO REGULAMENTAR Nº 19-A/2004, DE 14 DE MAIO; FISCAL MUNICIPAL; AVALIAÇÃO DE OBJECTIVOS; NEGOCIAÇÃO DOS OBJECTIVOS; DIFERENÇAS DE ÁREAS DE FISCALIZAÇÃO; PRINCÍPIO DA IGUALDADE, DA JUSTIÇA E DA PROPORCIONALIDADE; ALÍNEA B) DO Nº 1 DO ARTIGO 3º DO DECRETO REGULAMENTAR Nº 19-A/2004; ARTIGOS 90º Nº 3, 4 E 5 DA LEI Nº 169/99, DE 18/09 E 24º NºS 2 E 3 DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO; DELIBERAÇÃO SOBRE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO; ESCRUTÍNIO SECRETO.
Sumário:1. A diferença de zonas a fiscalizar pelo ora recorrente, em zonas rurais, em parte, e não sujeitas a licenciamento, noutras, em comparação com as dos demais colegas, em zonas urbanas e junto a uma estrada nacional, não constitui violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, ou dos princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade se não ficou provado que a atribuição de diferentes áreas obedeceu a critérios discriminatórios ou arbitrários e que conduziria necessariamente a um menor número de contra-ordenações na área do autor do que nas demais, sendo esse, o número de contra-ordenações elaboradas pelo funcionários, um dos objectivos e critérios de avaliação.
2. A aleatoriedade dos objectivos, invocada pelo recorrente, não infirma, antes confirma, a igualdade de tratamento, a isenção e a justiça desses mesmos critérios.
3. A discordância em relação aos objectivos estabelecidos como referência para a avaliação funcionário, manifestada só depois do despacho que homologa os resultados da avaliação e não quando as duas partes assinam tais objectivos, traduz um “venire contra factum proprium” que impede qualquer direito a invocar a falta de contratualização dos objectivos.
4. O escrutínio secreto só será de seguir quando seja necessário proceder à apreciação de comportamentos ou de qualidades da pessoa, e já não quando apenas tenha de levar em conta o desempenho profissional do funcionário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, STAL
Recorrido 1:Município de E....
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, STAL, em representação do seu associado VMHN, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 30.06.2010, pelo qual foi julgada improcedente a presente acção administrativa especial, intentada pelo recorrente contra o recorrido, para impugnar os actos administrativos praticados pelo Presidente da Câmara Municipal de E..., de homologação da classificação final relativa à avaliação do desempenho daquele associado no ano de 2007, datado de 04/04/08, e de indeferimento de reclamação apresentada contra aquela homologação, ao abrigo do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004, de 14/05, datado de 22/04/08 – cf. documentos nºs 3 e 4 anexos à petição inicial.

Invocou para tanto a violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade (artigos 5º e 6º do Código de Procedimento Administrativo e artigo 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), da alínea b) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Regulamentar nº 19-A/2004 e do artigo 90º nºs 3, 4 e 5 da Lei nº 169/99, de 18/09 e 24 nºs 2 e 3 do Código de Procedimento Administrativo.

O Município de E... apresenta contra-alegações em que pugna pela manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.


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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Ao não considerar que o acto contenciosamente impugnado ignorou que os objectivos em que assentou a avaliação em crise, tinham uma carga necessariamente aleatória por não dependerem apenas do avaliado sendo mais dificilmente exequíveis e exigentes para o sócio do Recorrente, pela aplicação uniforme ou indistinta, um dos quais nem sequer atingido por qualquer dos destinatários, o douto aresto recorrido ignorou que os princípios da justiça e proporcionalidade foram tangidos violando os artigos 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e 5º e 6º do Código de Procedimento Administrativo.

2. Ao não considerar que a legalmente exigida participação na fixação dos objectivos não ocorreu, contra o alegado pelo sócio do recorrente ab initio, quando quem tinha a incumbência de provar ter sido garantida tal participação não o fez, o aresto recorrido violou o artigo 3º nº 1, alínea b) do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004.

3. Ao não considerar que a deliberação do Conselho de Coordenação da Avaliação não cumpriu a forma legalmente devida, inquinando o acto impugnado, o aresto recorrido violou os artigos 90º nºs 3, 4 e 5 da Lei nº 169/99, de 18/09 na redacção da Lei nº 5-A/2002 e 24 do Código de Procedimento Administrativo.

4. O aresto recorrido errou no direito aplicável violando os artigos 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, 5º e 6º, do Código de Procedimento Administrativo, 3º nº 1 alínea b), do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004, 90º nºs 3, 4 e 5 da Lei nº 166/99 e 24º do Código de Procedimento Administrativo.
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II – Matéria de facto.

A. VMHN é sócio de pleno direito do autor – tendo pedido a intervenção deste para propor a presente acção – cf. documentos n.ºs 1 a 2 anexos à petição inicial.

B. O sócio do autor é técnico profissional especialista principal do quadro de pessoal do Município de E..., exercendo desde há praticamente 28 anos as funções de fiscal municipal, integrando o serviço de fiscalização da Câmara Municipal de E....

C. Nesta qualidade, no início do ano de 2007, tomou conhecimento dos objectivos segundo os quais seria aferida a avaliação do seu desempenho no ano de 2007.

D. O objectivo n.º 1 consistia em: «Participar para efeitos de contra-ordenações no âmbito do DL n.º 559/99, de 16 de Dezembro...» – cf. ficha de avaliação de desempenho junta como documento n.º 3 anexo à petição inicial, a fls. 2.

E. O objectivo n.º 2 traduzia-se no seguinte: «Participar para efeitos de contra-ordenações no âmbito do licenciamento e afixação de Publicidade (Nível 5 – + de 10 participações; nível 3 – 10 participações; Nível 1 – menos de 10 participações...» – cf. documento n.º 3 anexo à petição inicial, a fls. 2.

F. O objectivo n.º 3 consistia em: «Participar no âmbito do Código de Posturas para efeitos de contra-ordenação (Nível 5 - + de 5 participações; Nível 3 – 5 participações; Nível 1 – menos de 5 participações...)» – cf. documento n.º 3 anexo à petição inicial, fls. 2.

G. O objectivo n.º 4 consistia em: «Participar para efeitos de processo de contra-ordenação nas restantes áreas de competências da fiscalização municipal (Nível 5 - + de 10 participações; nível 3 – 10 participações; Nível 1 – menos de 10 participações)...» – cf. documento n.º 3 anexo à petição inicial, fls. 2.

H. O objectivo n.º 5 consistia em: «Registar na aplicação informática as participações e remetê-las ao serviço de contra-ordenações em prazo igual (Nível 5 – menos de 48 horas; nível 3 – 48 horas; Nível 1 – 48 horas)...» – cf. documento n.º 3 anexo à petição inicial, fls. 2.

I - Em 16.01.07, o avaliador e o sócio do autor assinaram os objectivos supra referidos – cf. Ficha de Avaliação de Desempenho (documento n.º 3 anexo à petição, fls. 2).

J - O sócio do autor foi avaliado pelo Nível 1 (não cumpriu o objectivo) em relação aos primeiros 4 objectivos e pelo nível 5 (superou claramente o objectivo) em relação ao objectivo 5 – cf. documento n.º 3 anexo à petição inicial, fls. 2.

K – Na avaliação global de desempenho, no capítulo “objectivos”, o sócio do autor obteve avaliação de 1,8, no capítulo “competências comportamentais” de 3,4, e no de “atitude pessoal” de 4 – cf. documento n.º 3, fls. 6.

L - A avaliação final do sócio do Autor traduziu-se na menção quantitativa de 2,7 – cf. documento n.º 4, fls. 6.

M - A referida avaliação do desempenho foi homologada por despacho do Presidente da Câmara Municipal de E... de 4/4/08 – cf. documento n.º 3, fls. 8.

N - O sócio do autor tomou conhecimento do acto de homologação da classificação final em 08/04/2008 – cf. ficha de avaliação de desempenho, ponto 5.3. (conhecimento da avaliação após homologação/despacho do dirigente máximo do serviço).

O - Por baixo do referido ponto 5.3. consta o seguinte:

NOTA:

Ao longo do ano não instaurei autos da zona dos meus colegas, só instaurei da minha zona de jurisdição. Os meus colegas durante as minhas férias, instauraram 3 contra-ordenações da minha zona (todas de urbanismo). Só eu é que não levantei das outras zonas.”

P - No dia 15/4/08 o sócio do autor apresentou reclamação deste despacho ao abrigo do n.º 1, do artigo 28.º do Decreto Regulamentar n° 19-A/2004, de 14/5.

Q - Sobre aquela reclamação do sócio do autor, o Conselho de Coordenação da Avaliação deliberou emitir o parecer desfavorável, constante do documento n.º 4, fls. 2 e 7.

R - Sobre este parecer foi lavrado o despacho do Presidente da Câmara de E... de 22/4/08 – cf. Documento n° 4, fls. 2.

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III - Enquadramento jurídico.

1. Os princípios da justiça e da proporcionalidade, consignados nos artigos 5º e 6º do Código de Procedimento Administrativo e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

O sistema de avaliação e desempenho na Administração Pública foi aprovado pela Lei nº 10/2004, de 22 de Março, que no seu artigo 13º determina que o procedimento de avaliação compreende, entre outras, a fase de “definição de objectivos e resultados a atingir”.

Por sua vez o Decreto Regulamentar nº 19-A/2004, de 14 de Maio veio regulamentar aquele diploma, estabelecendo no artigo 2º que a avaliação do desempenho integra as seguintes componentes:

a) Objectivos;

b) Competências comportamentais;

c) Atitude pessoal.

O n.º1 do artigo 3º:

“A avaliação dos objectivos visa comprometer os trabalhadores com os objectivos estratégicos da organização e responsabilizar pelos resultados, promovendo uma cultura de qualidade, responsabilização e optimização de resultados…”.

E as alíneas a) e ) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 3º:

Os objectivos são da responsabilidade de cada organismo, devem ser acordados entre avaliador e avaliado no início do período da avaliação, prevalecendo, em caso de discordância, a posição do avaliador”.

Finalmente, a alínea c) do n.º2 do artigo 3º:

A definição dos objectivos deve ser clara e dirigida aos principais resultados a obter pelo colaborador no âmbito do plano de actividades do respectivo serviço” .

Discorda o recorrente do decidido no acórdão recorrido que só com base na prova reunida no processo e sem abrir um período de prova, concluiu que não resulta de forma segura e suficiente que o desempenho tenha sido consequência de uma efectiva desigualdade entre as zonas distribuídas a cada um dos fiscais e que seja nas zonas rurais que se verifica maior ocorrência de situações ilegais, enquanto as outras, nomeadamente junto à E.N. 109, já são mais facilmente detectáveis.

O recorrente entende que sendo estas mais facilmente detectáveis com maior facilidade seriam autuáveis.

Mais entende que o acórdão recorrido olvida os factos alegados pelo recorrente, designadamente que a zona que lhe estava distribuída era a que tinha mais área abrangida pelo programa PROHABITA, tendo sido aquela em que mais candidaturas se verificaram e, consequentemente, mais obras isentas de licenciamento ocorreram.

Esquece também que a alusão à E.N. nº 109 foi para demonstrar que nesta se verificam número considerável de infracções ambientais que conduzem a um número elevado de autuações.

Mais alega o recorrente que assim que seu sócio teve ocasião de intervir no procedimento em causa, ou seja, quando apresentou a reclamação do despacho de homologação da avaliação, invocou que tomou conhecimento dos objectivos mas manifestou logo aí o seu desagrado pela forma indiscriminada como foram traçados os objectivos que poderia revelar-se pouco equitativa.

Alegou também a carga necessariamente aleatória dos objectivos por dependerem de pressupostos que não dominava ou lhe escapavam em absoluto, sendo que um dos objectivos não foi sequer alcançado por nenhum dos destinatários, pelo que a uniformidade daqueles objectivos era desadequada.

Invocou ainda que o sócio do recorrente alegou factos demonstrativos desta última asserção, designadamente por os objectivos serem atribuídos indistintamente a fiscais com zonas de fiscalização diferentes, pelo que o que era justo e proporcional para uns não o era para o sócio do recorrente.

As zonas de fiscalização distribuídas aos restantes eram mais populosas, com infra-estruturas onde se verificavam grande número de infracções, ao passo que a sua era mais rural e abrangida por programas específicos que influíam nos objectivos.

Como o demonstra a classificação de 4 valores na componente “atitude pessoal”, o sócio do recorrente nunca terá sido um funcionário pouco empenhado.

Estes factos configuram violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade previstos nos artigos 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 5º e 6º do Código de Procedimento Administrativo?

A Administração Pública está sujeita ao princípio da legalidade – art.º 266º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e art.º 3º do Código de Procedimento Administrativo.

Deste princípio geral decorrem outros, em particular os da justiça e da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 18º, n.º2, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa, no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias: o legislador ordinário e a administração pública só podem restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição “devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direito ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Os princípios da justiça e da imparcialidade vêm regulados nos artigos 5º e 6º do Código de Procedimento Administrativo.

Determina o artigo 5º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo, vigente à data em que ocorreram tais factos:

“Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.

O princípio da proporcionalidade encontra-se plasmado também no artigo 5º, n.º2, do Código de Procedimento Administrativo, e decompõe-se em três subprincípios: adequação, exigibilidade e proibição do excesso.

Estabelece, com efeito, o artigo 5º nº 2, do Código de Procedimento Administrativo:

“As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.

Proíbe, por isso, o sacrifício desadequado, inexigível ou excessivo dos direitos e interesses dos particulares, pelo que as medidas restritivas devem ser necessárias, adequadas e proporcionadas ao bem público que se pretende alcançar ou ao mal público que se pretende evitar.

Por seu turno, estipula o artigo 6º do Código de Procedimento Administrativo:

“No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação“.

O princípio da justiça “significa que na sua actuação a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados.

(…)

O princípio da Justiça, tal como se encontra actualmente consagrado na Constituição Portuguesa, comporta, quanto a nós, pelo menos três corolários…:

a) Princípio da justiça “strictu senso”: segundo este princípio, todo o acto administrativo praticado com base em manifesta injustiça é contrário à Constituição e, portanto, é ilegal, podendo ser anulado em recurso contencioso pelo tribunal administrativo competente. Compreendem-se no âmbito da “manifesta injustiça”, para este efeito, não só os casos em que a Administração impuser ao particular um sacrifício desnecessário, mas também aqueles em que usar para com este de dolo ou má-fé. (…)

b) Princípio da igualdade ( …)

c) Princípio da proporcionalidade (…)

(…)

O princípio da imparcialidade significa que a Administração deve comportar-se sempre com isenção e numa atitude de equidistância perante todos os particulares que com ela entrem em relação, não privilegiando ninguém, nem discriminando contra ninguém” - Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Lisboa, 1988, páginas 201 a 204.

No caso concreto:

O princípio da igualdade consagrado não foi violado, uma vez que os critérios foram exactamente os mesmos para todos os fiscais municipais do recorrido, objecto de avaliação, nenhum tendo sido privilegiado, beneficiado, prejudicado, ou privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de algum dos factores elencados nessas normas legal e constitucional.

Aliás, entende-se que o recorrido usou critérios justos e imparciais, já que a confirmar-se que a zona distribuída ao sócio do recorrente era a que tinha mais área abrangida pelo programa PROHABITA, tendo sido aquela em que mais candidaturas se verificaram e, consequentemente, mais obras isentas de licenciamento ocorreram, por outro lado, as zonas rurais, embora menos populosas são aquelas em que, por regra, se verificam mais infracções quer pelas naturais dificuldades em obter os licenciamentos quer pelo distanciamento em relação às exigências burocráticas; pelo contrário, as outras zonas, nomeadamente junto à E.N. 109, desmotivam a prática de infracções por estas serem mais facilmente detectáveis.

Para ser justo e imparcial o recorrido tinha que usar exactamente os mesmos critérios abstractos para avaliar todos os seus fiscais municipais, como efectivamente usou.

E no caso concreto não resulta que a avaliação tenha sito feita em termos absolutos, de número de contra-ordenações, sem ter em conta as especificidades das zonas atribuídas ao sócio do recorrente.

Pelo contrário, não existia um número concreto definido de contra-ordenações a atingir, o que indica que a avaliação foi feita olhando para os condicionalismos concretos em que o trabalho de inspecção do representado do recorrente se desenvolveu.

Finalmente, a circunstância de nenhum dos destinatários ter atingido um dos objectivos, aliada à aleatoriedade dos critérios, também não infirma, antes confirma, a igualdade de tratamento e a justiça desses critérios.

É mais natural haver objectivos que todos alcançam e outros que ninguém alcança, encontrando-se pelo meio situações de alguns objectivos que só alguns alcançam, do que uma situações diversas, designadamente, com todos os objectivos alcançados por todos os destinatários ou com nenhum dos objectivos alcançados por qualquer dos destinatários.

Como tal, conclui-se que no caso concreto, não foram violados no acto impugnado os princípios e as normas invocadas nesta parte.

Assim, com este fundamento, o recurso não merece provimento.

2. A alínea b) do nº 1 do artigo 3º do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004 e os artigos 90º nº 3, 4 e 5 da Lei nº 169/99, de 18/09 e 24º nºs 2 e 3 do CPA.

Quanto aos alegados vícios procedimentais, sustenta o recorrente:

Que não houve debate/contratualização dos objectivos, ou seja, que o que consta da ficha de avaliação do desempenho que integra o procedimento administrativo é um espaço para a assinatura do avaliado, como forma de se comprovar que os objectivos fixados chegaram ao respectivo conhecimento, nada havendo que permita inferir que tal corresponda a um acordo, até porque na reclamação contra a homologação dos resultados do seu desempenho manifestou o seu desacordo com os objectivos.

Toda esta argumentação do recorrente se dilui perante o facto de na escolha dos objectivos o representado do recorrente não ter apresentado qualquer objecção, consumando assim o acordo entre avaliador e avaliado.

A aleatoriedade dos objectivos, invocada pelo recorrente, não infirma, antes confirma, a igualdade de tratamento, a isenção e a justiça desses mesmos critérios.

Se fossem estabelecidos tendo em conta as especificidades de cada zona atribuída, aí si, poderia pôr-se em causa o respeito por estes princípios.

A discordância dos mesmos só é manifestada depois do despacho que homologa os resultados da avaliação e não quando as duas partes assinam tais objectivos, pelo que a invocação de tal discordância, como sustenta o recorrido, é um “venire contra factum proprium”, que impede qualquer direito a invocar a falta de contratualização dos mesmos.

O recorrente estriba-se no ónus da prova para concluir que o recorrido não provou que a fixação dos objectivos resultou de um processo prévio de negociação/debate preliminar, sendo a última palavra do avaliador, ónus que sobre ele recaía.

Ora, “os objectivos são da responsabilidade de cada organismo, devem ser acordados entre avaliador e avaliado no início do período da avaliação, prevalecendo, em caso de discordância, a posição do avaliador” – artigo 3º nºs 1 e 2 alíneas a) e b) do mencionado Decreto Regulamentar, e que esse procedimento ocorreu como a lei o exige, não subsistem quaisquer dúvidas, já que o sócio do recorrente apôs a sua assinatura nos objectivos, sem qualquer nota de discordância.

Não o fez, pelo que tem de considerar-se que o sócio do recorrente deu o seu acordo aos referidos objectivos no início do período da avaliação

Não se assina um documento com o qual não concorda.

O recorrente não alega que o seu sócio assinou os objectivos com algum vício da vontade, e sendo este um facto impeditivo da concordância com os objectivos, nos termos do artigo 342º nº 2 do Código Civil, era sobre o recorrente que recaía o ónus da sua alegação e prova.

Quanto, em concreto, à aleatoriedade dos objectivos, não é algo que afaste a possibilidade de consciência desses objectivos. Independentemente das características de cada zona, o objectivo era participar contra-ordenações, objectivo que é perfeitamente perceptível.

A lei, no que respeita à exigência de contratualização dos objectivos, foi, pois, cumprida nos seus precisos termos.

O recorrente alega ainda que ao tomar conhecimento dos objectivos tomou conhecimento de um acto interlocutório relativamente ao qual, além de não existir qualquer expediente procedimental, não havia a confirmação da lesividade de tais objectivos, até porque tinham uma natureza necessariamente aleatória.

Mas não procede este argumento, pois que, como já supra referido, o sócio do recorrente assinou o documento que fixou os objectivos e se com eles não concordasse, assistia-lhe o direito de os não assinar ou de reclamar contra os mesmos.

Nada disso fez, pelo que, à data em que deles tomou conhecimento, concordou com eles.

Ora a contratualização dos objectivos basta-se com o mero acto de proposta dos mesmos ao avaliado pelo avaliador e sua aceitação, com aposição da sua assinatura pelo avaliado, como ocorreu no caso concreto, pelo que discorda-se de que não tivessem sido cumpridos ipsis verbis os dispositivos contidos nos artigos 3º nºs 1 e 2 alª b) do referido Decreto Regulamentar.

Alega ainda o recorrente que deveriam os órgãos e entidades do recorrido ter conferido lastro fundamental ao processo de debate/negociação que diz ter tido lugar, pois que tal como os actos de avaliação e respectiva homologação, o acto em apreço insere-se num procedimento administrativo devendo, como todos e quaisquer actos procedimentais ser documentados, tanto mais que se trata dum acto determinante da decisão final, sendo razoável a aplicação ao caso das normas do artigo 27º do Código de Procedimento Administrativo designadamente do seu nº 4, resultando que os actos procedimentais praticados mas dos quais não haja registo no processo não podem ser eficazes e, consequentemente oponíveis.

Conforme já referido, existe registo do acto administrativo de fixação dos objectivos da avaliação dos fiscais municipais ao serviço do recorrido – documento nº 3 junto com a petição inicial e tal documento satisfaz plenamente os requisitos do artigo 3º nº 2 alª b) do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004, pelo que também neste ponto carece de razão a argumentação do recorrente.

Por último, o recorrente invoca a violação da formalidade de escrutínio secreto para a deliberação do Conselho de Coordenação da Avaliação, sobre a reclamação apresentada pelo sócio do recorrente do despacho concordante de 22/04/2008, prevista nos artigos 90º nºs 3, 4 e 5 da Lei nº 169/99, de 18/09, na redacção à data em vigor da Lei nº 5-A/2002, de 11/01.

Dispõem tais normas o seguinte:

3- As deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto; em caso de dúvida, o órgão delibera sobre a forma de votação.

4- Havendo empate em votação por escrutínio secreto, procede-se imediatamente a nova votação e, se o empate se mantiver, adia-se a deliberação para a reunião seguinte, procedendo-se a votação nominal se na primeira votação desta reunião se repetir o empate.

5- Quando necessária, a fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto é feita pelo presidente após a votação, tendo em conta a discussão que a tiver precedido.”

Ora, no caso vertente, concorda-se inteiramente com o acórdão recorrido quando sustenta que a deliberação de indeferimento que recaiu sobre a reclamação do autor relativa à avaliação de desempenho não envolve a apreciação das qualidades pessoais do sócio do recorrente, mas sim as suas qualidades e aptidões enquanto funcionário público, não exigindo a lei que neste caso a votação do Conselho de Coordenação da Avaliação tivesse de fazer-se por escrutínio secreto.

Dá-se aqui por reproduzido parte do texto do acórdão recorrido a que integralmente se adere:

O escrutínio secreto só será de seguir quando seja necessário proceder à apreciação de comportamentos ou de qualidades da pessoa, e já não quando apenas tenha de levar em conta o desempenho profissional do funcionário, «valoração dos respectivos méritos nesse âmbito», ou quando «se trate de apreciar trabalhos científicos, por exemplo dissertações ou provas públicas» - neste sentido, se pronunciou igualmente o acórdão do STA de 16/01/1997, nº 32 089; Jorge Miranda, in Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1992, pág. 627 e ss.

Não há, pois, qualquer violação do artigo 90º nºs 3, 4 e 5 da Lei nº 169/99, de 18/09, na redacção em vigor, à data da deliberação, da Lei nº 5-A/2002, de 11/01.

Improcede, por isso, também este vício, não merecendo provimento o recurso do recorrente


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Sem custas, por delas estar isento o recorrente - artigo 4º nº 2 alª d) do Regulamento das Custas Processuais.


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Porto, 9 de Outubro de 2015
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco