Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00704/07.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR.
DÉFICE INSTRUTÓRIO.
Sumário:I) Estando em causa 14 liquidações adicionais de IVA identificadas no quadro de fls. 65, as quais terão sido notificadas por carta registada com aviso de recepção, se é certo que a FP juntou, em sede de contestação, prova de terem sido assinados os Avisos de Recepção relacionados com as liquidações nºs 68246, 68248, 68250, 68252, 68254, 68256 e 68258, não é menos certo que não procedeu de igual modo em relação às demais notificações, de modo que, e sem prejuízo de se notar que nos termos do art. 41º nº 1 do CPPT que “as pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem”, sendo que o nº 2 do mesmo normativo aponta que “não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade”, ou seja, a notificação das pessoas colectivas e sociedades apenas pode realizar-se na pessoa de qualquer empregado quando, de acordo com o citado nº 2 do art. 41º, não possa efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado, o enquadramento desta matéria depende do cabal enquadramento da forma e termos em que foram efectuadas a totalidade das liquidações apontadas nos autos.
II) Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa e no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da mencionada questão da caducidade. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
F…, Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 27-06-2008, que julgou procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de deduzir impugnação judicial, tendo julgado improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com os actos de liquidação oficiosa de IVA dos anos de 2002 e 2003.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 111-113), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1 - A Recorrente impugnou e no seu entender em tempo os actos de liquidação oficiosa do I.V.A.;
2 - O Ex.mo. RFP. Contestou afirmando que tal reclamação havia entrado extemporaneamente, afirmando que foi apresentada em 16 de Maio de 2007 tendo terminado o prazo em 3 de Maio de 2097.
3 - Porém, a notificação não foi recebida pela Recorrente, mas sim por M…, senhora idosa, doente, que tem péssimas relações com a neta uma dos sócios da Recorrente.
4 - Não foi pois, notificada a Recorrente, e como tal, não foi cumprido o disposto nos Artigos 38º nº 3 e 41º do CPPT;
5. E como tal, estamos perante uma situação de nulidade de notificação ou citação,
6 - Ao entender de forma diversa, a sentença recorrida violou as normas dos Artigos 38º e 41º do C.P.P.T.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 132 dos autos, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a única questão a conhecer no presente recurso é a matéria da caducidade do direito de impugnar.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) No dia 16-05-2007 a Impugnante apresentou a Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, cfr. extracto do registo postal constante de fls. 2 dos presentes autos, que aqui se dá por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) As liquidações aqui em causa foram comunicadas à Impugnante nos dias 05 e 07 de Dezembro de 2006, delas constando como data limite de pagamento, o dia 31-01-2007, cfr. docs. de fls. 73 a 89. Sobre esta factualidade a Impugnante limitou-se, no que respeita às datadas de 07-12-2006, a dizer que desconhece quando e quem recebeu as notificações. Ora estes elementos constam dos próprios documentos juntos pela Fazenda Pública. No demais remeteu para o artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário afirmando a tempestividade.
C) Resultaram de correcções à matéria tributável ocorridas na sequência de Inspecção tendo a Impugnante sido notificada, em Janeiro de 2006, do projecto de relatório de inspecção para, querendo, exercer o directo de audição, vejam-se fls. 192 e segs. do Processo Administrativo.
II II FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem
***
A convicção do tribunal formou-se com base nos elementos indicados nas alíneas dos factos provados.”
3.2 DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende com a questão da caducidade do direito de impugnar.

Na sentença recorrida foi considerado que:

“…
Questão a decidir: a caducidade do direito de deduzir Impugnação. Outras questões colocou a Impugnante mas, como se verá, elas deixam de ser pertinentes face ao conhecimento daquela.
A caducidade do direito de impugnar, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 493º, nº 1 e 3, 496º, ambos do Código de Processo Civil, 333º do Código Civil e 2 al. e) do CPPT, constitui excepção peremptória, de conhecimento oficioso.
O prazo para deduzir impugnação é de natureza substantiva, contínuo e contado de acordo com as regras do art. 279º do Código Civil (CC): art. 20º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). No sentido acabado de referir vejam-se entre outros o Ac. do STA de 14-01-2004, in Proc. 01208/03 in WWW.dgsi.pt.
Sobre a notificação das liquidações tivemos presentes, entre outras já aludidas, as normas constantes dos artigos 38º, nº 3 e 41º, nº 2, ambos do CPPT.
Prescreve o artº. 102º n.º 1 al. a) do CPPT que a impugnação “será apresentada no prazo de noventa dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário”.
Como resulta dos factos provados, o termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 31-01-2007, sendo que a PI, quando deu entrada em 16-05-2007, já se encontrava ultrapassado o prazo de noventa dias supra referido. No bom rigor o prazo atingiu-se no dia 1 de Maio de 2007, mas sendo feriado passou para o dia seguinte, o dia 2 de Maio quarta-feira. …”.
Nas suas alegações, a Recorrente refere que a notificação não foi recebida pela Recorrente, mas sim por M…, senhora idosa, doente, que tem péssimas relações com a neta uma dos sócios da Recorrente, o que significa que não foi pois, notificada a Recorrente, e como tal, não foi cumprido o disposto nos Artigos 38º nº 3 e 41º do CPPT e como tal, estamos perante uma situação de nulidade de notificação ou citação, de modo que, ao entender de forma diversa, a sentença recorrida violou as normas dos Artigos 38º e 41º do C.P.P.T.
Que dizer?
Estabelece-se no art. 102° nº1 do CPPT que:
«A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos seguintes factos:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste código;
f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”
No caso presente, foi entendido que, em função dos factos provados, o termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 31-01-2007, sendo que a PI, quando deu entrada em 16-05-2007, já se encontrava ultrapassado o prazo de noventa dias supra referido.
Para o efeito, faz-se apelo ao teor dos documentos de fls. 73 a 89.
Pois bem, estando em causa 14 liquidações adicionais de IVA identificadas no quadro de fls. 65, as quais terão sido notificadas por carta registada com aviso de recepção, se é certo que a FP juntou, em sede de contestação, prova de terem sido assinados os Avisos de Recepção relacionados com as liquidações nºs 68246, 68248, 68250, 68252, 68254, 68256 e 68258, não é menos certo que não procedeu de igual modo em relação às demais notificações.
Assim sendo, e sem prejuízo de se notar que nos termos do art. 41º nº 1 do CPPT que “as pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem”, sendo que o nº 2 do mesmo normativo aponta que “não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade”, ou seja, a notificação das pessoas colectivas e sociedades apenas pode realizar-se na pessoa de qualquer empregado quando, de acordo com o citado nº 2 do art. 41º, não possa efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado, o enquadramento desta matéria depende do cabal enquadramento da forma e termos em que foram efectuadas a totalidade das liquidações apontadas nos autos.
Com este pano de fundo, tal discussão apenas pode ser feita em toda a sua plenitude a partir do momento em que os autos permitam tal apreciação, sendo que o presente processo não exibe qualquer matéria relacionada com os termos em que foram efectuadas as demais notificações, não sendo também de descartar a presença nos autos do teor das liquidações remetidas ao abrigo dos registos apontados nos autos.
Ora, o art. 712.º do C. Proc. Civil (actual art. 662º), ao fixar perspectiva e orientação para o julgamento, por parte do tribunal de recurso, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, prevê, no respectivo nº 4, a hipótese de esta ser anulada sempre que se “repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando (se) considere indispensável a ampliação desta”. Trata-se da conferência de uma faculdade processual, coberta pela força das decisões proferidas por tribunais de grau hierárquico superior, tendente a, por princípio, permitir buscar todos os dados factuais disponíveis, com potencial interesse e relevo para um julgamento o mais acertado possível das pretensões formuladas pelas partes numa concreta demanda judicial, que, no âmbito específico da jurisdição tributária, pressupõe particular enfoque e atenção, por virtude do privativo ónus que impende sobre os juízes dos tribunais tributários de realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade material - cfr. arts. 13º n.º 1 CPPT e 99º nº 1 LGT. Não se olvide, ainda, que é no estabelecimento da matéria de facto relevante que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.
A partir daqui, e perante o que ficou exposto, tem de entender-se que a matéria relacionada com os termos das demais liquidações apontadas nos autos e bem assim a correspondência entre as liquidações descritas de IVA e os correspondentes registos não está suficientemente esclarecida quer em relação ao alcance que a decisão recorrida lhe confere quer no que diz respeito à pertinência da crítica formulada pela Recorrente neste âmbito.
Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa.
E no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da mencionada questão da caducidade. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).
Não se pode, pois, manter o decidido que terá que ser anulado volvendo os autos à 1ª instância para a realização das diligências tendentes a apurar da real situação relacionada com os termos da notificação das demais liquidações e bem assim a correspondência entre as liquidações apontadas de IVA e os aludidos registos conforme já referido e, posteriormente, ser aí proferida decisão em face dos elementos de prova recolhidos.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância para instrução e demais termos de acordo com o que fica exposto.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 27 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves