Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00228/07.2BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/27/2014
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:INEPTIDÃO DA PETIÇÃO.
Sumário:I- Da interpretação do art.º 186.º do CPC a ineptidão da petição inicial pode ocorrer de duas formas:
a) Falta absoluta de formulação do pedido ou da causa de pedir;
b) Formulação obscura do pedido e/ou da causa de pedir.
II- Se o réu apesar de arguir a ineptidão contestou e após ouvido o autor, se verificar que interpretou corretamente a petição inicial, a mesma não é julgada inepta.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
F..., melhor identificado noa autos, veio impugnar o despacho de indeferimento proferido no âmbito da Reclamação Graciosa n.º 05312006000358, relativa ao IRS do ano de 2005, no valor de 3.898,02€.
Foi notificada a Representação da Fazenda Pública, para contestar tendo que equacionado a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido ou contradição entre a causa de pedir e o pedido ou ainda em alternativa ser julgada improcedente por insuficiência/deficiência da indicação/concretização/explicitações das razões de facto e de direito constitutivos o direito que pretende valer ou ser julgada válidas e regulares a não aceitação das despesas encargos de € 14 174.22 inscritas no campo 401, ponto 4 do anexo G, para efeitos de valorização do imóvel aí identificado bem como a não aceitação do valor dos € 100 000.00 inscrito no campo 501, ponto n.º 5 do mesmo anexo, para efeitos de reinvestimento.
Foi o ora Recorrente notificado da contestação tendo alegado que nem o pedido nem a causa de pedir são ininteligíveis e que a impugnada percebeu perfeitamente a sua pretensão.
Foi dispensada a inquirição de testemunhas arroladas e remetidos os autos a vista do digno Ministério Público, tendo este concluído pela procedência da impugnação aceitando-se a alegação no que toca ao destino do imóvel e às despesas.

Após, o Mm. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em sentença, considerou a petição inepta nos termos do art.º 98.°, n.º 1 a) do CPPT, 193.°, n.°s.1, 2, al. a) e b) e 288.°, n.º 1 al. b) do CPC ex vi art. 2.°, al. e) do CPPT e nula a impugnação absolvendo a Fazenda Pública da instância.
O Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso e formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)

CONCLUSÔES.
25) - Da análise global da douta sentença, ora recorrida, bem como de toda a prova produzida nos autos, constata-se que nem a causa de pedir é ininteligível, nem o pedido está em contradição com a causa de pedir.
26) - Da P.I, apresentada pelo impugnante ora recorrente consta o seguinte pedido:
- Que da liquidação de IRS do ano de 2005, com o nº 13, de 3/8/2006 fossem consideradas para efeitos de cálculo de mais valias, as despesas e encargos declarados no valor de € 13.797,13 (14.174,22- 377,09),
- Que os ganhos provenientes da transmissão onerosa sejam susceptíveis de Reinvestimento.
E a seguinte causa de pedir:
- Erro de indicação do valor de aquisição por se tratar de imóvel construído pelo próprio e ser superior ao valor patrimonial indicado o montante dos documentos juntos;
- Por não serem mencionadas as despesas e encargos previstos no artigo 51º do CIRS no montante de € 14.174,22, com excepção do valor pago a título de imposto municipal de sisa, no montante de € 377,09, perfazendo o montante global de € 13.797,13, tal como consta da P.I.;
- Erro na indicação do valor que pretende reinvestir.
27)- As questões levantadas pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, importantes e fundamentais é certo, são incompreensíveis á luz de toda a documentação constante dos autos, da qual constam os elementos necessários e fundamentais à decisão da causa.
28) A documentação constante dos autos responde cabalmente às questões levantadas na douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, que porventura não analisou devidamente, apesar da junta aos autos conforme requerido na P.I. do ora recorrente.
29)- Levantadas dúvidas quanto ao pedido ou à causa de pedir, o impugnante ora recorrente deveria ter sido convidado oficiosamente a aperfeiçoar a sua P.I. aí juntando as provas que porventura estivessem em falta.
30)- O valor de despesas e encargos constantes do anexo G da declaração de IRS apresentada pelo impugnante ora recorrente, devia ser alterado para € 13.797,13, ( € 14.174,22, - € 377,09 ), deduzido o valor pago a título de imposto municipal de sisa, por respeitar à aquisição da parcela de terreno destinada à construção e não há aquisição do bem alienado.
31)- Efectuada a venda no ano de 2005 do prédio urbano a que se reportam os autos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº 3247, o seu valor sempre teria que ser declarado, pretendendo ou não o sujeito passivo, ora recorrente, proceder ao reinvestimento do capital recebido, o que poderia fazer nos dois anos subsequentes, obtendo legitimamente os benefícios fiscais que lhe são permitidos. Por tudo o que se alega, a sentença recorrida deverá ser revogada e, consequentemente:
- Ser considerado para efeitos de determinação das mais valias sujeitas a imposto o valor de € 13.797,13 de despejas e encargos, nos termos do disposto no artigo 51º do CIRS;
- Que os ganhos provenientes da transmissão onerosa sejam susceptíveis de Reinvestimento.
- Tudo com as demais consequências legais.
Assim se fazendo a acostumada Justiça.
A Representação da Fazenda Pública contra-alegou e concluiu que:
“(…) 6. Pelo que, a douta sentença considerou e bem, ou a causa de pedir é ininteligível ou o pedido está em contradição com a causa de pedir.
7. Com efeito, como muito bem se refere na douta sentença do tribunal “a quo”, ora recorrida, na PI, não de sabe a que prédio, o impugnante, aqui recorrente, se reporta; como também não se sabe se o recorrente o vendeu, por quanto, se reinvestiu, onde ou quanto ganhou nessa venda.
8. E quando o recorrente, ora impugnante, pede que “os ganhos provenientes da transmissão onerosa sejam susceptíveis de reinvestimento, então conforma-se com a liquidação de IRS de 2005?
9. Mas, se se conforma com a referida liquidação, porque alude no artigo 3.1 e 3.2 da sua PI que discorda da não aceitação do remanescente das despesas e encargos no montante de 13.797,13€? Subjacente a este pedido estará, porventura, o facto de discordar da liquidação que não considerou as despesas e encargos que refere ter tido?
10. Dito de outra forma, e conforme se diz no artigo 16 da contestação, se o que pretende o impugnante, aqui recorrente, é reinvestir, então, porque se conforma com a liquidação do IRS do ano de 2005? Mais, conforma-se, com o valor apurado das mais valias? E continua a questionar, que certas despesas e encargos sejam reconhecidos, não se conformando com a liquidação? Põe ou não em causa o cálculo do imposto sobre as mais valias?
11. Quanto aos documentos juntos aos autos, que o recorrente pretendia que fossem considerados para efeitos de despesas e encargos dedutíveis, é falso tudo quanto refere no alegado em 14, porquanto, o critério de exclusão das mesmas foi devidamente fundamentado no relatório final sobre o qual recaiu o despacho de indeferimento da sua pretensão, na reclamação graciosa, conforme, oportunamente lhe foi notificado, na íntegra (cf. notificação junta aos autos).
12. Com efeito, de tais documentos juntos aos autos, apenas mencionam serviços prestados e ou materiais adquiridos, mas não se sabe onde, quando e em que imóvel ou imóveis, foram os mesmos prestados e/ou aplicados.
13. Daí que, a AT não pudesse concluir que tais despesas tivessem sido para valorização do imóvel ao qual, o recorrente pretendia imputa-las.
14. Como também, não logrou o recorrente trazer ao processo prova documental cabal da sua residência, como não sendo no lugar dos …s; e quanto ao referido por si, no artigo 13 das alegações, que a prova testemunhal não chegou a ser inquirida, foi o recorrente, em momento próprio, notificado do despacho do Ex.mo Sr. Juiz, de que o processo “tinha os elementos indispensáveis para conhecimento do pedido”, pelo que, não seria necessário, ou útil, “a inquirição das testemunhas”. Deste despacho poderia o recorrente ter interposto recurso interlocutório, mas preteriu não o saber. O recorrente saberá porquê!...
15. O recorrente/impugnante, vem alegar, primeiro, que a reclamação graciosa, foi objecto de uma simples apreciação consubstanciada numa interpretação literal da legislação fiscal em vigor, quanto à matéria em questão”. Depois que a RFP nem apreciou a sua resposta de audiência prévia, concluindo, pela falta de fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa.
16. Não tem o recorrente razão, porquanto, o relatório final, no qual recaiu a decisão de indeferimento está sobejamente fundamentado, referindo inclusive, que o recorrente na sua resposta, não trouxe factos novos susceptíveis de reapreciação do projecto de decisão.
17. Depois, o recorrente alega, ainda que, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” “porventura não analisou devidamente” a documentação “apesar de junta aos autos”.
18. Será que, quer a Administração Tributária, quer o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” se distraíram, assim, tanto, na análise do processo objecto agora do presente recurso?
19. É o próprio recorrente que admite que as questões levantadas na douta sentença, ora recorrida (final da página 2 e inicio da página 3 da mesma), são importantes e fundamentais.
20. Porém, ao contrário do que afirma, é falso que as mesmas estejam respondidas cabalmente à luz da documentação junta aos autos,
21. A documentação referida pelo recorrente, nomeadamente facturas, apenas demonstram que o recorrente/impugnante na data aposta nas mesmas adquiriu as mercadorias ai discriminadas e pagou os serviços ai referidos. NADA MAIS!
22. Não comprovam onde foram aplicados tais materiais e ou onde foram prestados tais serviços, nomeadamente, não comprovam que em concreto, tudo se destinou a “valorizar o imóvel por si identificado”
23. Como também, aquilo que o recorrente pretende evidenciar nas suas alegações, nomeadamente, nos artigos 19 a 31, não está claro na PI da sua impugnação judicial, que aliás como se diz na contestação, nem o pedido expõe claramente as razões de facto e de direito de forma que o fundamentem (art°. 108 nº. 1 “in fine” do CPPT), donde, inexistem, ou no mínimo, são insuficientes/deficitários os factos essenciais constitutivos da causa de pedir.
24. Fundamentos pelos quais, e bem, a douta sentença recorrida, considerou a causa de pedir ininteligível e ou que o pedido está em contradição com a causa de pedir.
Daí que, tenha julgado nula a presente impugnação, nos termos do art°. 98, n°. 1 al. a) do CPPT, 193 n°s 1, 2 al. a) e b) e 288 do CPC (ex. vi art°. 2, al. e) do CPPT.

Face a tudo, o alegado anteriormente, deverá a sentença, ora recorrida ser mantida em todo o seu conteúdo, com as demais consequências legais. (…)”

A Exma. Procuradora - Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, a qual é delimitadas pela conclusões das respectivas alegações, sendo a de saber se a petição inicial é ou não inepta, nos termos do art.º 98.°, n.° 1 a) do CPPT, 193.°, n.°s.1, 2, al. a) e b) e 288.°, n.° 1 al. b) do CPC ex vi art. 2.°, al. e) do CPPT.

3. FUNDAMENTOS

3.1 DE FACTO


A sentença recorrida não fixou matéria de factos provados, embora refira alguns na apreciação jurídica que fez da questão processual, pelo que se dão por fixados, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, e provados documentalmente, os seguintes:

1. Em 09.05.2006, o impugnante apresentou o modelo 3 da declaração de IRS, relativa ao ano de 2005, com o anexo G, onde constava alienação de imóvel com o valor de realização de € 144 840.00 e valor de aquisição de 6 868.45, e com indicação do reenvistimento da € 90 000.00 (fls. 5 e 6 do PA apenso aos autos);
2. A Administração procedeu à liquidação do IRS do ano de 2005, em 03.08.2006, apurando o valor de € 3 898.02, cujo pagamento foi efetuado em 11.09.2006 (fls.9 do PA apenso aos autos);
3. Em 21.09.2006, o impugnante apresentou o modelo 3 da declaração de susbtituição do IRS, relativa ao ano de 2005, com o anexo G, onde constava alienação de imóvel com o valor de realização de € 144 840.00 e valor de aquisição de € 8 755.15, e despesas e encargos no valor de € 14 174,22e com indicação do reenvestimento de € 100 000,00(fls. 6 e 7 do PA apenso aos autos);
4. A modelo 3 da declaração de susbtituição do IRS, foi convolada em reclamação graciosa (fls. 77 e 78 do PA apenso aos autos);
5. Através do ofício n.º 3045 com data de 2006.11.09, foi o impugnante notificado para se pronunciar por escrito , sobre o projeto de decisão no prazo de 10 dias (fls. 79 do PA apenso aos autos);
6. Em 22.11.2006, o impugnante pronuncia-se nos termos do documento constante de fls. 81 e 82 do PA apenso aos autos no qual consta:
“(…) 1. Não está, nem foi posta em causa a construção do imóvel, bem como foi aceite, o valor comprovado documentalmente da sua construção do montante de 8.755,15 €.
2. Os documentos apresentados, são apenas uma parte da construção do imóvel e que mantive em meu poder, por mero acaso, pois ignorava a sua necessidade prevista nos termos dos artigos 46º e 51º do CIRS e, também, não estava prevista a venda do imóvel, mas somente destinado à sua habitação própria e permanente.
3. Quanto à não aceitação das despesas e encargos declarados no montante de 14.174,22 €, englobam o montante de 377.09 € respeitante a imposto municipal de sisa da parcela de terreno destinada a construção, discordo parcialmente:
3.1. Concordo com a não aceitação do montante de 377,09 € por respeitar a imposto municipal de sisa da parcela de terreno destinada a construção e não à aquisição do bem alienado.
3.2. Discordo da não aceitação do remanescente das despesas e encargos do montante de 13.797,13 € (14.174.22€- 377,09 €) por se tratar de despesas realizadas com vista à valorização do bem, efectuadas depois de ter sido declarada como concluída a construção, incluindo instalação de aquecimento central, obras exteriores: garagem e acesso à mesma, arrumos, alpendre, iluminações exteriores diversas, etc., previstas nos termos do artº 51º do CIRS. A argumentação dos serviços, em meu entender, foi de uma singeleza e superficialidade surpreendente e sem fundamento presencial, porque se assim não tivesse sido, facilmente seriam vistos, até do exterior, muitos melhoramentos efectuados.
4. Ouanto à não aceitação do reinvestimento, por falta de alteração “formal” da morada, discordo totalmente, pelos factos que seguir se se discriminam:
4.1. É certo que o desconhecimento da lei não releva a falta, mas tal falta, se deve também, à falta de informação ou exigência dos serviços a quando do meu pedido de isenção da (contribuição autárquica) e que me foi concedido sem ter actualizado “formalmente” a morada e, daí continuar mantê-la até hoje.
4.2. Também é certo que o comum dos cidadãos, apenas trabalhador por conta de outrem, é mais vulnerável às leis que o regem e consequentemente vítima das mesmas, sendo a sua única fonte de informação a que lhe é prestada nos serviços de finanças locais, quando, e apenas ocasionalmente, se vê, envolvido com o fisco, por motivo específico.
4.3. A construção do imóvel em causa foi sempre a minha habitação própria e permanente desde a sua habitabilidade e a sua inscrição na matriz em 31-12-1990. A residência “formal” que sempre mantive no Lugar de … é apenas devido ao local de trabalho por conta de outrem no exercício da actividade agrícola com direito a habitação instalada na propriedade agricola.
4.4. Junto se anexam 5 documentos comprovativos em como o imóvel em causa foi sempre a minha habitação própria e permanente após a sua inscrição na matriz em 31-12-1990- tais como(….)”

7. Em 20.03.2007, pelo Chefe de Finanças de Bragança foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra a liquidação em causa (fls. 97 e 98 do PA apenso aos autos);

3.2 DE DIREITO

O art.º 98.°, n.º 1 a) do CPPT preceitua que são nulidades insanáveis em processo judicial tributário a ineptidão da petição inicial.
Os requisitos das petições iniciais são os consagrados no artigo 467° do CPC (atual 552.º) aplicável ex vi art. 2°, al. e) do CPPT.
A alínea d) impõe que a petição inicial deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação e a alínea e) a formulação do pedido.
E caso isso não aconteça a lei prevê a sanção da ineptidão da petição inicial a) quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir [Cfr. artigo 193°, n° 2, al. a) atual 186.º n° 2, al. a) do CPC)].
E a alínea b) quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir.
A ineptidão da petição inicial gera a nulidade de todo o processado, nulidade esta que se consubstancia como exceção dilatória de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento da causa [cfr. arts. 193°, n° 1 e n° 2, al. a) 493°, n° 2 , 494°, al. b) e 495° todos do CPC que correspondem atualmente aos arts. 186°, n° 1 e 2.º, al. a), n° 2 do art.º 576.º e 577°, al. b) e 578°].
Considera-se causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, não sendo suficiente a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão.
O pedido é o efeito jurídico que o autor pretende com a dedução da pretensão e deve ser formulado nas conclusões da petição inicial.
Da interpretação do art.º 186.º do CPC a ineptidão da petição inicial pode ocorrer de duas formas:
a) Falta absoluta de formulação do pedido ou da causa de pedir;
b) Formulação obscura do pedido e/ou da causa de pedir.
O Recorrente refere nas conclusões de alegações de recurso que a causa de pedir era:
- Erro de indicação do valor de aquisição por se tratar de imóvel construído pelo próprio e ser superior ao valor patrimonial indicado o montante dos documentos juntos;
- Por não serem mencionadas as despesas e encargos previstos no artigo 51.º do CIRS no montante de € 14.174,22, com exceção do valor pago a título de imposto municipal de sisa, no montante de € 377,09, perfazendo o montante global de € 13.797,13, tal como consta da P.I.;
- Erro na indicação do valor que pretende reinvestir.
Fazendo a análise da petição inicial verifica-se que o Recorrente apresenta como causa de pedir a liquidação de IRS relativa ao ano de 2005, de 03.08.2008, que tem subjacente apresentação do modelo 3 do IRS, de substituição que a Administração Fiscal convolou em reclamação graciosa.
Dai decorrendo erro de indicação do valor de aquisição, ao serem mencionadas as despesas e encargos previstos no artigo 51.º do CIRS no montante de € 14.174,22, com exceção do valor pago a título de imposto municipal de sisa, no montante de € 377,09, perfazendo o montante global de € 13.797,13 e erro na indicação do valor que pretende reinvestir.
E que a reclamação, por consubstanciar uma interpretação literal da legislação fiscal em vigor enferma de falta de fundamentação.
E que a não aceitação do reinvestimento, por falta de alteração formal de morada, se deve à falta de informação dos serviços a quando do pedido de isenção Contribuição Autárquica construção em causa e essa foi sempre a sua habitação própria e permanente desde 31.12.1990 e que o lugar de …, é o local de trabalho, por conta de outrem no exercício da atividade agrícola com direito a habitação instalada na propriedade agrícola.
De todo o discurso, embora pouco claro, pode-se sinteticamente concluir que a causa de pedir é, a não consideração das correções efetuadas no modelo 3 do IRS, em regime de substituição, os factos alegados na audição prévia pelo ora Recorrente e a falta de fundamentação despacho de indeferimento da reclamação graciosa e a discordância com a não aceitação do reinvestimento, por falta de alteração formal de morada.
Na petição inicial o Recorrente formula o seguinte pedido “Termos em que se requere a V.ª Ex.ª que se digne considerar a presente impugnação, procedente por provada e consequentemente sejam os ganhos provenientes da transmissão onerosa susceptíveis de reinvestimento.”
O Recorrente nas conclusões das alegações – refere que na petição inicial apresentada consta o seguinte pedido:
- Que da liquidação de IRS do ano de 2005, com o nº 13, de 3/8/2006 fossem consideradas para efeitos de cálculo de mais-valias, as despesas e encargos declarados no valor de € 13.797,13 (14.174,22- 377,09),
- Que os ganhos provenientes da transmissão onerosa sejam suscetíveis de Reinvestimento.
Face ao pedido efetuado na petição inicial, o Recorrente não pede a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, que tinha por pressuposto as correções efetuadas no modelo 3 de IRS de substituição, e como consequência normal a anulação da liquidação do IRS do ano de 2005.
O Recorrente limita-se a pedir que seja a presente impugnação, procedente por provada e os ganhos provenientes da transmissão onerosa sejam suscetíveis de reinvestimento.
Está subjacente ao pedido, o indeferimento da reclamação graciosa e consequente anulação da liquidação de IRS do ano de 2005 que foi inicialmente formulado no modelo 3 de IRS de substituição, e o reinvestimento da quantia de € 100 000,00, considerando os valores e despesas apresentadas nessa declaração de substituição.
Importa ainda trazer à colação o disposto no nº 2 do art.º 186.º do CPC, o qual determina que [s]e o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou corretamente a petição inicial.”
Assim, se o réu apesar de arguir a ineptidão contestou e após ouvido o autor, se verificar que interpretou corretamente a petição inicial, a mesma não é julgada inepta.
Compulsada a contestação apresentada pela Representação da Fazenda Pública verifica-se que a mesma concluiu pela improcedência da impugnação devendo:”(…)
a) Ser julgada procedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, e que, nos termos conjugados dos artigos 193 n°, 1 e 2 al. a) …, determina a nulidade de todo o processo, importando a absolvição da Ré/ impugnada, da instância, conforme o alegado ….
b) Ou em alternativa, ser julgada procedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, nos termos dos artigos 193 n.º 1 e 2 aI. b) …. determina a nulidade de todo o processo, importando a absolvição da Ré, …, da instância, conforme o alegado…
c) E ainda em alternativa, o que só por mera cautela se prevê, ser julgado improcedente o pedido por insuficiência/deficiência/concretização/explicitação das razões de facto e de direito (alegação genérica e conclusiva) constitutivos do direito pretendido fazer valer na presente impugnação, …..
d) Serem julgadas válidas e regulares a não aceitação das despesas e encargos no valor de 14 174.22 € inscrita no campo 401, ponto 4 do anexo G, para efeitos de valorização do imóvel aí identificado, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 10 n.º 1 al. a), 46 n.º 3 e 4 e 51 al, a) do CIRS, bem como, a não aceitação do valor dos 100.000.00 €, inscritos no campo 504, ponto 5 do mesmo anexo, para efeitos de reinvestimento, nos termos e para os efeitos do artº 10 nº. 5 do CIRS.

É facilmente percetível no discurso argumentativo da contestação bem como nos pedidos efetuados que a Representação da Fazenda Púbica, compreendeu perfeitamente pretensão do Impugnante, a causa de pedir e o pedido efetuado na petição inicial ou seja, que as despesas e encargos com a construção e valorização do imóvel sejam considerados para efeitos de determinação das mais valias sujeitas a impostos e que os ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel em questão sejam considerados suscetíveis de reinvestimento.
Por fim, não pode vingar a pretensão da Recorrida expressa nas conclusões 7, 8 e 9, embora a petição inicial não o refira expressamente sabe-se o valor da aquisição e valor da realização, as despesas e encargos que com ele teve, e se o mesmo está a declarar que pretende reinvestir tinha um determinado prazo para o fazer sendo certo que esses elementos contam da declaração de IRS modelo 3 de substituição que foi convolada em reclamação pela Administração Fiscal.
Nesta conformidade, tendo a Representação da Fazenda Púbica, compreendido perfeitamente pretensão do Impugnante, a petição inicial não é inepta pelo que procede a pretensão do Recorrente impondo-se a revogação da decisão recorrida.
O n.º 2 do art.º 665.º do CPC preceitua que se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
Todavia este Tribunal, está impossibilitado de conhecer em substituição, uma vez que houve dispensa de prova testemunhal e há factos controvertidos que carecem de ser esclarecido e a prova documental existente nos autos, por si só não é suficiente.

E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:
I- Da interpretação do art.º 186.º do CPC a ineptidão da petição inicial pode ocorrer de duas formas:
a) Falta absoluta de formulação do pedido ou da causa de pedir;
b) Formulação obscura do pedido e/ou da causa de pedir.
II- Se o réu apesar de arguir a ineptidão contestou e após ouvido o autor, se verificar que interpretou corretamente a petição inicial, a mesma não é julgada inepta.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em revogar a sentença recorrida ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela para os fins supra referidos e posterior decisão em face dos elementos de prova recolhidos.


Sem custas.
Porto, 27 de novembro de 2014

Ass. Paula Moura Teixeira

Ass. Cristina Flora

Ass. Ana Patrocínio