Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00264/14.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS; ISENÇÃO DE IRC;
Sumário:I – As isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, previstas no artigo 9º do CIRC não abrangem as entidades públicas com natureza empresarial nem as associações e federações de municípios que exerçam atividades de natureza comercial, industrial e agrícola.

II - A isenção prevista no artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13/05, foi revogada pela Lei n.º 45/2008, não é aplicável ao IRC de 2012.

III - A isenção vertida na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRC pressupõe o não exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, pelo que, desenvolvendo a Recorrente uma atividade de natureza comercial, ainda que com carácter acessório, não lhe deve ser reconhecido o direito à referida isenção.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:P.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. O Exmº Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 10.11.2015, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial que a “P” intentou contra o indeferimento da reclamação graciosa que apresentara contra a autoliquidação de IRC do ano de 2012, no valor de €473.094,09.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação sub judice, deduzida da autoliquidação de IRC de 2012, declarando que “prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público – o de recolha e tratamento de resíduos”, (…) “não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al.b), do CIRC”.
B. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se, por entender que a sentença recorrida se mostra afetada de erro sobre os pressupostos de direito, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença.
C. Sem prescindir nem conceder da inaplicabilidade da isenção referida no art. 36º da L. nº 11/2003 à tributação da impugnante em sede de IRC, a Fazenda Pública defende que, tendo a L. nº 11/2003, de 13.05, sido revogada pela L. nº 45/2008, de 27.08, não havia sequer que ponderar a aplicação da norma remissiva constante do seu art. 36º, porque a ressalva do nº6 do art. 38º da L. nº 45/2008 refere-se exclusiva e precisamente à manutenção em vigor da natureza de pessoa coletiva de direito público, indicada pelo nº2 do art. 2º da L. nº 11/2003, e não a todo o regime consagrado nesta lei.
D. A manutenção da natureza de direito público não significa que se possa invocar para as associações de municípios de fins específicos a manutenção do benefício das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, porque este benefício decorria tão só do art. 36º da L. nº 11/2003 e não é inerente à natureza de pessoa coletiva de direito público.
E. Ao permitir a manutenção em vigor, estritamente, da natureza de direito público para as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da L. nº 45/2008, como é o caso da impugnante, esta lei pretendeu restringir o alcance do regime pretérito que aceitou continuasse a reger essas associações, devendo entender-se, do seu conjunto normativo, que a L. nº 45/2008 pretendeu que após a sua entrada em vigor só as associações de municípios de fins múltiplos ou comunidades intermunicipais beneficiariam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.
Sem embargo,
F. A Fazenda Pública entende também ser de rejeitar a afirmação que admite que a remissão do art. 36º da L. nº 11/2003, de 13.05, é realizada para os termos previstos na al. a) do art. 9º, nº1, do CIRC, em que as associações de municípios são equiparadas a autarquias locais e como tal estão isentas de IRC, "por mais discutível que seja a opção legislativa ou a redação da norma remissiva e da norma de isenção".
G. Se o legislador pretendesse que as associações de municípios beneficiassem da isenção que vale para as autarquias locais a que se refere a al.a) do nº1 do art. 9º do CIRC não só não restava espaço para a aplicação da al.b) do mesmo preceito, havendo que considerá-la implicitamente revogada a partir da entrada em vigor da L. nº 11/2003, como igual conclusão teria de se retirar para qualquer norma constante de qualquer diploma fiscal que previsse, em condições específicas de cada tipo fiscal, isenções para as associações de municípios.
H. Revela-se mais razoável e plausível que o legislador tenha querido salvaguardar a aplicação das normas especiais que fixem tratamento especial para as essas associações, preservando o efeito útil destas - assim, a remissão genérica do art. 36º da L. nº 11/2003 não prejudica a aplicação de normas especiais, caso da al.b) do nº1 do art. 9º do CIRC
I. No que concerne à aplicação à impugnante da isenção da al.a) do nº1 do art. 9º do CIRC, razão de ser do enquadramento da associação de municípios impugnante como sujeito passivo não isento de IRC que exerce a título principal atividades de natureza comercial e industrial decorre da reconhecida realização de operações económicas por parte da impugnante com caráter empresarial, ie, buscando a melhor combinação dos fatores de produção para a perceção de acréscimos patrimoniais, visando obter uma diferença positiva entre os valores do património líquido no início e no fim do período de tributação, que a impugnante destina segundo a gestão dada pela sua administração.
J. Relevante‚ para o caso delineado nos autos, é, então, a natureza e modo de exercício da atividade pela impugnante, que gerou os valores objeto de tributação, pois que ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, a realidade económica, a realidade de facto, conforme estatui, de forma genérica, no nº 3 do art. 11º da LGT.
K. Sendo certo que a impugnante dispõe de organização comercial e industrial em ordem ao exercício de uma atividade de produção ou troca de bens e serviços que é capaz de gerar rendimentos e, portando de acréscimo patrimonial.

L. Daí que a omissão do escopo legal ou estatutário da impugnante de qualquer finalidade lucrativa efeito não assuma relevo excludente, pois que as atividades exercidas pela impugnante são reconhecidamente dirigidas à obtenção sucessivos acréscimos patrimoniais, obtidos pela eficiente combinação de fatores de produção, conseguindo não apenas economias de escala, mas ¯maior rentabilidade‖, ¯redução de custos‖ e, por isso, aumento de proveitos.
M. Tais acréscimos destinam-se a ser aplicados na estrutura produtiva, reduzindo as contribuições financeiras que os Municípios associados têm o dever de prestar, repartindo assim, indiretamente, os proveitos entre esses associados.
N. É esse acréscimo patrimonial verificado na associação impugnante em consequência do modo como exerce a sua atividade que determina a sua tributação em IRC.
O. A prossecução de finalidades típicas de um serviço público não obsta em si mesma, na perspetiva da Fazenda Pública, ao preenchimento das condições para que a associação de municípios impugnante se constitua em sujeito passivo não isento de IRC, desde que exerça as atividades atribuídas em vista daquela prossecução com natureza empresarial, nos termos do nº4 do art. 3º do CIRC.
P. As atividades de tratamento e valorização dos resíduos urbanos sólidos que compõem a parte do objeto da associação impugnante indicada no nº1 do art. 2º dos seus Estatutos podem ter sido estabelecidas em função da satisfação de fins ou interesses da coletividade, podem manifestar a prossecução de um serviço público,
Q. mas o modo empresarial através do qual é exercida, em conjunto com as demais, e o resultado lucrativo que, em repetidos exercícios económicos é conseguido, reintegrado em toda a estrutura produtiva, preenche a estatuição da lei fiscal de sujeição e não isenção, e deve determinar a tributação daquela entidade em sede de IRC.
R. Posto que a impugnante exerce a sua atividade de modo empresarial, buscando acréscimos patrimoniais entre o início e o fim de cada exercício económico, tem de concluir-se que os seus custos ou gastos, tal como os seus proveitos ou ganhos, fazem parte do apuramento do resultado líquido desse exercício.
S. Em face do exposto, a associação aqui impugnante exercendo sua atividade de modo empresarial em vista do contínuo incremento do seu património, aliviando a carga financeira que impende sobre os seus membros, e evidenciando capacidade contributiva, é sujeito passivo não isento de IRC.
T. Como tal, a situação da impugnante subsume-se à al.b) do nº1 do art. 9º do CIRC, dado que, no ano fiscal a que respeita a liquidação impugnada, se demonstrou exercer a título principal actividade comercial, industrial ou agrícola com carácter empresarial e escopo lucrativo.
U. Adicionalmente, e sem reserva dos fundamentos do presente recurso até aqui expostos, a Fazenda Pública não se conforma com a condenação em custas proferida na sentença recorrida na vertente em que, de modo implícito, e ao abrigo do nº7 do art. 6º do RCP, considera não haver fundamento bastante para dispensar a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa superior a € 275.000,00.
V. Entende a Fazenda Pública, com respeito por diversa opinião, que se encontram preenchidas todas as condições previstas no art. 6º do RCP, nºs 1 e 7, para a dispensa do pagamento do remanescente, pois a causa não se mostra de decisão especialmente complexa, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes.
W. Como tal, a Fazenda Pública pugna, com o maior respeito, que a decisão recorrida deve ser alterada quanto às custas, por erro de julgamento, e substituída por outra que dispense a Fazenda do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte devida pelo valor da causa superior a € 275.000,00, nos termos do nº7 do art. 6º do RCP

Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.».

1.3. A Recorrida ““p” – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto” apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
A. Inconformada com a decisão a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, a cujas alegações se apresenta agora resposta.
B. Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123º do CPPT e pelos nº 2 e 3 do artigo 659º do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125º do CPPT e no artigo 668º do CPC.
C. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário – impugnado – face às questões jurídicas suscitadas.
D. A Fazenda Pública limitou-se, enfim, a repetir nesta sede, os mesmos dogmas ou preconceitos que já tinha tornado públicos no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância do alcance das funções e do serviço públicos.
E. A propósito do vício arguido pela recorrente sobre o julgamento da matéria de direito, convém esclarecer, antes de mais, que, ao contrário daquele que é o ponto de partida da recorrente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC não se pode aplicar à situação da “P”: o regime que se deve aplicar à situação ora em análise é o do artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio (usado, e bem, pelo Tribunal a quo), o qual estabelece que as associações de municípios beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, entre as quais se conta a isenção de IRC, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do respectivo Código.
F. Ao aplicar na solução jurídica do caso o artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, o Tribunal a quo actuou com respeito pelas normas jurídicas mobilizáveis e de um modo conforme e coerente face à sucessão das leis no tempo.
G. Já quanto à questão central dos presentes autos, a de saber se a “P” exerce ou não, a título principal, uma actividade comercial e industrial, o Tribunal a quo não hesita em responder negativamente. E falo com a consciência de que “como consta dos estatutos da Impugnante publicados em Diário da República e não colocado em causa pela AT, o objecto imediato da “P” é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infraestruturas necessárias para o efeito; assim sendo, a actividade exercida pela “P” tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano – pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública).
H. Ora, assim não pensa a recorrente, que coloca a noção de “actividade exercida a título principal” no centro das soluções que propõe: todo o Direito a que a recorrente recorre – uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à “P” da isenção de IRC – para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto.
I. A tese prosseguida pela recorrente merece, no entanto, alguns esclarecimentos: pela actividade comercial ou industrial (ou, ainda, agrícola) que consubstancia o objecto de uma sociedade comercial entende-se, nos termos do n.º 4 do artigo 3º do Código do IRC, uma actividade que consista na realização de operações económicas. Depois, de acordo com a Doutrina unanime, por actividade económica entende-se uma actividade que em regra gera lucros distribuíveis pelos sócios (cfr., por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das Sociedades –, págs. 8 e seguintes). De resto, é o que se recolhe da lei: segundo o artigo 980º do Código Civil, o “contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”.
J. Sublinhe-se, neste momento, que, nem nas associações do regime geral (cfr. o artigo 157º do Código Civil), nem nas associações municipais, o lucro pode ser repartido pelos associados.
K. Ora, a noção de “actividade exercida a título principal” tem de ser interpretada por remissão para os conceitos de fim associativo ou ainda, subsidiariamente, de objecto social, e atendendo, mais concretamente, ao entendimento que possamos fazer do que é que são fins ou objectos principais e acessórios.
L. Neste ponto, a sentença recorrida é exímia: subjacente ao sentido da decisão do Tribunal está, pois, a caracterização de um determinado fim de uma associação ou objecto de uma sociedade como “principal” dever-se-á fazer por apelo ao critério que melhor conjugue, por uma lado, a teleologia – isto é, o propósito, quanto a essa matéria, de quem constituiu a associação ou a sociedade – com, por outro lado, a formalidade – ou seja, a percepção que a comunidade jurídica pode ter de qual é esse objecto a partir dos documentos públicos que garantem a transparência e a segurança do tráfego jurídico. Assim sendo, melhor meio não há para averiguar qual o objecto principal de uma associação ou sociedade do que indagá-lo a nível estatutário.
M. E esta tese é, de resto, bem apoiada na Doutrina societária, que vem definindo o objecto da sociedade como a actividade económica de não mera fruição que o sócio ou os sócios se propõem exercer através da sociedade ou propõem que a sociedade exerça (cfr., de novo por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Ob. Cit., págs. 8 e seguintes). Pelo que, então, o objecto principal dessa sociedade (ou o fim principal de uma associação) há-de sempre ser aquele que os sócios (ou os associados) fizeram, em primeira linha, constar expressamente do acto constituinte ou negócio jurídico por excelência expressivo da sua vontade – isto é, os estatutos.
N. Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 2º da Lei 11/2003, as associações de municípios de fins específicos (como a “P”) são pessoas colectivas de direito público criadas para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que as integram, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial. Aliás, do artigo 5º do mesmo diploma extrai-se a confirmação de que as mesmas não podem exercer (pelo menos a título principal) uma actividade que gere lucros para os associados (os municípios que as integram). As atribuições aí elencadas, enquadradas até pela referência do corpo do n.º 1 a “fins públicos”, nada têm a ver com um qualquer carácter empresarial, constituindo simplesmente atribuições dos próprios municípios, agora levadas a cabo de forma delegada pelas associações.
O. É o que acontece no caso concreto, como bem preconiza a sentença de que se recorre: é ao Estado e, mais especificamente, aos municípios – como todos reconhecem – que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado – dos municípios – nos resultados da actividade, mas um verdadeiro “dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a actuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial.
P. Por outro lado, qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objecto social seria imprestável.
Q. Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respectivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afectação a esse fim dos recursos da entidade em causa – segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma actividade não-lucrativa é a actividade exercida a título principal se as receitas e/ou os níveis de afectação de recursos superassem as receitas e os níveis de afectação às restantes. Um tal critério seria imprestável, desde logo, em abstracto, porque, de novo, não podemos esquecer a natureza das associações de municípios.
R. É que, como também se defende na decisão recorrida, uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras actividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da actividade principal – é o que acontece no caso concreto! –
S. Nestes termos, o Tribunal a quo compreendeu (bem) que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos. Mas o mesmo critério seria imprestável igualmente em concreto.
T. Tendo em conta que a actividade acessória da “P” se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a “P” aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço público, assim logrando objectivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria.
U. Ademais, como bem reconhece o Tribunal a quo, os proveitos resultantes daquela actividade acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a actividade principal, muitas vezes até por imposições de Directivas comunitárias e regulamentos do sector.
V. É, pois, partindo do princípio de que a “P” não exerce uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola a título principal que devemos interpretar a sua situação tributária.
W. No fundo, temos que, a título principal, cabe à “P” a assunção directa de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) – é esta a destinação do essencial da sua actividade –, assumindo a Impugnante a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja actuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos.
X. Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29.11.2000, no âmbito do processo nº 025580, de acordo com o qual “1 – Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do nº 1 do art. 9º do CIRC, as pessoas colectivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II – Podem beneficiar desta isenção pessoas colectivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais actividades científicas de qualquer natureza, incluindo de divulgação científica, não se restringindo a isenção às que tenham actividades próprias de investigação científica”. Para concluir desta forma, esclarece aquele Tribunal, com inte­resse essencial para o presente caso, que “O que é relevante para que se conclua que as pessoas colectivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as actividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos uns científicos, designadamente, que os proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos(o sublinhado é nosso).
Y. Nestes termos, a AT só pode tributar a “P” com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma actividade económica a título principal (e não a qualquer outro título – acessório, marginal, residual, isolado), algo que, como vimos, não se verifica.
Z. As liquidações são, portanto, também por força deste desajustamento entre a natureza da actividade da Impugnante e o Direito aplicado, ilegais.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO, NESTA PARTE, DA SENTENÇA RECORRIDA.».

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:
«(…)
I--A Fazenda Pública veio recorrer da sentença do TAF do Porto, que declarou procedente a impugnação contra a autoliquidação de IRC do ano de 2012, no valor de 468. 388, 14 €, após indeferimento de RG.

II--A impugnante alegou que a liquidação é ilegal, considerando-se isenta de IRC, nos
termos do artº 9, nº 1, al b) do CIRC e artº 36º da Lei 11/2003 secundada pela Lei 45/2008, de 27/8- LAM.
O Ministério Público na 1ª Instância emitiu parecer no sentido da improcedência da
impugnação.

III-- A recorrente Fazenda Pública imputa à sentença erro sobre os pressupostos de direito que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença pelo que pede a sua revogação, bem como quanto à condenação em custas.
A recorrida apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.
IV--Entendemos que o recurso merece provimento:
Refere o artº 2.º do CIRC:
1 - São sujeitos passivos do IRC:
a) As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português;
Por sua vez diz o artº 3.º
1 - O IRC incide sobre:
a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
b) O rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, das pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que não exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
c) O lucro imputável a estabelecimento estável situado em território português de entidades referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior;
d) Os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código.
3 - São componentes do lucro imputável ao estabelecimento estável, para efeitos da alínea c) do n.º 1, os rendimentos de qualquer natureza obtidos por seu intermédio, assim como os demais rendimentos obtidos em território português, provenientes de actividades idênticas ou similares às realizadas através desse estabelecimento estável, de que sejam titulares as entidades aí referidas.
4 - Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.
Finalmente sobre isenções, dispõe o artº 9.º
1 - Estão isentos de IRC:
a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial;
b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas;
c) As instituições de segurança social e previdência a que se referem os artigos 87.º e 114.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto;
d) Os fundos de capitalização administrados pelas instituições de segurança social.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do presente artigo, a isenção prevista nas alíneas a) a c) do número anterior não compreende os rendimentos de capitais tal como são definidos para efeitos de IRS…
Concordamos com o parecer do Centro de Estudos Fiscais, nº 85/2006, que deu origem ao entendimento de que sendo a actividade da impugnante a título principal de natureza comercial e industrial, consistindo a sua fonte de rendimentos na realização de operações económicas de caráter empresarial, não obstante serem desenvolvidas no âmbito das atribuições dos municípios, nos termos dos artºs 2, nº1al a) , 3º, nº 4 e 9º, nº1 b) do CIRC, não beneficia da pretendida isenção- cfr fls 52 a 59 do PA.
Ora, se atentarmos nos Estatutos da “P”, publicados no DR, III série, de 5-6-2001, juntos aos autos de fls 45 a 50, onde se refere claramente a prestação de serviços e produtos produzidos e transformados mediante um preço, bem como a realização de negócios, teremos de concluir como a FP, que a impugnante exerce a título principal actividade de natureza comercial e industrial.
Assim, opinando pela não isenção p. no artº 3º, nº4 e 9º , nº1 b) do CIRC, emitimos parecer, no sentido da procedência do recurso com revogação da sentença recorrida o que implica também a sua revogação quanto à condenação em custas..».
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma do erro de julgamento de direito que lhe vem apontado, ao concluir que a Recorrida beneficia da isenção de IRC.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«1. A impugnante foi constituída pelos Município de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa do Varzim, Vila do Conde e Valongo, através de escritura pública, a 12 de Novembro de 1982 como associação de municípios, tendo sido publicado o seu estatuto no Diário da República a 10 de Dezembro de 1982, tendo aquele sido alterado a 26 de Março de 2001 (DR III série nº 284 de 10.12.1982 e nº 130 de 5.6.2001).
2. É o seguinte o objecto da impugnante (cfr. art. 2º, dos estatutos referidos em 1.):
1. A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito.
2. A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato a vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles.
3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se:
a) Ao tratamento de outros resíduos sólidos;
b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares;
c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.
4. A associação desenvolverá a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios, como serviço intermunicipalizado ou por qualquer outra forma legalmente possível.
3. A Direcção de Serviços do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas emitiu a Informação nº 1399/2006, relativa ao enquadramento fiscal da impugnante e defendendo a sua tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – documento n.º 4, junto a fls. 84 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
4. Em sede de Reclamação Graciosa, a Impugnante, bem como a actividade por si desenvolvida, foi caracterizada do seguinte modo: “A “P” foi constituída como uma associação de municípios em 12.11.1982. De acordo com a Lei 11/2003 de 13.05, é considerada como uma associação de municípios de fins específicos, sendo uma pessoa colectiva de direito público, criada para a realização de fins específicos comuns aos municípios que a integram. Dos seus estatutos consta como objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. A “P” pode ainda, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto. Todas estas actividades que a associação desenvolverá por sua conta e risco, através de serviços próprios, como serviço intermunicipalizado ou por qualquer outra forma legalmente possível. Os rendimentos da “P” advêm, no essencial, das operações de venda de resíduos para reciclagem, de venda de energia eléctrica, de prestação de serviços de tratamento de RSU’s aos municípios associados, prestação de serviços de cedência de energia eléctrica e prestação de serviços de edicação ambiental” – cf. projecto de despacho elaborado em sede de apreciação da Reclamação Graciosa, pela Direcção de Finanças do Porto, Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa constante de fls. 154 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
5. Em 30 de Maio de 2013, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), modelo 22, relativa ao exercício de 2012, tendo autoliquidado Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no montante de €453 210, 73 – cf. doc. nº 2 da Petição Inicial, junto a fls. 72 e seguintes dos autos, numeração do processo físico).
6. Contra a autoliquidação referida, a impugnante deduziu reclamação graciosa, a qual, por despacho proferido em 18.12.2013, foi indeferida com os fundamentos constantes de fls. 159 a 164 do Processo Administrativo apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Factos não Provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos conforme se deixou indicado ao longo dos factos provados.».

Por se afigurar com interesse para a decisão da causa, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º do CPC, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto,
G. Extrai-se, ainda, do RIT efetuado à Recorrida, respeitante aos anos de 2004 e 2005, cuja junção aos autos foi requerida pela Recorrente e que é do nosso conhecimento no âmbito do processo 2739/08.3BEPRT (PA, fls. 44 a 88, junção determinada por despacho de 1/02/2022), o seguinte:
«(…)
Dos Estatutos (2001) da “P” (cfr. art. 2.º) consta como objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. É mencionado, ainda, que a “P” pode, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.
Os municípios associados são obrigados a entregar a totalidade dos resíduos sólidos urbanos (RSU) recolhidos nos respectivos concelhos e recorrer em exclusivo à associação, para a prestação de serviços por ela programados (cfr. art. 6.º, n.º 1, alíneas c) e f) dos Estatutos de 2001). Por outro lado, a “P” desenvolve a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios (cfr. n.º 4 do art. 2.º).
Assim, a “P” é a entidade responsável pela gestão, tratamento e valorização dos resíduos produzidos e recolhidos pelos oito municípios associados, tendo vindo a implementar uma gestão integrada de resíduos, recuperando, ampliando e construindo infra-estruturas, complementadas com campanhas de sensibilização junto da população [in sítio da “P”: www.”P”.pt, acedido em 29/04/2008].
Nesse âmbito tem desenvolvido uma estratégia de valorização e tratamento de resíduos sólidos, baseada nas seguintes componentes:
a) Valorização Energética, que consiste na recuperação da energia calorífica dos resíduos, mediante um processo térmico de tratamento controlado, e na sua transformação em energia eléctrica, que ocorre na Central de Valorização Energética (CVE), designada “P” II.
Neste processo, os resíduos que não possam ser aproveitados através da compostagem e reciclagem, chegam à CVE provenientes dos vários circuitos camarários dos Municípios que integram a “P”, e são armazenados numa fossa de recepção: sendo posteriormente transferidos para duas linhas de tratamento onde são queimados a elevadas temperaturas. Do processo de combustão, resulta a produção de energia eléctrica que permite por um lado, a autosuficiência da própria central (que consome cerca de 10% da energia produzida) e por outro, a venda à E, SA, dos restantes 90% da energia produzida.


As cinzas e escórias resultantes deste processo, têm como destino o seu confinamento em aterro sanitário. Contudo, cfr. informação disponível no referido sítio da internet, as escórias potenciam uma possível utilização como material granular, substituindo os solos ou os agregados naturais obtidos na indústria extractiva.
b) Valorização Orgânica, processo que consiste na compostagem da fracção orgânica dos RSU, assegurada através da Central de Valorização Orgânica (CVO), associada á implementação de circuitos de remoção da fracção orgânica, junto de grandes produtores (restauração, grandes superfícies, mercados), nas zonas de recolha selectiva porta-a-porta (resíduos domésticos), esquemas de recolha de resíduos verdes e complementada com iniciativas locais de compostagem caseira. A matéria orgânica produzida (composto), designada pela marca N…, é comercializada desde 2006.
c) Valorização Multimaterial, processo cuja infra-estrutura fundamental é o Centro de Triagem “P”, com capacidade de processamento de 35.000ton/ano, em que é realizada uma separação complementar, com a triagem das matérias provenientes da recolha selectiva, enfardando e acondicionando as mesmas para posterior venda às industrias recicladoras (o principal cliente é a entidade Sociedade X, SA., (…).
(…)».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do erro de julgamento
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de direito:
«A questão a tratar neste processo foi decidida no processo nº 2738/08.3BEPRT, deste Tribunal, por sentença proferida em 29.4.2014, que, por com ela concordarmos, seguiremos de perto.
A Lei nº 11/2003, de 13 de Maio, fixa o regime das comunidades intermunicipais e das associações de municípios de fins específicos comuns aos municípios que a integram.
Especificamente, o artigo 36º da referida Lei 11/2003, de 13 de Maio, dispõe que ¯as comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.
Trata-se, portanto, de uma norma remissiva que importa analisar em sede – na presente situação – de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
Ora, dispõe o artigo 9º, alíneas a) e b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas que:
1 - Estão isentos de IRC:
a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial;
b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.
Por sua vez, ainda com interesse para a solução jurídica a dar à presente situação, temos que o artigo 3º, nº 4 do CIRC dispõe que ¯para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.
Sendo este o quadro legal aplicável à presente situação, vejamos se assiste razão à impugnante:
Como é sabido, as isenções fiscais, são de natureza excepcional relativamente à tributação regra, visto contrariarem o principio da generalidade e ¯.(…) a natureza excepcional das normas que regulam os beneficias fiscais em sentido técnico, tem ainda, portanto, interesse em matéria de interpretação, pois, nestes casos, não é permitida a integração analógica apenas porque, havendo lacuna da norma beneficiante excepcional, cai-se automaticamente, na regra, que é a tributação."1
Assim, sendo certo que se na isenção fiscal é produzido o facto tributário, o cumprimento da obrigação tributária é, contudo, dispensado pela norma de isenção de limitação negativa da incidência.
Todas as isenções fiscais têm, pois, que ser estabelecidas por lei.
Atento o quadro legal supra referido, temos como certo que a Lei - Lei 11/2003, de 13 de Maio - estabelece uma equiparação entre a associação de municípios e autarquias locais – em sede de isenção.
No entanto, face à redacção vigente de IRC, uma vez que a sua alínea b) refere expressamente a isenção quanto a ¯associação de municípios‖, coloca-se o problema de se saber, qual das alíneas é aplicável à presente situação.
Porém, na opinião deste Tribunal, independentemente da situação retratada recair sobre a alínea a) ou b), a mesma encontra-se sempre abrangida pela isenção.
Na verdade, se se considerar que a remissão da Lei nº 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea a) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, as associações de municípios são equiparados a Autarquias Locais e como tal estão isentas de IRC – por mais discutível que seja opção legislativa ou a redacção da norma remissiva e da norma de isenção. Sendo certo que o artigo 9º, alínea a) do CIRC não menciona qualquer exigência quanto aos meios e organização utilizados para que as autarquias possam prosseguir os seus fins.
Por sua vez, se se entender que a remissão da Lei nº 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea b) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, a mesma encontra-se abrangida pela tal isenção uma vez que, na opinião deste Tribunal, não se pode concluir que a impugnante exerce uma actividade comercial, industrial ou agrícola.
Como consta dos estatutos da impugnante, publicados em Diário da República, o objecto imediato da impugnante é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infraestruturas necessárias para o efeito.
Assim sendo, a actividade exercida pela impugnante – tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos – reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano – pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública).
Ora, prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público – o de recolha e tratamento de resíduos – e não decorrendo dos factos considerados provados, que não afecte todos os rendimentos que obtém à satisfação desse serviço público, não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al. b) do CIRC.
Procede, pois, a impugnação, devendo, em consequência, ser o acto impugnado anulado.».
Não acompanhamos, porém, o entendimento do Tribunal a quo no que se refere à aplicação à Recorrida da isenção prevista no artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13/05, segundo o qual «As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.».
Com efeito, acompanhando o discurso fundamentador do acórdão do STA de 10.11.2021, rec. 02857/12.3BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3f648ac2742a790e8025878e0050c70a?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, diremos que sendo o imposto em causa nos autos, relativo ao exercício fiscal de 2012, a pretensão da Recorrente deve ser apreciada à luz da Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto (e não tendo por referência a revogada Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio - o regime jurídico das associações de municípios foi revogado sucessivamente pelo Decreto-Lei n.° 99/84, de 29-03, pelo Decreto-lei n.° 412/89, de 29-11, pela Lei n.° 179/99, de 21-09, pela Lei n.° 11/2003, de 13-05 e pela Lei n.° 45/2008 de 27-08), tendo em conta a seguinte argumentação ali considerada e acolhida: «Ora, contrariamente ao defendido pela Impugnante e atendendo a que no caso presente está em causa o ano de 2011, há que aferir o que dispõe para os devidos efeitos a Lei n.° 45/2008 de 27.08 e não a já revogada Lei n.° 11/2003, de 13.05.
Assim, estatuía o artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 que "as CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”.
Nesta medida, a Lei n.° 45/2008 de 27.08 veio alterar o que até aqui vinha a ser estabelecido, ou seja, a estatuição que previa que o beneficio das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais aplicava-se às comunidades e às associações (cfr. artigo 36.° da Lei n.° 11/2003, de 13.05).
Assim, "com a revogação desta Lei, operada pela Lei n.° 45/2008, de 27.08, o legislador apenas manteve tal isenção para as associações de municípios de fins múltiplos, ou seja, para as Comunidades Intermunicipais (CIM), cfr. artigos 1°, 2°, n.°s. 1, al. a) e 2) e 30°, esclarecendo expressamente que as CIM beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, tendo excluído expressamente do texto desta norma, respeitante às isenções fiscais, as associações de municípios de fins específicos como anteriormente acontecia no artigo 36° da Lei n.° 11/2003” - cfr. Acórdão do STA de 28.02.2018, rec. 0522/17.
Não se olvida que à luz de norma transitória inserida na Lei n.° 45/2008, de 27.08 (artigo 38° n.° 6), o legislador permitiu que as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da presente lei pudessem manter em vigor a natureza de pessoa colectiva de direito público.
No entanto, não se nos afigura, que esta possibilidade modifique a redacção introduzida por esta lei, por forma a que as associações de municípios de fins específicos continuassem a beneficiar das isenções reconhecidas às autarquias, na medida em que se considera que a ter sido essa a vontade do legislador ela decorreria expressamente do texto legal. Em sentido idêntico vide o decidido no já aqui enunciado Acórdão do STA de 28.02.2018, rec. 0522/17.
Ademais, de acordo com o disposto no artigo 9.° n.° 3 do Código Civil (CC), "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados...”, sendo certo que o intérprete não deve postergar o princípio geral da adequação da expressão do pensamento legislativo, contido no citado artigo 9.° n° 3 do CC.
A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, “desde logo, uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”, sendo a letra da lei, o texto da norma, o limite da sua interpretação, neste sentido vide Baptista Machado (in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina Coimbra, 1990, pág. 182).
No caso presente, é nítida a pretensão do legislador ao excluir do normativo em apreço as associações de municípios de fins específicos.
Acresce que, também não é pelo facto das atribuições, da estrutura orgânica e a determinação do quadro de distribuição de competências entre os seus vários órgãos se tiverem mantido que podemos estender o regime que decorre do artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 relativamente à CIM às associações de municípios de fins específicos, uma vez que, tal como referencia a Impugnante, eram aspectos que já se encontravam significativamente diferenciados para as CIM e para as associações de municípios de fins específicos no contexto da Lei n.° 11/2003 de 13.05.
Ora, estabelecia à data o n.° 1 do artigo 9.° do Código do IRC (CIRC), com a redacção introduzida pela Lei n° 64-A/2008, de 31 de Dezembro e como tal aplicável ao caso dos autos que “Estão isentos de IRC:) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial; b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas; c) As instituições de segurança social e previdência a que se referem os artigos 115° e 126° da Lei n° 32/2002, de 20 de Dezembro; d) Os fundos de capitalização e os rendimentos de capitais administrados pelas instituições de segurança social (...)”
Nesta senda, e no que respeita ao ano aqui em questão – 201[2] - não se verifica qualquer incompatibilidade entre o disposto no artigo 30.° da Lei n.° 45/2008 de 27.08 e o disposto na alínea b) do artigo 9.° do CIRC, uma vez que daquele preceito legal não decorre a aplicação do disposto na alínea a) do artigo 9.° do CIRC.
Ora, contrariamente ao defendido pela Impugnante, esta é sujeito passivo de IRC ao abrigo do disposto na alínea a) n.° 1 do artigo 2.° do CIRC que determina que, "São sujeitos passivos do IRC a) as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português”
Assim, sendo a Impugnante uma associação de municípios criada para a realização de fins específicos é de se lhe aplicar o que resulta da alínea b) do artigo 9.° do CIRC no que respeita a isenção.
Como tal, a Impugnante somente estará isenta nos termos da alínea b) do artigo 9.° do CIRC se não exercer actividades comerciais, industriais ou agrícolas.
Assim, resta aferir se a Impugnante exerce actividade comercial, industrial ou agrícola.
Nos termos do estabelecido pelo n.° 4 do artigo 3.° do CIRC "Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”.
Ora, tal como decorre do acervo probatório, a Recorrente tem por objeto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregue pelos seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas necessárias para o efeito.
Acresce que, por força dos seus estatutos, é-lhe permitido, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de resíduos sólidos, de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto, a Recorrente aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços aos municípios seus associados e outras entidades públicas e privadas.
Assim, a Impugnante exerce, a par de uma atividade de caráter público - a recolha e tratamento de resíduos - uma atividade de natureza comercial.
Por outro lado, do texto da alínea b) do artigo 9º do CIRC não resulta que a atividade exercida tenha de ser a atividade principal, sendo feita somente referência ao exercício de “atividades comerciais, industriais ou agrícolas”
Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei (artigo 9º do CC). O intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta.
Assim, não sendo distinguido expressamente na norma legal, também não poderá ser entendido que do preceito legal se extrai que o normativo somente respeita a atividades principais.
Nesta senda, não podemos aceitar com a tese da Recorrida ao sustentar que a norma se reporta somente à atividade principal desenvolvida atendendo à lógica sistemática do Código do IRC. Isto também porque, nem sempre o CIRC referencia as atividades comerciais, industriais e agrícolas como respeitantes ao exercício principal de uma qualquer entidade, mas por vezes faz essa especificação. A título de exemplo veja-se o disposto no nº 5 do artigo 87º do CIRC ao determinar que “Relativamente ao rendimento global de entidades com sede ou direcção efectiva em território português que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, a taxa é de 21,5 %”.
Acresce que a própria Recorrente afirma nas suas contra-alegações queTendo em conta que a atividade acessória de “P” se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a “P” aproveita todo um know-how uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço publico”.
«Neste contexto, sendo irrelevante, pelas razões já apontadas «que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal” ou não - há forçosamente que concluir que aquela regra se aplica «sobre o “lucro”, ou o rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b).» - cfr. acórdão do STA de 10.11.2021, rec. 02857/12.3BEPRT, que vimos acompanhando.
Concluímos, assim, que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado pela Recorrente, pelo que o presente recurso merece provimento, devendo ser revogada a sentença sob escrutínio, negando-se provimento à impugnação judicial e mantendo-se a liquidação impugnada.

3.2.2. Dispensa do remanescente da taxa de justiça
O valor deste processo ascende a €473 094, 09 e preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal.
No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, encontrando-se já tratadas pelo STA, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação improcedente e manter a liquidação impugnada.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias, por nelas sair vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC, dispensando-se ambas as partes do remanescente da taxa de justiça.

Porto, 3 de fevereiro de 2022

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta