Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00508/16.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RECLAMAÇÃO; CONTRADIÇÃO; PROVIDÊNCIA CAUTELAR; PERICULUM IN MORA; FACTO VERSUS ACTO JURÍDICO; ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE FACTO.
Sumário:
1. É claro, coerente e acertado o acórdão que partiu da situação de facto existente, de ter sido efectuada uma vistoria à instalação eléctrica da autora e autorizado seu funcionamento pela EDP, a título provisório, para se concluir que, face a esta situação, não havia perigo de se criar uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, designadamente no funcionamento da empresa.
2. Isto sendo certo que a ligação provisoriamente estabelecida não foi feita no “âmbito desta providência cautelar” mas à margem e no decurso da mesma.
3. O que significa que essa ligação provisória apenas foi atendida não como acto jurídico praticado no “âmbito” da providência cautelar, designadamente por reconhecimento aqui assumido dessa obrigação por parte da EDP mas como simples facto.
4. Como facto impunha, em coerência, a decisão que foi tomada, de indeferir a providência cautelar por não se verificar o “periculum in mora”.
5. Naturalmente que se a situação de facto - que motivou a decisão deste Tribunal Superior, de indeferir a providência cautelar – se alterar, a reclamante tem ao seu dispor aquilo que está ao dispor de qualquer um em situações idênticas: requerer a alteração da decisão face à alteração da situação de facto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 124º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:EDPDE, S.A.
Recorrido 1:DF – Unipessoal, L.da.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento cautelar não especificado - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Indeferir a reclamação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A DF – Unipessoal, L.da., Recorrida no recurso referido supra, veio apresentar RECLAMAÇÃO do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de Porto, 18.05.2018, pelo qual foi julgado procedente o recurso jurisdicional interposto pela ora Reclamada EDPDE, S.A. contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 15.01.2018, pela qual foi julgada procedente a providência cautelar intentada pela ora Reclamante para intimação da Entidade Demandada, ora Reclamada, a efectuar provisoriamente, e a título precário, a ligação de electricidade ao estabelecimento explorado pela ora Reclamante.
Invoca, para tanto que não há coerência lógica entre a decisão a premissa de que parte, sendo a mesma ininteligível.
Termina pedido o esclarecimento da decisão.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estes os fundamentos da reclamação:
1. Nos pontos 34 e 53 dos factos provados ficou a constar o seguinte:
“34- Em 21.08.2015, foi efectuada uma vistoria à instalação eléctrica da Autora, compreendo o posto de transformação-cabine n.º 630 KVA, aí se concluindo que “dado que a instalação apresenta deficiência que não colidem com a segurança das pessoas pode entrar em exploração, a título provisório, devendo ser cumpridas as cláusulas em anexo [“1. Deverá apresentar um projecto rectificativo da IUBT, a partir do QE inclusive, // 2. Deverá incluir a IUBT no prazo de 90 dias”], no prazo de 90 dias” – fls. 181 a 185 do processo administrativo.
(…)
53- No seguimento da decisão de procedência proferida em sede de antecipação do conhecimento do mérito da pretensão formulada no processo principal, a Entidade demandada procedeu à ligação provisória à rede eléctrica, através do P T Cabine n.º 630 KVA, passando as instalações da Requerente a serem servidas de energia eléctrica através da rede pública”.
2. Lê-se no texto da fundamentação do acórdão reclamado, além do mais o seguinte:
“Foi concedida licença à Requerente a título provisório, como resulta do ponto 34 dos factos provados e a Entidade Demandada procedeu à ligação provisória à rede eléctrica, através do P T Cabine n.º 630 KVA, passando as instalações da Requerente a serem servidas de energia eléctrica através da rede pública, conforme resulta do ponto 53 dos factos provados”.
(…)
Pode, enquanto não transitar em julgado a decisão final do processo principal, ter energia eléctrica nos termos provisoriamente estabelecidos pela EDP”.
3. Ou seja, no texto da fundamentação do acórdão conclui-se em sentido consoante a decisão de 1ª instância que julgou procedente a providência cautelar, intimando a Entidade Demandada a efectuar, provisoriamente, a ligação de electricidade ao estabelecimento industrial explorado pela Requerente, e ora Recorrente, através do posto de distribuição já existente.
4. Apesar disso, a decisão do acórdão foi no sentido da revogação da decisão recorrida e indeferimento da providência cautelar requerida.
5. Verifica-se, assim, que os fundamentos estão em oposição com a decisão, não se compreendendo se resulta da decisão que a ligação provisoriamente estabelecida pela Recorrente, no âmbito desta providência cautelar, deve ou não manter-se até ao trânsito em julgado da decisão final no processo principal.
6. Não há, assim, uma coerência lógica entre a decisão e a premissa de que parte, pelo que, sempre com todo o respeito, o acórdão reclamado é nulo por existência de oposição entre os fundamentos e a parte decisória do acórdão, bem, como por ambiguidade que torna a decisão ininteligível, o que expressamente se invoca, nos termos e para os efeitos do disposto na al. c) do n.º1 e do n.º4 do art. 615º do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA.
Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência, ser proferida decisão que supra as nulidades invocadas, designadamente esclarecendo se da decisão deve resultar que a Reclamante pode, enquanto não transitar em julgado a decisão final do processo principal, ter energia eléctrica nos termos provisoriamente estabelecidos pela EDP”
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II– Apreciação.
A contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do artigo 615º do actual Código de Processo Civil (artigo 668º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1995) é uma incongruência lógica ou jurídica.
Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar.
Ver neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.11.2005, no processo n.º 01051/05.
A nulidade aqui prevista pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984, reimpressão, p. 141:“nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, n.º 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 690; “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p.670).
Como diz Alberto dos Reis, obra citada, nas páginas 130 e 141, convirá notar que a contradição entre os fundamentos e a decisão nada tem a ver, seja com o erro material – contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra –, seja com o erro de julgamento – decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei; o erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso.
“Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável…” - Antunes Varela, obra citada, página 686.
Olhando para o caso concreto, a Reclamante começa por invocar um argumento que é falso, o de que “no texto da fundamentação do acórdão conclui-se em sentido consoante a decisão de 1ª instância que julgou procedente a providência cautelar, intimando a Entidade Demandada a efectuar, provisoriamente, a ligação de electricidade ao estabelecimento industrial explorado pela Requerente, e ora Recorrente, através do posto de distribuição já existente”.
Em parte nenhuma do acórdão, incluindo os trechos citados, se conclui em sentido concordante com a decisão da primeira instância.
O que se manteve da decisão recorrida foi o julgamento da matéria de facto. Mas isso não significa, como é evidente, que as ilações jurídicas devam ser as mesmas. No enquadramento jurídico dos factos o Tribunal goza de plena liberdade – n.º3 do artigo 5º do Código de Processo Civil (de 2013)
Partiu-se, em concreto da situação de facto existente de ter sido efectuada uma vistoria à instalação eléctrica da Autora e autorizado seu funcionamento pela EDP, a título provisório, para se concluir que, face a esta situação, não havia perigo de se criar uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação.
Importa referir que a Reclamação apresenta uma imprecisão neste ponto: a ligação provisoriamente estabelecida pela Recorrente não foi feita no “âmbito desta providência cautelar” mas à margem e no decurso da mesma.
O que significa que essa ligação provisória apenas foi atendida não como acto jurídico praticado no “âmbito” da providência cautelar, designadamente por reconhecimento aqui assumido dessa obrigação por parte da EDP mas como simples facto, o facto provado sob o ponto 53 ou seja no “seguimento da decisão de procedência proferida em sede de antecipação do conhecimento do mérito da pretensão formulada no processo principal”.
Decisão que, de resto, foi revogada por este Tribunal Superior.
Como facto impunha, em coerência, a decisão que foi tomada, de indeferir a providência cautelar por não se verificar o “periculum in mora”.
Naturalmente que se a situação de facto - que motivou a decisão deste Tribunal Superior, de indeferir a providência cautelar – se alterar, a Reclamante tem ao seu dispor aquilo que está ao dispor de qualquer um em situações idênticas: requerer a alteração da decisão face à alteração da situação de facto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 124º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O acórdão reclamado é, pois, claro coerente e acertado.
Termos em que se impõe indeferir a reclamação.
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III - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em INDEFERIR A RECLAMAÇÃO
Custas incidentais pela Reclamante.
Porto, 28.06.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro