Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00116/22.2BEVIS-S2
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/24/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RÉPLICA; ALEGAÇÕES ESCRITAS; NULIDADE;
ARTIGOS 85.ºA E 91.º-A, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
Sumário:Viola o disposto nos artigos 85.ºA e 91.º-A, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o despacho que indeferiu a arguição de nulidade da réplica apresentada, com o fundamento no aproveitamento deste articulado como alegações escritas num caso em que a lei não prevê nem a réplica – por não ter havido defesa por excepção, mas apenas por impugnação – nem alegações escritas – por não terem sido realizadas diligências de prova.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Estado Português, representado pelo Ministério Público, veio interpor recurso do despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 16.01.2023, pelo qual foi indeferido o seu requerimento de arguição de nulidade da réplica apresentada pelo Autor na acção que lhe foi movida por AA.

Invocou para tanto, em síntese, que o despacho recorrido violou frontalmente o disposto nos artigos 85.ºA e 91.º-A, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1.º Por Despacho com a RE ...07, datado de 16/01/2023, de que ora se interpõe o presente recurso de apelação autónoma, o M.mo Juiz a quo decidiu indeferir a nulidade da réplica suscitada pelo Ministério Público e determinou a notificação do Ministério Público a fim de, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o alegado pelo Autor na réplica.

2.º Não se concorda com o despacho recorrido, na referida parte, daí a interposição do presente recurso, por se considerar que a decisão recorrida adota um entendimento que, a nosso ver, é desconforme com a lei.

3.º Através do despacho de que ora se recorre, a pretexto da denominada “adequação formal”, o M.mo Juiz pretendeu transformar um processo de dois articulados num processo de quatro articulados.

4.º O alegado princípio da adequação formal não se adequa, ou não se pode adequar, a tudo e, muito menos, não pode servir para permitir a admissão de articulados quando os mesmos não são legalmente admissíveis.

5.º Na primeira parte do despacho ora recorrido o M.mo Juiz a quo decide que não é necessária a realização de quaisquer outras diligências probatórias para o apuramento da verdade material mas depois concluiu que, atendendo à concreta tramitação processual destes autos, o Tribunal considera que é inútil efetuar o enquadramento jurídico das alegações do Autor da réplica pois com a prolação do despacho saneador o Tribunal sempre iria notificar as partes a fim de apresentarem alegações escritas, nos termos do artigo 91.º-A do CPTA, e as alegações do Autor na réplica sempre seriam admissíveis nesse âmbito.

6.º Mas as alegações escritas não são legalmente admissíveis no presente processo.

7.º Dispõe o citado artigo 91.º-A, do CPTA que “quando sejam realizadas diligências de prova, sem que haja lugar à realização de audiência final, as partes, finda a instrução, são notificadas para apresentarem alegações escritas pelo prazo simultâneo de 20 dias.”

8.º Assim, não tendo sido realizadas diligências de prova, não há lugar às alegações escritas até porque, como se deixou dito, estas destinam-se a permitir às partes tomar posição quanto aos resultados probatórios e a solução jurídica do caso, e não havendo resultados probatórios, porque não foram realizadas diligências de prova, não há qualquer efeito útil nas alegações escritas, que, por isso, o legislador não as admitiu.

9.º Em suma, o que o tribunal “a quo” pretendeu com o despacho ora recorrido foi admitir a apresentação de um articulado que a lei não admite, com base numa suposta “adequação formal” do processo.

10.º Sem conceder, e caso assim se não entenda, sempre se dirá, a título subsidiário, que o prazo para a apresentação das alegações escritas é de 20 dias, cfr. artigo 91.º-A, do CPTA e não apenas 10, como concedido pelo M.mo Juiz no despacho recorrido.

11.º Embora esta seja uma ação com tramitação prioritária, como diz o M.mo Juiz – nos termos da Deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 23/05/2017 – mencionada no despacho recorrido – tal não possibilita a redução do prazo legalmente previsto para apresentação das alegações, para metade.

12.º Nestes termos, o despacho recorrido, ao não declarar a nulidade da réplica apresentada e ao “transformar” a mesma em alegações escritas, e ao determinar a notificação do Ministério Público também para apresentar alegações escritas, ainda para mais no prazo de 10 dias, no prazo fê-lo em frontal violação do disposto nos artigos 85.ºA e 91.º-A, ambos do CPTA.

TERMOS EM QUE,

Deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue verificada a arguida nulidade da réplica, por consubstanciar um articulado que a lei não admite, e determine o desentranhamento e a devolução de tal articulado ao Autor, com as demais legais consequências.

Caso assim não se entenda, mas sem conceder e a título subsidiário, que se determine a notificação do Ministério Público para, no prazo de 20 dias, querendo, apresentar alegações escritas.

*

II –A decisão recorrida.

Este é o teor da decisão recorrida na parte aqui relevante:

(…)
ADEQUAÇÃO FORMAL

Após a apresentação da contestação pelo Ministério Público o Autor, alegando vir responder às exceções perentórias deduzidas pelo mesmo, apresentou réplica (conforme Réplica (239194) Réplica (...68) de 04/04/2022 22:27:13), tendo o Ministério Público arguido a nulidade da apresentação desse articulado dado que – no seu entendimento – não tinha deduzido qualquer exceção perentória, pelo que, a final, requeria o desentranhamento processual da réplica (conforme Requerimento (...61) Requerimento (...11) de 06/04/2022 15:39:03).

Ora, atendendo à concreta tramitação processual destes autos, o Tribunal entende que é inútil efetuar o enquadramento jurídico das alegações do Autor da réplica para verificar da respetiva admissibilidade processual, dado que, após a prolação do presente despacho saneador, o Tribunal iria notificar as Partes a fim de apresentarem alegações escritas (artigo 91º-A do CPTA) e as alegações do Autor na réplica sempre seriam admissíveis nesse âmbito.

Pelo que, ao abrigo dos princípios da economia processual e da adequação formal (artigos 130º e 547º do CPC) e dado que esta é uma ação com tramitação prioritária (conforme deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 23/05/2017), o Tribunal entende ser de admitir as alegações do Autor na réplica e, assim, prescindir-se das alegações escritas das Partes a fim de ser proferida – num espaço de tempo mais curto - sentença.

Tal implica, necessariamente e de modo a assegurar-se um processo equitativo e de igualdade das Partes (artigos 547º do CPC e 6º do CPTA), a possibilidade de o Ministério Público se pronunciar sobre as alegações do Autor na réplica (ultrapassando-se, assim, a objeção de impossibilidade de defesa suscitada pelo Ministério Público no artigo 16º do requerimento em causa).

Deste modo:

 Indefiro a nulidade suscitada pelo Ministério Público;

 Notifique o Ministério Público a fim de, querendo, se pronunciar sobre o alegado
pelo Autor na réplica:

 Prazo: 10 (dez) dias.

(…)”


*
III – Apreciando o recurso.

Tem claramente razão Ministério Público.

Embora caiba ao Tribunal providenciar pela celeridade do processo e adequar os termos do processo às suas finalidades – artigos 130º e 547º do Código de Processo Civil – assim como compete ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais “Estabelecer critérios de prioridades no processamento de causas que se encontrem pendentes nos tribunais por período considerado excessivo” - deliberação de 23.05.2017 e artigo 149.º, alínea p) do Estatuto dos Magistrados Judiciais ex vi do artigo 7º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não lhes compete estabelecer regras ou normas processuais, fixar prazos ou estabelecer novas espécies de processos, por tal caber na reserva relativa do poder legislativo da Assembleia da República - artigo 161.º, alínea c), da Constituição da República Portuguesa.

No caso, o Tribunal “a quo”, nem põe em causa que na contestação apresentada tivesse sido deduzida apenas matéria de impugnação.

Sustentou que entendia ser efectuar “o enquadramento jurídico das alegações do Autor da réplica” para verificar da respectiva admissibilidade processual.

Sucede que não se tratou de efectuar o enquadramento jurídico das alegações na réplica. Tratou-se de qualificar a réplica apresentada como alegações.

Num caso em que a lei não prevê nem a réplica – por não ter havido defesa por excepção, mas apenas por impugnação – nem alegações escritas – por não terem sido realizadas diligências de prova - artigos 85º - A e 91º - A, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Tal como não resulta de qualquer norma que se aplique a este processo um “espaço de tempo mais curto” quer para a prolação da sentença quer para a prática de actos das partes.

O que implica julgar totalmente procedente o recurso, e julgar verificada a arguida nulidade da réplica, por consubstanciar um articulado que a lei não admite, determinando-se o desentranhamento e a devolução de tal articulado ao Autor, como requerido.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER TOTAL PROVIMENTO AO RECURSO, pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Declaram a nulidade da réplica apresentada pelo Autor e ordenam o seu desentranhamento dos autos.

Custas em primeira instância, incidentais, pelo Autor.

Não é devida tributação no recurso por não terem sido apresentadas contra-alegações.

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Porto, 24.02.2023


Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre