Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00540/19.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/28/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:OFICIOSIDADE DA CITAÇÃO; DESPACHO DE INDEFERIMENTO LIMINAR;
Sumário:I-A regra da oficiosidade da citação significa que prima facie incumbe à secretaria dar impulso à citação, sem necessidade de despacho prévio do juiz, nem de requerimento do autor.

II-Independentemente de determinação do juiz para que lhe seja apresentado o processo para despacho liminar, incumbindo à secretaria assegurar o expediente, a autuação e a regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respetiva lei de organização judiciária, os oficiais de justiça, perante justificadas dúvidas com que se vejam confrontados, podem abrir conclusão ao juiz, para que este determine o procedimento a seguir.

III- Apresentado o processo ao juiz, seja por sua determinação, seja por iniciativa da secção, este deverá indeferir liminarmente a petição inicial nos casos taxativamente enunciados no n.º 1 do art. 590º do CPC. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:L.F.C.M.
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO

1.1. L.F.C.M., residente na Avenida (…), (…), (…), instaurou a presente ação administrativa comum, contra Ministério da Administração Interna, do Planeamento e das Infraestruturas, do Ambiente e do Mar, representado pelo Ministério Público, pedindo a condenação deste a ver reconhecido que o mesmo deixou de ser o proprietário do veículo automóvel de matrícula XX-XX-OC, desde 09 de dezembro de 2009 e ser a matrícula cancelada.
Para tanto alega, em síntese, constar como titular da matrícula XX-XX-OC, no IMT, referente ao veículo automóvel que adquiriu em 2009 e que fez uso até 09/12/2009;
Acontece que esse automóvel esteve envolvido num acidente, em 09/12/2009, na sequência do qual ficou irremediavelmente danificado;
A seguradora do veículo que embateu na viatura do Autor, assumiu a culpa exclusiva pelo acidente e pediu os documentos desta, por carta de 18/12/2009, na sequência do que o Autor lhos entregou;
O veículo foi levado do local do acidente pela seguradora “C.”;
O Autor negociou a indemnização com a seguradora, que reclamou o salvado, e a partir da data do acidente, aquele deixou de possuir o referido veículo;
O Autor ficou convencido que a seguradora, como possuidora do veículo, procederia ao abate do mesmo e ao cancelamento da respetiva matrícula, o que não fez;
No entanto, a matrícula deve ser cancelada dado que o Autor não é proprietário, sequer possuidor, desse veículo desde 09/12/209, podendo o atual proprietário do mesmo ver reposta a matrícula, caso o requeira.
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1.2. Na sequência da propositura dessa ação, a Secção concluiu o processo à Meritíssima Senhora Juiz do tribunal a quo com a seguinte informação: “com a informação a Vª Exª que me suscitam dúvidas quanto à configuração da presente ação. Mais informo Vª Exª que não foram juntos aos autos os documentos protestados junta a fls. 6 v.”.
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1.3. Nesta sequência, foi proferido despacho de indeferimento liminar da petição inicial, com fundamento em manifesta improcedência do pedido, o qual consta do seguinte teor:
“L.F.C.L., NIF (…), residente na Avenida (…), (...), (...), intentou “AÇÃO ADMINISTRATVA COMUM” contra o “MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, DO PLANEAMENTO E DAS INFRAESTRUTURAS, DO AMBIENTE E DO MAR, representado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO”, tendo peticionado o seguinte:
(…) deve a presente ação ser julgada procedente e provada e em consequência ser reconhecido que o autor deixou de ser proprietário do veículo automóvel de matrícula XX-XX-OC, desde 9 de dezembro de 2009, e ser a matrícula cancelada”.
Para o efeito, alegou, em suma, que consta no Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. como titular do veículo com a matrícula XX-XX-OC, tendo adquirido o mesmo no ano de 2009; porém, em 09/12/2009, tal veículo esteve envolvido num acidente em virtude do qual ficou irremediavelmente danificado, tendo a Seguradora do veículo que embateu no seu automóvel assumido a culpa exclusiva do seu segurado no acidente, sendo que a mesma Seguradora através da sociedade J., S.A., solicitou-lhe os documentos do veículo, por carta datada de 18.12.2009.
Mais alegou que negociou a indemnização com a referida sociedade J., S.A., que reclamou para a sua representada o salvado, e que a partir da data do acidente deixou de possuir o veículo.
Apreciando
Dispõe o artigo 119º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Cancelamento da matrícula”, o seguinte:
“1- A matrícula de um veículo deve ser cancelada quando:
(…)
b) o veículo fique inutilizado.
2- Para efeitos do disposto no número anterior, o cancelamento da matrícula dever ser requerido pelo proprietário:
a) Quando o veículo fique inutilizado ou atinja o seu fim de vida mediante apresentação da documentação legalmente exigida nos termos do Decreto-Lei n.º 196/2003 de 23 de agosto;
(…).
4- O cancelamento da matrícula deve ser requerido pelo proprietário, no prazo de 30 dias, nos casos referidos nas alíneas b) e d) do n.º 1.
5- Se o proprietário não for titular do documento de identificação do veículo, o cancelamento deve ser requerido, conjuntamente, pelo proprietário e pelo titular daquele documento.
(…)
12- O titular do registo de propriedade pode ainda requerer o cancelamento da matrícula, quando tenha transferido a propriedade do veículo a terceiro há mais de um ano e este não tenha procedido à respetiva atualização do registo de propriedade mediante apresentação de pedido de apreensão de veículo, apresentado há mais de seis meses.
(…)
Ora, o cancelamento da matrícula terá sempre de ser requerido ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.
Com efeito, no caso de transferência da propriedade do veículo, pode o titular do registo de propriedade requerer o cancelamento da matrícula quando tenha transferido a propriedade do veículo a terceiro há mais de um ano e este não tenha efetuado a respetiva atualização do registo de propriedade.
E, no caso em que o veículo fica inutilizado, designadamente por ter sofrido danos que impossibilitam definitivamente a sua circulação, em consequência de acidente, aplica-se o procedimento de cancelamento de matrícula de veículos em fim de vida, o qual é efetuado pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.
No caso dos autos, o Autor não alegou ter agido em conformidade com os aludidos procedimentos, nem ter requerido o que quer que fosse ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.
Aliás, não obstante ser ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. que tem de ser requerido o cancelamento de matrícula, a presente ação não foi sequer intentada contra tal Instituto.
Assim, o pedido formulado na presente ação é manifestamente improcedente, pelo que, com este fundamento, indefere-se a petição inicial, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 590º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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DECISÃO
Em face do exposto, indefere-se a petição inicial.
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Custas pelo Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que beneficie”
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1.4. Inconformado com o indeferimento liminar da petição inicial, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
1ª – O autor configura, na ação, uma situação de transmissão material do veículo com matrícula em seu nome e dos documentos a ele respeitantes, há mais de 8 anos e por quem tem posse legítima do bem que acresce à do adquirente.
2ª- No seu articulado alega a impossibilidade do pedido do cancelamento da matrícula por ter entregado o bem e os documentos, a quem tem o dever de cancelar a matrícula.
3ª- Deduziu que o veículo pertence a outra pessoa.
4ª- Alegou que recebeu a indemnização do veículo.
5ª- E, acima de tudo, alegou não ter a posse do bem e dos documentos, desde o ano de 2009.
6ª- O tribunal, na sua douta fundamentação, deixou de se pronunciar sobre os factos das conclusões 2ª a 5ª, incorrendo na nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, aplicável pela norma do artigo 35º, n.º 1 do CPTA.
7ª- Da forma como como o autor perfilha a ação o réu demandado é parte legítima.
8ª- A não ser assim entendido, considera-se demandado o IMPT, I.P., nos termos do n.º 4 do artigo 10º do CPTA.
9ª- A douta sentença foi proferida anteriormente à notificação do autor para o exercício do contraditório, pelo que é nula em face da violação do n.º 3 do artigo 3º do CPC.
10º- A douta sentença viola as disposições legais referidas na alegação.
NESTES TERMOS e nos de direito, com o douto suprimento que se roga, deve ser revogada a douta sentença e ser decidido que a ação deve seguir a sua normal tramitação.
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1.5.Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.6. O Ministério Público, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu parecer.
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1.7. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Nos presentes autos, as questões que a este tribunal cumpre ajuizar, resumem-se ao seguinte:
(i)- se a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento em manifesta improcedência do pedido, é nula por violação do princípio do contraditório;
(ii) se essa decisão é nula por omissão de pronúncia; e
(iii) se essa decisão padece de erro de direito ao ter alegadamente indeferido liminarmente a petição inicial com fundamento na procedência da exceção da ilegitimidade passiva quando se impunha que a 1ª Instância, ao considerar que o Ministério da Administração Interna, do Planeamento e das Infraestruturas, do Ambiente e do Mar, contra quem a ação foi instaurada, não dispunha de legitimidade passiva para a mesma, nos termos do art. 10º, n.º 4 do CPTA, tivesse considerado a ação intentada contra o IMT, I.P.
A propósito desta última questão suscita-se a questão prévia de se saber se o indeferimento liminar da petição inicial determinado pela decisão sob sindicância, teve por fundamento a procedência da exceção dilatória da ilegitimidade passiva ou se assentou antes num outro fundamento.
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III.FUNDAMENTAÇÃO
A- DE FACTO
3.1. Os factos que relevam para conhecer das questões que se encontram submetida a este tribunal são os que constam do relatório acima elaborado.
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III.B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
3.2.- Da nulidade da decisão de indeferimento liminar da petição inicial por violação do princípio do contraditório.
3.2.1.Sustenta o Apelante que a decisão que indeferiu liminarmente a petição inicial é nula uma vez que a mesma foi proferida em violação do princípio do contraditório enunciado no art.º 3º, n.º 3 do CPC, alegando que a petição inicial não se encontra sujeita a despacho liminar e que, por isso, a mesma não podia ser apresentada ao juiz, sequer este podia proferir esse despacho de indeferimento liminar a não ser em sede de despacho de pré-saneador, após a apresentação pelas partes dos articulados.
Analisada a referida alegação do Apelante, dir-se-á que este confunde duas realidades, a saber: a) se ao indeferir liminarmente a petição inicial, o juiz praticou um ato não previsto na lei, uma vez que nos presentes autos vigora o princípio da oficiosidade da citação, nos termos do qual a citação deve ser realizada oficiosamente pela Secção, sem prévia conclusão do processo ao juiz e se, consequentemente, ao concluir o processo ao juiz e este ao indeferir liminarmente a petição inicial foram praticados atos processuais não previstos na lei e se esse facto determina a nulidade desse despacho e b) e se esse despacho de indeferimento liminar padece do vício da nulidade por ter sido violado o princípio do contraditório previsto no art. 3º, n.º 3 do CPC, que impunha que, previamente à sua prolação, a 1ª Instância tivesse ouvido o apelante e eventualmente o demandado quanto aos fundamentos de indeferimento liminar.
No primeiro caso, a nulidade que o Apelante assaca à decisão recorrida assenta na circunstância de terem sido praticados atos processuais não previstos na lei, o que, na perspetiva do mesmo, gera a nulidade da decisão recorrida, enquanto no segundo caso, a nulidade que o Apelante assaca a essa decisão fundamenta-se na violação do princípio do contraditório.

Porque as causas de nulidade da decisão recorrida que são invocados pelo Apelante são, na verdade, distintas, impõe-se apurar se se verificam esses invocados fundamentos de nulidade dessa decisão
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3.3. Da Nulidade da decisão recorrida por consubstanciar formalidade não prevista na lei.
3.3.1. Salvo os casos de nulidade previstos nos arts. 186º a 194º do CPC (aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA), que não se encontram indiscutivelmente em apreciação no caso dos autos, o n.º 1 do art.º 195º fulmina com o vício da nulidade processual a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Significa isto que sendo o processo um encadeamento de atos processuais, que se encontram regulados na lei e que tendem a culminar com a decisão final, a prática de um ato nesse iter processual que não se encontre prescrito na lei processual civil ou a omissão de um ato ou duma formalidade que esta prescreva determina a nulidade quando a lei o determine ou quando essa irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa.
Deste modo, a nulidade processual tanto pode resultar da prática dum ato que a lei não admita como da omissão dum ato ou formalidade que a lei prescreva.
Por outro lado, a prática indevida de ato processual não legalmente previsto ou a omissão de ato ou de formalidade prescrita na lei, salvo se a lei dispuser diversamente e cominar esse vicio com a sanção de nulidade, configura uma mera irregularidade, não geradora de nulidade caso a prática do ato inadmissível ou a omissão do ato ou da formalidade prescrita não influa no exame ou na decisão da causa, isto é, na instrução, discussão ou julgamento ou, tratando-se de processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento.
No caso, advoga o apelante que vigorando o princípio da oficiosidade da citação nos presentes autos, não podia a seção de processos ter feito os mesmos conclusos ao juiz e este não podia, consequentemente, ter indeferido liminarmente a petição inicial, mas antecipe-se, desde já, sem manifesta razão.
No contencioso administrativo, tal como no âmbito do processo civil desde a revisão operada ao CPC em 1995 e 1996, vigora como regra, o princípio da oficiosidade da citação, o qual se encontra consagrado no n.º 1 do artigo 81.º do CPTA (assim também no n.º1 do art. 226º CPC).
A regra da oficiosidade da citação significa que prima facie incumbe à secretaria dar impulso à citação, sem necessidade de despacho prévio do juiz, nem de requerimento do autor.
Trata-se de princípio que se insere no comando mais vasto do n.º 2 do art. 590º do CPC ( ex vi art.º 1.º do CPTA), a propósito das funções da secretaria, nos termos do qual, incumbe à secretaria promover os termos do processo até ao despacho pré-saneador.
Deste modo, por regra, nas ações administrativas não há lugar a despacho liminar do juiz, incumbindo à secretaria promover os termos do processo até ao despacho pré-saneador, e só neste despacho é que o juiz terá de conhecer da regularidade do processo.
No entanto, esta tramitação oficiosa do processo até ao pré-saneador, sofre ainda a exceção que se encontra enunciada no art.º 590º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art.º 1º do CPTA.
Nos termos deste preceito o juiz pode determinar (normalmente após a chamada de atenção pela secretaria ou, tratando-se de execução, pelo agente de execução) que lhe seja apresentada a petição inicial.
Acresce que independentemente dessa determinação do juiz para que lhe seja apresentado o processo para despacho liminar, incumbindo à secretaria assegurar o expediente, a autuação e a regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respetiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente (n.º 1 do art. 157º do CPC), daqui deriva que os funcionários judiciais podem, perante justificadas dúvidas com que se vejam confrontados, abrir conclusão ao juiz; expondo-lhe as mesmas para que este determine o procedimento processual a seguir.
Precise-se que o que se acaba de dizer, para além de ser uma decorrência da dependência funcional dos funcionários judiciais perante o juiz, também é uma consequência do dever de gestão processual que impende sobre o último (art. 7.º-A do CPTA), por força do qual é sobre este que, independentemente dos ónus que impendam sobre as partes e os funcionários, impende o dever de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo andamento célere deste.
Decorre do que se vem dizendo que a pretensão do apelante segundo a qual a lei processual civil não permite que o processo fosse concluso ao juiz antes da fase de pré-saneador e que ao último não assistia a possibilidade legal de proferir despacho de indeferindo liminarmente da petição inicial, não tem qualquer arrimo à luz do ordenamento jurídico processual l vigente, onde, reafirma-se, não só à Secção assiste o poder-dever de concluir o processo ao juiz perante fundadas dúvidas com que se depare sobre a tramitação processual a seguir, dado que os funcionários se encontram na dependência funcional deste e é ao juiz que impende a gestão processual e a obrigação de manter a ordem nos atos processuais (arts. 7.º-A do CPTA, e n.º 1, e artigos 150º, n.º 1 e 157º, n.º 1 do CPC), além de que, nos termos do n.º 1 do art. 590º do CPC, ao juiz assiste o poder de determinar que o processo lhe seja presente para despacho liminar.
Acresce que uma vez apresentado o processo ao juiz, seja por determinação deste, seja por iniciativa da Secção, este deverá indeferir liminarmente a petição inicial nos casos taxativamente enunciados no referido n.º 1 do art. 590º aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA
Dir-se-á que este comando satisfaz manifestas razões de economia e celeridade processual, pelo que configura, inclusivamente, um poder-dever do juiz.
Com efeito, em caso de manifesta improcedência do pedido ou de manifesta procedência de exceções dilatórias insupríveis e que são do conhecimento oficioso do juiz, seria um contra-senso e gravemente lesivo para o sistema de justiça em geral e para as partes em particular, que aquele deixasse prosseguir uma ação que ab initio estaria votada ao fracasso.
Porque assim é, sem prejuízo do despacho sob sindicância que indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento em manifesta improcedência do pedido, poder enfermar de erro de julgamento (erro esse que não se encontra aqui em apreciação), é indiscutível que o mesmo não padece do vício da nulidade, por consubstanciar a prática de ato não admitido por lei, mas antes pelo contrário, a conclusão do processo pela Secção ao juiz perante as dúvidas explanadas a fls. 11, tem cabal arrimo legal, o mesmo acontecendo com a prolação do despacho de indeferimento liminar da petição inicial proferido pelo juiz.
Acresce que a prolação desse despacho de indeferimento liminar da petição inicial com fundamento em manifesta improcedência do pedido, ainda que configurasse a prática de ato processual não admitido por lei (o que, reafirma-se, não é o caso), nunca seria suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, uma vez que segundo a decisão de mérito nele proferida, a ação encontrava-se votada ao fracasso, dado que o pedido nela deduzido é “manifestamente inviável”.

Decorre do exposto, improceder este fundamento de recurso.
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3.3. Nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório.
3.3.1. Conforme acima referido, o apelante pugna pela nulidade da decisão sob sindicância por, na sua perspetiva, o juiz, ao abrigo do art. 3º, n.º 3 do CPC, não poder indeferir liminarmente a petição inicial, sem previamente ouvir o mesmo (e, eventualmente, o demandado) sobre a questão em que assentou esse indeferimento liminar.
A este propósito dir-se-á que a par do princípio do contraditório, um dos princípios basilares do ordenamento jurídico processual nacional é o do contraditório.
Por via desse princípio exige-se, antes de mais, que instaurada determinada ação, o demandado tenha conhecimento de que contra si foi formulado um pedido, com fundamento em determinada causa de pedir, dando-lhe oportunidade de defesa.
Esta finalidade é atingida pela citação do demandado para a ação ou para a execução ou com a notificação do mesmo para o incidente que contra ele é instaurado.
Depois exige-se que ao longo de toda a tramitação do processo, qualquer das partes tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões deduzidas pela sua contraparte, com a inerente possibilidade de se pronunciar antes de ser proferida decisão sobre essas iniciativas ou pretensões.
Como é bom de ver, só mediante a realização das duas exigências que se acabam de enunciar se logrará assegurar uma efetiva igualdade de tratamento das partes ao longo de todo o processo.
A razão de ser do princípio do contraditório radica, ainda, na circunstância de perante a “estruturação dialética ou polémica do processo”, em que os pleiteantes apresentam interesses ou opiniões contraditórias, se esperar que da “discussão nasça à luz” e que, consequentemente, “as partes (ou os seus patronos), integrados no caso e acicatados pelo interesse ou pela paixão, tragam ao debate elementos de apreciação (razões e provas) que o juiz, mais sereno mas mais distante dos factos e menos ativo, dificilmente seria capaz de descobrir por si”.
Deste modo, para além de ser condição para se assegurar a igualdade de tratamento dos litigantes, o princípio do contraditório traz vantagens inequívocas em sede de descoberta da verdade material.
Esta vertente do princípio do contraditório, entendido como o direito de conhecimento de pretensão contra si deduzida e o direito de pronúncia prévia à decisão, corresponde à conceção tradicional do princípio e tem consagração legal na segunda parte do n.º 1 e no n.º 2 do art.º 3º do atual vigente CPC.
Nesta conceção tradicional o princípio do contraditório tem como escopo principal a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia.
No entanto, como tem sido posto em destaque pela doutrina e pela jurisprudência, embora a conceção tradicional do princípio do contraditório continue válida e tenha acolhimento legal no atual processo civil, nele adotou-se uma conceção ampla de contrariedade ao estatuir-se no seu art.º 3º, n.º 3 que “o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Mediante a consagração desta dimensão de contraditoriedade consagrou-se no âmbito do processo civil o princípio constitucional da proibição da indefesa, visando-se conferir às partes uma efetiva participação no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, proibindo-se ao juiz a prolação de qualquer decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que seja de conhecimento oficioso, sem que previamente se tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
Nesta conceção ampla do princípio da igualdade, em que se proíbe a indefesa e, nessa medida, a prolação de decisões-surpresa, visa-se assegurar às partes o direito de influenciarem o rumo do processo e a decisão nele a proferir.
Nesta conceção, o escopo principal do princípio, contrariamente ao que acontece na conceção tradicional do mesmo, deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito das partes de influírem ativa e decididamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
Esta vertente positiva do princípio do contraditório, tal como todos os outros princípios, não tem, no entanto, um sentido absoluto e inelutável.
Na verdade, é o próprio art. 3º, n.º 3 do CPC que admite que esse princípio possa ser afastado nos casos de “manifesta desnecessidade”.
Note-se que a lei não esclarece quais são os casos em que o juiz pode afastar o princípio do contraditório por o respetivo cumprimento ser manifestamente desnecessário, cumprindo à doutrina e à jurisprudência preencher o referido conceito indeterminado, tendo sempre presente a finalidade central por ele prosseguida e as finalidades almejadas pelo legislador com a sua consagração legal.
Um dos casos que tem sido alvo de discussão é o de se saber se a observância do princípio do contraditório impõe que se ouça o demandante nos casos de indeferimento liminar da petição inicial sobre os fundamentos desse indeferimento.
Embora a resposta a essa questão não seja absolutamente pacífica, o certo é que a jurisprudência largamente maioritária, à qual se adere, é no sentido que no caso de indeferimento liminar da petição inicial não há lugar à audição prévia do demandante sobre o motivo do indeferimento, uma vez que essa audição não só contraria a teleologia do indeferimento liminar, como a audição daquele se encontra assegurada, ainda que de forma diferida no tempo, ao permitir-se que o mesmo, independentemente do valor da causa e da sucumbência (art. 629º, n.º 3, al. c) do CPC), possa sempre interpor recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial , onde lhe cabe expor os seus fundamentos de irresignação em relação à posição sufragada pela 1ª Instância.
Decorre do que se vem dizendo, que a 1ª Instância, antes de proferir o despacho de indeferimento liminar da petição inicial, com fundamento na manifesta improcedência do pedido nela formulado pelo apelante (demandante) não tinha, em observância do princípio do contraditório, de ouvir quanto ao fundamento desse indeferimento liminar, uma vez que esse seu direito se encontrava sempre assegurado, mediante a faculdade que tinha e que, inclusivamente, exerceu, de recorrer dessa decisão para esta Instância Superior e, muito menos, tinha de ouvir o demandado sobre essa questão, causando-lhe os inerentes incómodos e despesas, numa ação instaurada contra aquele cujo pedido, na perspetiva do tribunal, era manifestamente improcedente.
Termos em que perante os fundamentos acabados de explanar, improcedem os enunciados fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante.
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3.4.- Nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
3.4.1.Advoga o Apelante que a decisão sob sindicância é nula por pretensão omissão de pronúncia, uma vez o tribunal a quo não se teria pronunciado sob “os factos que identifica nas conclusões 2ª a 5 das suas alegações de recurso – alegada impossibilidade de pedir o cancelamento da matrícula por ter entregue o veículo e os documentos à companhia de seguros, que ficou proprietária do mesmo, em virtude de lhe ter pago a indemnização pelo acidente em consequência do qual essa viatura ficou totalmente destruída, e no valor dessa indemnização estar incluído o valor dos salvados e por ser essa seguradora quem tem atualmente e desde 2009 a posse e a propriedade desse veículo e dos respetivos documentos – mas, mais um vez, sem manifesta razão.
Vejamos:
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente enunciadas no art. 615º do CPC e reportam-se a vícios formais da sentença ou do despacho (n.º 3 do art. 613º) em si mesmos considerados, decorrente de na respetiva elaboração não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam a sua elaboração ou estruturação ou as que balizam os limites da decisão neles proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes não foi respeitado, ficando a sentença aquém ou indo além do thema decidendum).
Trata-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença ou despacho em si mesmos considerados, isto é, de vícios formais que afetam a própria sentença ou despacho de per se ou os limites à sombra dos quais os mesmos são proferidos.
Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto realizado na sentença ou à decisão de mérito nela proferida, decorrentes de se ter incorrido numa distorção da realidade factual julgada provada e/ou não provada (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde, em função da prova produzida, à realidade ontológica ou, em função do quadro jurídico aplicável aos factos, à realidade normativa.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada ou aos limites da decisão à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando, atacáveis em via de recurso.
Entre as causas de nulidade da sentença (ou despacho), conta-se a omissão de pronúncia.
Com efeito, o art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, inquina de nulidade a sentença ou o despacho quando neles o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deve apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, referindo-se a primeira parte da previsão legal à nulidade por omissão de pronúncia e a segunda à nulidade por excesso de pronúncia.
Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença/despacho todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com efeito, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes, todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e de todas as exceções invocadas por aquelas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitadas/arguidas pelas partes, pelo que não integra nulidade, a omissão de pronúncia quando a exceção seja de conhecimento oficioso do tribunal, mas não foi arguida pelas partes e de que aquele não conheceu) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).
Inversamente o conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.
A invalidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia é uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes instaurar a ação e, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema decidendum, mas também do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de influírem para a decisão a ser nele proferida.
Acresce precisar que como já alertava Alberto dos Reis, impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente, determinará a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
Acresce que o vício da nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, do tribunal em relação a qualquer questão que tenha sido suscitada pelas partes e que não se encontre prejudicada por decisão anterior e que, por isso, era de cognição obrigatória, isto é, que essa questão tenha passado totalmente despercebida ao tribunal, que se esqueceu totalmente de a apreciar.
Se essa questão não passou despercebida ao julgador, mas este entendeu erroneamente que a mesma se encontrava prejudicada por uma anterior questão que apreciou e decidiu, já não existe qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas erro de julgamento, atacável em via de recurso.
Também não ocorre o vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o tribunal, na sentença, se pronuncia sobre a questão, mas fá-lo de modo sintético e escassamente fundamentado, o que poderá colocar em crise o valor persuasivo da sentença, sabendo-se que o juiz só logrará a efetiva resolução do litígio que lhe é submetido e alcançar a restauração da paz social se “passar de convencido a convincente”, o que apenas se conseguirá se, através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão”, mas nunca determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia ou por falta de fundamentação (a qual, igualmente, pressupõe a total ausência de fundamentação de facto e/ou de direito).
“Questões”, reafirma-se, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista ou para afastar o ponto de vista da parte contrária.
Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os pontos de facto e/ou de direito centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto.
Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “…assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.

Assentes nestas premissas, o apelante instaurou a presente ação pedindo que se reconheça que deixou de ser o proprietário do veículo automóvel de matrícula XX-XX-0C, desde 09 de dezembro de 2009 e se determine o cancelamento da matrícula.
A 1ª Instância indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento em manifesta improcedência deste pedido.
Logo, assentando o pedido e, por conseguinte, a decisão recorrida de indeferimento liminar, precisamente nos factos que o apelante alegou na petição inicial e que constituem a causa de pedir por ele eleita para suportar esse pedido, é indiscutível que nesse indeferimento liminar o tribunal a quo considerou todos os factos essenciais dessa causa de pedir invocada pelo apelante na petição inicial, onde se incluem os factos por ele identificados nas conclusões 2ª a 5ª das suas alegações de recurso, pelo que é notório que não ocorre qualquer omissão de pronúncia.
Aliás, temos como facto seguro que o apelante não entendeu os fundamentos em que o tribunal a quo estribou a decisão de indeferimento liminar da petição inicial, pese embora esta seja clara e não se preste a quaisquer dificuldades interpretativas.
O indeferimento liminar da petição inicial assentou na circunstância de segundo o entendimento jurídico sufragado pela 1ª Instância na decisão sob sindicância, o pedido de cancelamento da matrícula ter de ser formulado pelo apelante junto do IMT e só perante um indeferimento desse pedido é que o apelante podia reagir judicialmente contra essa decisão de indeferimento do IMT, mediante ação instaurada contra o último.
Entendeu ainda a 1ª Instância que estando decorrido, face aos factos que o próprio apelante alegou em sede de petição inicial, mais de um ano sobre a data em que este transferiu para o terceiro a propriedade sobre a viatura, sem que este novo proprietário tivesse requerido junto do IMT o cancelamento da matrícula daquele, o próprio apelante dispõe de legitimidade para requerer o cancelamento, nos termos do n.º 12 do art. 119º do Cód. Estrada, bastando para tanto apresentar a documentação atinente à venda dessa viatura.
Mais entendeu que tratando-se de uma situação de veículo em fim de vida ou que tivesse ficado definitivamente inutilizado, nomeadamente, em consequência de acidente de viação, esse cancelamento, terá de ser requerido junto do IMT pelo próprio apelante (titular inscrito) e pelo adquirente do veículo (a seguradora), nos termos do n.º 5 daquele art. 119º.

É neste sentido que se compreende que na decisão sob sindicância se leia o seguinte: “Ora, o cancelamento da matrícula terá sempre de ser requerido ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (…) no caso de transferência da propriedade do veículo, pode o titular do registo de propriedade requerer o cancelamento da matrícula quando tenha transferido a propriedade do veículo a terceiro há mais de um ano e este não tenha efetuado a respetiva atualização do registo de propriedade. E no caso em que o veículo fica inutilizado, designadamente por ter sofrido danos que impossibilitam definitivamente a sua circulação, em consequência de acidente, aplica-se o procedimento de cancelamento de matrícula de veículos em fim de vida, o qual é efetuado pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.”.

Dir-se-á que estas considerações jurídicas poderão naturalmente não ter acolhimento no quadro legal vigente, designadamente, a decisão de indeferimento liminar da petição inicial.
No entanto, caso seja esse o caso, tal consubstancia erro de julgamento e não nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, a qual manifestamente não se verifica.

Termos em que se conclui pela improcedência do identificado fundamento de recurso.
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3.5. Do Erro de Direito
3.5.1. O Apelante sustenta que a decisão sob sindicância padece de erro de direito ao ter indeferido liminarmente a petição inicial com fundamento na procedência da exceção dilatória da ilegitimidade passiva, quando se impunha que a 1ª Instância, ao considerar que o Ministério da Administração Interna, do Planeamento e das Infraestruturas, do Ambiente e do Mar, contra quem a ação foi instaurada, não dispunha de legitimidade passiva para a presente ação, nos termos do art. 10º, n.º 4 do CPTA, tivesse considerado a ação intentada contra o IMT, I.P.
Ao imputar o enunciado erro de direito é indiscutível que o apelante lavra num manifesto equivoco, qual seja, que o indeferimento liminar da petição inicial assentou na circunstância da 1ª Instância ter considerado que se verificava a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, por o Ministério da Administração Interna, do Planeamento e das Infraestruturas, do Ambiente e do Mar, não dispor de interesse direto em contradizer, mas por esse interesse direto em contradizer pertencer ao IMT, IP.
Nada mais erróneo.
Com efeito, o indeferimento liminar da petição inicial assentou na manifesta improcedência do pedido nela formulado pelo apelante, conforme claramente se escreve nessa decisão (cfr. fls. 13 dos autos), como se passa a transcrever:
Assim, o pedido formulado na presente ação é manifestamente improcedente, pelo que, com esse fundamento, indefere-se a petição inicial (…)” – sublinhado nosso.
A causa do tribunal ter indeferido liminarmente a petição inicial, por manifesta improcedência do pedido, conforme se lê nesse despacho reside nas seguintes razões: 1) o pedido de cancelamento da matrícula ter de ser sempre apresentado junto do IMT; 2) o Autor não alegou ter requerido junto do IMT esse cancelamento (e acrescentamos nós: que o IMT lhe recusou esse pedido de cancelamento da matrícula).

Logo, o indeferimento liminar da petição inicial não assentou na procedência da exceção dilatória da ilegitimidade passiva, isto é, não foi por a ação ter sido instaurada contra o Ministério da Administração Interna, quando, na perspetiva da 1ª Instância o devia ter sido contra o IMT, I.P., mas porque o pedido deduzido pelo apelante era manifestamente improcedente, decorrendo essa manifesta improcedência da circunstância do pedido de cancelamento da matrícula ter de ser requerido junto do IMT e deste ter indeferido esse pedido e do facto do apelante não ter alegado, em sede de petição inicial, que tivesse formulado esse pedido junto do IMT e que este lhe recusou o mesmo.

Deste modo, porque a decisão de indeferimento da petição inicial não assentou na procedência da exceção dilatória da ilegitimidade passiva, mas antes na improcedência manifesta do pedido, impõe-se concluir claudicar igualmente este fundamento de recurso.

Aqui chegados, na improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante, resta concluir pela improcedência da presente apelação e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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IV- DECISÃO :

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, acordam em julgar a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pelo Apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Registe e notifique.
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Porto, 28 de fevereiro de 2020


Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro