Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00518/12.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/17/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Margarida Reis
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO; ART. 23.º, N.º 2 DA LGT; FUNDADA INSUFICIÊNCIA DOS BENS PENHORÁVEIS DO DEVEDOR PRINCIPAL;
PRESSUPOSTOS DA REVERSÃO
Sumário:Para fundamentar a reversão da dívida, a demonstração da inexistência de bens da devedora original para fazer face à divida exequenda precede a verificação ou não da gerência de facto, pelo que não podia a ATA avançar para a averiguação da responsabilidade do aqui Recorrente enquanto putativo gerente de facto da devedora originária (cf. n.º 1 do art. 24.º da LGT), sem que antes tivesse provado a “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal”, tal como expressamente decorre do disposto no n.º 2 do art. 23.º da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório

J., com os demais sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 2016-05-18 que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 2682201201000… e apensos que o Serviço de Finanças de (...) move contra si por reversão de dívidas referentes a Retenção na Fonte de IRS dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, no valor de EUR 568.523,05 e juros compensatórios no valor de EUR 48.421,45 de que é devedora originária F(...), Lda., vem dela interpor o presente recurso.
O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
F) Conclusões
1. A Sentença é nula (art. 615.º, n.º 1, a]. e) e n.º 4 do CPC) e/ou ilegal (por violação do art. 23.º da LGT), porque o juiz a quo não se pronunciou sobre questão que teria de apreciar - a suficiência dos bens do primitivo executado - quer pela sua relevância (é um dos requisitos da reversão), quer porque foi devidamente suscitada na PI.
2. Não existe a fundada insuficiência de bens penhoráveis do primitivo executado, que possui créditos sobre terceiros, de valor superior à dívida exequenda e de reconhecida consistência e valor económico.
3. No Despacho de reversão já se conhecia este ativo.
4. O recorrente não era um gerente de facto da Sociedade primitivamente executada. A sentença é ilegal, por errada perceção dos factos (e o ónus da prova é da AT) e violação do direito (art. 23.º e 24.º da LGT).
5. Um procurador como o recorrente não é um gerente de direito e/ou de facto da Sociedade: os atos do representante produzem os seus efeitos na esfera jurídica da Sociedade representada (art. 258.º e 1178.º do Código Civil).
6. As procurações concediam poderes limitados ao procurador, que atuou sempre nos seus limites - para coordenar a parte financeira e diligenciar o trespasse.
7. Está provado no processo, por testemunhas e confissão das partes (quer do devedor [o recorrente], quer do credor [o atual gerente da Sociedade]), que o recorrente negociou o trespasse (nos termos previstos na procuração) e que recebeu as quantias do trespasse, de forma precária e provisória, a título de fiel depositário, por acordo com a Sociedade, apenas para assegurar que a Sociedade mantinha os valores necessários para honrar eventuais compromissos futuros perante fornecedores e Finanças.
8. Os depoimentos do Dr. M. (sócio gerente da Sociedade) nada provam contra o recorrente. Ele era o principal interessado na “incriminação” fiscal do recorrente, para com isso se esquivar da sua responsabilidade subsidiária fiscal, como gerente da Sociedade.
9. O testemunho indireto (J. afirma que a Dr. I. lhe disse ... e que o recorrente lhe assegurou ... ) não possui qualquer valor probatório.
10. Quanto se diz que o recorrente não procedeu ao pagamento destas dívidas fiscais por as considerar indevidas e ilegais - não se está a referir à sua qualidade de gerente de facto da Sociedade, mas de revertido a título pessoal. Não está a representar a Sociedade; mas a falar de um ato privado da sua própria esfera jurídica (enquanto devedor pessoal destas dívidas, por efeito da reversão).
11. A falta de prova sobre o conhecimento e pronunciamento dos outros gerentes (a sociedade devia ou não pagar estas liquidações) é irrelevante para a prova de gerência de facto do recorrente: essa prova compete à AT; e a gerência da Sociedade (via J.) pronunciou-se sobre o tema, optando por não pagar as liquidações, por falta de liquidez da Sociedade.
12. O recorrente não interferiu nem se imiscuiu em inúmeras áreas da Sociedade (não indo para lá dos limites dos poderes outorgados nas procurações que detinha): na parte comercial; na ligação com os fornecedores; no relacionamento com o pessoal...
13. O recorrente não recebia salário da Sociedade; não dava ordens; não lidava com fornecedores e clientes; não contratava o pessoal nem decidia a vida da empresa - e sem essa prova, é ilegal assumir a gerência de facto, como faz a Sentença recorrida.
14. O recorrente estava totalmente empenhado noutros negócios (e não tinha tempo físico e mental para ser gerente de facto da Sociedade) e os seus colaboradores nem conheciam esta sua atividade na Sociedade.
15. A sentença é nula (art. 615.º, n.º 1, al. d) e e) do CPC) e ou ilegal (por ilegal fundamentação a posteriori), pois estriba a sua argumentação no art. 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, quando a reversão se sustenta noutros regime legais e claramente distintos: no art. 28.º, n° 3, da LGT (imposto) e no art. 24.º, n.º 1, al. a), da LGT (juros).
16. A diferença não é de somenos: a Sentença indica que o ónus da prova da (não) culpa é do recorrente quando a AT, no despacho de reversão está preocupada com coisas diversas: a prova pela AT da gerência culposa (juros) - art. 24.º, n.º 1, al. a), da LGT; e a qualificação do rendimento (lucro) e sua apropriação a i00% pelo recorrente - para assim funcionar o art. 28.º, n.º 3, da LGT.
17. O despacho de reversão, na responsabilização subsidiária do recorrente, assume que o mesmo já não era gerente de facto da Sociedade em Janeiro de 2012 (data limite de pagamento voluntário das liquidações contra a Sociedade). A Sentença assume este facto que não consta do objeto do processo; e perante isso procede a um claro erro de julgamento colocando o ónus da prova da culpa no recorrente, quando o mesmo compete ao recorrido.
18. A Sentença não se debruça sobre o objeto central do processo (na interpretação e aplicação do art. 28.º, n.º 3, da LGT): se o recorrente se apropriou a loa% dessas quantias (lucros anuais e valor do trespasse) e se o fez como distribuição de lucros ou a título de fiel depositário (numa relação de crédito).
19. Não estão provados os factos em que assenta a aplicação do art. 28.º, n.º 3, da LGT: nem a falta de património do devedor principal;
20. Nem a natureza dos pagamentos em causa: o recorrente não os assume como distribuição oculta de lucros, mas na sua qualidade de fiel depositário (criando-se assim uma relação de crédito - débito entre si e a Sociedade).
21. A Sentença nunca prova que o recorrente era o sócio de facto da Sociedade. Não se pode advogar a distribuição de lucros a quem como o recorrente não é sócio da Sociedade (nominal ou de facto). E essa prova competia à AT.
22. Mesmo que o recorrente fosse gerente de facto da Sociedade (que não é) - tal facto nunca permite presumir que é também automaticamente sócio de facto da Sociedade (ou que a quantia recebida o foi a título de distribuição de dividendos ou lucros).
23. Mesmo que se acaso se aplicasse o art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, a verdade é que o recorrente efetuou prova da sua ausência de culpa no não pagamento das dívidas fiscais e/ou deterioração do património societário.
24. Por sua intervenção, como procurador, conseguiu diligenciar para que a Sociedade fizesse um trespasse de estabelecimento, arrecadando efetivamente mais de 2,4 milhões de euros. A Sociedade tinha assim património mais do que suficiente para cumprir estas obrigações fiscais.
25. A Sentença é ilegal, por violação do art. 23.º da LGT e art. 278.º do CPPT: na pendência de reclamação judicial com efeito suspensivo e subida imediata - como no caso - o processo de execução fiscal está suspenso e aí não podem ser praticados quaisquer atos ou diligência, como a produção do ato de reversão do processo de execução fiscal contra o recorrente, sob pena de ilegalidade (violação do efeito suspensivo).
26. Esse vício não é sanável (ainda que a reclamação venha a improceder no futuro): a ilegalidade é um vício genético, que ocorre aquando da decisão da reversão.
27. Esta solução não cria atrasos injustificados e receios de desproteção do Estado: o prazo para a Reclamação é de 10 dias (art. 276.º do CPPT), a Reclamação é um processo urgente (art. 278.º, n.º 5, do CPPT), e durante a Reclamação suspendem-se os prazos de prescrição (art. 49.º, n.º 4, da LGT).
Termina pedindo:
Termos em que o presente recurso deve ser julgado totalmente procedente, com a nulidade/ilegalidade da Sentença recorrida, com todas as consequências legais
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A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, há que apurar se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, ou dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pelo Recorrente.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. Com interesse para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade:
1. Com data de 10 de Julho de 2012, no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º 2682201201000… e apensos em que figura como devedora originária a sociedade “F (...), Lda.”, foi o Oponente citado para a reversão de dívidas de IRS - Retenção na Fonte, referente aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, no valor total de E 568.523,05 e juros compensatórios no valor de € 48.421,45 - cfr. fls. 44 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas, o mesmo se dizendo em relação às demais que seguem.
2. A citação para a reversão teve por fundamento o Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de (...), datado de 10 de julho de 2012, nos seguintes termos:
“Pela factualidade documentada no processo executivo, constata-se a inexistência de bens pertencentes à executada F (...), Lda., contribuinte n.º (…), com sede na Rua (…).
As informações oficiais prestadas, aquando da elaboração do projecto da decisão de reversão das dívidas em cobrança nos autos, datado de 2012-05-31, referem o seguinte:
ENQUADRAMENTO:
1. As dívidas em cobrança nos presentes autos e seus apensos dizem respeito a retenções na fonte de IRS dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, previstas no artº 71º, nº 1, al. c) do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS) e respectivos juros compensatórios [art.º 91.0, n.º 1 do CIRS, conjugado com o art.º 35.º da Lei Geral Tributária (LGT)], cuja obrigação de retenção era, nos termos do art.º 21.º do CIRS, em conjugação com o art.º 103.º, n.º 1 do mesmo Código, da responsabilidade da executada nos autos, na qualidade de substituta - F (...) Lda., contribuinte fiscal n.º (...), com sede na Rua (...) - ascendendo a quantia exequenda ao total de € 616.944,50, conforme tabela resumo que a seguir se reproduz:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

2. Tais dívidas tiveram por base de apuramento o procedimento inspectivo n.º 01201101289, levado a cabo pelo Inspector Tributário .R, do quadro da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu, no âmbito do qual procedimento ficaram documentados, de forma inequívoca, e no que para a presente informação releva, os seguintes factos:
a) Inexistência de bens penhoráveis da titularidade da devedora originária F (...) Lda., contribuinte fiscal n.º (…);
b) Identificação do sujeito passivo JA., contribuinte fiscal n.º (…), como gerente de facto da devedora originária executada nos autos;
c) Identificação do mesmo JA. como o beneficiário directo das vantagens económicas obtidas pela operação de trespasse da F (...), Lda. e pelas distribuições de lucros presumidas, com referência aos resultados auferidos pela executada nos exercícios económicos de 2007, 2008, 2009 e 2010, por via da arrecadação dos valores monetários resultantes desses períodos de actividade, os quais constituíram um incremento efectivo do seu património pessoal, conforme documentos anexos ao procedimento inspectivo, cujas cópias se juntaram, nesta data, aos autos de execução fiscal.
DOS FACTOS:
3. Todas as diligências levados a cabo pelo Serviço de Finanças de (...) no âmbito das diversas execuções fiscais instauradas ao longo do tempo para cobrança das dívidas da responsabilidade da executada, com o propósito de arrecadar os valores em falta, redundaram infrutíferas, pelo facto de, até final do ano de 2009, os devedores de créditos detidos por aquela não reconhecerem esses créditos a favor da mesma (vide print informático junto a fl. 12 que antecede, extraído da aplicação informática SIPE - Sistema Informático de Penhoras Electrónicas, do qual constam as respostas - negativas - ás comunicações da AT para penhora de créditos - obtidas junto dos diversos clientes), e, em data posterior a Dezembro de 2009, por não terem sido encontrados quaisquer bens ou direitos penhoráveis da titularidade da F (...) Lda., em consequência da operação de trespasse do seu estabelecimento comercial, ocorrida em 2009-12-23, com alienação total, quer dos activos da sua titularidade, quer dos passivos da sua responsabilidade (vide cópias que antecedem, de fis. 96 a 100);
4. Também do teor do relatório de inspecção tributária e seus documentos anexos extrai-se que os devedores identificados nos registos contabilísticos da executada com saldo a favor desta declararam nada dever, nalguns casos por já terem regularizado os débitos, noutros por não reconhecerem os débitos em registo (vide cópias que antecedem, a fls. 44, 50, 50 verso e 83 a 95);
5. Em consonância com a comprovada inexistência de bens e direitos da titularidade da executada, estão as declarações modelo 22 de IRC apresentadas pela mesma, referentes aos exercícios económicos de 2010 e de 2011, que patenteiam a sua total inactividade (vide cópias que antecedem, de fls. 17 a 27);
6. Consta do quadro 04-A, campo 45125 e do quadro 05041-A, campo A5420, ambos da declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) apresentada pela executada em 201140-28, com referência ao exercício económico de 2010, que o Balanço daquele ano apresentava um único activo - o saldo de depósitos à ordem no valor de € 108.289,02 (vide cópias que antecedem, de fls. 28 a 30);
7. No entanto, os extractos bancários obtidos no âmbito do procedimento inspectivo, após autorização de 2011-07-22 do Sr. Director Geral dos Impostos, referentes à única conta bancária da titularidade da executada, domiciliada no Banco …com o NIB n.º (…) não confirmaram a existência daquele saldo a favor da mesma (vide cópias que antecedem, a fis. 48 e 48 verso);
8. A F (...), Lda., contribuinte fiscal n.º (…), foi constituída sob a forma de sociedade comercial por quotas, com o objecto de “comercialização de produtos farmacêuticos - farmácia de oficina” em 30 de Junho de 1995, através de Contrato de Sociedade lavrado no Cartório Notarial de Lamego (vide cópias que antecedem, de fls. 54 a 64);
9. O documento de constituição evidencia que o capital social, num total de € 108.289,03 (cento e oito mil, duzentos e oitenta e nove euros e três cêntimos) foi integralmente subscrito pelos seus únicos sócios I., contribuinte fiscal n.º (...), e JC, contribuinte fiscal n.º (…), através das quotas nos valores respectivos de € 997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos) e de € 107.291,43 (cento e sete mil, duzentos e noventa e um euros e quarenta e três cêntimos);
10. Foi, também na mesma data, lavrado documento complementar ao contrato de sociedade, que estipulou, no seu art.º 7º, que “a gerência da sociedade e a sua representação em juízo ou fora dele pertence a um gerente, que poderá ser ou não sócio da sociedade, dispensado de caução e com ou sem remuneração conforme viera ser determinado pela Assembleia Geral”, tendo o art.º 8.º convencionado que “é permitido aos sócios fazerem-se representar nas Assembleias Gerais por pessoa que não seja sócio ou cônjuge, nem descendente, nem ascendente” (vide cópia do documento complementar que antecede, a fls. 61 e 62);
11. No entanto, nem daquele documento complementar, nem do Contrato de Sociedade, resultou a nomeação da gerência da sociedade;
12. Para indagar da nomeação de direito da gerência da executada, foi solicitada em 2012-04-16, à Conservatória do Registo Comercial de (...), cópia com valor de informação do teor da matrícula referente à sociedade executada nos autos, com todos os averbamentos efectuados, quer os actualmente em vigor, quer os que figuram em histórico;
13. Por vista aos averbamentos inscritos na matrícula da devedora originária na Conservatória do Registo Comercial, extrai-se que nunca foi formalizada qualquer nomeação de gerência da sociedade, pelo que seria, à partida, de concluir pelo efeito supletivo do art.º 191.º, n.º 1 do CSC, que confere a qualidade de gerente a todos os sócios (vide cópia que antecede, de fls. 65 a 79);
14. No entanto, verificamos terem os dois sócios da executada, identificados no ponto 4. que antecede, na mesma data de constituição da sociedade - 1995-06-30 - também no Cartório Notarial de, ratificado e subscrito uma Procuração devidamente autenticada, pela qual, em representação da F (...), Lda., constituíram JA. como bastante procurador da sociedade, “(…) a quem com os de subestabelecer dão e conferem poderes para trespassar o estabelecimento de farmácia denominado de “F (...)Lda” que a sua representada possui em (...), pelo preço e condições que entender e achar por conveniente, receber o preço do referido trespasse bem como assinar tudo o mais que se mostre necessário ao desenvolvimento do presente mandato, nomeadamente deliberar na própria escritura o trespasse.” (vide cópias da procuração e do respectivo termo de autenticação que antecedem, de fls. 80 a 82);
15. Por tal procuração conclui-se que JA. sempre deteve, de direito, desde a data de constituição da sociedade F (...) Lda., poderes de representação legal e efectiva da mesma;
16. Não obstante, tal nomeação de direito não determina a presunção do exercício da gerência de facto, pelo que se torna necessário comprovar inequivocamente o exercício efectivo da representação legal da devedora originária, para que o Órgão da Execução Fiscal possa accionar o instituto da reversão das dividas contra o(s) responsável(is) subsidiário(s) que comprovadamente exerceram, de facto, as funções de gerente(s);
17. Tal desiderato da prova do exercício da gerência de facto da devedora originária, por parte de JA., foi alcançado ainda no âmbito da acção inspectiva; que redundou na liquidação das dívidas ora em cobrança nestes autos, consubstanciando-se aquele exercício da gerência, nomeadamente, nos seguintes actos e documentos:
a) Teor dos extractos mensais de pagamentos efectuados pela, Factoring….. à F (...), Lda., entre 01 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2009, directamente transferidos para a conta bancária com o NIB n.º (…), domiciliada no Banco ….SA e titulada em exclusivo por JA, para a qual foram continuadamente canalizados os influxos financeiros decorrentes da actividade da executada, em detrimento da única conta bancária da titularidade desta, com o N1B n.º (…), que, no decurso daqueles três exercícios económicos revela saldos e movimentos manifestamente insignificantes, se comparados com o volume de negócios que resulta das próprias declarações de rendimentos da executada para os mesmos períodos (vide páginas 28 a 35 do relatório de inspecção cujas copias foram juntas aos autos de fls. 48 a 51 verso, que antecedem);
b) Documento dirigido em 2007-07-05, via fax, pelo Técnico Oficial de Contas A., a JA., pelo qual o primeiro forneceu ao segundo, no âmbito das suas competências de TOC e em manifesta inflexão de subordinação funcional, informação detalhada sobre a regularização de algumas dívidas fiscais e a pendência de outras, da responsabilidade da executada (vide cópias da comunicação via fax e respectivos anexos que antecedem, a fls. 126 e 127);
c) Reconhecimento, por parte do Técnico Oficial de Contas A., de JA. como o legítimo representante da F (...) Lda., até ao final do exercício económico de 2009, data em que ocorreu o trespasse do estabelecimento, conforme campo 1 do quadro 05 da declaração modelo 22 de IRC referente ao ano de 2009, cuja cópia integra os autos de fls. 13 a 16 que antecedem;
d) Comprovativos de diversos pagamentos de gastos correntes, como sejam os encargos com Taxa Social Única e de dívidas tributárias da responsabilidade da devedora originária, efectuados através da conta bancária pessoal do mesmo JA. (vide cópias dos documentos que antecedem, delis. 128 a 135);
e) Cópia de extracto bancário referente ao período compreendido entre 2008-02-01 e 2008-05-30, da conta com o NIB n.º (...), domiciliada no Banco SA e titulada pela devedora originária, o qual revela, não só um escasso número de movimentos, mas também, um saldo manifestamente insignificante se comparado com o volume de negócios realizado pela executada, factor a que não será alheia a circunstância de ter sido realizada em 2008- 03-28 uma transferência, no valor de e 5.650,62, a favor de JA. (vide cópia do documento que antecede, fl. 136);
f) Outorga, por parte de JA., em representação da F (...), Lda., da escritura de trespasse lavrada em 2009-12-23, no Cartório Notarial da Dr.ª (…), pela qual a executada deu de trespasse o seu estabelecimento comercial, compreendendo lodos os seus activos (onde se incluiu o Alvará n.º 3199 atribuído pelo Instituto Nacional de Farmácia e do Medicamento) à sociedade S., Lda., contribuinte fiscal n.º (...) (vide cópia da escritura de trespasse que antecede, de fls. 96 a 100);
g) Recebimento, por parte de JA., na qualidade de procurador da executada, do valor de € 1.700.0.00 (um milhão e setecentos mil euros), como forma de quitação do acto de outorga da escritura de trespasse de 2009-12-23, pelo qual a executada usufruiu da assumpção, por parte da adquirente, das dívidas por regularizar aos seus fornecedores (vide cópia da escritura de trespasse que antecede, de fls. 96 a 100);
h) Cópias dos meios de pagamento, emitidos por parte da adquirente do trespasse da executada, dos valores (os declarados na escritura, bem como os ocultos de terceiros) resultantes da operação concretizada pela escritura lavrada em 2009-12-23, emitidos nominalmente a favor de JA, como forma de quitação do negócio (vide cópias do cheque n.º 48000 do Banco, emitido em 2009-12-23, pelo valor de € 1.900.000,00, do cheque n.º 648935, da Caixa …., emitido em 2010-01-07, pelo valor de € 450.000,0000 e do cheque n.º 3900000004, também do Banco, emitido em 2010-03-23, pelo valor de € 102.660,00 juntas aos autos de fls. 116 a 119 que antecedem);
i) Teor das respostas de JC., sócio majoritário da executada (detentor de 99,08% do capital social), melhor identificado no ponto 4., ouvido nessa qualidade nos autos de declarações de 2011-03-03 e de 2011- 10-21, no âmbito do Despacho de Inspecção DI201100165 e das Ordens de Serviço n.º s 01201100188 e 01201100298 (vide cópias dos autos de declarações e dos respectivos anexos que antecedem, de fls. 83 a 95), o qual declarou:
I. A intervenção do inquirido como director técnico da F (...) Lda. era apenas formal, nunca tendo exercido, na prática, aquela função;
II. A quota no valor de € 107.291,43, correspondente a 99,08% da totalidade do capital social, foi-lhe atribuída ficticiamente, sendo que não realizou qualquer entrada, em dinheiro ou em espécie, para o capital da sociedade;
III. Tais formalismos advieram da necessidade de facilitar ao verdadeiro proprietário, identificado pelo declarante como sendo JA., o cumprimento dos requisitos impostos pelo regime jurídico do sector das farmácias;
IV. Por essa assunção formal do cargo de director técnico, o declarante auferia, mensalmente, uma remuneração de € 300,00;
V. Embora, formalmente investido da titularidade de sócio majoritário, nunca o declarante recebeu nenhum valor [pago pela sociedade executada] a título de distribuição de lucros, adiantamentos de lucros, nunca efectuou nenhuma retirada de dinheiro, nem nunca obteve nenhum empréstimo concedido pela sociedade;
VI. Os poderes de gestão e administração inerentes à actividade de exploração da farmácia eram exercidos por procuração pelo Dr. JA.;
VII. Afirmou, também, o declarante, nunca ter tido conhecimento [do teor] dos relatórios de gestão da F (...) Lda.;
VIII. Declarou, ainda, não ter conhecimento dos registos contabilísticos que reportam saldos devedores nos valores de € 1.848.769,76 em 2007-12-31, de € 1.950.719,41 em 2008-12-31 e de € 930.322,70 em 2009-12-31 numa conta [de registo contabilístico] em seu próprio nome, negando a existência de qualquer dívida da sua responsabilidade para com a executada;
IX. Identificou, também, JA. como a única pessoa responsável pela gestão de pagamentos a trabalhadores, fornecedores e prestadores de serviços;
j) Para que a Administração Tributária pudesse aferir da veracidade das declarações prestadas, nomeadamente no que respeita a eventuais beneficias económicos pagos pela devedora originária, ou com origem em réditos provenientes das operações económicas e financeiras por esta praticadas, o inquirido JC., contribuinte fiscal n.º (…) e a esposa MC., contribuinte fiscal n.º (…), deram a sua autorização expressa à Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu para aceder aos dados referentes a todas as contas bancárias da sua titularidade, no período compreendido entre 1995-06-30 e 2010-12-31 (vide cópia do documento que antecede a fl. 95);
k) Tais consultas confirmaram não ter o declarante recebido qualquer compensação financeira da F(...), Lda. que não fosse a remuneração mensal de 6 300,00 em contrapartida pela assunção meramente formal da propriedade da sociedade, tendo-se verificado que este sócio majoritário, que (ficticiamente) detinha 99,08% do capital social da devedora originária nunca recebeu, ao longo de mais de 15 anos de actividade, quaisquer dividendos pagos pela sociedade, embora os resultados por esta obtidos redundassem em lucros significativos;
1) As declarações acima transcritas sustentam e reforçam os indícios reunidos nos autos, cuja factualidade aponta para uma situação de propriedade fictícia da F (...)Lda, solução encontrada para contornar os requisitos legais impostos pelo regime jurídico do sector das farmácias que, até sua à reforma, operada por via da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, era limitador do acesso á propriedade, restringindo-a exclusivamente a farmacêuticos;
m) Pelo teor das respostas do gerente da sociedade S., Lda., contribuinte fiscal n.º (...) - adquirente do trespasse, com todos os activos inclusos, da titularidade da executada - Engenheiro L., contribuinte fiscal nº (…), ás questões formuladas pelo Inspector Tributário R., no âmbito das Ordens de Serviço n.º s 01201100188 e 01201100298, proferidas no Auto de Declarações de 2011-09-30, o inquirido declarou que o único representante legal da F (...), Lda. com quem interagiu no processo de negociação e conclusão da operação de trespasse foi JA., a favor de quem confirmou ler emitido os três meios de pagamento identificados na alínea h) que antecede, precisamente como forma de quitação daquele mesmo negócio (vide cópias do auto de declarações que antecedem, de fls. 120 a 125);
18. Para além do exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária nos autos, o mesmo JA constituiu-se como responsável subsidiário pelo pagamento do IRS que aquela lhe deveria ter retido aquando dos recebimentos de que foi beneficiário (vide cópias dos cheques emitidos em seu nome, juntos aos autos de fls. 116 a 119 que antecedem);
19. Do total dos montantes que o representante da executada recebeu aquando da escritura celebrada em 2009-12-23, o valor de € 2.252.660,00 deveria ter revertido para a esfera patrimonial da devedora originária, dado que o trespasse então alienado, com todos os activos incluídos, constituía o património titulado pela F (...), Lda. (vide cópias do auto de declarações de 2011-09-30 que antecedem, de fls. 120 a 125);
20. Conforme o declarado pelo representante legal da adquirente naquele negócio de trespasse, o somatório dos três cheques emitidos a favor de JA. serviu de contraprestação para a aquisição de todos os activos da Farmácia, assim como do imóvel onde a mesma desenvolvia a sua actividade - esse, sim, da titularidade de JA. - alienado pelo valor, convencionado entre as partes, de € 200,000,00;
21. Da mesma forma, JA. apropriou-se de valores auferidos pela devedora originária no âmbito da sua actividade de comercialização de produtos farmacêuticos, fazendo uso da sua qualidade de legal representante da mesma, para determinar que tais rendimentos da F (...), Lda. fossem directamente transferidos para uma conta bancária da sua titularidade pessoal, a qual servia para concretizar as operações financeiras da executada, em detrimento da conta bancária desta, o que permitia àquele ser o beneficiário imediato dos influxos financeiros com origem na actividade da sociedade, evitando, em simultâneo, ser sujeito a qualquer tributação sobre os rendimentos assim auferidos na sua esfera pessoal.

ANÁLISE ÀS ALEGAÇÕES DO REQUERENTE:
1. No que concerne à alegação de que nunca foi gerente de direito, inclusa nos n.º s 2 a 6, inclusive, do articulado da petição agora em análise:
a) Nada tem o Órgão da Execução Fiscal a objectar, nem tal facto exime o virtual revertido JA. da responsabilidade subsidiária antes projectada, já que, para que se possa ou deva lançar mão da figura da responsabilidade subsidiária de um administrador ou gerente de sociedade, basta que se verifique ter o mesmo exercido, de facto, as funções de administração ou gerência, não carecendo, para tal, a Administração Tributária, de comprovar ter-se verificado a sua nomeação de direito, de acordo com o art.º 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT);
b) A este propósito, constatou-se, pela certidão de teor da matrícula da executada na Conservatória do Registo Comercial de (...) (vide cópia inclusa nos autos de fls. 65 a 79) que, desde a data da sua constituição e até 2012-04-04, nunca tinha ocorrido qualquer nomeação formal de gerentes da devedora originária, não lendo, no entanto, essa lacuna de formalismos, impedido a sociedade de desenvolver normalmente a sua actividade;
c) Com efeito, só em Abril último ocorreu a primeira nomeação de gerente, em mais de 16 anos de existência da sociedade, na pessoa de JA., contribuinte fiscal n.º (...), o qual não pode, sequer, ser responsabilizado subsidiariamente pelas dívidas em cobrança nos autos, precisamente porque, quanto a ele, a Administração Tributária não detém uma única evidência do exercício da gerência de facto;
d) Diga-se, ainda, em abono da verdade, que este gerente de direito nada pode gerir, uma vez que, desde Dezembro de 2009, a sociedade executada não detém qualquer acervo patrimonial, nem sequer uma actividade, para serem geridos, conforme ele próprio reconhece em petições dirigidas aos autos.
2. Quanto aos pontos 2., 3., 4., 7., 8., al. b), 9. e 10, do articulado da petição, pelos quais o requerente refuta o exercício da gerência de facto da executada, contraditando que não se apropriou indevidamente das quantias do preço do trespasse, que agiu no estrito cumprimento dos poderes outorgados pelas procurações e que os actos que praticou produzem os seus efeitos na esfera jurídica dos gerentes de direito da sociedade, que outorgaram a procuração, concretizemos de acordo com a factualidade averiguada:
a) Constam dos autos evidências que JA. se apropriou continuadamente, pelo menos entre 01 de Janeiro de 2007 e, ininterruptamente, até 31 de Dezembro de 2009, dos valores que a empresa Factoring., no âmbito dos contratos vigentes entre ambas as sociedades, pagou à F (...), Lda., durante aqueles três exercícios económicos, directamente transferidos para a conta bancária com o NIB n.º (…), domiciliada no Banco SA e titulada em exclusivo por aquele JA., num somatório de e 2.089.809,53 (vide páginas 28 a 35 do relatório de inspecção cujas copias foram juntas aos autos de fls. 48 a 51 verso, que antecedem);
b) Com respeito à intervenção da Factoring. na actividade desenvolvida pela devedora originária, consta o seguinte no relatório de inspecção que deu origem às liquidações das dívidas em cobrança na execução (n.º 53. do articulado)
“53. Atente-se que a Factoring. SA adianta pontualmente às farmácias o valor das comparticipações que lhes são devidas pelo Serviço Nacional de Saúde, relativas aos fornecimentos do penúltimo mês, por contrapartida da cedência por parte da farmácia àquela sociedade de factoring dos seus créditos sobre o SNS, pelo respectivo valor nominal, relativos a comparticipações no preço dos medicamentos e outros produtos, nomeadamente dietéticos, dispensados pela farmácia aos utentes do SNS.”. No que respeita ao acto de celebração da escritura de trespasse, se foi lícito a JA., tornar seu, de imediato, O pecúlio, no montante de € 200.000,00, referente à alienação do imóvel pertencente à sua esfera patrimonial pessoal - espaço onde a executada desenvolvia a sua actividade - já a apropriação pelo mesmo consumada, com o beneplácito dos dois sócios alegadamente detentores da totalidade do capital social da devedora originária, do restante valor proveniente da operação de trespasse - € 2.252.660,00 - revela-se praticada ao arrepio das normas legais, seja do direito tributário, seja do direito societário (ainda que tal representação tenha sido conferida por procuração dos sócios) ofendendo, nomeadamente, o critério de diligência de um gestor/representante criterioso e ordenado, assim como os deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios (veja-se, a propósito, O art.º 64.º, n.º 1, al. s a) e b) do Código das Sociedades Comerciais);
Não consta do instrumento legal pelo qual foi constituído representante da executada para celebrar a escritura de trespasse, que JA. podia, ou devia, chamar a si, ou dar o destino que entendesse aos valores arrecadados pela executada nesse acto de alienação de todos os activos patrimoniais desta;
No entanto, isso não o impediu de decidir, por seu critério único e discricionário, com exclusão de outrem (nomeadamente da executada e dos sócios desta), sobre a aplicação de tais valores conforme lhe aprouve, em seu proveito próprio e em detrimento dos interesses da sociedade;
Veja-se, a título ilustrativo de uma situação de procuração de gerentes emitida em nome de terceiro, o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, exarado em 2001-05-09, no âmbito do Processo 025912, segundo O qual “A questão da eventual existência de uma procuração enquadra-se no apuramento do exercício de facto da gerência, pois pode ser considerada como unia forma indirecta desse exercício.”, referindo, ainda, o mesmo acórdão, que “A admitir-se que tenha havido exercício da gerência por procuração, com efeitos a produzirem relativamente ao mandante, não estará afastada a possibilidade de a actuação culposa que se entender necessária para justificar a responsabilidade subsidiária ser imputável directamente ao hipotético procurador”.
Aquela última apropriação (do produto do trespasse), não tendo sido O único acto do exercício da gerência de facto da executada, ocasionou, pela sua relevância na factualidade apurada, O facto mais determinante do recurso à figura da reversão das dívidas em cobrança nos autos - a inexistência de bens e/ou direitos penhoráveis da titularidade da devedora originaria - e teve como autor material o agora revertido JA.;
Tais apropriações, assim consumadas, comprovam, inequivocamente, o exercício de facto da gerência da devedora originária, por parte de JA. e sustentam, de forma indelével, as declarações de JC., sócio detentor de 99,08% do capital da sociedade (ficticiamente, nas suas próprias palavras) nos Auto de Declarações de 2011-03-03 e de 2011-10-21, que apontam para a ocultação da verdadeira titularidade da F (...)Lda, entre a data da sua constituição e a data da sua alienação à sociedade S., Lda., através da atribuição, de forma fictícia, a terceiros, dessa titularidade, compreendendo-se, assim, o facto de o declarante não ter efectuado qualquer entrada de capital para a empresa, apesar de deter, formalmente, a esmagadora maioria do capital social. A este propósito, versa assim o relatório de inspecção, nos n.º s 10 a 12 do articulado:
“10. A reforma e reorganização jurídica do sector das farmácias, instituída através do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, afasia as anteriores regras que restringiam a propriedade exclusivamente a farmacêuticos, introduzindo o principio de livre acesso à propriedade, por pessoas singulares e ou sociedades comerciais, com limitação à detenção ou exercício, de forma directa ou indirecta, da propriedade, exploração e ou gestão de quatro farmácias.
11. Este novo diploma reforça também as incompatibilidades, não podendo deter ou exercer, directa ou indirectamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de farmácias profissionais de saúde que prescrevam medicamentos, associações representativas do sector das farmácias, empresas de distribuição grossista de medicamentos, empresas da indústria farmacêutica, empresas privadas prestadoras de cuidados de saúde e subsistemas que comparticipam no preço dos medicamentos.
12. Saliente-se que, o anterior regime jurídico das farmácias de oficina, vigente até 2007-11-30, fomentou, ao longo do tempo, a criação de situações fictícias em relação à propriedade, por força de um regime extraordinariamente restritivo da transmissão de propriedade entre farmacêuticos.”;
I) As mencionadas situações de propriedade fictícia de farmácias decorriam, assim, das restrições impostas pelo regime imperante anteriormente à entrada em vigor do DL 307/2007, de 31 de Agosto, tendo o relatório de inspecção recolhido prova testemunhal que atesta ler JA. usado o artifício de criar uma sociedade com alvará de farmácia para desenvolver a sua actividade legitimamente adquirido, por fazerem parte dos seus Órgãos Sociais dois farmacêuticos (conforme cópias dos autos de declarações e dos respectivos anexos que antecedem, delis. 83 a 95);
J) Em decorrência de todas as evidências coligidas nos autos e antes enumeradas, pode o Órgão da Execução Fiscal concluir, consistentemente, pelo exercício da gerência de facto, por parte de JA., por ter este detido em sua disponibilidade os influxos financeiros resultantes da actividade da sociedade, o que lhe permitiu decidir e consumar o poder de determinar o destino a dar-lhes;
K) Aquele poder e esta consumação, exercidos de forma continuada, são evidências materiais que sustentam, incontestavelmente, o exercício da gerência de facto;
1) Com efeito, cada vez que JA. decidiu subtrair, conscientemente, à esfera patrimonial da devedora originária, os montantes por ela auferidos no âmbito da sua actividade económica, para os tornar seus e deles fazer uso diverso daquele que seria lícito - a sua aplicação na prossecução da actividade daquela - o mesmo praticou, ostensivamente, actos que configuram o exercício da gerência de facto;
m) Outrossim, sempre que, àqueles montantes, o agora revertido desse destino concordante ao interesse da sociedade, o que, comprovadamente, também aconteceu (vide, a título de exemplo, os pagamentos de tributos e de contribuições devidos pela executada e efectuados a partir da conta bancária da titularidade exclusiva de JA., juntos aos autos de fls. 128 a 135 que antecedem), tal não deixou de constituir o exercício, de facto, da gerência da devedora originária;
n) A matéria comprovada na execução, permite concluir ter JA exercido a gerência de facto da devedora originária, pelo menos entre Janeiro de 2007 e Dezembro de 2009, por ter sido o beneficiário directa das transferências da Factoring., legitimamente pertencentes à executada e por terem sido emitidos em seu nome os cheques cujas cópias foram inclusas nos autos de fls. 116 a I19 que antecedem, nunca tendo esses pecúlios revertido a favor da esfera patrimonial da sociedade aqui devedora originária, o que também permite contrariar a assertiva do requerente de que agiu no estrito cumprimento dos poderes outorgados pelas procurações]
De referir, ainda, no que concerne ao exercício, por parte do requerente, da gerência de facto da sociedade, que o Engenheiro L., contribuinte fiscal n.º (…), inquirido na qualidade de representante legal da sociedade S., Lda., contribuinte fiscal n.º (...), adquirente do estabelecimento comercial, com todos os activos inclusos, da F (...), Lda., declarou ao Inspector Tributário R., no âmbito das Ordens de Serviço n.º s 01201100188 e 01201100298, no Auto de Declarações de 2011-09-30, que o único representante legal da F (...), Lda. com quem interagiu no processo de negociação e conclusão da operação de trespasse foi JA., a favor de quem confirmou ter emitido os três cheques identificados e reproduzidos nos autos, precisamente como forma de quitação daquele mesmo negócio (vide cópias do auto de declarações que antecedem, delis. 120 a 125);
o) Por último, é de salientar que o art.º 252.º, n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) permite ao(s) gerente(s) (no caso concreto, sócios) ''nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula expressa.” - norma onde se enquadra a procuração subscrita pelos sócios em 1995-06-30 - e o facto de nem a executada, por interposto representante, nem os sócios daquela, subscritores da procuração, terem posto em crise os actos celebrados pelo requerente em representação da executada, vem legitimar o vínculo desta para com o procurador requerente, no que aqueles actos respeita, assumindo-os como seus, por os reconhecer como celebrados em seu nome (em homenagem e consonância com a douta decisão produzida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 544/10.6T2STC.S1, exarado em 2011-07-06).
3. Quanto ao ponto 8., al. a) do articulado da petição, pelo qual o requerente afirma que as declarações dos gerentes não são credíveis por falta de isenção, consta dos autos;
a) O único sócio (nunca nomeado gerente) ouvido no âmbito do procedimento inspectivo em 2011- 03-03 e em 2011-10-21, foi JC., sócio maioritário da executada, por deter 99,08% do capital social até 2012-03-08;
b) O mesmo afirmou que a quota no valor de € 107.291,43, correspondente a 99,08% da totalidade do capital social, foi-lhe atribuída ficticiamente, sendo que não realizou qualquer entrada, em dinheiro ou em espécie, para o capital da sociedade;
c) Afirmou, também, que tais formalismos advieram da necessidade de facilitar ao verdadeiro proprietário, identificado pelo declarante como sendo JA., o cumprimento dos requisitos impostos pelo regime jurídico do sector das farmácias;
d) Afirmou, ainda, que os poderes de gestão e administração inerentes à actividade de exploração da farmácia eram exercidos por procuração pelo Dr. JA.;
e) Mas, ao contrário do agora requerente, o então inquirido não se limitou fazer tais afirmações - sustentou-as documentalmente - e, a pedido do inspector tributário, o inquirido JC., contribuinte fiscal n.º (…), concedeu, conjuntamente com a esposa MC., contribuinte fiscal n.º (…), autorização expressa à Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu para aceder aos dados referentes a iodas as contas bancárias da sua titularidade, no período compreendido entre 1995-06-30 e 2010-12-31, tendo podido a Administração Tributária aferir da veracidade das declarações prestadas, nomeadamente no que respeita a eventuais beneficias económicos pagos pela devedora originária, ou com origem em réditos provenientes das operações económicas e financeiras por esta praticadas, tudo conforme cópia do documento que antecede a fl. 95;
f) Tais consultas bancárias confirmaram não ter o declarante recebido qualquer compensação financeira da F (...), L.da que não fosse a remuneração mensal de e 300,00 em contrapartida pela assunção meramente formal da propriedade da sociedade, lendo-se verificado que este sócio majoritário, que (ficticiamente) detinha 99,08% do capital social da devedora originária, nunca recebeu, ao longo de mais de 15 anos de actividade, quaisquer dividendos pagos pela sociedade, embora os resultados por esta obtidos redundassem em lucros significativos.
4. No que se refere aos pontos 9. e 10. do articulado da petição, onde se lê que é falso que JA. se tenha apropriada indevidamente das quantias do preço do trespasse e que JA. ... nunca auferiu qualquer salário da sociedade, extrai-se dos autos a seguinte factualidade:
a) A conta bancária com o N113 n,º (…), domiciliada no Banco SA e titulada, em exclusivo, por JA., foi destinatária, entre 01 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2009, do somatório de € 2,089.809,53, proveniente de transferências ordenadas pela empresa Factoring., no âmbito dos contratos vigentes com a F (...), Lda. (vide páginas 28 a 35 do relatório de inspecção cujas copias foram juntas aos autos de fls. 48 a 51 verso, que antecedem);
b) O mesmo JA. recebeu, como forma de quitação do negócio de trespasse do estabelecimento comercial da sociedade F (...), Lda., formalizado por escritura de 2009-12-23, três cheques emitidos nominalmente a seu favor, a saber: cheque n.º 4800000…, do Banco…., com data de 2009-12-23, pelo valor de € 1.900.000,00, cheque n.º 6489355…, da Caixa…., com data de 2010-01-07, pelo valor de € 450.000,00 e cheque n.º 3900000…, também do Banco ….., com data de 2010-03-23, pelo valor de € 102,660,00, cujas cópias se encontram juntas aos autos de fls. 116 a 119 que antecedem;
c) Todos os valores identificados nas alíneas a) e b) que antecedem passaram a figurar na disponibilidade do aqui requerente, com exclusão de outrem, a partir das datas identificadas nos meios de pagamento documentados nos autos;
d) Não constam dos autos, nem o requerente apresenta provas, de que tenha transferido, sequer parcialmente, aquele somatório, a favor da conta bancária da sociedade, ou a favor dos sócios então detentores do capital social, para que os mesmos pudessem decidir sobre o emprego de tais quantias, ou seja, para que pudessem exercer a gerência de facto da sociedade;
5. No que diz respeito à reivindicação do requerente, inserta no n.º 11 do articulado da petição, de que a Sociedade primitiva executada reclamou as liquidações e está ainda a correr o prazo para a eventual suspensão dos processos executivos, foi exarado despacho em 2012-07-04, no âmbito da presente execução, pelo qual foi fundamentadamente indeferido o pedido de suspensão dos autos, da qual decisão se promoveu, já, a necessária notificação dirigida ao representante legal da executada;
6. Quanto ao alegado no n.º 12 do articulado da petição, pelo qual afirma o requerente que as alegadas dívidas de IRS nunca podem ser revertidas contra JA.: o art. 28º da LGT e art. 103º do CIRS não permitem a reversão contra o beneficiário, caso se trate de tributação por retenção na fonte em termos definitivos (como é o caso, com a tributação de dividendos) e desde que a sociedade tenha deduzido as quantias em causa - o que foi feito, pois essas verbas foram-lhe exigidos e a matéria penal associada assume que a sociedade releve tais quantias, não se encontra qualquer veracidade em tais argumentos:
a) Por um lado, desconhece este Órgão da Execução Fiscal a existência, bem como a respectiva factualidade inerente, de um processo penal envolvendo os factos apurados nos presentes autos, sendo que, ao alegar a existência de tal processo penal, o requerente tinha a obrigação de juntar os documentos que o comprovassem e, não o tendo feito, acabou por prejudicar a sua defesa;
b) Por outro lado, a afirmação de que a sociedade reteve tais quantias, nada de novo vem acrescentar aos autos, porque, se tais retenções foram efectivadas, a sociedade incorreu na falta de entrega das respectivas prestações tributárias à Administração Fiscal, prestações essas que lhe estão a ser exigidas, precisamente, por meio da presente execução e seus apensos;
c) Mas ainda aqui, o requerente volta a preterir o seu direito de defesa, por não juntar ao requerimento os comprovativos das retenções que chama à colação, bem como os respectivos documentos de quitação das prestações recebidas da parte da executada devedora originária.
7. Quanto à última alegação, ínsita no n.º 13 do articulado da petição, pela qual a Administração fiscal não fez prova dos pressupostos em que se estriba a reversão - e o ónus compete-lhe: seja da gerência de facto, seja da culpa de JA. no não pagamento do imposto e ou diminuição do património, não pode o Órgão da Execução Fiscal acompanhar, porque constam dos autos:
a) Provas do exercício da gerência de facto da executada, por parte de JA.
I. Teor dos extractos mensais de pagamentos efectuados pela Factoring…. à ...), Lda., entre 01 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2009, directamente transferidos para a conta bancária com o NIB n.º (…), domiciliada no Banco SA e titulada em exclusivo por JA., para a qual foram continuadamente canalizados os influxos financeiros decorrentes da actividade da executada, em detrimento da única conta bancária da titularidade desta, com o N1B n.º (...) (vide páginas 28 a 35 do relatório de inspecção cujas copias foram juntas aos autos de fls. 48 a 51 verso, que antecedem);
II. Documento dirigido em 2007-07-05, via fax, pelo Técnico Oficial de Contas AF., a JA., pelo qual o primeiro forneceu ao segundo, no âmbito das suas competências de TOC e em manifesta inflexão de subordinação funcional, informação detalhada sobre a regularização de algumas dívidas fiscais e a pendência de outras, da responsabilidade da executada (vide cópias da comunicação via fax e respectivos anexos que antecedem, a fls. 126 e 127):
III. Reconhecimento, por parte do Técnico Oficial de Contas AF., de JA. como o legítimo representante da F (...) Lda., até ao final do exercício económico de 2009, data em que ocorreu o trespasse do estabelecimento, conforme campo 1 do quadro 05 da declaração modelo 22 de IRC referente ao ano de 2009, cuja cópia integra os autos de fls. 13 a 16 que antecedem;
IV. Comprovativos de diversos pagamentos de gastos correntes, como sejam os encargos com Taxa Social Única e de dívidas tributárias da responsabilidade da devedora originária, efectuados através da conta bancária pessoal do mesmo JA. (vide cópias dos documentos que antecedem, de fls. 128 a 135):
V. Outorga, por parte de JA., em representação da F (...), Lda., da escritura de trespasse lavrada em 2009-12-23, no Cartório Notarial da Dr.ª (…), pela qual a executada deu de trespasse o seu estabelecimento comercial, compreendendo todos os seus activos (onde se incluiu o Alvará n.º 31… atribuído pelo Instituto Nacional de Farmácia e do Medicamento) à sociedade S., Lda., contribuinte fiscal n.º (...) (vide cópia da escritura de trespasse que antecede, de fls. 96 a 100):
VI. Recebimento, por parte de JA., na qualidade de procurador da executada, do valor de € 1.700.000,00 (um milhão e setecentos mil euros), como forma de quitação do acto de outorga da escritura de trespasse de 2009-12-23, pelo qual a executada usufruiu da assumpção, por parte da adquirente, das dívidas por regularizar aos seus fornecedores (vide cópia da escritura de trespasse que antecede, de fls. 96 a 100):
VII. Cópias dos meios de pagamento, emitidos por parte da adquirente do trespasse da executada, dos valores (os declarados na escritura, bem como os ocultos de terceiros) resultantes da operação concretizada pela escritura lavrada em 2009-12-23, emitidos nominalmente a favor de JA., como forma de quitação do negócio (vide cópias dos cheques Antes identificados, juntas aos autos de fls. 116 a 119 que antecedem);
VIII. Teor das respostas de JC., sócio maioritário da executada (detentor de 99,08% do capital social), melhor identificado no ponto 4., ouvido nessa qualidade nos autos de declarações de 2011-03-03 e de 2011-10-21, no âmbito do Despacho de Inspecção n.º 131201100165 e das Ordens de Serviço n.º s 01201100188 e 01201100298 (vide cópias dos autos de declarações e dos respectivos anexos que antecedem, de fls. 83 a 95):
IX. Teor das respostas de L., na qualidade de gerente da sociedade adquirente do trespasse, com todos os activos inclusos, da titularidade da executada, proferidas no Auto de Declarações de 2011-09-30, que identificou o aqui requerente como único representante legal da F (...), Lda. com quem interagiu no processo de negociação e conclusão da operação de trespasse e a favor de quem confirmou ter emitido os três meios de pagamento identificados e quantificados nos autos, como forma de quitação do negócio (vide cópias do auto de declarações que antecedem, de fls. 120 a 125):
b) Provas da responsabilidade de JA. pelo não pagamento dos tributos em falta e pela diminuição do património da devedora originária:
I. Apropriação continuada, com exclusão de outrem (nomeadamente da executada e dos respectivos sócios), entre 01 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2009, por parte do requerente, dos valores que a empresa Factoring….., no âmbito dos contratos vigentes entre ambas as sociedades, pagou à F (...), Lda., durante aqueles três exercícios económicos, directamente transferidos para a conta bancária com o N1B n.º (...), domiciliado no Banco, SA e titulada em exclusivo por JA., num somatório de € 2.089.809,53, conforme documentos juntos aos autos de fs. 48 a 51 verso, que antecedem, a qual apropriação impediu que a executada pudesse dispor de meios financeiros para efectuar os pagamentos das prestações tributárias em falta;
II. Apropriação, com exclusão de outrem (executada e respectivos sócios) consumada pelo requerente, do valor de € 2.252.660,00, proveniente da operação de trespasse do estabelecimento comercial da titularidade da executada, pelo qual negócio aquele formalizou, em representação desta, a alienação de todo o património (factualidade que configura culpa pela inexistência de bens da executada) que poderia, eventualmente, contribuir para a obtenção de rendimentos que possibilitassem à executada a regularização dos tributos e outras obrigações em falta, senda que a apropriação do produto do negócio impediu, também, a executada, de dispor de recursos para pagar as prestações tributárias em dívida nos autos.
DECISÃO
Em face da factualidade informada e comprovada nos autos, depois de constatada a inexistência de bens da titularidade da devedora originária, conforme, respectivamente, art.º 159.º e art.º 153.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), decido:
Reverter contra o responsável subsidiário JA., contribuinte fiscal n.º (...), as dívidas da responsabilidade da devedora originária F (...) Lda., contribuinte fiscal n.º (...), referentes a pagamentos em falta detectados e apurados pela Inspecção Tributária, de retenções na fonte de IRS referentes aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, nos valores respectivos de € 37.780,73, € 40.508,00, € 39.702,32 e € 450.532,00, com os fundamentos previstos para os casos de substituição tributária, quando o substituído é subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram, nos termos conjugados do art.º 103.º, n.º 3 do Código do IRS (C1RS) e dos art.ºs 23.º e 28.º, n.º 3, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), bem como reverter contra o mesmo responsável subsidiário as dívidas da responsabilidade daquela devedora originária, referentes aos correspondentes Juros Compensatórios dos mesmos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, nos valores respectivos de € 7.166,95, € 6.068,43, € 4.355,29 e € 30.830,78, nos termos conjugados dos art.ºs 23.º e 24.º, n.º 1, alínea a), ambos da Lei Geral Tributária (LGT), por verificados e comprovados nos autos os pressupostos legais do exercício das funções de gerente de facto, por parte do agora revertido, ao qual é imputável, conforme igualmente demonstrado e provado nos autos, a culpa pela inexistência de bens da titularidade da devedora originária, para a satisfação de tais dividas, os quais pressupostos não foram sustentadamente contrariados pelo revertido.
Perante a incontornável diversidade de pressupostos legais aplicáveis no accionamento da responsabilidade subsidiária, entre a presente execução e apensos e o processo executivo n.º 2682 2012 0100045.4, considerando, igualmente, ter sido indeferido o pedido de arresto de bens do responsável subsidiário, para assegurar a cobrabilidade da divida de IRC do ano de 2009, em cobrança nesta última execução, decido, ainda, indeferir a pretensão formulada pelo requerente na al. b) da sua petição, em consideração ao preceituado no art.º 179.º, n.º 3 do CPPT
Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação do executado por reversão, através de extracção do Mandado de Citação, nos termos do artigo 160.º do CPPT, tendo em atenção o disposto no art.º 191.º, n.º 3 do mesmo código, para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu, sem juros de mora nem custas (art.º 23.º, n.º 5 da LGT).
Mais deverá ficar ciente, pelo teor da citação, do indeferimento do pedido de apensação das execuções, da qual decisão poderá reclamar, em prazo não superior a 10 (dez) dias, por petição a dirigir ao Merit.º Doutor Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, nos lermos e para os efeitos consignados no art.º 276.º e seguintes do CPPT.
Deverão integrar a citação, por anexos, a cópia integral do presente despacho, as cópias de iodas as certidões relativas às dívidas em cobrança na execução, bem como a cópia, já inclusa nos autos, do relatório da Inspecção Tributária que originou as respectivas liquidações.”
- cfr. fls. 45/54 dos autos.
3. Em 30/06/1995, I.I e JC., na qualidade de legais representantes da sociedade “F (...), Lda.”, emitiram procuração a favor do Oponente, pela qual lhe conferiram poderes para “trespassar o estabelecimento de farmácia denominado de “F (...)Lda” que a sua representada possui em (...), pelo preço e condições que entender e achar por conveniente, receber o preço do referido trespasse, bem como assinar tudo o mais que se mostre necessário ao desenvolvimento do presente mandato, nomeadamente deliberar na própria escritura o trespasse”. - cfr. fls. 55/56 dos autos.
4. Com data de 16 de Outubro de 1989, JC. emitiu procuração a favor do Oponente, pela qual constituiu seu bastante procurador o Oponente, “ao qual confere os necessários poderes em direito permitidos podendo receber quaisquer importâncias de custas de parte assinando os correspondentes recibo e ainda os especiais para confessar, desistir ou transigir em qualquer ação em que ele mandante seja autor, réu ou de qualquer modo interessado e que diga respeito à atividade farmacêutica e no tocante, direta ou indiretamente à exploração da indústria e comércio da F (...)Lda, situada na Rua (…), em (...), devendo, porém substituir-se por advogado ou procurador habilitado, sempre que tendo de usar destes poderes, podendo gerir, administrar a atividade da mencionada F (...)Lda, podendo emitir e despedir empregados e trabalhadores celebrar com eles quaisquer contratos, proceder à cobrança de quaisquer importâncias e satisfazer o pagamento das que sejam devidas, representar o mandante em qualquer repartição pública e administrativa e perante qualquer entidade ou autoridade, designadamente nas repartições de finanças, conservatórias do registo predial e comercial, ~aras municipais e cartórios notariais e aí requerer quaisquer atos de registo e seus averbamentos, mapas, manifestos, registos e verbetes estatísticos, recibos, escrituras e quaisquer outros documentos necessários ao cumprimento deste mandato e ainda para prometer ceder e trespassar a F (...)Lda., pelo preço, clausulas e condições que entender, receber a importância do preço, requerendo e assinando e praticando tudo quanto necessário for aos indicados fins.” - cfr. fls. 58/59 dos autos.
5. Em 23 de Dezembro de 2009, o Oponente como primeiro outorgante, na qualidade de procurador e em representação da sociedade “F (...), Lda.”, como segundos outorgantes, L., A. e I., na qualidade de únicos sócios e em representação da Sociedade (...), Lda., celebraram escritura de trespasse os seguintes termos:
O primeiro Outorgante, aqui Oponente, declarou “que a sociedade sua representada é dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial destinado ao exercício da actividade de exploração de farmácia, instalado no rés-do-chão, fração “C”, do prédio urbano sito na Rua (…), sob a firma “F (...), Lda.”.
Que por esta escritura e em nome da sua representada, dá de trespasse à representada dos segundos outorgantes, o referido estabelecimento, pelo preço de um milhão e setecentos mil euros, que o primeiro outorgante, na qualidade em que outorga, declara ter. já recebido.
(…)
Que a representada do primeiro outorgante obriga-se a assumir perante a representada dos segundos outorgantes, todas as responsabilidades que venham a surgir de quaisquer dividas originadas até à data do presente contrato, designadamente, dívidas à segurança social ou finanças, exceptuando dívidas acima mencionadas a fornecedores.
Disseram os segundos outorgantes:
Que para a sua representada aceitam o presente trespasse nas condições atrás exaradas...” - cfr. fls. 59/62 dos autos.
6. Em 06 de Março de 2012, I., JC., na qualidade de sócios gerentes da sociedade, “F (...), Lda.”, respetivamente primeira e segundo outorgante, e ainda na qualidade de únicos sócios da mesma sociedade, celebraram contrato de compra e venda de quota, pelo qual venderam a JA. as quotas que detinham na sociedade “F (...), Lda.” - cfr. fls. 261/266 dos autos
7. As quantias exequendas nos processos executivos a que aludem os presentes autos foram pagas pelo Oponente na qualidade de responsável subsidiário da devedora originária “F (...), Lda.”, em Dezembro de 2013 - cfr. fls. 222 a 234 e 324 a 335 dos autos.
8. Com data de 23/12/2009, a sociedade S., Lda., emitiu o cheque sobre o Banco ….n.º 4800000…, no montante de € 1.900.000,00, à ordem de JA. - cfr. fls. 122 do PA anexo aos autos.
9. Com data de 23/03/2010, a sociedade S., Lda., emitiu o cheque sobre o Banco ….n.º 3900000….no montante de € 102.660,00 ordem de JA. - cfr. fls. 123 do PA anexo aos autos.
10. Com data de 04/01/2010, a sociedade S., Lda., emitiu o cheque sobre a Caixa ……n.º 6489355…., no montante de € 450.000,00, à ordem de JA. - cfr fls 124 do PA anexo aos autos.
11. Nos termos do auto de declarações prestadas por L., na qualidade de sócio gerente da sociedade S., Lda., afirmou que quem representou a sociedade F (...), Lda. no processo de negociação com a sociedade de trespasse do estabelecimento comercial daquela farmácia, foi o Dr. JA., excluindo dessa negociação os sócios de direito daquela sociedade Dr.ª I. e do Dr. JC. e que o valor total da operação foi de € 3.291.732,82, que corresponde à soma do valor atribuído à operação de trespasse e que consta da escritura no montante de € 1.700.000,00, com o valor assumido pela S., Lda. as dívidas a fornecedores na F (...)Lda., àquela data no montante de € 1.039.072,82 e os montantes pagos no âmbito da operação de trespasse no valor de € 450.000,00 e de € 102.660,00, que por determinação do Dr. JA. não foram considerados na escritura e que pagou ainda € 200.000,00 ao Dr. JA. no âmbito da operação de compra do prédio urbano onde se encontrava a funcionar o estabelecimento de farmácia e que pertencia ao seu património pessoal, pelo que não se encontram incluídos no valor da operação de trespasse - cfr. fls. 126 a 130 do PA anexo aos autos.
12. O Oponente procedeu às negociações para o trespasse do estabelecimento de farmácia detido pela F...)Lda., celebrou o contrato e arrecadou a receita resultante de tal trespasse - cfr. depoimento das testemunhas JC, R. e FM.
13. O Oponente exercia o controlo financeiro e social da sociedade F (...)Lda. - Cfr. depoimento das testemunhas JC. e FM..
14. O Oponente não satisfez os créditos da Administração Tributária por os considerar indevidos e ilegais - cfr. depoimento de JMV.
15. O Oponente recebia informação pelo seu filho MV., da necessidade de serem efetuadas compras para a F (...)Lda. - cfr. depoimento de MV.
16. A devedora originária reclamou da decisão do Serviço de Finanças de (...) que indeferiu o seu pedido de isenção de prestação de garantia na execução a que aludem os presentes autos, que deu origem ao processo n.º 403/12.8 BEVIS, tendo sido proferida decisão de tal reclamação em 30/10/2012, onde se decidiu:
“(…) Sobre o efectivo destino do preço obtido com o trespasse é questão que pode e deve ser apreciada noutra sede. Sempre se dirá que a reclamante não indicou qualquer prova sobre o assunto.
O que se vem de dizer contraria o núcleo da argumentação da Reclamante para defender a verificação do “prejuízo irreparável e a ausência de culpa pela insuficiência ou ausência de bens.
Em conclusão temos que a existência de arresto, ainda que dependente de decisão a proferir em oposição, constitui, até ao seu montante, garantia na execução onde ele foi ordenado e executado e não se provou que a reclamante não tenha tido culpa na insuficiência ou ausência de bens.”
- Por dever de ofício, cfr. resulta de consulta ao SITAF no âmbito do processo n.º 403/12.8 BEVIS, que correu lermos no TAF de Viseu, decisão que não foi objeto de recurso.
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3.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não há outros factos a considerar com interesse para a decisão.
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3.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, (artigo 76.º, da Lei geral Tributária e artigo 362.º e sgs. do Código Civil).
O tribunal ponderou ainda os depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento, nomeadamente para prova dos pontos 12 e 13 dos factos dados como provados, cujo depoimento foi prestado de forma espontânea e esclarecida, tendo a Testemunha MS. referido que executa a contabilidade do Oponente e das sociedades em que intervém há mais de vinte anos e disse desconhecer a intervenção do Oponente no âmbito da FLda (...) e que apenas foi consultado por este para verificar a declaração de rendimentos da farmácia e que nunca detetou nas contas do Oponente valores provenientes do trespasse daquela farmácia.
A testemunha MV., que afirmou ser filho do Oponente disse que veio a adquirir as quotas da sociedade da F (...)Lda. aos sócios Dra. I. e Dr. JC., afirmando ainda que estabelecia contactos coma regularidade com a Drª. I. que entre outros assuntos lhe transmitia a necessidade de serem compradas algumas “coisas” no Porto, o que a testemunha transmitia ao Oponente, seu Pai. Que entendeu que a aquisição das quotas da sociedade seria um bom negócio na medida em que tendo a sociedade um crédito sobre o seu Pai proveniente do trespasse da farmácia, iria, ainda que mais tarde, receber tal crédito porquanto ele pertencia à sociedade cujas quotas adquiriu e não executou o crédito porque sabia que os correspondentes valores se destinariam, em primeira linha a satisfazer responsabilidades perante a AT ou outros credores e que o Oponente não satisfez o crédito da AT por o considerar indevido e ilegal.
Por sua vez a testemunha R., afirmou ser irmão do Oponente e que nunca ouviu falar da F (...) Lda.a não ser na parte final, numa viagem que com o como Oponente fez ao Porto em que falaram do assunto e aconselhou o Oponente a salvaguardar-se como fiel depositário das quantias que resultassem do trespasse de modo a garantir o pagamento de eventuais responsabilidades da sociedade que detinha a farmácia. Afirmou também que foi duas ou três vezes com o Oponente à F(...)Lda, em que este em tais deslocações efetuou reuniões com a Drª. I., a que a testemunha não assistiu, findas as quais regressaram e nunca viu o Oponente a emitir ordens no âmbito da gestão da sociedade e que o Oponente lhe referiu que emprestou dinheiro à Dr.ª I. e ao Dr. JC., tendo, como garantia obtido procuração para poder trespassar o estabelecimento da farmácia.
Por fim, referiu que participou num almoço em Viseu com o Dr. JC. a pedido do sobrinho.
Quanto às testemunhas MF. e EG., o seu depoimento cingiu-se às funções que exercem enquanto secretária e administrativa em sociedade do Oponente, afirmando que não conheciam o negócio da F (... Lda), nem efetuaram qualquer trabalho nesse âmbito.
Todas as testemunhas anteriormente referidas mencionaram que o Oponente é responsável pela gestão de vários negócios de combustíveis, gás e eletrodomésticos.
Quanto à testemunha JC., enquanto sócio da sociedade detentora do estabelecimento objeto de trespasse, afirmou que o Oponente lhe solicitou para ser sócio da sociedade que detinha a farmácia, mas não comprou nada nem pediu dinheiro para o efeito, recebia € 300,00 por mês, mas nunca exerceu na prática a propriedade da farmácia e que apenas uma vez por ano era contactado pela Dr.ª I. para assinar a ata da Assembleia Geral. Referiu ainda que foi contactado pelo Oponente, que lhe transmitiu que ia vender a farmácia e após isso deixou de receber o vencimento, afirmando que o Oponente era o verdadeiro proprietário da farmácia a favor de quem emitiu procuração pela qual lhe conferiu todos os poderes, bem assim que o Oponente não podia figurar como proprietário de direito por não ter habilitação para o efeito, tendo a testemunha assumido de direito essa propriedade a solicitação do Oponente. Que foi Diretor Técnico da farmácia até 1995 e daí em diante desistiu dessa função e passou a ser sócio, por último, referiu que foi contactado pelo Oponente para que vendesse as suas quotas ao filho do Oponente por 1.000,00, concluindo que a sociedade e o oponente eram uma só pessoa.
Finalmente, a testemunha AM., Inspetor Tributário, corroborou o que resulta do relatório de inspeção à contabilidade da sociedade F (...), Lda., bem assim que o Oponente procedeu a todas as negociações com vista ao trespasse do estabelecimento de farmácia cujo produto da venda foi pelo Oponente arrecadado e que das reuniões ocorridos com o Oponente e o TOC da sociedade, sempre foi assumido que o Oponente era, de facto, o gerente da sociedade F (...), Lda., que era quem dirigia toda a política financeira e social da sociedade, tendo o Oponente, nos anos de 2007, 2008 e 2009, arrecadado os réditos da sociedade de factoring o que foi constatado pela informação bancária que foi obtida no âmbito da inspeção tributária.
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II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a decisão sobre recurso padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente.
Começa o Recorrente por imputar à sentença recorrida a nulidade por omissão de pronúncia, por não ter conhecido a questão da suficiência dos bens da primitiva executada, atenta a existência de um crédito sobre terceiros – no caso, sobre o aqui Recorrente -, que oportunamente invocou na sua Petição Inicial.
Vejamos.
Tal como se dispõe no n.º 1 do art. 125.º do CPPT, a “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva aprecia” é uma das causas de nulidade da sentença no contencioso tributário, tendo esta disposição paralelo no processo civil no disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
Há muito que se encontra pacificado – na jurisprudência e na doutrina – o conceito de omissão de pronúncia, que diz respeito, tão só, às situações em que falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou de direito da decisão.
É o que resulta, por exemplo, do Acórdão do STA proferido em 2020-04-20, no proc. 02145/12.5BEPRT 01190/17 (disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta), no qual se sumaria “Nos termos do preceituado no citado art. 615, n.º 1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras “razões” ou “argumentos”) que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei)”.
Com efeito, nesta matéria, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores afirma reiteradamente que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cf. Acórdão do STA proferido em 2012-09-19, no proc 0862/12, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Por conseguinte, só haverá omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cf. Acórdão do STA proferido em 2014-05-28, no proc. 0514/14, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Ora, o que se constata é que na sentença em crise não deixou de se apreciar a questão suscitada pelo Recorrente, ali Oponente, da ilegalidade do despacho de reversão.
Não se pode, por isso, concluir que a mesma omita, em absoluto a indicação dos respetivos fundamentos de facto ou de direito.
Assim sendo, a circunstância de ali se ter considerado que seria suficiente concluir pela existência da efetiva gerência de facto para sustentar o despacho de reversão e manter a execução relativamente ao aqui Recorrente deve ser reconduzida a um erro de julgamento de direito, que será apreciado adiante.
Não se verifica, por isso, a alegada nulidade por omissão de pronúncia.
Prosseguindo na apreciação do recurso, tem precedência lógica a apreciação dos erros de julgamento de facto que o Recorrente pretende assacar à sentença.
Com efeito, vem o Recorrente nas conclusões 7 a 11 das suas alegações de recurso alegar que, na sua tese, está provado no processo, “por testemunhas e confissão das partes (quer do devedor [o recorrente], quer do credor [o atual gerente da Sociedade]), que o recorrente negociou o trespasse (nos termos previstos na procuração) e que recebeu as quantias do trespasse, de forma precária e provisória, a título de fiel depositário, por acordo com a Sociedade, apenas para assegurar que a Sociedade mantinha os valores necessários para honrar eventuais compromissos futuros perante fornecedores e Finanças”; que “os depoimentos do Dr. JC. (sócio-gerente da Sociedade) nada provam contra o recorrente” pois seria “o principal interessado na incriminação fiscal do recorrente, para com isso se esquivar da sua responsabilidade subsidiária fiscal, como gerente da Sociedade” e o “testemunho indireto (V. afirma que a Dr. I. lhe disse ... e que o recorrente lhe assegurou ... ) não possui qualquer valor probatório”; que quando “se diz [a testemunha] que o recorrente não procedeu ao pagamento destas dívidas fiscais por as considerar indevidas e ilegais - não se está a referir à sua qualidade de gerente de facto da Sociedade, mas de revertido a título pessoal. Não está a representar a Sociedade; mas a falar de um ato privado da sua própria esfera jurídica (enquanto devedor pessoal destas dívidas, por efeito da reversão)”; e por fim, que (…) “a gerência da Sociedade (via V.) pronunciou-se sobre o tema, optando por não pagar as liquidações, por falta de liquidez da Sociedade.”
Pretende assim imputar à sentença erro de julgamento de facto na sua vertente de erro na apreciação da prova, que consiste no “erro de avaliação de um concreto meio de prova, i.e., um erro sobre os factos que estão representados por um dado meio de prova” (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 31), no caso, a prova testemunhal produzida nos autos.
Sucede que o legislador impõe ao Recorrente um ónus muito particular no que diz respeito à fundamentação do recurso no que se refere à impugnação da decisão relativa à matéria de facto (cf. art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT), que encontra a sua razão de ser na necessidade imperiosa de garantir o direito ao contraditório, por um lado, e por outro, de salvaguardar “a rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não permite recursos genéricos contra a matéria de facto” (cf. GERALDES, António Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luis Filipe Pires de – Código de Processo Civil Anotado. Vol. I. 2.ª edição, reimpressão. Coimbra: Almedina, 2020, págs. 797-798).
Assim, resulta do disposto no art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cf. n.º 1).
Mais resulta da citada disposição, que no que diz respeito à identificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, quando os mesmos tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [cf. alínea a) do n.º 2].
Ora, não tendo o Recorrente cumprido com o ónus de especificação constante no supracitado art. 640.º, n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, é rejeitado o seu recurso no segmento atinente ao erro de julgamento de facto.
Retomando agora o alegado pelo Recorrente nos pontos 1, 2 e 24 das conclusões do seu recurso, e afastada que está a nulidade ali alegada, há que apreciar da existência de erro de julgamento de direito.
Alega o Recorrente, em síntese, que não existe a fundada insuficiência de bens penhoráveis do primitivo executado, que possui créditos sobre terceiros, de valor superior à dívida exequenda e de reconhecida consistência e valor económico, que no despacho de reversão já se conhecia este ativo e que por sua intervenção, como procurador, conseguiu diligenciar para que a Sociedade fizesse um trespasse de estabelecimento, arrecadando mais de 2,4 milhões de euros, pelo que a Sociedade tinha assim património mais do que suficiente para cumprir estas obrigações fiscais (cf. pontos 1, 2 e 24 das conclusões do seu recurso).
Desde já se antecipa que quanto a esta questão há que dar razão ao Recorrente.
Senão, vejamos.
O Recorrente alega que a devedora originária possuía património mais do que suficiente para garantir e satisfazer os créditos tributários em causa, pois possuía um crédito sobre o Recorrente em montante muito superior às quantias revertidas, crédito esse comprovado na Sentença (nos factos provados 8 a 11), por confissão (na sua PI, nos respetivos arts. 75.º e ss.) e na própria fundamentação do ato de reversão (na pág. 15 da Sentença, pontos 19 a 21).
Acrescenta que sendo responsabilidade dos gerentes por dívidas fiscais da sociedade meramente subsidiária (cf. art. 23.º, n.º 2 e art. 24.º da LGT), para que a reversão fosse legal, a ATA teria de ter concluído pela fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal, que no caso não existe, nem foi constatada.
Mais alega o Recorrente que a AT, aquando da reversão, já conhecia este ativo, ao afirmar e assumir que o Recorrente reteve o produto do trespasse do estabelecimento de farmácia ocorrido em 23 de dezembro de 2009.
De facto, assim é, pois o que resulta provado nos autos é que o aqui Recorrente, tendo sido mandatado pela devedora originária para trespassar o estabelecimento da farmácia (cf. ponto 3, da fundamentação de facto), recebeu e reteve o produto do trespasse efetuado em 23 de dezembro de 2009 (cf. ponto 5, da fundamentação de facto) no montante de EUR 2.252.660,00 (como, aliás, consta do próprio despacho de reversão) (cf. pontos 2, e 8 a 10 da fundamentação de facto) assim se constituindo devedor da sociedade nesse montante.
Sucede que para fundamentar a reversão da dívida, a inexistência de bens da executada para fazer face à divida exequenda era uma questão logica e necessariamente anterior à da verificação ou não da gerência de facto.
Dito por outras palavras, não podia a ATA avançar para a averiguação da responsabilidade do aqui Recorrente enquanto putativo gerente de facto da devedora originária (cf. n.º 1 do art. 24.º da LGT), sem que antes tivesse provado a “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal”, tal como expressamente decorre do disposto no n.º 2 do art. 23.º da LGT.
Não estava assim legitimada a dar início ao procedimento de reversão sem que antes demonstrasse a inexistência de bens da devedora originária.
Ora, não obstante nos pontos 3 a 7 do despacho de reversão se fazer alusão às tentativas infrutíferas da ATA para cobrar as dívidas exequendas, seja porque “os devedores de créditos detidos [pela executada] não reconhecerem esses créditos a favor da mesma”, ou por “não terem sido encontrados quaisquer bens ou direitos penhoráveis da titularidade da F (...) Lda., em consequência da operação de trespasse do seu estabelecimento comercial”, e ainda porque “os extractos bancários obtidos no âmbito do procedimento inspectivo (…) referentes à única conta bancária da titularidade da executada (…) não confirmaram a existência daquele saldo a favor da mesma”, o que se constata é que ali não é feita qualquer referência este crédito, da devedora originária sobre o aqui Recorrente.
De facto, nada ali é adiantado, seja sobre a existência deste crédito, seja sobre os motivos pelos quais o mesmo foi desconsiderado.
Ou seja, caso se tenha entendido que em causa não estava um crédito da Sociedade sobre o aqui Recorrente, designadamente, por se ter entendido que o mesmo era (o verdadeiro) proprietário da quantia em questão, tal entendimento sempre teria de ter sido explicitado e devidamente fundamentado.
De facto, e não obstante no extenso despacho de reversão (cf. ponto 2, da fundamentação de facto) se fazer alusão a um conjunto de factos que poderiam ter sustentado o levantamento da personalidade jurídica da sociedade devedora originária “F (...), Lda.” (a saber, pagamentos devidos à sociedade pela Factoring. feitos para a conta bancária do Recorrente, para a qual “foramcontinuamente canalizados os influxos financeiros decorrentes da atividade da executada”; transferência no valor de EUR 5.650,62 da devedora originária para o Recorrente, apresentando a conta da primeira “um saldo manifestamente insignificante se comparado com o volume de negócios realizado”; a passagem de uma procuração a favor do Recorrente pelo sócio JC., em 1989, muito antes da constituição da sociedade, em 1995, concedendo-lhe amplos poderes; as declarações prestadas pelo mesmo JC., afirmando que foi um mero testa de ferro do Recorrente, para “contornar os requisitos impostos pelo regime jurídico do sector das farmácias que então limitava o acesso à sua propriedade exclusivamente a farmacêuticos; a retenção do produto do trespasse pelo Recorrente, excedendo os poderes que lhe foram conferidos pelo mandato, não tendo o mesmo logrado provar nos autos que o fez com o acordo dos sócios da sociedade devedora; e por último, a aquisição em 6 de março de 2012 da totalidade das quotas da sociedade devedora originária ao filho do Recorrente, JA.) - e ainda que admitindo, por mera hipótese, a admissibilidade de tal construção jurídica nesta sede, para assim se concluir que o crédito em questão não existia (cf. neste sentido, designadamente, ente muitos outros, os Acórdão do STJ proferidos em 2002-10-15, no proc. 02A2216, em 2007-06-26, no proc. 07A1274, em 2011-05-12, no proc. 280/07.0TBGVA.C1.S1, em 2012-01-10, no proc. 434/1999.L1.S1, ou em 2017-11-07, no proc. 919/15.41t8PNF.P1.S1, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), a verdade é que nada ali é referido sobre o assunto, suportando-se o mesmo única e exclusivamente na gerência de facto por parte do Recorrente.
Ora, não tendo a ATA sustentado juridicamente a inexistência do crédito detido pela sociedade devedora originária sobre o aqui Recorrente – na verdade, nada diz sobre o assunto -, não cabe a este Tribunal substituir-se-lhe nessa matéria, tanto mais que a assim ser, ficaria o aqui Recorrente totalmente desprovido da tutela que lhe é conferida pelo direito a uma fundamentação adequada e contemporânea à atuação da administração, tal como resulta, desde logo, do disposto no n.º 3 do art. 268.º da CRP.
Pelo que é inquestionável que – e não tendo sido levantada a personalidade jurídica da sociedade “F (...), Lda.”, ou adiantada qualquer explicação que sustente outro entendimento – a sociedade detinha sobre o aqui Recorrente um crédito, resultante do produto do trespasse da farmácia, que o mesmo reteve, assim se constituindo devedor do mesmo perante a sociedade.
Mais é inquestionável que este facto antecede cronologicamente a emissão do despacho de reversão, sendo o trespasse e as circunstâncias em que foi efetuado referidas no despacho, ainda que dali não se retirem as devidas consequências quanto à existência do crédito.
Não podia por isso concluir-se no despacho de reversão, como sucedeu, pela “inexistência de bens penhoráveis da titularidade da devedora originária F (...) Lda., contribuinte fiscal n.º (...)” (cf. ponto 2, da fundamentação de facto).
Assim sendo, não resta senão concluir que o despacho de reversão é ilegal, por violar o disposto no n.º 2 do art. 23.º da LGT.
Tanto é quanto basta para que se conclua pela procedência do presente recurso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Recorrente no seu recurso [cf. n.º 2 do art. 608.º ex vi n.º 2 do art. 663.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
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Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, pelo presente recurso e na 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, visto que nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP).
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Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
No caso a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se atendendo a que conduta processual das partes na presente instância de recurso não é merecedora de qualquer censura ou reparo, sendo que o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida, e calculado sobre a base tributável de EUR 616.944,50 a que corresponde o valor da causa (cf. art. 97.º-A, n.º 3, do CPPT), revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.
Em face do exposto, deverá o remanescente da taxa de justiça ser desconsiderado nas custas do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
Para fundamentar a reversão da dívida, a demonstração da inexistência de bens da devedora original para fazer face à divida exequenda precede a verificação ou não da gerência de facto, pelo que não podia a ATA avançar para a averiguação da responsabilidade do aqui Recorrente enquanto putativo gerente de facto da devedora originária (cf. n.º 1 do art. 24.º da LGT), sem que antes tivesse provado a “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal”, tal como expressamente decorre do disposto no n.º 2 do art. 23.º da LGT.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a oposição judicial procedente, e, em consequência, declarar extinta execução fiscal n.º 2682201201000….e apensos relativamente ao aqui Recorrente.
Custas pela Entidade Recorrida em ambas as instâncias, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso.
Porto, 17 de fevereiro de 2021 - Margarida Reis (relatora) – Cláudia Almeida – Paulo Moura.