Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00771/08.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:CUSTAS
RESPONSABILIDADE DE CUSTAS
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:Decorre da interpretação do n.º 3 in fine e 4 do art.º 536.º do CPC que a regra, nestas situações, é a das custas serem da responsabilidade do autor, salvo se a inutilidade ou impossibilidade resultar de facto imputável ao réu, que nesse caso as pagará.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:V..., Lda.
Recorrido 1:Município do Porto
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO

A Recorrente, V..., Lda., notificada da sentença de 21.03.2017, em que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e a condenou em custas, não se conformou com o assim decidido, interpôs o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)1.° Não se conforma a Recorrente com a douta Sentença de fls. ... na parte em que, julgando extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, decide "Custas pela Autora (artigo 536°, n.° 3 do CC)", pois, com o devido respeito e salvo entendimento em contrário, se lhe afigura ela ilegal, entendendo que não terá sido feita uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso sub judice,

2.° Isto porque, a Recorrente veio, com recurso ao meio processual de intimação para um comportamento previsto no artigo 147° do CPPT, requerer "(...) a V. Exa. se digne deferir o presente requerimento, intimando o Município do Porto, nos termos do n.° 4 do artigo 147.° do CPPT, à prática do acto legalmente devido [decidir a reclamação graciosa. apresentada contra o acto de liquidação de taxas urbanísticas no montante global de € 561 372,09, praticado em 15.04.2003 no âmbito do processo de licenciamento n° 6360/01], em prazo a fixar segundo o prudente arbítrio de V. Exa., mas que se espera não superior a 30 dias, atenta a pretérita conduta procedimental do requerido e a manifesta invalidade do acto de liquidação." - ut requerimento inicial.

3.° A Reclamação sobre a qual, à data da propositura da Intimação, ainda não recaíra qualquer decisão havia sido apresentada pela Recorrente em 14.07.2003.

4.° Ora, já na pendência desta Intimação e após ser notificado para se pronunciar nos termos do n.° 4 do artigo 147° do CPPT, veio o Recorrido, em resposta, dizer que, por oficio datado de 15.05.2008, a sua Divisão Municipal da Receita havia notificado a Recorrente do acto de revisão de liquidação das taxas devidas pela emissão do alvará de licença de construção n.º 45/2003 - Cfr. Resposta a fls... de 21 de Maio de 2008 e doc. 2 junto com a mesma.

5.° Esse acto, qualificado de revisão, traduziu-se: a) na liquidação de taxas no montante de € 380 926,48; b) na intenção de devolução à Recorrente de € 180 445,61, correspondente à diferença entre as taxas então liquidadas e os montantes pagos pela Recorrente, a esse título, em 16.04.2003 - Cfr. Doc. 2 junto com a Resposta do Recorrido.

6.º A restituição à Recorrente da quantia de 180 445,61 veio a verificar-se por via de duas "Ordem de Pagamento", emitidas pelo Recorrido e datadas de 23 de Julho de 2008 - Cfr. doc. 1 e 2 juntos com o requerimento da Recorrente de 12 de Agosto de 2008.

7.° Com a prática desse acto entendeu o Recorrido ter cumprido com o omitido dever legal de decidir a Reclamação e requereu, sucessiva e repetidamente, a extinção dos presentes autos - ut diversos requerimentos do Recorrido.

8.° Proferida pelo Recorrido aquela decisão de 15.05.2008, a Recorrente apresentou Impugnação Judicial que correu termos pela 5ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.° 2120/08.4BEPRT, peticionando:

a) Ser declaro nulo o acto de indeferimento parcial da Reclamação, praticado pelo Município do Porto, com fundamento em violação do Direito de Audição Prévia e falta de fundamentação;

b) Caso assim não se entenda, ser anulado o mesmo acto de indeferimento parcial da Reclamação, praticado pelo Município do Porto, com fundamento em violação do Direito de Audição Prévia e falta de fundamentação;

c) Ser o acto de liquidação de taxas urbanísticas no montante de € 541.336,84 praticado pelo Município do Porto, no âmbito do Processo de Licenciamento nº 6360/01, anulado com fundamento na sua inconstitucionalidade e ilegalidade;

Sem prescindir,

d) Ser decidido haver lugar à obrigação pelo Município do Porto do pagamento de juros indemnizatórios, contados, nos termos atrás descritos, sobre é' 541.336,84, desde data do pagamento pela Impugnante da taxa liquidada e até ao efectivo ressarcimento da Impugnante, com as legais consequências;

Subsidiariamente,

e) Ser decidido haver lugar à obrigação pelo Município do Porto do pagamento de juros indemnizatórios, contados, nos termos atrás descritos, sobre 180 445,61, correspondente ao valor de capital já restituído pelo Município, desde data do pagamento pela Impugnante da taxa liquidada e até 02 de Setembro de 2008, com a legais consequências;

Em qualquer caso,

f) Condenando-se o Município do Porto no pagamento das custas e das demais despesas legais a que der causa por força destes autos.

i) E, por Sentença proferida nos identificados autos com o n.° 2120/08.4BEPRT, foi esta Impugnação julgada parcialmente procedente e, em consequência, decidiu o Tribunal:

a) Anula-se a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa da taxa urbanística (liquidada no âmbito do processo de licenciamento n.º 6360/01 na parte em que implicitamente indeferiu o pagamento de juros indemnizatórios e a anulação da taxa remanescentemente liquidada no montante de EUR 360.891,23, com fundamento na preterição do direito de audição prévia;

b) Anula-se a liquidação da taxa aplicada no âmbito daquele processo de licenciamento, pelo montante de EUR 360.891,23 [EUR 541.336,84 - EUR 180.445,61], com fundamento na inconstitucionalidade formal do regulamento que subjaz à aplicação daquele ato tributário, com a consequente condenação à restituição à Impugnante daquela importância

c) Reconhece-se o direito da impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios, por parte do Município, sobre a importância de EUR 180.445,61, contados desde a data de pagamento da taxa impugnada até às datas de emissão das notas de crédito que estiveram subjacentes à restituição da referida importância à Impugnante.

d)Julgam-se improcedentes os demais pedidos formulados pela impugnante, deles se absolvendo a Impugnada.

e) Condenam-se em custas as partes, na proporção do decaimento, que se fixa, respetivamente, em 1/3 e 2/3, a título de equidade, para Impugnante e Impugnada. - ut Sentença junta aos autos.

10.° Neste conspecto a Recorrente propôs contra o Município do Porto a presente acção de intimação para um comportamento, por incumprimento do dever legal de decidir por parte do então Réu, que não decidiu a reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de taxas urbanísticas praticado em 15.04.2003.

11.° Por outras palavras, a apresentação da Intimação para um comportamento visou que fosse o Recorrido intimado a cumprir o dever de decidir a reclamação graciosa oportunamente apresentada, pois que a abstenção por parte do Município de a decidir configura uma omissão de um dever, lesivo de direito ou interesse legítimo em matéria tributária (artigo 147.°, n.° 1 do CPPT) e é o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa (cfr. o n.° 2 do artigo 147.° do CPPT).

12.° O acto do Recorrido, de 15.5.2008, praticado na pendência da Intimação (verdadeiro acto de indeferimento parcial da reclamação de 14.07.2003), é um acto autonomamente sindicável, sendo que a respectiva (i)legalidade seria insusceptível de ser discutida no âmbito dos presentes autos de Intimação.

13.° Na sequência desse acto praticado pelo Município do Porto, à Recorrente não restava outra via processual para discutir da legalidade quer da decisão de Indeferimento parcial da Reclamação quer do acto de liquidação de € 360.891,23, que não fosse propor a Impugnação Judicial.

14.° Pelo que salvo o devido respeito, que é muito, erra o Tribunal a quo quando afirma que, no processo de impugnação judicial n.° 2120/08.4BEPRT "foi impugnada a liquidação das taxas urbanísticas, em causa nestes autos (...)".

15.° E erra porque, não só o que se discutiu em cada um dos processos (na Intimação para um comportamento e na Impugnação Judicial) é absolutamente distinto - até pela natureza dos mesmos - como se impunha à Recorrente fazer uso da Impugnação Judicial, meio processual adequado, para não precludir o seu direito de atacar a legalidade daquele acto de 15.05.2008.

16.° Dai que incorra em erro o Meritíssimo Juiz a quo quando, julgando verificada a inutilidade superveniente da lide face à procedência da Impugnação, decide não ser imputável à Ré essa inutilidade porquanto "a inutilidade decorre da decisão proferida em outra acção, proposta pela autora, que prejudicou o pedido aqui formulado" sendo que a "procedência daquela acção não constitui "satisfação voluntária da pretensão da autora, por parte do réu, não sendo de aplicar o n. ° 4, do normativo transcrito...".

17.° Isto porquanto nos presentes autos (de intimação), a Recorrente visou obter o cumprimento pelo Recorrido de dever de decidir, socorrendo-se aquela da Intimação a que alude o artigo 147° do CPPT para obter tal desiderato, consabido que é tratar-se de meio processual simplificado (integrado apenas por requerimento, resposta e decisão), com vista a obtenção da prestação devida (in casu a decisão da Reclamação Graciosa de 4.07.2003, ampliada em 23.4.2007).

18.° Ao invés, nos autos de Impugnação Judicial foi discutida e decidida a legalidade do indeferimento parcial da Reclamação Graciosa e, bem assim, da liquidação das taxas que emergiram do acto de 15.05.2008 - Cfr. Sentença proferida naqueles autos e junta aos presentes a fls...

19.° Por outras palavras, se num caso - o dos presentes autos - visava-se o cumprimento pelo Recorrido do dever legal de decidir a Reclamação de 2003, já no segundo dos processos -o da impugnação - visava-se a anulação do despacho de indeferimento ínsito na Decisão de 2008 e, bem assim, a anulação das taxas urbanísticas, com a consequente devolução das quantias pagas e ainda não reembolsadas, acrescidas de juros indemnizatórios, o que constituiu o objecto da Impugnação Judicial, meio processual a que alude o artigo 102° do CPPT (Impugnação Judicial) e imposto legalmente.

20.° E se a procedência desta segunda acção (Impugnação) tornou inútil o prosseguimento dos presentes autos, certo é que tal inutilidade sempre terá de ser imputável ao Recorrido, a ele cabendo a responsabilidade das custas.

21.° Seguindo a tese defendida pelo Município do Porto nos presentes autos, a Decisão proferida em 15.05.2008 (data em que a instância se havia já iniciado) consubstanciou no cumprimento do dever legal de decidir da Reclamação e, nessa medida, sempre terá de ser ele o responsável pela inutilidade e consequente pagamento das custas;

22.° Sendo certo que, a procedência da Impugnação Judicial 2120/08.4BEPRT, a ter qualquer virtualidade nos presentes autos, sempre terá de ser a de consubstanciar a satisfação da pretensão da Recorrente, com a consequente inutilidade dos presentes autos imputável ao Recorrido, a ele devendo ser assacada a responsabilidade pelo pagamento da totalidade das custas - n.° 3, in fine e n.° 4 do art° 536° do CPC.

23.° Na verdade, dispõe o n.° 4 do artigo 536° do CPC que: "Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n. ° 2 do artigo anterior e salvo, se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição de custas"

24.° Refira-se, desde logo, no que concerne à restituição pelo Município do Porto à Recorrente dos aludidos € 180 445,61, sempre este reembolso terá de configurar a satisfação "voluntária", ainda que parcial, da pretensão da Autora, pelo que a imputabilidade da inutilidade superveniente, pelo menos, nessa parte, sempre terá de ser feita ao Recorrido.

25.° Mas o legislador não pretendeu esgotar aos casos de satisfação voluntária o âmbito do citado preceito, e daí a utilização por ele da expressão "designadamente".

26.° Julga-se ser pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que o advérbio "designadamente" é meramente exemplificativo e não taxativo.

27.° Veja-se a este propósito, como muitos outros, o doutamente expendido no Acórdão do STA, de 15.05.2003, processo 01802/02, in www.dg.si.pt. O advérbio "designadamente" tem um sentido especificativo e indicativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto".

28.° Considerando o inegável carácter indicativo do plasmado no n. 4 do citado artigo 536° do CPC, aplicável ex vi art.° 2° do CPPT, é manifesto que o respectivo regime se aplica não só à situação de "satisfação voluntária" da pretensão da autora como às situações de satisfação obtida por via judicial.

29.° Em conclusão, a restituição em 2008 pelo Recorrido à Recorrente da quantia de € 180 445,61 (cento e oitenta mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos) e a Decisão na Impugnação Judicial que anulou o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e o acto de liquidação das taxas no montante de € 360.891,23 (trezentos e sessenta mil oitocentos e noventa e um euros e vinte e três cêntimos), com a condenação do Recorrido no pagamento de juros calculados sobre € 180 445,61, consubstanciam a satisfação da pretensão da Recorrente, pelo que sendo fundada a presente demanda no momento em que foi intentada e tendo-se tornado ela inútil por facto imputável ao Recorrido, deve ser este o responsável pelo pagamento das custas, nos termos conjugados da 2.ª parte do n.° 3 e do n.° 4 do artigo 536.° do CPC.

30.° Pelo que, o Exmo. Senhor Juiz a quo não só interpretou e aplicou erradamente a Lei, como subsumiu erradamente a situação aos normativos em causa, violando com a condenação em custas do aqui Recorrente os n°s 3 e 4 do art.° 536.° do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi art.° 2° do CPPT.

31.° Assim, deverá a Douta Sentença aqui em crise ser revogada na parte em que condenou em custas a aqui Recorrente, devendo sim ser condenada a Ré, ora Recorrida, em custas por lhe ser imputável a inutilidade superveniente da lide.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.S EX.ªS MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO:

Deve ser, por V.ªs Ex.ªs, dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença aqui em crise na parte em que condenou em custas a aqui Recorrente, devendo antes ser a Ré, ora Recorrida, condenada em custas por lhe ser imputável a inutilidade superveniente da lide. (…)”

O Recorrido - Município do Porto – contra alegou tendo formulado as seguintes conclusões:
A. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, ao condenar a sociedade então Autora, e aqui Recorrente, no pagamento das correspondentes custas processuais, com fundamento no preceituado na primeira parte do n.º 3 do artigo 536.º do Código de Processo Civil (“CPC”) aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, afigura-se, no entendimento da entidade Recorrida, justa, bem fundamentada e inatacável, demonstrando uma interpretação e aplicação exemplar das normas jurídicas por que se rege a questão vertente.
B. A questão que a Recorrente coloca no presente pleito reconduz-se à apreciação da sua responsabilidade pelo pagamento das custas processuais que, em sede decisória, lhe vem imputada, na sequência da declaração de extinção da instância judicial que subjaz por inutilidade superveniente da lide quanto ao seu objecto.
C. Ora, e contrariamente ao carreado pela sociedade Recorrente, não nos parece, desde logo, que do segmento decisório seja possível retirar a conclusão de que o Tribunal a quo confunde a natureza do processo de intimação que antecede com o objecto ínsito ao processo judicial de impugnação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º 2120/08.4BEPRT.
D. Isto porque a decisão ora sindicada, a par do contraponto que faz no respectivo relatório inicial entre o que foi peticionado no processo de intimação e no domínio do mencionado processo de impugnação judicial, clarifica, no decurso do seu dispositivo, que «(…) a sentença proferida no processo de impugnação judicial nº 2120/08.4BEPRT apreciou a liquidação que estava em discussão no procedimento de reclamação graciosa, cuja decisão a autora veio pedir que fosse o réu intimado a proferir.» [sublinhado do aqui Recorrido].
E. Ou seja, do teor da sentença ora em destaque resulta, de forma cristalina, que a questão central dos autos de intimação incidia, precisamente, na análise do eventual incumprimento daquele dever (de decidir a reclamação graciosa previamente deduzida) e consequente condenação do Município do Porto na adopção do comportamento alegadamente omitido.
F. Contudo, e como bem reconhece o Meritíssimo Juiz a quo, a análise da pretensão deduzida pela então Autora ficou prejudicada em face da prolação da sentença no âmbito do processo de impugnação que, ao anular a liquidação aí sindicada, «consome o pedido formulado nesta acção [na acção de intimação para um comportamento]», retirando, assim, utilidade aos autos que antecederam por perda do seu objecto.
G. Acompanhamos, assim, inteiramente e com a devida vénia, os fundamentos em que a sentença recorrida se alicerçou, que revelam uma adequada e correcta aplicação do Direito, como sempre se impunha, rejeitando a in tottum a subsunção do caso vertente ao preceituado no artigo 536.º, n.º 3 in fine e n.º 4 do CPC.
H. É que cumpre não perder de vista que a decisão proferida não chegou sequer a pronunciar-se sobre o mérito do pedido da Autora nem tampouco – note-se – sobre o pedido de extinção da instância requerido pelo aqui Recorrido, no decurso dos autos, em consequência da prolação de despacho que veio a decidir a Reclamação Graciosa apresentada.
I. Diversamente, resulta claro do respectivo teor, que a sentença recorrida vem balizada pelo circunstancialismo de, na pendência do processo de intimação, ter sido proferida decisão (no domínio da sobredita impugnação judicial) que, e nesta estrita medida, retira todo e qualquer efeito útil à prossecução dos seus ulteriores trâmites legais.
J. Pelo exposto, não se afigura perceptível de que forma seria legítimo responsabilizar o aqui Recorrido pelas correspondentes custas judiciais quando inexiste nexo causal entre a ocorrência da inutilidade decretada no domínio do processo que subjaz e a circunstância de, na sua pendência, ter sido proferida decisão expressa que se pronunciou sobre o pedido de Reclamação Graciosa previamente deduzido pela sociedade ora Recorrente.
K. Ademais, não é igualmente imputável ao Réu o facto – maxime, prolação de decisão no âmbito do processo de impugnação n.º 2120/08.4BEPRT – que veio retirar utilidade à lide [neste sentido, vd., entre outros, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 30/04/2015, proferido no âmbito do proc. n.º 01541/14.8BEPRT].
L. Não se compreende, pois, em que medida pode ao aqui Recorrido ser imputável a responsabilidade pelo pagamento das correspondentes custas processuais, no domínio da lide que subjaz.
M. Nesta medida, e salvo melhor opinião desse Venerando Tribunal, é inegável que o seu conteúdo, fundamento e sentido não merecem qualquer reparo ou censura, pelo que o presente recurso encontra-se, inevitavelmente, votado ao insucesso.
DESTES TERMOS, julgando-se o presente recurso não provado e improcedente, e confirmando-se na íntegra a douta sentença recorrida, com as legais consequências, far-se-á a Costumeira e Sã JUSTIÇA.

O Exmo. Procurador Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, a qual é delimitada pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao condenar em custas do processo a Autora, na sequência da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, não foi autonomizada a matéria de facto, sendo que dos autos decorre o seguinte:
1. Em 14.07.2003 foi apresentada reclamação (ent. 14239/03 de 14.07.2003) sobre o ato de liquidação de taxas de 16.04.2003, no valor de 561 372,09 € onde se solicita “corrigir a liquidação das taxas de urbanização e da licença de construção de acordo com os coeficientes adequados e em consequência, promover a devolução de € 200 480,86 paga em excesso” (cfr fls. 8/9 dos autos);
2. Em 23.04.2007, a Recorrente apresentou uma exposição dirigida ao Presidente da Câmara Municipal do Porto, reportando-se à entrada 14239/03 de 14.07.2003, referindo que não foi até à data dada qualquer resposta à reclamação insistindo no pedido (cfr fls. 11/15 dos autos);
3. Em 08.04.2008 a Recorrente propôs contra o Município do Porto a presente ação de intimação para um comportamento, na qual é peticionada a condenação do Município do Porto, à pratica de ato decisório no procedimento de reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de taxas urbanísticas, apresentada em 14.07.2003.
4. Em 15.05.2008, após a notificação para a presente processo em 02.05.2008, foi a Recorrente notificada pelo Município do Porto da revisão do ato de liquidação de taxas urbanísticas tendo sido determinado a restituição de 180 445,65 €, ato com o qual não se conformou tendo interposto impugnação judicial (fls. 44 dos autos);
5. Em 02.11.2016, foi deduzida a impugnação judicial nº 2120/08.4BEPRT, para aferir da legalidade do ato liquidação de taxas tendo sido proferida sentença a qual foi julgada parcialmente procedente e, em 02.11.2016 (fls.155/193).

4. JULGAMENTO DE DIREITO

A decisão judicial recorrida apenas é posta em causa pela Recorrente no segmento das custas, por entender que não da sua responsabilidade o respetivo pagamento.
O objeto do recurso consiste em saber se há erro de julgamento na condenação em custas no processo da Recorrente tendo por pressuposto a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Vejamos:
Preceitua o art.º 536.º do CPC, com epígrafe “repartição das custas” que: “1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.
2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.
3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas. “ (Destacado nosso).
Decorre da interpretação do n.º 3 in fine e 4 do art.º 536.º do CPC que a regra, nestas situações, é a das custas serem da responsabilidade do autor, salvo se a inutilidade ou impossibilidade resultar de facto imputável ao réu, que nesse caso as pagará.
Esta regra é inspirada, como refere Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, Almedina, 2009, página 82,pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o réu ou o demandado com o pagamento das custas da acção, por ele não ter dado origem ao facto determinante da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, o que constitui corolário do princípio da causalidade na sua formulação negativa.
Verifica-se uma situação de impossibilidade superveniente da lide, por exemplo, no caso de a pessoa que intentou a acção de denúncia do contrato de arrendamento para habitação própria haver falecido; e há inutilidade superveniente da lide, por exemplo, quando, durante a pendência da acção condenatória no pagamento de determinada quantia, o réu procedeu à entrega ao autor do montante pecuniário em causa.
No primeiro caso, o réu não suportará o pagamento das custas da acção, ainda que a tenha contestado, visto que o facto determinante da extinção da instância não lhe é imputável; no segundo, porque o acto de pagamento determinante da extinção de instância lhe é imputável, cabe -lhe realizar o seu pagamento (…)”.
No caso em apreço, a sentença declarou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide com os seguintes fundamentos:
“(…)Conforme consta dos autos (a fls. 155 e ss, do proc. físico), no processo de impugnação judicial nº 2120/08.4BEPRT, que corre termos neste Tribunal, foi impugnada a liquidação de taxas urbanísticas, em causa nestes autos, tendo já sido proferida sentença que conheceu da legalidade de tal liquidação.
Foi proferido despacho, determinando a notificação das partes para se pronunciarem relativamente à utilidade do prosseguimento da presente lide.
Ora, a sentença proferida no processo de impugnação judicial nº 2120/08.4BEPRT apreciou a liquidação que estava em discussão no procedimento de reclamação graciosa, cuja decisão a autora veio pedir que fosse o réu intimado a proferir.
Assim, a decisão proferida naquele processo consome o pedido formulado nesta acção, que ficou prejudicado, pelo que estes autos perderam utilidade, não devendo o presente processo prosseguir os seus termos.
Deve, deste modo, a presente instância ser extinta, por inutilidade superveniente da lide – art. 277º al. e) do Código de Processo Civil, ex vi art. 2º, al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. ”
Desde já se diga que a sentença recorrida, incorre em erro de julgamento. Resulta da matéria assente que em 14.07.2003 foi apresentada reclamação (ent. 14239/03 de 14.07.2003) sobre o ato de liquidação de taxas de 16.04.2003, no valor de 561 372,09 € onde se solicita “corrigir a liquidação das taxas de urbanização e da licença de construção de acordo com os coeficientes adequados e em consequência, promover a devolução de € 200 480,86 paga em excesso”.
Em 23.04.2007, a Recorrente apresentou uma exposição dirigida ao Presidente da Câmara Municipal do Porto, reportando-se à entrada 14239/03 de 14.07.2003, referindo que não foi até aquela data, não tinha sido dada qualquer resposta à reclamação insistindo no pedido.
Em 08.04.2008 a Recorrente propôs contra o Município do Porto a presente ação de intimação para um comportamento, na qual é peticionada a condenação do Município do Porto, à pratica de ato decisório no procedimento de reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de taxas urbanísticas, apresentada em 14.06.2003.
Em 15.05.2008, após a entrada da petição inicial e da notificação para responder ao presente processo, foi a Recorrente notificada pelo Município do Porto da revisão do ato de liquidação de taxas urbanísticas tendo sido determinado a restituição de 180 445,65 €, ato com o qual não se conformou tendo interposto impugnação judicial (nº 2120/08.4BEPRT em 02.11.2016, no qual proferida sentença que julgou parcialmente procedente).
Em 15.05.2008, o Município do Porto deu satisfação ao pedido que a Recorrente formulou no presente processo de intimação para um comportamento, pese embora com ele não se tenha concordado a Recorrente e impugnado judicialmente a liquidação.
Na verdade, resulta dos autos que na pendência do processo de intimação, foi proferida decisão pelo Município do Porto procedendo à revisão do ato de liquidação de taxas urbanísticas, o que retirou a utilidade ao presente processo.
O facto que determinou tal inutilidade é imputável ao Município do Porto, ora Recorrido e já que, tal facto (revisão da taxa urbanística e devolução de parte do valor pago) ocorreu em momento posterior à apresentação da petição inicial, da notificação para apresentação da respetiva oposição, pelo que as custas processuais, atendendo ao critério legalmente estabelecido nestas situações, não poderão deixar de ser imputadas à entidade requerida que assim as deve suportar, nos termos do n.º 3, in fine e 4 do artigo 536.º do CPC.
Assim, tendo a inutilidade superveniente do processo de intimação para um comportamento, (praticar ato de decisão em reclamação efetuada relativamente a taxas aplicadas pelo Município do Porto), ocorrido em momento posterior à apresentação da petição inicial e da notificação para apresentação da respetiva oposição, não se enquadra na regra geral de responsabilidade do autor pelas custas constante do artigo 536.º, n.º 3, do CPC, uma vez que traduz um evento imputável ao réu, aqui Recorrido.
E é esta a jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente do STA acórdão n.º 0141/13 de 02.10.2013, (Secção Contencioso Tributário) 049/17 de 28.09.2017 (Secção Contencioso Administrativo) Acórdão do TCAN 01541/14.8BEPRT de 30.04.2015, e do TCAS 09274/16 de 18.02.2016.
Destarte, assiste razão à Recorrente quando sustenta que, no caso em apreço, a responsabilidade por custas cabe ao Município do Porto por força do n.º 4 do art.º 536.º do CPC, uma vez que a extinção da instância, decorre da satisfação voluntária, ainda que parcial das pretensão da Autora, pelo que procede o recurso.

E assim formulamos a seguinte conclusão:
Decorre da interpretação do n.º 3 in fine e 4 do art.º 536.º do CPC que a regra, nestas situações, é a das custas serem da responsabilidade do autor, salvo se a inutilidade ou impossibilidade resultar de facto imputável ao réu, que nesse caso as pagará.

5. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conferência, em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença na parte apelada e condenar em custas a Recorrida
Custas a cargo da Recorrida.
Porto, 22 de março de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Cristina Travassos Bento