Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00771/08.6BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 03/22/2018 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Paula Moura Teixeira |
Descritores: | CUSTAS RESPONSABILIDADE DE CUSTAS INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE |
Sumário: | Decorre da interpretação do n.º 3 in fine e 4 do art.º 536.º do CPC que a regra, nestas situações, é a das custas serem da responsabilidade do autor, salvo se a inutilidade ou impossibilidade resultar de facto imputável ao réu, que nesse caso as pagará.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | V..., Lda. |
Recorrido 1: | Município do Porto |
Decisão: | Concedido provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, V..., Lda., notificada da sentença de 21.03.2017, em que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e a condenou em custas, não se conformou com o assim decidido, interpôs o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…)1.° Não se conforma a Recorrente com a douta Sentença de fls. ... na parte em que, julgando extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, decide "Custas pela Autora (artigo 536°, n.° 3 do CC)", pois, com o devido respeito e salvo entendimento em contrário, se lhe afigura ela ilegal, entendendo que não terá sido feita uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso sub judice, 2.° Isto porque, a Recorrente veio, com recurso ao meio processual de intimação para um comportamento previsto no artigo 147° do CPPT, requerer "(...) a V. Exa. se digne deferir o presente requerimento, intimando o Município do Porto, nos termos do n.° 4 do artigo 147.° do CPPT, à prática do acto legalmente devido [decidir a reclamação graciosa. apresentada contra o acto de liquidação de taxas urbanísticas no montante global de € 561 372,09, praticado em 15.04.2003 no âmbito do processo de licenciamento n° 6360/01], em prazo a fixar segundo o prudente arbítrio de V. Exa., mas que se espera não superior a 30 dias, atenta a pretérita conduta procedimental do requerido e a manifesta invalidade do acto de liquidação." - ut requerimento inicial. 3.° A Reclamação sobre a qual, à data da propositura da Intimação, ainda não recaíra qualquer decisão havia sido apresentada pela Recorrente em 14.07.2003. 4.° Ora, já na pendência desta Intimação e após ser notificado para se pronunciar nos termos do n.° 4 do artigo 147° do CPPT, veio o Recorrido, em resposta, dizer que, por oficio datado de 15.05.2008, a sua Divisão Municipal da Receita havia notificado a Recorrente do acto de revisão de liquidação das taxas devidas pela emissão do alvará de licença de construção n.º 45/2003 - Cfr. Resposta a fls... de 21 de Maio de 2008 e doc. 2 junto com a mesma. 5.° Esse acto, qualificado de revisão, traduziu-se: a) na liquidação de taxas no montante de € 380 926,48; b) na intenção de devolução à Recorrente de € 180 445,61, correspondente à diferença entre as taxas então liquidadas e os montantes pagos pela Recorrente, a esse título, em 16.04.2003 - Cfr. Doc. 2 junto com a Resposta do Recorrido. 6.º A restituição à Recorrente da quantia de 180 445,61 veio a verificar-se por via de duas "Ordem de Pagamento", emitidas pelo Recorrido e datadas de 23 de Julho de 2008 - Cfr. doc. 1 e 2 juntos com o requerimento da Recorrente de 12 de Agosto de 2008. 7.° Com a prática desse acto entendeu o Recorrido ter cumprido com o omitido dever legal de decidir a Reclamação e requereu, sucessiva e repetidamente, a extinção dos presentes autos - ut diversos requerimentos do Recorrido. 8.° Proferida pelo Recorrido aquela decisão de 15.05.2008, a Recorrente apresentou Impugnação Judicial que correu termos pela 5ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.° 2120/08.4BEPRT, peticionando: a) Ser declaro nulo o acto de indeferimento parcial da Reclamação, praticado pelo Município do Porto, com fundamento em violação do Direito de Audição Prévia e falta de fundamentação; b) Caso assim não se entenda, ser anulado o mesmo acto de indeferimento parcial da Reclamação, praticado pelo Município do Porto, com fundamento em violação do Direito de Audição Prévia e falta de fundamentação; c) Ser o acto de liquidação de taxas urbanísticas no montante de € 541.336,84 praticado pelo Município do Porto, no âmbito do Processo de Licenciamento nº 6360/01, anulado com fundamento na sua inconstitucionalidade e ilegalidade; Sem prescindir, d) Ser decidido haver lugar à obrigação pelo Município do Porto do pagamento de juros indemnizatórios, contados, nos termos atrás descritos, sobre é' 541.336,84, desde data do pagamento pela Impugnante da taxa liquidada e até ao efectivo ressarcimento da Impugnante, com as legais consequências; Subsidiariamente, e) Ser decidido haver lugar à obrigação pelo Município do Porto do pagamento de juros indemnizatórios, contados, nos termos atrás descritos, sobre 180 445,61, correspondente ao valor de capital já restituído pelo Município, desde data do pagamento pela Impugnante da taxa liquidada e até 02 de Setembro de 2008, com a legais consequências; Em qualquer caso, f) Condenando-se o Município do Porto no pagamento das custas e das demais despesas legais a que der causa por força destes autos. i) E, por Sentença proferida nos identificados autos com o n.° 2120/08.4BEPRT, foi esta Impugnação julgada parcialmente procedente e, em consequência, decidiu o Tribunal: a) Anula-se a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa da taxa urbanística (liquidada no âmbito do processo de licenciamento n.º 6360/01 na parte em que implicitamente indeferiu o pagamento de juros indemnizatórios e a anulação da taxa remanescentemente liquidada no montante de EUR 360.891,23, com fundamento na preterição do direito de audição prévia; b) Anula-se a liquidação da taxa aplicada no âmbito daquele processo de licenciamento, pelo montante de EUR 360.891,23 [EUR 541.336,84 - EUR 180.445,61], com fundamento na inconstitucionalidade formal do regulamento que subjaz à aplicação daquele ato tributário, com a consequente condenação à restituição à Impugnante daquela importância c) Reconhece-se o direito da impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios, por parte do Município, sobre a importância de EUR 180.445,61, contados desde a data de pagamento da taxa impugnada até às datas de emissão das notas de crédito que estiveram subjacentes à restituição da referida importância à Impugnante. d)Julgam-se improcedentes os demais pedidos formulados pela impugnante, deles se absolvendo a Impugnada. e) Condenam-se em custas as partes, na proporção do decaimento, que se fixa, respetivamente, em 1/3 e 2/3, a título de equidade, para Impugnante e Impugnada. - ut Sentença junta aos autos. 10.° Neste conspecto a Recorrente propôs contra o Município do Porto a presente acção de intimação para um comportamento, por incumprimento do dever legal de decidir por parte do então Réu, que não decidiu a reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de taxas urbanísticas praticado em 15.04.2003. 11.° Por outras palavras, a apresentação da Intimação para um comportamento visou que fosse o Recorrido intimado a cumprir o dever de decidir a reclamação graciosa oportunamente apresentada, pois que a abstenção por parte do Município de a decidir configura uma omissão de um dever, lesivo de direito ou interesse legítimo em matéria tributária (artigo 147.°, n.° 1 do CPPT) e é o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa (cfr. o n.° 2 do artigo 147.° do CPPT). 12.° O acto do Recorrido, de 15.5.2008, praticado na pendência da Intimação (verdadeiro acto de indeferimento parcial da reclamação de 14.07.2003), é um acto autonomamente sindicável, sendo que a respectiva (i)legalidade seria insusceptível de ser discutida no âmbito dos presentes autos de Intimação. 13.° Na sequência desse acto praticado pelo Município do Porto, à Recorrente não restava outra via processual para discutir da legalidade quer da decisão de Indeferimento parcial da Reclamação quer do acto de liquidação de € 360.891,23, que não fosse propor a Impugnação Judicial. 14.° Pelo que salvo o devido respeito, que é muito, erra o Tribunal a quo quando afirma que, no processo de impugnação judicial n.° 2120/08.4BEPRT "foi impugnada a liquidação das taxas urbanísticas, em causa nestes autos (...)". 15.° E erra porque, não só o que se discutiu em cada um dos processos (na Intimação para um comportamento e na Impugnação Judicial) é absolutamente distinto - até pela natureza dos mesmos - como se impunha à Recorrente fazer uso da Impugnação Judicial, meio processual adequado, para não precludir o seu direito de atacar a legalidade daquele acto de 15.05.2008. 16.° Dai que incorra em erro o Meritíssimo Juiz a quo quando, julgando verificada a inutilidade superveniente da lide face à procedência da Impugnação, decide não ser imputável à Ré essa inutilidade porquanto "a inutilidade decorre da decisão proferida em outra acção, proposta pela autora, que prejudicou o pedido aqui formulado" sendo que a "procedência daquela acção não constitui "satisfação voluntária da pretensão da autora, por parte do réu, não sendo de aplicar o n. ° 4, do normativo transcrito...". 17.° Isto porquanto nos presentes autos (de intimação), a Recorrente visou obter o cumprimento pelo Recorrido de dever de decidir, socorrendo-se aquela da Intimação a que alude o artigo 147° do CPPT para obter tal desiderato, consabido que é tratar-se de meio processual simplificado (integrado apenas por requerimento, resposta e decisão), com vista a obtenção da prestação devida (in casu a decisão da Reclamação Graciosa de 4.07.2003, ampliada em 23.4.2007). 18.° Ao invés, nos autos de Impugnação Judicial foi discutida e decidida a legalidade do indeferimento parcial da Reclamação Graciosa e, bem assim, da liquidação das taxas que emergiram do acto de 15.05.2008 - Cfr. Sentença proferida naqueles autos e junta aos presentes a fls... 19.° Por outras palavras, se num caso - o dos presentes autos - visava-se o cumprimento pelo Recorrido do dever legal de decidir a Reclamação de 2003, já no segundo dos processos -o da impugnação - visava-se a anulação do despacho de indeferimento ínsito na Decisão de 2008 e, bem assim, a anulação das taxas urbanísticas, com a consequente devolução das quantias pagas e ainda não reembolsadas, acrescidas de juros indemnizatórios, o que constituiu o objecto da Impugnação Judicial, meio processual a que alude o artigo 102° do CPPT (Impugnação Judicial) e imposto legalmente. 20.° E se a procedência desta segunda acção (Impugnação) tornou inútil o prosseguimento dos presentes autos, certo é que tal inutilidade sempre terá de ser imputável ao Recorrido, a ele cabendo a responsabilidade das custas. 21.° Seguindo a tese defendida pelo Município do Porto nos presentes autos, a Decisão proferida em 15.05.2008 (data em que a instância se havia já iniciado) consubstanciou no cumprimento do dever legal de decidir da Reclamação e, nessa medida, sempre terá de ser ele o responsável pela inutilidade e consequente pagamento das custas; 22.° Sendo certo que, a procedência da Impugnação Judicial 2120/08.4BEPRT, a ter qualquer virtualidade nos presentes autos, sempre terá de ser a de consubstanciar a satisfação da pretensão da Recorrente, com a consequente inutilidade dos presentes autos imputável ao Recorrido, a ele devendo ser assacada a responsabilidade pelo pagamento da totalidade das custas - n.° 3, in fine e n.° 4 do art° 536° do CPC. 23.° Na verdade, dispõe o n.° 4 do artigo 536° do CPC que: "Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n. ° 2 do artigo anterior e salvo, se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição de custas" 24.° Refira-se, desde logo, no que concerne à restituição pelo Município do Porto à Recorrente dos aludidos € 180 445,61, sempre este reembolso terá de configurar a satisfação "voluntária", ainda que parcial, da pretensão da Autora, pelo que a imputabilidade da inutilidade superveniente, pelo menos, nessa parte, sempre terá de ser feita ao Recorrido. 25.° Mas o legislador não pretendeu esgotar aos casos de satisfação voluntária o âmbito do citado preceito, e daí a utilização por ele da expressão "designadamente". 26.° Julga-se ser pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que o advérbio "designadamente" é meramente exemplificativo e não taxativo. 27.° Veja-se a este propósito, como muitos outros, o doutamente expendido no Acórdão do STA, de 15.05.2003, processo 01802/02, in www.dg.si.pt. O advérbio "designadamente" tem um sentido especificativo e indicativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto". 28.° Considerando o inegável carácter indicativo do plasmado no n. 4 do citado artigo 536° do CPC, aplicável ex vi art.° 2° do CPPT, é manifesto que o respectivo regime se aplica não só à situação de "satisfação voluntária" da pretensão da autora como às situações de satisfação obtida por via judicial. 29.° Em conclusão, a restituição em 2008 pelo Recorrido à Recorrente da quantia de € 180 445,61 (cento e oitenta mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos) e a Decisão na Impugnação Judicial que anulou o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e o acto de liquidação das taxas no montante de € 360.891,23 (trezentos e sessenta mil oitocentos e noventa e um euros e vinte e três cêntimos), com a condenação do Recorrido no pagamento de juros calculados sobre € 180 445,61, consubstanciam a satisfação da pretensão da Recorrente, pelo que sendo fundada a presente demanda no momento em que foi intentada e tendo-se tornado ela inútil por facto imputável ao Recorrido, deve ser este o responsável pelo pagamento das custas, nos termos conjugados da 2.ª parte do n.° 3 e do n.° 4 do artigo 536.° do CPC. 30.° Pelo que, o Exmo. Senhor Juiz a quo não só interpretou e aplicou erradamente a Lei, como subsumiu erradamente a situação aos normativos em causa, violando com a condenação em custas do aqui Recorrente os n°s 3 e 4 do art.° 536.° do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi art.° 2° do CPPT. 31.° Assim, deverá a Douta Sentença aqui em crise ser revogada na parte em que condenou em custas a aqui Recorrente, devendo sim ser condenada a Ré, ora Recorrida, em custas por lhe ser imputável a inutilidade superveniente da lide. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.S EX.ªS MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO: Deve ser, por V.ªs Ex.ªs, dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença aqui em crise na parte em que condenou em custas a aqui Recorrente, devendo antes ser a Ré, ora Recorrida, condenada em custas por lhe ser imputável a inutilidade superveniente da lide. (…)” O Recorrido - Município do Porto – contra alegou tendo formulado as seguintes conclusões: 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Neste domínio, não foi autonomizada a matéria de facto, sendo que dos autos decorre o seguinte: Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conferência, em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença na parte apelada e condenar em custas a Recorrida |