Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01625/08.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS, PRESSUPOSTOS
Sumário:1- Nos termos do art. 83º, nº 2 da LGT a avaliação indirecta, que é subsidiária da avaliação directa, visa determinar o valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos em poder da administração fiscal. Estipula o art. 87º da LGT, que a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto. Tal impossibilidade, nos termos do disposto no art. 88º, alíneas a) a d) da LGT, pode resultar de uma inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou da existência manifesta de discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado através dos quais seja patente uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável.

2- A decisão de tributação por métodos indirectos tem de especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável competindo à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, atestando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àqueles métodos se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que e levaram a concluir nesse sentido (art. 74º, nº 3 e 77º, nº 4 da LGT).

3- A AT ao referir exclusivamente como fundamento do recurso ao métodos indirectos as divergências das margens brutas sobre as vendas da recorrida, em relação às médias do sector, conjugado com o facto de se ter detectado a falta de contabilização de 92.807 frangos, num universo de 2.039.290. Ora, estes fundamentos, sozinhos ou em conjunto, não são hábeis a preencher a previsão da norma (art. 88º, al. d) da LGT), uma vez que, não mostram reveladores de uma capacidade contributiva superior à declarada. Isto porque, nem a divergência em relação às margens do sector (que, diga-se, são margens brutas), nem a omissão na contabilidade de cerca de 5% da mercadoria adquirida revelam uma maior capacidade da recorrida para pagar impostos, para se chegar a essa conclusão, impunha-se que a AT na sua actividade instrutória tivesse encetado diligências que levassem a concluir que a recorrida tinha uma capacidade contributiva superior à espelhada na sua contabilidade, uma vez que o afastamento das margens brutas do sector pode ter um qualquer outro fundamento, como por exemplo, má gestão empresarial (ou qualquer outra razão), ou que provasse, ainda que indiciariamente, que as quantidades omissas na contabilidade foram comercializadas pela recorrida.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:F., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

O ILUSTRE MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 25/09/2009, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela sociedade F., LDA., relativa às liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios dos anos de 2005 e 2006, deduziu o presente recurso, formulando para tanto as seguintes conclusões:

1.ª - A M.ma Juiz a quo considerou não se encontrarem preenchidos os pressupostos para tributação por métodos indirectos, considerando que a administração fiscal não provou, como lhe competia, a verificação dos pressupostos da tributação;
2.ª - Por isso, a questão essencial a decidir no presente recurso é apenas a de saber se os factos descritos no relatório de inspecção justificam a determinação da matéria tributável da impugnante com recurso a métodos indirectos, de acordo com o disposto nos artigos 52.° do CIRC e 87.° a 90.° da LGT, tal como foi decidido pela administração fiscal;
3.ª - A douta sentença recorrida considerou provados os factos enunciados sob os n°s 1 a 17, sendo que os factos 5, 6 (onde se transcreve o que consta dos itens IV e V do relatório de inspecção), 7, 9, 10 e 11 contêm a menção dos factos concretos que demonstram claramente que a contabilidade da impugnante não reflectia a realidade do seu negócio, havendo prova consistente da realização de vendas à margem da contabilidade;
4.ª - Esses factos comprovam a falta de credibilidade da escrita da impugnante, afastando decisivamente a presunção de veracidade das declarações fiscais apresentadas pela impugnante a que se refere o art.° 75.° da LGT, e demonstram também, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, que se tornava impossível comprovar e quantificar de forma directa e exacta a matéria tributável;
5.ª - A M.ma Juiz a quo incorreu em contradições entre os factos considerados provados e a fundamentação e entre esta e a decisão. Por um lado, dá por assentes factos concretos que afastam a credibilidade da escrita e impedem a comprovação da matéria tributável de um modo exacto, pois reconhece que «a Administração Fiscal verificou irregularidades na contabilidade, que no seu conjunto demonstram que a mesma não reflecte a realidade do exercício da actividade do sujeito passivo, nem o lucro real» e, por outro lado, conclui que «os argumentos aduzidos no Relatório são vagos e imprecisos, e não se sustentam em factos e documentos», acrescentando ainda que, «a Administração Fiscal não demonstra a capacidade contributiva superior à efectivamente declarada», argumentos que são contrariados pelos factos considerados provados sob os n°s 5, 6, 7, 9, 10 e 11;
6.ª - Assim, contrariamente ao decidido, os factos descritos no relatório de inspecção e que foram considerados provados, designadamente sob os n.º 5, 6, 7, 9, 10 e 11 demonstram não só que, nos exercícios de 2004, 2005 e 2006, a escrita da impugnante não reflectia a realidade dos seus negócios, mas também que não era possível comprovar e quantificar de modo directo e exacto os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável;
7.ª - A M.ma Juiz a quo argumenta que a inspecção tributária não demonstrou a capacidade contributiva superior à efectivamente declarada e que pelo facto de a impugnante não apresentar prejuízos em três exercícios seguidos não se encontram verificados os pressupostos da tributação indirecta ao abrigo dos arts. 87.° als. b) e e) e al. d) do art.° 88.° da LGT, concluindo, por isso, que as liquidações impugnadas se encontram feridas de ilegalidade. Todavia, os factos provados sob os n°s 5, 6, 7, 9, 10 e 11, que se fundamentam naqueles que foram descritos nos itens IV e V do relatório de inspecção, evidenciados nos quadros de fls. 6/90 do apenso constituem irregularidades e anomalias concretas que se enquadram naquelas alíneas dos citados preceitos legais;
8.ª - No que respeita à quantificação da matéria tributável, o critério utilizado pela inspecção tributária não merece qualquer reparo, tratando-se de um critério claro, preciso e objectivo, de acordo com as regras estabelecidas no art.° 90.° da LGT, o que significa que o resultado obtido será, certamente, aproximado da realidade;
10.ª - Em suma, a administração fiscal fez prova, como lhe competia, da existência e verificação dos pressupostos para aplicação de métodos indirectos para determinação da matéria tributável da impugnante, de acordo com o disposto nos artigos 52.° do CIRC e 87.° a 90.° da LGT;
11.ª - Parece-nos, por outro lado, que a impugnante não demonstrou, como lhe competia, a existência de qualquer erro ou excesso de quantificação da matéria tributável. Por isso, as liquidações adicionais impugnadas encontram-se devidamente fundamentadas e não padecem de qualquer ilegalidade;
12.ª - Decidindo como decidiu, a M.ma Juiz a quo não apreciou correctamente a prova produzida nos autos e fez errada aplicação das normas legais referidas nestas conclusões.
Pelo que, revogando a douta sentença recorrida e julgando a impugnação totalmente improcedente, VOSSAS EXCELÊNCIAS farão, agora como sempre, a costumada
JUSTIÇA”
*** ***
A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES

I. O recurso à avaliação indirecta, em que as liquidações impugnadas assentam, vem fundamentado, de direito, nas alíneas b) e e) do art. 87.° e na alínea d) do art.° 88., ambos da LGT - no máximo, uma vez que na apreciação e decisão do procedimento de revisão veio a ser abandonada a fundamentação com base da alínea e) do art.° 87°.

II. Considerando as únicas suspeitas levantadas quanto à aderência da escrita à realidade empresarial que deve reflectir se referem ao volume de vendas estimado a partir do confronto entre o número de frangos comprados e o número de frangos vendidos, tendo em conta a variação de stocks - se for de esperar que a actividade gere quebras normais da ordem de 2% (nível que a IT apurou no relatório em face da escrita) ninguém pode seriamente admitir que a Recorrida tenha omitido proveitos e/ou subestimado os resultados: por cada 100 frangos consumidos a recorrida registou o produto da venda de cerca de 98 e mais não podia fazer.

III. Para além de adequadamente demonstrado no desenvolvimento de todo o processado (procedimento de inspecção, procedimento de revisão e presentes autos) o nível de quebras de 2% é muito lisonjeiro (a AF tem aceite por razoáveis níveis bem mais elevados) para a actividade em causa, pelo que o controlo quantitativo exaustivo a que a IT recorreu abona, ao contrário do alegado, a credibilidade da escrita e, logo, todos os indicadores que a mesma permite apurar.

IV. A AF assentou os seus cálculos num nível zero de quebras normais, o que é de todo insustentável.

V. A forma como a Recorrida e os seus fornecedores de serviços (criadores de frangos) calculam os preços dos serviços prestados nada tem a ver com a manifestação de capacidade contributiva.

VI. De qualquer modo, não se verificam no caso os pressupostos factuais de aplicação da alínea e) do art.° 87.° da LGT, porque não houve prejuízos ou resultados nulos em três exercícios consecutivos - uma vez que, ao contrário da tese do Ministério Público, o que releva para o efeito são os resultados antes do reporte de prejuízos.

VII. Ao contrário do que sustenta a AF (no relatório de inspecção, no procedimento de revisão e na contestação) e o Ministério Público (nas suas alegações de recurso) não foi identificada nem invocada pela AF qualquer efectiva manifestação de capacidade contributiva, sendo que a associação de capacidade contributiva à forma como são ajustados os preços entre a recorrida e os criadores de frangos a que recorre para o exercício da sua actividade é absolutamente despropositada.

VIII. Não há outros fundamentos de em que venham fundamentadas as fixações de matéria colectável em que as liquidações vêm fundamentadas.

IX. Pela improcedência dos fundamentos (de facto e de direito) invocados para o efeito o recurso à avaliação indirecta é ilegal.

X. Mesmo que tal fosse relevante — o que obviamente não é - não existem outros fundamentos (não invocados) e que in casu se pudesse sustentar o recurso à avaliação indirecta.

XI. O controlo quantitativo a que a IT procedeu e conduziu á verificação de que a escrita da Recorrida reflecte quebras da ordem de 2% apenas, abona a credibilização das suas (da recorrida) declarações.

XII. A sentença andou bem ao concluir pela improcedência dos fundamentos em que vem sustentado o recurso a métodos indirectos.

XIII. Pelas conclusões anteriores, especialmente pela insustentável posição da AF de um nível de quebras normais de zero e pela razoabilidade e concreta demonstração do nível de quebras de 2% - sempre a quantificação da matéria tributável deveria ser considerada excessiva, se necessário se tomasse apreciar esta questão.

XIV. Em qualquer caso, devem ser dadas por verdadeiras as declarações da recorrida e anuladas as liquidações impugnadas, mantendo-se a decisão da sentença recorrida ou, no mínimo, decidindo que a quantificação da matéria tributável é excessiva.

Termos em que, mantendo a decisão do Tribunal a quo e negando provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública
V.s. Exª.s. farão

JUSTIÇA”
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O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal absteve-se de emitir parecer.
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Com dispensa dos vistos legais (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.
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2- DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, a analisar se a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de (i) erro de julgamento da matéria de facto e de direito no que concerne à aplicação dos métodos indirectos.

3– FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte factualidade:

MATÉRIA DE FACTO
Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, considero provados os seguintes factos:
1. A Impugnante encontra-se colectada para o exercício da actividade de avicultura, CAE 001470, desde 26.04.1990;
2. Em sede de IRC a impugnante encontra-se enquadrada no IRC - alínea a) do n.º 1° do artigo 2° do CIRC, estando obrigada a possuir contabilidade organizada conforme artigo 115° do CIRC, no regime geral de tributação;
3. Em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, enquadra-se no Regime Normal de Periodicidade Mensal;
4. Entre 08.11.2007 e 25.01.2008, foi submetida a uma inspecção tributária, abrangendo os anos de 2004, 2005 a 2006;
5. A Inspecção Tributária apurou que a contabilidade da referida sociedade evidenciava irregularidades, as quais se encontram descritas no relatório de inspecção, constante de fls. 2 a 91 do processo de administrativo (PA) apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Com relevância para a decisão transcreve-se o seguinte:
IV- Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos:
(...)
· Controlo das margens declaradas/margens do sector.
Verifica-se que, para os exercícios em questão, quer o MBI quer o MBII declaradas pelo sujeito passivo, encontram-se quase a metade das margens U.O (unidades orgânicas) e das dos V.N. (valores nacionais), constatando-se também uma grande diferença na duração média de existências, valores estes retirados do sistema informático (não se encontram ainda disponíveis os rácios para o ano de 2006).
· Controlo das quantidades (compradas e vendidas)
Procedemos ao controlo quantitativo das unidades compradas e unidades vendidas, tendo em atenção os stocks iniciais e finais, bem como às unidades rejeitadas e/ou à mortalidade havida nas divergências significativas ao longo dos anos de 2004, 2005 e 2006.
(...)
As divergências entre os rácios do sector e os declarados pelo contribuinte nos anos de 2004 e 2005 (ainda não disponíveis na base de dados da DGCI os do ano de 2006), nomeadamente, a margem bruta s/ as vendas (MBI e MBII) e a duração média das mercadorias, quando a variação dos preços de venda não sofreram variações significativas de período, nem se verificaram alterações das condições do exercício de actividade, justificam tal variação.
Da análise dos rácios da "margem brutas s/ as vendas", com base nos valores declarados pelo sujeito passivo na declaração a que se refere o artigo 113.° do CIRC, deve concluir-se pela omissão de vendas nas declarações fiscais para efeitos de IRC e IVA, uma vez que, da informação constante da base de dados da DGCI, as margens brutas para o sector de actividade do sujeito passivo tem para os anos em questão, um comportamento bastante acima das declaradas pelo sujeito passivo.
Das inexactidões detectadas, resultaram o apuramento de resultados e tributárias dos impostos declarados não condizentes com a capacidade contributiva do sujeito passivo, conforme ficou demonstrado no exame quantitativo efectuado nos anos de 2004 a 2006.
Estas anomalias e incorrecções traduzem-se numa situação de impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de IRC e IVA, nos termos das alínea d) do artigo 88° da LGT.
Esta impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos' indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, são nos termos das alíneas b) e e) do artigo 87° da LGT pressupostos para a realização de avaliação indirecta da matéria tributável.
V - CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECL MÉTODOS INDIRECTOS
(…)
7. Na contabilidade da Impugnante constata-se a existência de alternância de prejuízos versus lucros fiscais, nos exercícios de 1998 e 2007, tendo como consequência matéria colectável nula para os respectivos exercícios;
8. A Impugnante não apresentou prejuízos fiscais em três exercícios seguidos;
9. As variações dos preços das vendas não sofreram alterações expressivas;
10. Face ao levantamento dos montantes de compras, quer de frangos, pintos ou ovos e a quantificação das vendas efectuadas, e relevadas as devoluções, foi detectado que 92 807 frangos em falta num conjunto de 2 039 290;
11. Não foi detectado pela inspecção a existência de documentos comprovativos das quebras normais da actividade;
12. Pelo ofício n° 501 2535, datado de 04.03.2008, foi a Impugnante notificada do Relatório da Inspecção Tributária e da matéria tributária fixada de IRC, por recurso a métodos, para 2004, 2005 e 2006 no valor de 13 492.02 €, 13 0325.78 € e 71 000.54 € respectivamente (fls. 92 do PA);
13. A Impugnante requereu a revisão nos termos do art. 91° da LGT, a qual veio a ser decidido em 16.05.2008 não tendo havido acordo na totalidade, tendo sido deferida parcialmente;
14. O perito da Administração Fiscal, reconhece a existência de erros de quantificação dos quilos comprados e outras anomalias, procedendo assim à rectificação dos referidos valores, conforme o teor do Laudo, de fls. 152 a 155 do PA que aqui se dá por integralmente por reproduzido;
15. Assim os valores da matéria tributária fixada de IRC, para 2004, 2005 e 2006 no valor de 0,00 €, 77 307.36 € e 11 015.80 € respectivamente (fls. 157/158 do PA);
16. A presente impugnação tem por base as liquidações adicionais do IRC, relativamente aos anos de 2005 e 2006, no valor de global de 2 261.43 €, tendo por data limite de pagamento 17.09.2008, constantes de fls. 27 a 30 dos autos que aqui se dá por integralmente por reproduzidos;
17. A presente impugnação foi intentada em 10.11.2008.

Resultou a convicção do tribunal da análise dos documentos dos autos e dos documentos constantes do processo de administrativo apenso”
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4 – O DIREITO

Cumpre, agora, apreciar o recurso que nos vem dirigido.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público, na qualidade de Recorrente, intentou o presente recurso por não se conformar com a sentença proferida no TAF de Braga, que julgou procedente a impugnação judicial intentada pela sociedade “F., Lda.” e anulou as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios dos anos de 2005 e 2006, apuradas com recurso a métodos indirectos.

A questão em apreço neste recurso prende-se com o apuramento da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, sendo certo que a sentença recorrida entendeu que a AT não logrou provar os pressupostos para o recurso àquele método de apuramento e julgou prejudicado o conhecimento das restantes questões relativas ao excesso de quantificação e insuficiente fundamentação.
Vejamos.

O Recorrente começa por invocar que a factualidade que foi levada ao probatório, mormente os pontos 5 e 6, onde se transcreve os títulos IV e V do Relatório Inspectivo, assim como os factos que constam dos pontos 7, 9, 10 e 11 do probatório, demostram claramente que a contabilidade da impugnante não reflecte a realidade do seu negócio (conclusão 3ª e 4ª do recurso), pelo que a sentença recorrida ao decidir como decidiu não apreciou correctamente a prova produzida e fez errada aplicação das normas invocadas.

Alega que a MMª Juiz do Tribunal a quo incorreu em contradições entre os factos considerados provados e a fundamentação e entre esta e a decisão, uma vez que, por um lado, dá como assentes factos concretos que afastam a credibilidade da escrita e impedem a comprovação da matéria tributável de um modo exacto, pelo outro lado, conclui “que os argumentos aduzidos no relatório são vagos e imprecisos, e não se sustentam em factos e documentos”, acrescentando que a “AT não demonstra a capacidade contributiva superior à efectivamente declarada”, argumentos que são contrariados pela factualidade apurada nos pontos 5, 6, 7, 9, 10 e 11 (conclusão 5ª do recurso).

No que respeita à quantificação da matéria tributável, defende que o critério utilizado não merece censura, pois é claro, preciso e objectivo, acresce que a impugnante não demonstrou o excesso de quantificação da matéria tributável, por isso as liquidações encontram-se devidamente fundamentadas e não padecem e qualquer ilegalidade (conclusão 8ª a 11ª do recurso).

Desde já se adianta, que não conheceremos desta última parte do recurso (conclusões 8ª a 11ª), porquanto, a sentença, pela solução dada ao caso, julgou prejudicado o conhecimento destes vícios e sobre eles não se pronunciou.

Prosseguindo.
Atentemos ao quadro legal aplicável ao caso em apreço, não olvidando que estão em causa as liquidações de IRC dos anos de 2005 e 2006, apuradas com recurso a métodos indirectos.
Assim, o art. 16º do CIRC, no seu nº 1 (ao tempo em vigor) refere que “A matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela Administração Fiscal”.
O art. 17º, nº 1 do mesmo diploma tipifica que “O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.
Já o número 3 do supra referido artigo estipula que “De modo a permitir o apuramento referido no nº 1, a contabilidade deve: a) estar organizada de acordo com a normalização contabilista e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código; b) reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral de IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes”.

O art. 83º do CIRC diz que “nº 1 – A liquidação de IRC processa-se nos termos seguintes:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte nas declarações a que se referem os artigos 112º e 114º, tem por base a matéria colectável que delas conste;
(…)”.

Por último, o art. 91º, nº 1 do CIRC diz queA Direcção-Geral dos Impostos procede à liquidação adicional quando, depois de liquidado o imposto, seja de exigir, em virtude de correcção efectuada nos termos do nº 10 do artigo 83º ou de fixação do lucro tributável por métodos indirectos, imposto superior ao liquidado”.

O art. 75º da LGT, na redacção ao tempo em vigor, dispunha sobre a declaração e outros elementos dos contribuintes, da seguinte forma:
1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A.”

De acordo com o previsto no art. 81º da LGT “A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder à avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei.

Assim, nos termos do art. 83º, nº 2 da LGT a avaliação indirecta, que é subsidiária da avaliação directa, visa determinar o valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos em poder da administração fiscal.

Estipula o art. 87º da LGT, que a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.

Tal impossibilidade, nos termos do disposto no art. 88º, alíneas a) a d) da LGT, pode resultar de uma inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou da existência manifesta de discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado através dos quais seja patente uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável.

No caso dos autos a matéria tributável foi determinada nos termos do art. 87 º, nº 1 al. b) (impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto) e e) (Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributários nulos ou prejuízos durante três anos consecutivos) e ainda do art. 88º, al. d) (existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como dos factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior que a declarada), ambos da LGT, com recurso, portanto, a métodos indirectos.

Nos termos do disposto no art. 75º da LGT, a presunção de verdade das declarações e dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade, cessa, apenas, quando estas revelarem omissões, erros, inexactidão ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo, cabendo à Administração Tributária o ónus da prova dos factos que abalam a presunção de verdade ora referida.

Conforme resulta da lei, a avaliação indirecta é um método de avaliação subsidiário da avaliação directa (art. 85º, nº 1 da LGT), sendo que, de harmonia com o preceituado na alínea b) do art. 87º do mesmo diploma, só poderá efectuar-se no caso de total impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.

Esta impossibilidade, para efeitos de aplicação dos métodos indirectos, pode resultar, de acordo com o legislado no art. 88º da LGT, da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridos no prazo legal, da existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens, entre outros, cabendo à AT demonstrar, fundamentadamente, a verificação dessas situações.
A decisão de tributação por métodos indirectos tem de especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável competindo à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, atestando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àqueles métodos se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que e levaram a concluir nesse sentido (art. 74º, nº 3 e 77º, nº 4 da LGT).

Baixando ao caso dos autos, vejamos se a Administração Tributária cumpriu com o ónus da prova quando pôs em crise a contabilidade e escrita do Recorrente, desacreditando-a.
Em sede inspectiva, a AT considerou que a contabilidade da Recorrida padecia de falta de credibilidade atenta a divergência entre os rácios do sector em comparação com os declarados pelo contribuinte, nomeadamente a margem bruta sobre as vendas e a duração média das mercadorias, quando a variação dos preços de venda não sofreram variações significativas.
Sustentando-se em tal argumento, considerou que o mesmo constituía indício de que o contribuinte procedeu à omissão de vendas nas declarações fiscais para efeitos de IRC e de IVA e, nesse pressuposto, procedeu a um controle quantitativo apresentando no RIT múltiplos quadros comparativos para concluir pela existência de diferenças significativas que indiciavam que a capacidade contributiva da sociedade contribuinte era superior à declarada.
Efectivamente resulta do RIT que a AT como suporte do recurso a métodos indirectos concretiza os seguintes fundamentos:
As divergências entre os rácios do sector e os declarados pelo contribuinte nos anos de 2004 e 2005 (ainda não disponíveis na base de dados da DGCI os do ano de 2006), nomeadamente, a margem bruta s/ as vendas (MBI e MBII) e a duração média das mercadorias, quando a variação dos preços de venda não sofreram variações significativas nesse período, nem se verificaram alterações das condições do exercício de actividade, justificam tal variação.
Da análise dos rácios do "margem brutas s/ as vendas”, com base nos valores declarados pelo sujeito passivo na declaração a que se refere o artigo 113.° do CIRC, deve concluir-se pela omissão de vendas nas declarações fiscais para efeitos de IRC e IVA, uma vez que, da informação constante da base de dados da DGCI, as margens brutas para o sector de actividade do sujeito passivo tem para os anos em questão, um comportamento bastante acima das declaradas pelo sujeito passivo.
Das inexactidões detectadas, resultaram o apuramento de resultados e bases tributárias dos impostos declarados não condizentes com a capacidade contributiva do sujeito passivo, conforme ficou demonstrado no exame quantitativo efectuado nos anos de 2004 a 2006.
Estas anomalias e incorrecções traduzem-se numa situação de impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de IRC e de IVA, nos termos da alínea d) do artigo 88º da LGT.
Esta impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, são nos termos das alíneas b) e e) do artigo 87º da LGT pressupostos para a realização da avaliação indirecta da matéria Tributável”.

Considerando que estes argumentos eram insuficientes para justificar o recurso a métodos indirectos, a sentença recorrida adiantou queResulta da matéria assente que a Impugnante embora apresente alternância de prejuízos/lucros no exercício de 1998 a 2007, não apresentou prejuízos durante três anos consecutivos pelo que o recurso a métodos indirectos com base na alínea e) do art. 87° da LGT não se aplica.
A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea d) do artigo 88°, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções: a) A existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços; b) a existência de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.
A inspecção fundamenta o relatório na capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.
Compulsado o relatório, a Inspecção fundamenta a divergências nas margens brutas sobre as vendas da Impugnante, em relação à média do sector, conjugado com o facto da contabilidade não estar justificada o destino de 92 807 frangos, numa universo de 2 039 290.
Por sua vez, as divergências em relação às margens do sector (margens brutas) nem as omissões na contabilidade de aproximadamente 5% de mercadoria comprada não são por si suficientes para revelar maior capacidade contributiva.
No procedimento de revisão, ao abrigo do art° 91° o perito da Administração Fiscal, reconhece a existência de erros de quantificação dos quilos comprados e outras anomalias, procedendo assim à rectificação dos referidos valores.
No que concerne ao factor referente à capacidade contributiva manifestamente superior à efectivamente declarada não existem fundamentos nem indícios de tais factos.
Acresce referir que a Administração Fiscal nada refere que tais factos são insusceptíveis de proceder a correcções aritméticas, não explica por que razão põem em descrédito a contabilidade da empresa e se tal facto é impeditivo de serem efectuadas as respectivas correcções à contabilidade ou a eventuais correcções aritméticas.
É com este discurso fundamentador que o Recorrente não se conforma, por entender que sentença recorrida está em contradição entre os factos provados e a fundamentação e entre esta e a própria decisão, invocando para o efeito que os pontos 5 e 6 do probatório reproduzem e dão como provados os pontos IV e V do RIT, e que os pontos 7, 9, 10 e 11 contêm menção a factos concretos que demonstram claramente que a contabilidade da Recorrida não merece credibilidade.

Segundo refere, a sentença recorrida dá como provados tais factos e com base nesses mesmos factos considerou que não se encontrava devidamente fundamentado o recurso a métodos indirectos, argumentando que a AT não fundamentou de facto as razões que impunham tal método de tributação fazendo uma errada aplicação das normas legais invocadas na sentença.

Mas será que assim é? Cremos que não, como passaremos a demonstrar.
Se bem entendemos as alegações do Recorrente este questiona a ponderação da matéria de facto feita pela Juiz do Tribunal a quo, na convicção de que essa matéria é suficiente para sustentar a posição assumida pela AT na determinação da matéria colectável da recorrida, por recurso a métodos indirectos, todavia adiantámos desde já que não lhe assiste razão.

Efectivamente, a MMª Juiz do Tribunal a quo reproduziu no probatório a fundamentação que a AT verteu no Relatório Inspectivo para justificar o recurso aos métodos indirectos, todavia, tal facto não a impede de analisar essa fundamentação para decidir da sua suficiência ou insuficiência em face dos preceitos legais supra referidos. Pois, pese embora se dê como provados nos pontos 5 e 6 do probatório os pontos IV e V do RIT, não deixa a MMª Juiz a quo de referir que tal é manifestamente insuficiente para sustentar o recurso aos métodos indirectos, uma vez que, tal como se menciona na sentença recorrida, tais argumentos são vagos e imprecisos.

Destarte não ocorre a aventada contradição entre os factos provados e a fundamentação da sentença. É que, compulsada aquela matéria extraída do relatório inspectivo, verifica-se que é exclusivamente referido como fundamento para recorrer à aplicação dos métodos indirectos a divergência das margens brutas sobre as vendas da recorrida, em relação às médias do sector, conjugado com o facto de, da análise da contabilidade se detectar a falta de contabilização de 92.807 frangos, num universo de 2.039.290. Nada mais é dito, nada mais é apurado.
Relembremos que a AT sustentou-se nos artigos 87º, al. b) e e) e art. 88º, al. d), ambos da LGT.

Ora, há que apurar se (i) existe impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, por se verificar a existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como dos factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada (art.88º, al. d) da LGT) e se (ii) os sujeitos passivos apresentaram, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem desse prazo se faz no termo do terceiro ano, ou em três durante um período de cinco (art. 87º e) da LGT).
No que tange a esta última hipótese, claramente se denota que a mesma não se verifica, isto porque o que se menciona no RIT é a alternância entre prejuízos e lucros fiscais, entre 1998 e 2007, com resultado em matéria colectável nula para todos os exercícios.
Tais factos, como é bom de ver, não têm a virtualidade de preencher a previsão do art. 87º, al. e) da LGT.
Já no que concerne ao ponto (i), que corresponde à previsão da al. b) do art. 87º, a norma será preenchida de acordo com as situações elencadas no art. 88º, sendo certo que a AT identificou como aplicável ao caso a al. d) do preceito legal, ou seja, a parte que expressamente menciona a existência de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada (negrito e sublinhado nosso).
Uma vez mais, compulsada a factualidade, mormente os pontos 5 e 6 que reproduzem os pontos IV e V do RIT, retira-se que a AT referiu exclusivamente como fundamento do recurso ao métodos indirectos as divergências das margens brutas sobre as vendas da recorrida, em relação às médias do sector, conjugado com o facto de se ter detectado a falta de contabilização de 92.807 frangos, num universo de 2.039.290.
Ora, estes fundamentos, sozinhos ou em conjunto, não são hábeis a preencher a previsão da norma (art. 88º, al. d) da LGT), uma vez que, não mostram reveladores de uma capacidade contributiva superior à declarada. Isto porque, nem a divergência em relação às margens do sector (que, diga-se, são margens brutas), nem a omissão na contabilidade de cerca de 5% da mercadoria adquirida revelam uma maior capacidade da recorrida para pagar impostos, para se chegar a essa conclusão, impunha-se que a AT na sua actividade instrutória tivesse encetado diligências que levassem a concluir que a recorrida tinha uma capacidade contributiva superior à espelhada na sua contabilidade, uma vez que o afastamento das margens brutas do sector pode ter um qualquer outro fundamento, como por exemplo, má gestão empresarial (ou qualquer outra razão), ou que provasse, ainda que indiciariamente, que as quantidades omissas na contabilidade foram comercializadas pela recorrida.

Assim, a fundamentação que consta do RIT não é suficiente para se concluir que há actividade económica não declarada por parte da sociedade recorrida.

A sentença recorrida ao concluir que os argumentos espelhados no RIT, e vertidos no probatório como fundamento do recurso a métodos indirectos, eram insuficientes para justificar a utilização de métodos indirectos na determinação da matéria colectável da recorrida, não entra em contradição nem como o probatório, que como vimos limita-se a verter a fundamentação do acto praticado pela AT, nem com a decisão de que se recorre que se mostra em sintonia com a fundamentação adiantada pelo Tribunal a quo.

Não olvidamos que as circunstâncias apuradas constituem anomalias, desvios a um padrão de habitualidade, no entanto, não basta apurar desvios, é necessário criar a convicção que tais desvios concretizam uma maior capacidade contributiva do contribuinte e que a mesma não foi declarada. Neste pressuposto, cabia a AT a prova de que a recorrida tinha uma maior capacidade contributiva, sendo que, para esse efeito, deveria e poderia utilizar todos os meios que tem ao seu dispor em sede inspectiva, como por exemplo, a fiscalização cruzada ou o acesso às contas bancárias da recorrida. quer mediante autorização para o efeito, quer usando a derrogação do sigilo bancário.

Destarte, bem andou o Tribunal a quo quando considerou que não estavam reunidos os pressupostos para o recurso aos métodos indirectos, não ocorrendo o erro de julgamento nem de facto, nem de direito.

Resta, assim, concluir que o recurso está votado ao insucesso.
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5 - DECISÃO
                Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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                Sem custas, por delas estar isento do Ministério Público (art. 4º, nº 1, al. a) do RCP)
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                Porto, 2021-03-25

                Maria Celeste Oliveira
                Maria do Rosário Pais
                Tiago de Miranda