Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00342/13.5BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONCURSO PARA COLOCAÇÃO DE PROFESSOR; EXCLUSÃO ILÍCITA; ACRÉSCIMO DE DESLOCAÇÕES; EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO; INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO; N.ºS1 E 3 DO ARTIGO 566º DO CÓDIGO CIVIL;
AJUDAS DE CUSTO; SUBSÍDIO DE TRANSPORTE EM VIATURA PRÓPRIA; FUNCIONÁRIOS E AGENTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; DECRETO-LEI N.º 106/98, DE 24.04; DANOS PATRIMONIAIS; DANOS MORAIS; INDEMNIZAÇÃO AUTÓNOMA POR DANOS MORAIS; JUROS DE MORA; CITAÇÃO; ARTIGO 323º, Nº 2, DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS 566.º, N.º 2, 805.º, N.º 3, E 806.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário:1. A indemnização pela exclusão ilícita de um professor de um concurso que lhe permitiria exercer funções mais próximo da sua residência habitual, em execução de julgado anulatório, na impossibilidade de reconstituição natural da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilícito, entretanto anulado, deverá ser fixada pelo Tribunal em dinheiro segundo critérios de equidade, “dentro dos limites que tiver por provados”, de acordo com o estabelecido nos n.ºs1 e 3 do artigo 566º do Código Civil.

2. Não tendo sido provado, designadamente, qual o tipo de combustível que o veículo usava, o seu consumo médio nem a desvalorização da viatura por virtude do acréscimo de quilómetros percorridos, não se podem dar tais factos como provados como factos notórios porque o não são.

3. Na falta de outros elementos de facto relevantes, para além dos quilómetros percorridos a mais e dos dias a mais de deslocação em serviço, deverá recorrer-se ao valor das ajudas de custo ou subsídio de transporte em viatura própria, atribuído aos funcionários e agentes da Administração Pública, nos termos do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24.04, e sucessivas Portarias que estabeleceram tais quantitativos, para fixar em concreto o valor a indemnizar pelos danos patrimoniais em causa, o acréscimo de quilómetros que o lesado teve de percorrer por virtude do acto ilegal dado à execução, como indemnização equitativa devida a este título.

4. O legislador do Decreto-lei 106/98 e Portarias subsequentes que definem o montante devido por quilómetro nas deslocações em viatura própria, tem em conta vários factores para alcançar esse montante, computando nele não só custos da utilização e desgaste da viatura, como também os incómodos e desgaste do próprio trabalhador com a deslocação, pelo que seguindo o critério de indemnização acabado de referir, esse valor abrange a todos os danos patrimoniais, incluindo a desvalorização da viatura, e também os normais danos morais que podem ser peticionados em situações como a dos autos, não merecendo uma valoração autónoma.

5. Não se incluem nestes danos morais, merecendo indemnização autónoma, os danos morais, extraordinários e relevantes, que ficaram provados, a saber que o lesado em período anterior tinha sofrido um acidente de viação do qual resultou um diagnóstico de “achatamento da 3.ª lombar”, tendo ficado com sequelas que lhe provocam, ainda hoje, dores na região lombar e na coluna, e que se acentuaram durante o período em que teve de conduzir durante mais tempo nas suas deslocações.

6. Tendo em conta a situação concreta e em particular o período pelo qual se prolongou esta situação de desgaste físico e moral acrescido, entre 2005 e 2013, mostra-se equitativo fixar a este título a quantia de 1.000 € (mil euros).

7. Se a citação só ocorreu quatro anos depois de ter sido requerida, num caso em que inicialmente foi accionado um Ministério que depois deu lugar no processo ao Estado Português representado pelo Ministério Público, deverá considerar-se que esta ocorreu cinco dias após ter sido requerida, aplicando-se analogicamente no caso o disposto no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, vencendo-se a partir desta data juros de mora sobre a indemnização fiada por danos patrimoniais.

8. Os juros de mora sobre a indemnização atribuída a título de danos morais são devidos desde a prolação da decisão de recurso por ter sido fixada esta indemnização por referência a esta data, nos termos do disposto nos artigos 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1, do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:I.
Recorrido 1:Estado Português.
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 21.02.2019, pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa comum, intentada pelo Recorrente contra o Estado Português, e em consequência condenado o Estado Português a pagar ao Autor a quantia de €12.228,91, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de €4.000,00, a título de indemnização por danos morais, acrescida de juros de mora desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento, tendo pedido a condenação do Réu Estado Português a indemnizá-lo nos montantes de €49.965,98, a título de danos patrimoniais e de €7.500,00, a título de danos não patrimoniais, no valor global de 57.465,98.

Invocou para tanto que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento pela não aplicação dos quantitativos definidos nos termos do DL nº 106/98 e subsequentes Portarias enquanto critério para determinar o quantum indemnizatório devido ao A. pelos danos patrimoniais provocados pela actuação ilegal, pela consideração de factores erróneos para o cálculo do quantum indemnizatório segundo o critério adoptado pelo Digno Tribunal a quo (valor médio do preço da gasolina, consumo médio do automóvel, montante pela desvalorização e desgaste do veículo), quanto à data fixada para o vencimento dos juros de mora sobre a indemnização por danos patrimoniais, quanto à fixação do quantum indemnizatório devido pelos danos morais suportados pelo Autor e respectivos juros de mora.

O Estado Português, representado pelo Ministério Público, contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença recorrida.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1) Ao contrário do decidido, o critério ajustado para ressarcir os danos patrimoniais do A. é o decorrente do DL 106/98 e Portarias subsequentes, o qual tem ínsita uma medida de equidade ao fixar um montante para ressarcir as deslocações em viatura própria e, assim, definido que é em função da conjuntura económica anual e de todos os custos que a utilização do automóvel implica;

2) Pressupondo naturalmente um carro de qualidade e predicados médios, usado de acordo com parâmetros de normalidade, normalidade esta que tem que servir como critério de equidade e não outros critérios que, naturalmente, suportam situações de anormalidade e distorção, quer seja por o combustível utilizado ser o mais aditado, quer seja porque os pneus são os mais dispendiosos, etc…

3) Não está em causa a aplicação direta das normas dos diplomas ao caso concreto, mas o recurso ao raciocínio analógico que a situação impõe e o princípio da igualdade – o critério é inclusive usado para ressarcir danos deste tipo no âmbito do setor privado, quando o empregador determina a ilegal deslocação do trabalhador do local de trabalho (a título de exemplo, cfr. Ac. da Relação de Guimarães de 19/04/2018, proc. 133/17.4T8BGC.G1).

4) Um cidadão português não pode compreender que o Estado use um determinado critério para pagar os custos das deslocações lícitas feitas pelos seus trabalhadores (critério do DL 106/98 e Portarias subsequentes) e não use o mesmo critério para ressarcir os mesmos custos inerentes às deslocações quando sejam ilicitamente determinadas pela atuação da Administração.

5) Não há lógica jurídica, nem racionalidade neste raciocínio, que afronta a igualdade, ressarcindo-se de modo diferente os mesmos custos, consoante provenham de facto lícito ou ilícito, discriminando-se agravadamente aqueles que suportam o facto ilícito e discriminando-se os mesmos, inclusive, em relação aos trabalhadores privados que, em casos como o vertente, são ressarcidos com base nesse critério.

6) Isto sempre seria assim ainda que o legislador do DL 106/98 e Portarias subsequentes que definem o quantitativo devido por quilómetro tivesse em conta (que não tem) outros fatores para alcançar esse valor, suponhamos até incómodos e desgaste do próprio trabalhador com a deslocação.

7) Nesse caso, quando muito, poderia entender-se que os danos morais peticionados pelo A. seriam consumidos no montante atribuído por quilómetro, não merecendo uma valoração autónoma.

8) Em suma, pelos motivos expostos, o critério propugnado é aquele que permite uma maior aproximação aos danos reais suportados pelo A. e que se visam ressarcir, e é o critério que se impõe para alcançar a justiça no caso concreto, satisfazer o princípio da igualdade e a uniformidade de critérios em situações idênticas e impedir, inclusive, o enriquecimento sem causa da Administração – tudo isto ínsito a um julgamento segundo a equidade.

9) Portanto, ao decidir diversamente, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento, por violação dos arts. 562.º e 566.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Civil, impondo-se a revogação da sentença recorrida.

10) Caso assim se não entenda, no que se não concede e só por mera hipótese académica se admite, a verdade é que, mesmo usando o critério seguido pelo Tribunal a quo, os montantes fixados não são minimamente idóneos a ressarcir o A. do dano patrimonial suportado. Isto porque o Tribunal parte de pressupostos que não correspondem à realidade e são desajustados do caso concreto.

11)Em primeiro lugar, o A. utilizava gasolina sem chumbo 98 e não gasolina sem chumbo 95, o que é perfeitamente legítimo e aceitável por aquela ser mais adequada ao automóvel, o Renault Mégane, com cilindrada 1390, tendo em conta que a gasolina 98 dá mais rendimento ao motor do carro e, porque é mais aditivada, melhora a capacidade de combustão do motor e reduz os resíduos produzidos pela gasolina e, assim, o seu impacto negativo no motor.

12) Utilizando a mesma base de dados da decisão recorrida (https://www.pordata.pt/DB/Portugal/Ambiente+de+Consulta/Tabela), atendendo aos anos em causa, alcançamos a média global de € 1,47 por litro de gasolina sem chumbo 98, valor substancialmente superior aos € 1,39 erroneamente considerados pelo Tribunal.

13) Em segundo lugar, o automóvel do A. jamais por jamais tinha o consumo médio considerado pelo Tribunal, de 5 litros aos 100 km, mas antes de 8 litros por 100 km – neste sentido, apesar de ser facto notório, cfr. doc. 1 que se junta (documento que só agora foi obtido e cuja junção se revela essencial à boa decisão da causa, face à sentença proferida).

14) Salvo o devido respeito, só a inexperiência na matéria ou a confusão entre o que gasta um carro a gasolina e o que gasta um carro a gasóleo pode justificar o gasto considerado pelo Tribunal para um carro a gasolina como o do A.…
15) Deste modo, ainda que seguindo o raciocínio do Tribunal a quo, considerando o preço médio por litro do combustível utilizado (€ 1,47) e o consumo médio do automóvel do A. (de 8 litros aos 100 kms, o que dá, pelos 132.790 kms a mais, 10.623,20 litros de gasolina consumidos), temos que, no mínimo, o A. gastou a mais, só em combustível, o montante de € 15.616,104 – montante consideravelmente superior ao julgado.

16) Portanto, conclui-se que a sentença recorrida, fosse como fosse, jamais poderia manter-se na ordem jurídica, incorrendo em erro de julgamento por violação dos arts. 562.º e 566.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Civil, bem como dos princípios inerentes ao julgamento segundo a equidade, nomeadamente o princípio da igualdade e a proibição do enriquecimento sem causa, pois o montante fixado é ostensivamente parco para ressarcir os danos do A. em combustível, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e, assim, viola-se a justiça que é devida no caso.

17) Aliás, não tendo os factos considerados pelo Tribunal a quo, referentes ao combustível usado e ao consumo médio do automóvel, sido trazidos aos autos, nem sequer resultado da instrução da causa, não podia o Tribunal adotar este critério, que, também sob este enfoque, é totalmente alheio à justiça devida no caso e resulta antes em iniquidade, por o montante indemnizatório ser desfasado do prejuízo suportado.

18) A sentença incorre assim em erro de julgamento, não só por violação dos arts. 562.º e 566.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Civil, como do art. 5.º do CPC, aplicável ex vi arts. 1.º e 35.º do CPTA, jamais podendo manter-se na ordem jurídica.

19) Em terceiro lugar, o Tribunal fixou um montante adicional de € 3.000 a título de desgaste e desvalorização do automóvel por força da quilometragem adicional, mas tal valor não tem qualquer suporte fáctico ou fundamento concreto e, ademais, não vêm considerados os gastos acrescidos com revisões automóveis e mesmo com os seguros automóveis, que refletem os maiores riscos decorrentes de viagens mais longas, tudo conforme alegado na pi. (arts. 27.º, 28.º e 46.º da pi.).

20) Deste modo, o Tribunal incorre em erro quanto aos factos, por insuficiência da matéria de facto provada, devendo aditar-se, no ponto 25 da fundamentação de facto, que o A. suportou ainda gastos acrescidos com revisões automóveis e mesmo com os seguros automóveis, os quais refletem os maiores riscos decorrentes de viagens mais longas – facto este notório, que decorre das regras da experiência de vida.

21) Por outro lado e determinantemente, o valor é ostensivamente parco, afastando-se da justiça concreta que a equidade impõe, desde logo porque 132.000 kms corresponde, em normalidade, a mais de metade da quilometragem máxima de um automóvel a gasolina, no seu período de duração útil!

22) Um carro deste tipo não custa menos de € 20.000 (custa mais) e, se a vida média de um carro a gasolina é de cerca de 250.000 kms, no máximo, é evidente que só a desvalorização do automóvel é, no mínimo, metade deste preço! – basta pesquisar na internet para perceber isto mesmo, em sites de venda de automóveis usados… (Standvirtual, Autosapo, OLX…).

23) Além disso, como decorre também da experiência de vida, é aconselhável que a revisão do automóvel ocorra em cada 10.000 kms, o que significa que, se o A. percorreu 132.790 kms a mais, por força do ato ilícito, teve que efetuar, pelo menos, 13 revisões por força dessa quilometragem - considerando um valor módico de preço por revisão, de € 250, só aí teríamos € 3.250, a ultrapassar o montante fixado pelo Tribunal.

24) Isto para além de tudo o mais, como seja o preço e desgaste de pneus, a necessidade do A. contratualizar um seguro contra todos os riscos, muito mais caro que outro seguro menos abrangente, pelo qual o A. teria optado se tivesse estado a 10 kms de casa, como devia…

25) O que vimos de expor resulta em erro de julgamento da decisão, novamente por violação dos arts. 562.º e 566.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Civil e, inclusive, do art. 5.º do CPC, aplicável ex vi arts. 1.º e 35.º do CPTA, impondo-se a revogação da sentença.

26) Quanto aos juros de mora devidos sobre o montante fixado a título de danos patrimoniais, considerando que o Estado é uno e é um só, independentemente de quem o representa em juízo, considerando que a ação entrou em juízo em 21/05/2013, que a citação do MP foi requerida em 11/09/2013, mas que, por força de paragem processual anómala e alheia ao A., a mesma só ocorreu em 11/09/2017, atento o desiderato da obrigação de juros (compensar o A. pela demora decorrente do processo), deve considerar-se que os juros são devidos desde a citação do Ministério da Educação nos autos, em 18/06/2013 (cfr. autos a fls…), que é a citação do Estado, para todos os efeitos legais.

27) Ao decidir diversamente, incorre a douta sentença recorrida em erro de julgamento, por violação dos arts. 805.º, n.º 2, 2.ª parte e 806.º, n.ºs 1 e 2 do CC, devendo ser a este passo revogada.

28) Caso se entenda que os factos expostos (citação do Ministério da Educação em 18/06/2013, requerimento do A. de citação do Ministério Público em 11/09/2013, despacho que determinou a citação em 07/09/2017), todos do conhecimento do Tribunal, devem constar dos factos provados, para os efeitos encetados, devem os mesmos ser aditados, arguindo-se assim erro de julgamento da sentença quanto aos factos, por insuficiência da matéria de facto dada por provada.

29) No que diz respeito aos danos morais, não podem olvidar-se as seguintes circunstâncias resultantes dos autos, que o Tribunal a quo desconsiderou: desde logo, não pode deixar de entender-se que a prática do ato lesivo e a própria conduta processual do Ministério da Educação no âmbito da ação anulatória (proc. 674/05.6BECBR) encerram uma atuação censurável do Estado, pois o fundamento de ilegalidade era ostensivo (cfr. pontos 4 e 5 dos factos provados) e, ainda assim, o Ministério da Educação interpôs recurso jurisdicional da sentença anulatória.

30) Isto resultou em que o A. tivesse estado quase uma década mal colocado, quando devia estar a 10 km de casa – impõe-se aqui uma função pedagógica da Justiça, até porque a compensação por danos morais tem natureza mista, já que visa reparar o dano e também punir a conduta ilícita.

31) Depois, o período de tempo que o A. esteve deslocado correspondeu a parte substancial da infância do filho, entre os 4 e os 12 anos daquele (cfr. ponto 10 dos factos provados), da qual o A. não pode fruir como devia (cfr. ponto 26 dos factos provados), com as notórias e irremediáveis repercussões que a quase ausência do pai nos primeiros anos da vida da criança tem para ambos e para sempre.

32) Dimensões estas que não podem ser esquecidas e que o montante fixado pelo Tribunal a quo não permite compensar, pela sua exiguidade, razão pela qual deve a sentença recorrida ser revogada por erro de julgamento, já que viola os arts. 496.º, n.ºs 1 e 4 e 494.º do CC.

33) Por fim, quanto aos juros devidos sobre a indemnização a título de danos morais, o Tribunal a quo limita-se a referir que o montante é atualizado, mas não o explica nem demonstra, o que é insuficiente para alicerçar a decisão, conforme jurisprudência superior.

34) Deste modo, são devidos juros sobre esse montante desde a citação (do Ministério da Educação, ocorrida em 18/06/2013, nos termos supra expostos), devendo revogar-se a sentença a este passo, por erro de julgamento decorrente da violação dos arts. 566.º, n.º 2 e 805.º, n.º 3 do CC.

35) Em último termo, a não se entender assim, então a sentença recorrida incorre em nulidade por falta de fundamentação a este propósito, o que se argui nos termos e para os efeitos do art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA.
*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) O Autor é professor do Quadro de Nomeação Definitiva do Grupo 420 (Geografia), dos ensinos básico e secundário, qualificado profissionalmente para o ensino desde 08.07.1982, contando, à data de interposição da acção, 10.839 dias de serviço docente com qualificação profissional (acordo e cfr. documento de folhas 351 e 352 do suporte físico do processo).

2) O Autor foi opositor ao concurso interno e externo destinado a educadores de infância e a professores dos ensinos básico e secundário, com vista ao preenchimento de vagas existentes nos quadros de escola e de zona pedagógica do Ministério da Educação, aberto pelo Aviso n.º 1413-B/2005, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 30, de 11.02.2005 (acordo e cfr. acórdão de folhas 49 a 61 do suporte físico do processo).

3) No âmbito do formulário electrónico de candidatura ao referido concurso, para efeitos de determinação da sua graduação em razão do número de dias de serviço docente prestados, o Autor declarou ter prestado zero dias antes da profissionalização e 7.917 dias após a profissionalização (acordo e cfr. acórdão de folhas 49 a 61 do suporte físico do processo).

4) A candidatura do Autor foi considerada inválida por mencionar incorrectamente ou não comprovar com documentação o tempo de serviço indicado antes e após a profissionalização, tendo o Autor passado a constar da lista provisória dos candidatos excluídos e, posteriormente, não obstante reclamação, da lista definitiva dos candidatos excluídos (acordo e cfr. acórdão de folhas 49 a 61 do suporte físico do processo).

5) O Autor interpôs recurso hierárquico da sua exclusão do concurso para o Secretário de Estado da Educação, recurso que veio a ser rejeitado, por decisão de 09.08.2005, com fundamento no facto de não ter sido apresentada reclamação prévia da referida exclusão (acordo e cfr. acórdão de folhas 49 a 61 do suporte físico do processo).

6) Em 22.03.2010 este Tribunal proferiu acórdão, no âmbito da ação administrativa especial que correu termos sob o processo n.º 674/05.6BECBR, que decidiu “anular o despacho de Sua Ex.ª o Senhor Secretário de Estado da Educação de 9/8/2005 que rejeitou o recurso hierárquico interposto pelo Autor das listas definitivas de colocação, de ordenação e exclusão dos candidatos ao concurso interno e externo destinado a educadores de infância e a professores dos ensinos básico e secundário, com vista ao preenchimento de vagas existentes nos quadros de escola e de zona pedagógica do Ministério da Educação aberto conforme Aviso n.º 1413-B/2005 publicado in D.R., II Série, n.º 30, de 11 de fevereiro de 2005”, bem como “condenar o Ministério da Educação a, por meio da Direção Geral dos Recursos Humanos da Educação, praticar o ato legalmente devido de graduar o Autor no sobredito concurso no lugar que competir, nas listas de admissão e graduação, à pontuação de 34,690, com todas as legais consequências, designadamente a colocação do Autor na escola, agrupamento ou zona pedagógica para cujo quadro tenha concorrido e que resultar daquelas admissão e graduação” (cfr. acórdão de folhas 49 a 61 do suporte físico do processo).

7) Da fundamentação de direito do acórdão de 22.03.2010 pode ler-se, além do mais, o seguinte:

“(…) Se assim é, a reclamação do Autor tinha obtido deferimento por força do silêncio do Réu, pelo que o ato que rejeitou o recurso hierárquico não só se baseou em fundamento legal inconsistente como violou, no seu dispositivo, disposição legal imperativa dos n.os 5 e 6 do art.º 17.º do DL n.º 35/2003. Impunha-se ao autor do ato impugnado reconhecer que se formara na esfera jurídica do Autor, qualquer que fosse o mérito da reclamação, o direito a ser admitido e graduado, pelo que tal ato terá de ser anulado, em conformidade com o art.º 135.º do CPA.

Pelo mesmo motivo – a formação daquele ato silente – é, naturalmente, anulável o ato objeto do recurso hierárquico. Com efeito, tal ato – a exclusão do Autor – violou o direito adquirido do mesmo Autor a ser admitido ao concurso e graduado conforme o que resultasse dos dados constantes da reclamação integrada.
(…)
Assim, de tudo o que o ato pedido implicava é possível ter como devidas a admissão do Autor ao concurso e sua graduação no lugar que competir à pontuação de 34,690, reformulando-se as listas definitivas em conformidade. Nesta parte poderá e deverá ser o Réu condenado a praticar o correspondente ato administrativo”

(cfr. acórdão de folhas 49 a 61 do suporte físico do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

8) Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.09.2012, foi a decisão de 1.ª Instância confirmada e mantida quanto ao mérito, tendo sido revogada apenas no segmento relativo à condenação em custas (cfr. acórdão de folhas 37 a 48 do suporte físico do processo).

9) Pelo ofício n.º B13000966E, de 11.01.2013, proveniente da Direção-Geral da Administração Escolar, foi o Autor notificado de que, “nos termos do artigo 66.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), por despacho de 09/01/2013 do Senhor Diretor-Geral da Administração Escolar, (…) lhe é atribuída colocação em quadro da EB23 da (...) (AE da (...)), grupo de docência 25, atual grupo de recrutamento 420 – Geografia, no ano de 2005/2006”, bem como de que “são anuladas as colocações de quadro obtidas em 2006 e 2009 nas EB23 da (...), atual AE de (...) – 120960 e ES/3 de (...), atual AE de (...) – 160623, respetivamente” (cfr. documento de folhas 63 do suporte físico do processo).

10) O Autor reside, desde 1999, em (...), actualmente em moradia unifamiliar própria, tendo nessa localidade constituído família e aí morando com a esposa e o filho, nascido em 2001 (cfr. documentos de folhas 81 a 107 do suporte físico do processo).

11) No ano letivo de 2005/2006, na sequência da sua exclusão do concurso interno e externo referido supra, o Autor permaneceu colocado e a exercer funções docentes no Agrupamento de Escolas de (...), no qual já estava colocado no ano letivo anterior (cfr. documentos de folhas 64, 351 e 352 do suporte físico do processo).

12) No Agrupamento de Escolas de (...) o Autor prestou, em 2005, 82 dias de serviço efectivo e, em 2006, 142 dias de serviço efectivo (cfr. documento de folhas 64 do suporte físico do processo).

13) Em todos os dias em que prestou serviço efectivo no referido Agrupamento, o Autor deslocou-se, de e para o local de trabalho, sozinho e em viatura própria, da marca Renault, modelo Mégane, matrícula XX-XX-RF, de 2001, a gasolina (cfr. documento de folhas 237 do suporte físico do processo).

14) Entre (...) e (...) distam cerca de 102 km, com um tempo estimado de condução de 1 hora e 6 minutos, em cada percurso de ida e volta (cfr. doc. de fls. 108 do suporte físico do processo).

15) No ano letivo de 2006/2007 o Autor concorreu ao concurso interno e ficou colocado na Escola EB 2/3 de (...), atual Agrupamento de Escolas de (...), tendo, ainda, concorrido a destacamento por aproximação à residência e ficado destacado a exercer funções docentes na Escola Secundária de (...), actual Agrupamento de Escolas de (...) (cfr. documento de folhas 351 e 352 do suporte físico do processo).

16) O destacamento do Autor na Escola Secundária de (...) manteve-se durante os anos letivos subsequentes de 2007/2008 e 2008/2009 (cfr. documento de folhas 351 e 352 do suporte físico do processo).

17) No ano lectivo de 2009/2010 o Autor concorreu ao concurso interno e ficou colocado no Agrupamento de Escolas de (...), colocação que se manteve até ao ano letivo de 2012/2013, mais concretamente até ao dia 01.02.2013 (cfr. documento de folhas 351 e 352 do suporte físico do processo).

18) O Autor não concorreu ao destacamento por aproximação à residência aberto no mesmo ano letivo de 2009/2010 (cfr. documentos de folhas 333, no verso, a 338 do suporte físico do processo).

19) O Autor não concorreu aos destacamentos por condições específicas entre os anos letivos de 2005/2006 e 2012/2013.

20) Na Escola Secundária de (...)/Agrupamento de Escolas de (...) o Autor prestou os seguintes dias de serviço efetivo:
em 2006, 81 dias;
em 2007, 227 dias;
em 2008, 230 dias;
em 2009, 230 dias;
em 2010, 230 dias;
em 2011, 228 dias;
em 2012, 230 dias;
em 2013, 21 dias.

(cfr. documentos de folhas 65 a 79 do suporte físico do processo).

21) Em todos os dias em que prestou serviço efectivo na referida Escola / Agrupamento, o Autor deslocou-se, de e para o local de trabalho, sozinho e em viatura própria, da marca Renault, modelo Mégane, matrícula XX-XX-RF, de 2001, a gasolina (cfr. documento de fls. 237 do suporte físico do processo).

22) Entre (...) e (...) distam cerca de 41 km, com um tempo estimado de condução de 55 minutos, em cada percurso de ida e volta (cfr. documento de folhas 110 e 111 do suporte físico do processo).

23) O Autor começou a exercer funções no Agrupamento de Escolas da (...), na sequência da comunicação vertida no ofício referido supra no ponto 9), no dia 04.02.2013 (cfr. documento de folhas 351 e 352 do suporte físico do processo).

24) Entre (...) e a (...) distam cerca de 10 km, com um tempo estimado de condução de 16 minutos, em cada percurso de ida e volta (cfr. documento de folhas 112 do suporte físico do processo).

25)Entre os anos letivos de 2005/2006 e 2012/2013, mais concretamente até 01.02.2013, o Autor suportou gastos acrescidos com combustível para efeitos das suas deslocações de e para as Escolas/Agrupamentos de Escolas onde exercia funções, deslocações que também provocaram desgaste e desvalorização da sua viatura.

26) Durante todo aquele período de tempo, o Autor sentiu revolta, irritação e angústia por ter sido excluído do concurso referido supra e chegava a casa cansado, stressado, física e psicologicamente, sem vontade nem paciência para viver a sua vida pessoal e familiar.

27) O Autor sofreu acidente de viação em 1986, do qual resultou um diagnóstico de “achatamento da 3.ª lombar”, tendo ficado com sequelas que lhe provocam, ainda hoje, dores na região lombar e na coluna, e que se acentuaram durante o período em que teve de conduzir durante mais tempo nas suas deslocações para (...) e (...) (cfr. documento de folhas 115 do suporte físico do processo).

28) A petição inicial da presente acção, dirigida contra o Ministério da Educação e Ciência, deu entrada em juízo no dia 21.05.2013 (cfr. documento de folhas 5 do suporte físico do processo).

29) O Réu Estado Português foi citado na presente acção no dia 11.09.2017 (cfr. documento de folhas 269 do suporte físico do processo).

30) A sua citação foi requerida pelo Autor no dia 11.09.2013.

Importa ainda aditar, a par do facto constante da alínea 20), e por interessar para uma solução alternativa do pleito, a defendida pelo Autor, o seguinte facto, invocado no articulado inicial e não impugnado:

31)Para se deslocar à Escola Secundária de (...)/Agrupamento de Escolas de (...), autor teve de percorrer mais os seguintes quilómetros do que percorreria se estivesse colocado na (...):

. Em 2005 (Setembro a Dezembro) – 15.088 Km.
. Em 2006 - 26.128 km.
. Em 2007 (Janeiro a Agosto) - 8.928 km.
. Em 2007 (Setembro a Dezembro) - 5.146 km.
. Em 2008 (Janeiro a Agosto) - 9.052 km.
. Em 2008 (Setembro a Dezembro - 5.208 km.
. Em 2009 (Janeiro a Agosto) - 9.052 km.
. Em 2009 (Setembro a Dezembro) - 5.208 km.
. Em 2010 (Janeiro a Agosto) - 9.052 km.
. Em 2010 (Setembro a Dezembro)- 5.208 Km.
. Em 2011 (Janeiro da Agosto) - 8.990 km.
. Em 2011 (Setembro a Dezembro) - 5.146 km.
. Em 2012 (Janeiro a Agosto)- 9.114 km.
. Em 2012 (Setembro a Dezembro) - 5.146 km.
. Em 2013 - 1.302 km.
Cfr. documentos 4 a 11 e 13 a 15 da petição inicial e acordo das partes).
*
III - Enquadramento jurídico.

1. Quantum indemnizatório dos danos patrimoniais.

1.1. Os quilómetros a mais percorridos pelo Autor.

Pretende o Autor que seja aplicado o subsídio de transporte em viatura própria, por quilómetro, aos funcionários e agentes da Administração Pública, nos termos do Decreto-Lei nº 106/98, de 24.04 e sucessivas Portarias que fixaram tais quantitativos. Por aplicação analógica.

E tem razão, no essencial.

Diz-se na decisão recorrida que:

“No que respeita à fixação do quantum indemnizatório, sendo o princípio geral vigente nesta matéria o prescrito no art.º 562.º do Código Civil (nos termos do qual “quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”), deve dar-se preferência, sempre que possível, à reconstituição natural. Todavia, quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa, a indemnização deve ser fixada em dinheiro (art.º 566.º, n.º 1, do Código Civil). Acresce que, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil).

No que se refere aos danos patrimoniais, temos que, como deixámos dito, o A. tem direito a ser indemnizado pelos gastos acrescidos que teve de suportar com combustível nas suas deslocações de e para as Escolas/Agrupamentos de Escolas onde exercia funções, deslocações que também provocaram desgaste e desvalorização da referida viatura. No entanto, atendendo à significativa extensão do período de tempo em que tais danos se foram verificando – desde o início do ano letivo de 2005/2006 até 01/02/2013 – não era exigível ao A. lesado apresentar documentos comprovativos de toda e cada uma das despesas em que incorreu relacionadas com o combustível da viatura, sendo que a quantificação do seu desgaste e desvalorização, decorrentes de uma utilização mais intensa da viatura provocada pelas deslocações efetuadas, também não se afigura como suscetível de ser comprovada mediante elementos documentais.

Ora, não podendo apurar-se exatamente o montante dos referidos danos patrimoniais, justifica-se, portanto, que os mesmos sejam determinados segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal teve como provados, nos termos do citado art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil, juízo esse que exige, além do mais, que esteja apurado um mínimo de elementos sobre a natureza e extensão dos danos que permita ao julgador computá-los em valores próximos daqueles que realmente lhes correspondem (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/01/2005, proc. n.º 0436787, publicado em www.dgsi.pt).

No caso dos autos, não se nos afigura equitativo, porém, o recurso à aplicação do quantitativo devido a título de subsídio de transporte em automóvel próprio, por quilómetro, aos funcionários e agentes da Administração Pública, nos termos do Decreto Lei n.º 106/98, de 24/04, e sucessivas Portarias que fixaram tais quantitativos. Isto porque este diploma legal está especialmente previsto para as situações em que os trabalhadores que exercem funções públicas se têm de deslocar do seu domicílio necessário por motivo de serviço público, domicílio necessário esse que é a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço, a localidade onde exerce funções ou a localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções. No caso vertente, trata-se, pelo contrário, de deslocações de e para o domicílio necessário do A., isto é, a localidade onde exerce funções ou a localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional (as escolas onde ficou colocado).

Não tem, por isso, razão de ser nem fundamento, à luz de um juízo de equidade, a aplicação dos montantes de subsídio de transporte a que o citado diploma se refere.

Aqui chegados, julgamos que o critério equitativo para fixação do montante dos danos patrimoniais sofridos pelo A. passará antes, por um lado, pela determinação de um valor médio do preço da gasolina (sem chumbo 95), por litro, entre os anos de 2005 e 2013, e, por outro lado, pela multiplicação desse valor médio pelo número total de litros de gasolina consumidos pela viatura do A. para percorrer o número de quilómetros a mais, nesse período de tempo, até (...) e (...), por comparação com o que teria de percorrer até à (...), sendo este último valor (total de litros de gasolina consumidos) determinado, face à experiência da vida e ao senso comum, por referência a um consumo médio de 5 litros aos 100km, atendendo à viatura em causa (Renault Mégane). Ao valor assim fixado deverá, ainda, acrescer um quantitativo pelo inevitável desgaste e desvalorização do veículo em resultado do maior número de quilómetros que teve de percorrer entre 2005 e 2013, não fora o ato ilegal e ilícito.

Assim, tendo por referência os dados relativos aos preços médios anuais de venda ao público da gasolina sem chumbo 95 em Portugal Continental que constam da página da internet “https://www.pordata.pt/DB/Portugal/Ambiente+de+Consulta/Tabela”, temos que os preços médios de combustível, por litro, entre 2005 e 2013, foram os seguintes:

Ano Preço médio (por litro)
2005 € 1,15
2006 € 1,28
2007 € 1,32
2008 € 1,39
2009 € 1,24
2010 € 1,37
2011 € 1,55
2012 € 1,64
2013 € 1,58
Média total € 1,39

O número total de quilómetros a mais que o A. teve de percorrer, neste período de tempo, até (...) e (...), por comparação com o que teria de percorrer até à (...), foi o seguinte, tendo por base a factualidade dada como provada nos autos (cfr. pontos12, 14, 20, 22 e 24 dos factos provados):

em 2005, o A. percorreu 15.088 km a mais (82 dias x 184 km);
em 2006, o A. percorreu 31.150 km a mais [(142 dias x 184 km) + (81 dias x 62 km)];
em 2007, o A. percorreu 14.074 km a mais (227 dias x 62 km);
em 2008, o A. percorreu 14.260 km a mais (230 dias x 62 km);
em 2009, o A. percorreu 14.260 km a mais (230 dias x 62 km);
em 2010, o A. percorreu 14.260 km a mais (230 dias x 62 km);
em 2011, o A. percorreu 14.136 km a mais (228 dias x 62 km);
em 2012, o A. percorreu 14.260 km a mais (230 dias x 62 km);
em 2013, o A. percorreu 1.302 km a mais (21 dias x 62 km);  no total, o A. percorreu 132.790 km a mais.

Ora, considerando um consumo médio de 5 litros aos 100 km, temos que o A. consumiu 6.639,50 litros de gasolina para percorrer os referidos 132.790 km entre os anos de 2005 e 2013 [(132.790 km x 5 litros) / 100 km].

Multiplicando o número total de litros de gasolina consumidos (6.639,50) pelo preço médio do litro da gasolina, acima apurado (€ 1,39), chegamos ao valor de € 9.228,91, correspondente à despesa média total que o A. teve de suportar com os gastos acrescidos de combustível para efeitos das suas deslocações de e para as Escolas/Agrupamentos de Escolas onde exerceu funções entre os anos de 2005 e 2013.

Devendo, em consequência, ser tal valor considerado, em termos de equidade, para efeitos de quantificação dos referidos danos patrimoniais.”

Vista a sentença, sem tal ser assumido, dão-se como notórios – e por isso não foram objecto de instrução nem constam da matéria de facto provada - factos que estão longe de ser notórios, como seja o de o veículo do Autor consumir 5 litros aos 100 Km ou consumir gasolina de 95 em vez de 98 octanas.

O mesmo se diga em relação ao item que se segue, o da desvalorização do veículo.

Em particular em relação ao consumo médio de 5 litros aos 100 Km afigura-se, tal como defende o Autor, ora Recorrente, bastante abaixo do consumo médio que se pode presumir de acordo com as regras de experiência comum para um Renault Mégane, de 2001 (com 1390 cm3, segundo o Autor).

Hoje poucos são os veículos, com 1400 cm3 (valor arredondado), a gasolina, que conseguem esse consumo médio (misto de estrada e cidade) e os veículos hoje em dia são muito mais económicos do que eram os fabricados em 2001.

Utilizar o valor das ajudas de custo ou subsídio de transporte em viatura própria atribuído aos funcionários e agentes da Administração Pública, nos termos do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24.04, e sucessivas Portarias que estabeleceram tais quantitativos, para fixar em concreto o valor a indemnizar pelos danos patrimoniais em causa, o acréscimo de quilómetros que o Autor, ora Recorrente, teve de percorrer nas suas deslocações em virtude do acto ilegal aqui dado à execução, mostra-se um critério adequado para fixar a indemnização devida a este título.

Não se trata de aplicar directamente estas normas. Na verdade, o diploma legal em apreço está especialmente previsto para as situações em que os trabalhadores que exercem funções públicas se têm de deslocar do seu domicílio necessário por motivo de serviço público, domicílio necessário esse que é a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço, a localidade onde exerce funções ou a localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções. E no caso vertente, trata-se, pelo contrário, de deslocações de e para o domicílio necessário do Autor, isto é, a localidade onde exerce funções ou a localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional (as escolas onde ficou colocado).

De resto este argumento jurídico passa ao lado da tese do Autor que nunca defendeu a aplicação directa desta norma.

Mas também não se trata de aplicar analogicamente a norma.

Trata-se de antes de aplicar esse valor como concretização do “juízo de equidade” necessário à integração das normas constantes dos n.ºs1 e 3 do artigo 566º do Código Civil, ou seja, de fixar em dinheiro a indemnização devida de forma equitativa “dentro dos limites que tiver por provados”.

Evitando a arbitrariedade e a deriva que pode resultar da aplicação de critérios subjectivos para cada caso concreto, como sejam, reportando-nos ao caso dos autos, escolher o tipo de combustível e o consumo médio a considerar.

O critério legal defendido pelo Autor é o mais objectivo e, por isso, menos sujeito à arbitrariedade. Por isso também o mais equitativo no caso concreto. O que o Autor, ora Recorrente, acaba por defender.

Por outro lado, o legislador do Decreto-lei 106/98 e Portarias subsequentes que definem o montante devido por quilómetro nas deslocações em viatura própria, tem em conta vários factores para alcançar esse montante, computando nele não só custos da utilização e desgaste da viatura, como também os incómodos e desgaste do próprio funcionário com a deslocação.

O que nos leva a imputar neste valor todos os danos patrimoniais, incluindo a desvalorização da viatura, e também os normais danos morais que podem ser peticionados em situações como a dos autos, não merecendo uma valoração autónoma, como o próprio Autor, ora Recorrente, admite.

Com a excepção - que adiante vamos abordar – quanto aos danos morais.

A este título temos de considerar os valores referidos pelo Autor, ora Recorrente, nos artigos 48º e 49º da petição inicial:

- 2005: € 0,36 por quilómetro, nos termos do artigo 9.º, alínea a) da Portaria n.º 424/2005, de 17 de Janeiro;

- 2006: € 0,37 por quilómetro, nos termos do artigo 9.º, alínea a) da Portaria n.º 229/2006, de 10 de Março;

- 2007: € 0,38 por quilómetro, nos termos do artigo 9.º, alínea a) da Portaria n.º 884/2007, de 18 de Janeiro;

- 2008: € 0,39 por quilómetro, nos termos do artigo 9.º, alínea a) da Portaria n.º 2 304/2008, de 10 de Janeiro;

- 2009: € 0,40 por quilómetro, nos termos do artigo 4.º, alínea a) da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro;

- 2010: € 0,40 por quilómetro, nos termos do artigo 4.º, alínea a) da Portaria n.º 1553D/2008, de 31 de Dezembro, que se manteve em vigor;

- 2011: € 0,36 por quilómetro, nos termos do artigo 4.º, n.º 4º, do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, que determinou a redução de 10% relativamente ao quantitativo definido pela Portaria n.º 1553-D/2008, de 31.12;

- 2012: € 0,36 por quilómetro, nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, que se manteve em vigor para 2012;

- 2013: € 0,36 por quilómetro, nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, que se manteve em vigor para 2013.

Temos assim os seguintes valores indemnizatórios parciais:

a) Em 2005 o Autor teve de percorrer mais 184 km diários do que faria se estivesse colocado na (...), o que perfaz um total de 15.088 km a mais percorridos entre Setembro e Dezembro de 2005, e um montante parcial 5.431,68 euros.

b) Em 2006 o Autor teve de percorrer, diariamente, 184 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo um total de 26.128 km a mais, a que correspondem 9.667,36 euros.

c) Em 2006 ainda, mas agora entre Setembro e Dezembro deste ano o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 5.022 km a mais, a que correspondem 1.858,14 euros.

d) Em 2007 o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 8.928 km a mais, a que correspondem 3.392,64 euros.

e) Em 2007 ainda, mas agora entre Setembro e Dezembro deste ano, o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 5.146 km a mais, a que correspondem 1.955,48 euros.

f) Em 2008 ainda no letivo de 2007-2008, de Janeiro a Agosto, o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 9.052 km a mais, a que correspondem 3.530,28 euros.

g) Em 2008 ainda, mas agora entre Setembro e Dezembro deste ano (já ano letivo de 2008-2009) o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 5.208 km mais, a que correspondem 2.031,12 euros.

h) Em 2009 ainda no ano letivo de 2008-2009, entre Janeiro e Agosto, o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 9.052 km a mais, a que correspondem 3.620,80 euros, aplicando o quantitativo devido para este ano.

i) Em 2009 ainda, mas agora entre Setembro e Dezembro deste ano (já ano letivo de 2009-2010) o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 5.208 km, a que correspondem 2.083,20 euros.

j) Em 2010 ainda no ano letivo de 2009-2010, mas entre Janeiro e Agosto, o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 9.052 km a mais, a que correspondem 3.620,80 euros.

k) Em 2010 ainda, mas agora entre Setembro e Dezembro deste ano o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 5.208 km a mais, a que correspondem 2.083,20 euros.

l) Em 2011 ainda no ano lectivo de 2010-2011, o Autor de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses de Janeiro e Agosto um total de 8.990 km a mais, a que correspondem 3.236 40 euros, aplicando o quantitativo devido para este ano.

m) Em 2011 ainda, mas agora entre Setembro e Dezembro deste ano (já ano letivo de 2011-2012) o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 5.146 km a mais, a que correspondem 1.852 56 euros.

n) Em 2012 ainda no ano letivo de 2011-2012, entre Janeiro e Agosto, o Autor teve de percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 9.114 km a mais, a que correspondem 3.281 04 euros.

o) Em 2012 ainda, mas agora entre Setembro e Dezembro deste ano , o Autor teve 83 dias de exercício efetivo de funções no Agrupamento de Escolas de (...), sendo assim obrigado a percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo entre os meses mencionados um total de 5.146 km a mais, a que correspondem 1.852 56 euros aplicando o quantitativo devido para este ano.

p) Em 2013 ainda no ano lectivo de 2012-2013, o Autor teve 21 dias de exercício efetivo de funções no Agrupamento de Escolas de (...), sendo assim obrigado a percorrer, diariamente, 62 km a mais do que faria se estivesse colocado na (...), perfazendo um total de 1.302 km a mais, a que correspondem 468,72 euros.

O que perfaz um montante total de 49.965,98 € (quarenta e nove mil novecentos e sessenta e cinco euros e noventa e oito cêntimos), a que o Autor tem direito a título de indemnização pelos danos patrimoniais (e que inclui danos morais) causados pelo acto ilícito. Com a excepção que a seguir se irá referir, a título de danos morais.

1.2. O desgaste e desvalorização do veículo usado nessas deslocações de casa para a escola e vice-versa por força da quilometragem adicional.

Integrando-se este quantitativo indemnizatório no valor dos danos patrimoniais acima fixados, em termos equitativos, fica prejudicado o conhecimento desta questão, do valor autónomo fixado a este título pela decisão recorrida.

2. Os juros vencidos e vincendos sobre os danos patrimoniais.

O Estado Português só foi citado em 07.09.2017, mas a sua citação foi requerida em 11.09.2013.

O artigo 805º nº 3, 2ª parte, do Código Civil prescreve que, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito, o devedor constitui-se em mora desde a citação.

A citação fez-se quase quatro anos depois de ter sido requerida, tendo sido inicialmente accionado um Ministério que depois deu lugar no processo ao Estado Português representado pelo Ministério Público, pelo que existe um hiato de quase quatro anos que ficaria sem tutela se não se considerar a data da citação como tendo ocorrido cinco dias após ter sido requerida, aplicando-se à situação dos autos, por analogia, o disposto no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, considerando-se o Réu citado no dia 17.09.2013, ou seja, cinco dias após ter sido requerida a sua citação.

É a partir de 17.09.2013 que se vencem os juros sobre os danos patrimoniais.

3. O “quantum” indemnizatório dos danos não patrimoniais.

O montante fixado a título de danos morais ou não patrimoniais na sentença recorrida, de 4.000,00 euros, não pode ser autonomizado no que integra o normal desgaste físico e moral nas deslocações, como acima se expôs.

Fora deste cálculo estão, no entanto, os danos morais, extraordinários e relevantes, que ficaram provados sob a alínea 27): o Autor sofreu acidente de viação em 1986, do qual resultou um diagnóstico de “achatamento da 3.ª lombar”, tendo ficado com sequelas que lhe provocam, ainda hoje, dores na região lombar e na coluna, e que se acentuaram durante o período em que teve de conduzir durante mais tempo nas suas deslocações para (...) e (...).

Tendo em conta a situação concreta e em particular o período pelo qual se prolongou esta situação de desgaste físico e moral acrescido, entre 2005 e 2013, mostra-se equitativo fixar a este título a quantia de 1.000 € (mil euros).

4. Juros vincendos sobre os danos não patrimoniais.

Tratando-se de um montante atualizado sobre o mesmo apenas vencerão juros de mora, à taxa legal, a partir da prolação da presente decisão até efetivo e integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1, do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 08.04 (cfr. o acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, de 09.05.2002, publicado em Diário da República, Série I-A, n.º 146, de 27.06.2002, bem como o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 05.07.2012, proc. n.º 02767/06.3 PRT, publicado em www.dgsi.pt).
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam a acção parcialmente procedente.

2.1. Condenam o Réu a pagar ao Autor a indemnização de 49.965,98 € (quarenta e nove mil novecentos e sessenta e cinco euros e noventa e oito cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, a que acrescem juros de mora às taxas legais, desde 17.09.2013.

2.2. Condenam o Réu a pagar ao Autor a quantia de 1.000 € (mil euros), a título de indemnização por danos morais, a que acrescem juros de mora desde a presente data.

2.3. Absolvem o Réu do mais que é pedido.

Custas na proporção do decaimento.
*

Porto, 30.04.2020



Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco, com a declaração de voto que segue:

DECLARAÇÃO DE VOTO
Embora acompanhando o essencial da argumentação aduzida no acórdão, entendo que o valor referência utilizado na mensuração do prejuízo invocado, reportado ao quantitativo devido a título de subsídio de transporte em automóvel próprio, por quilómetro, aos funcionários e agentes da Administração Pública, nos termos do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24/04, e sucessivas Portarias de atualização, extravasa os parâmetros equitativos que a realidade controvertida aconselha, pois que os referidos montantes têm objetivo e objeto diverso, em face do que tenderia a confirmar os valores indemnizatórios fixados em 1ª Instância.

Porto, 30 de abril de 2020

Frederico Macedo Branco