Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00458/10.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE MATÉRIA DE FACTO - ACIDENTE DE VIAÇÃO - RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL - DANOS - INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I- Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 662º do C.P.C. , o Tribunal Superior só deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa.

II- A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, sendo que na indemnização pelo dano não patrimonial o "pretium doloris" deve ser fixado, por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida.

III- Nos casos em que o Tribunal a quo se socorre de juízos de equidade para determinar se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, o Tribunal Superior só deve intervir quando tais juízos se revelem, de forma patente, em colisão com critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados em circunstâncias semelhantes.

IV- A conduta ilícita e culposa do lesado que é transportado no veículo sem que tivesse colocado o cinto de segurança tem toda a aptidão para contribuir para o agravamento dos danos sofridos em caso de acidente, justificando-se, por isso, que essa conduta seja valorada, ao abrigo do disposto no art. 570º do CC, para reduzir, em 20 %, o valor da indemnização a que tenha direito pelos danos que sofreu em consequência de um embate frontal do veículo onde seguia.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...) e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *


I – RELATÓRIO

A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro promanada no âmbito da Ação Administrativa Comum por esta intentada contra o MUNICÍPIO DE (...); M. e mulher R.; A. COMPANHIA DE SEGUROS, S.A; FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL; e B.. COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., também com os sinais dos autos, que, em 19.06.2019, julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu MUNICÍPIO DE (...) a pagar à Autora a (i) quantia de € 43,904,00, a título de compensação por danos patrimoniais; (ii) a quantia de €10,500,00, a título de compensação por danos não patrimoniais; (iii) e ainda o montante correspondente a 35% das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto a cirurgias a que tenha de ser submetida, óculos que tenha que ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver que fazer, deslocações que ainda tiver que efectuar, medicamentos e demais despesas conexas e que sejam consequência do acidente a que se reporta os autos e das lesões que do mesmo resultaram, mais absolvendo o Réu do peticionado.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

- Apesar de constar da fundamentação da Sentença, o Tribunal A quo omitiu, no dispositivo, a condenação do Réu no pagamento dos juros até efetivo e integral pagamento.
- Trata-se manifestamente de um mero lapso passível de ser corrigido, pelo que deve ser corrigida a sentença, no sentido de ficar a constar que sobre cada uma das quantias parcelares em que o Réu for condenado a pagar acrescem juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a citação até efetivo e integral pagamento.
- Considerando a culpabilidade do responsável, à situação económica de lesado e lesante, às lesões sofridas, às sequelas de que a lesada ficou afetada, ao sofrimento físico-psíquico por esta experimentado, à equidade, ao que consta nos factos provados da sentença (e supra reproduzidos), ao que consta do relatório médico, à idade da Autora à data do acidente, ao número de anos com que já viveu e ainda irá ter de viver com as sequelas decorrentes do sinistro, é justa e equitativa a indemnização, a título de danos não patrimoniais, de € 58.000,00.
- A discordância da Autora, no presente recurso e quanto à matéria de facto provada e não provada restringe-se ao facto provado sob a alínea D, onde vem dado como provado que a Autora circularia sem o cinto de segurança colocado e ao facto não provado sob o n° 12°, onde vem dado como não provado que a Autora seguia no veículo PM com o cinto de segurança aplicado à volta do corpo.
- Relativamente à questão do uso, ou não, do cinto de segurança pela Autora na altura do acidente, podemos ler na fundamentação da sentença que o Tribunal fundou a sua convicção de que não usaria cinto, baseado nos depoimentos de A. e D. ... e que, nessa parte, desvalorizou o depoimento do condutor do PM (pai da Autora), que afirmou que a sua filha usava o cinto de segurança.
- Contudo, e com todo o respeito, não se entende como o Tribunal chegou a esta conclusão e esta falta de entendimento decorre do facto da testemunha A. ter, basicamente e contrariamente ao que refere a sentença, prestado um depoimento no sentido de que a Autora fazia, de facto, no momento do acidente, uso do cinto de segurança.
- Dos depoimentos de:
* H., ouvido no dia 06.11.2018, cujo depoimento completo se encontra gravado de 01.34.40 a 2.27.13, da gravação do Tribunal e no que toca a este ponto concreto, de 1.50.00 a 1.51.28, de 1.50.00 a 1.51.28, de 1.52.50 a 1.53.06, de 2.40.40 a 2.41.26 e de 2.54.30 a 2.56.12
* A., ouvido no dia 14.12.2018, cujo depoimento completo se encontra gravado de 01.37.20 a 02.07.30, da gravação do Tribunal e no que toca a este ponto em concreto, de 01.59.18 a 2.02.13 ...
* D., ouvido no dia 14.12.2018, cujo depoimento completo se encontra gravado de 02.08.20 a 02.37.00, da gravação do Tribunal e no que toca a este ponto em concreto, de 2.35.16 a 2.36.34 .
- Resulta que apenas se pode concluir que a Autora seguia efetivamente com o cinto de segurança colocado bem como que não há contradição entre o que as testemunhas A. e H. referiram;
- Por outro lado, e mesmo aceitando, na teoria, que a credibilidade da testemunha H. (apesar de, recorde-se, ser mera testemunha nestes Autos) possa levantar algumas reservas ao Tribunal face à qualidade de condutor que era no acidente dos Autos e ainda da qualidade de pai da Autora, a verdade é que é esse mesmo Tribunal que considerou que este prestou um depoimento credível quanto à matéria do acidente. Reputou-o como sério e coerente. Capaz de convencer, como convenceu, o Tribunal. Daí que não se conceba que essa mesma testemunha preste um depoimento incapaz de convencer o Tribunal quando diz que a filha levava cinto, especialmente se (e contrariamente ao que vem dito na sentença) esse facto é corroborado por outra testemunha, também ela considerada credível.
10ª - É certo que a Autora apresentava lesões no rosto que indicavam que tivesse sido projetada para a frente. Mas não esqueçamos que estamos em 2002 e, pela matrícula do veículo, sabemos que ele teria mais de 10 anos à data do acidente. Os cintos não tinham as mesmas aptidões dos cintos de hoje em dia para prender um passageiro ao banco em caso de impacto.
11ª - O cinto estava colocado, sim, mas não impediu que com o impacto, o corpo da Autora fosse “projetado” para a frente. Esta é a única conclusão que se pode retirar da prova efetuada em julgamento, analisada conjuntamente e em termos criteriosos.
12ª - Face ao exposto, é evidente que o elenco dos factos provados e não provados deve ser alterado, no sentido que segue:
• o facto provado na al. D) deve ser alterado para: “com o cinto de segurança colocado”
• o facto não provado sob o número 13 deve ser eliminado.
13ª - A matéria constante da prova produzida em Audiência, e gravada em suporte magnético é concludente, posto que ali vêm constatados factos que o Tribunal “A Quo”, incompreensivelmente, omitiu ou interpretou erradamente.
14ª - É de todo incompreensível a interpretação que a Mma Juiz A Quo fez dos depoimentos prestados em audiência, assim como é incompreensível a completa omissão das regras da experiência e do senso comum.
15ª - Devem, como se disse, as respostas à matéria de facto acima enunciadas ser alteradas, com as consequências do disposto no art°. 662° n°. 1 do Cód. Proc. Civil.
16ª - Com a alteração da matéria de facto por que se pugnou acima, e que se espera seja deferida, não se pode concluir que a Autora seguia sem o respetivo cinto de segurança colocado. Pelo contrário. Contudo, saber se o cinto de segurança era ou não apto a prender devidamente a menor ao assento é outra questão. Mas quanto a isso, diremos nós, que culpa tem o pai da Autora ou a própria Autora de os cintos, àquela data, não terem a capacidade que atualmente têm? Nenhuma!
17ª - Imaginemos o mesmo acidente ocorrido hoje em dia, com um veículo devidamente apetrechado com cintos de segurança eficazes e com airbags. Com o impacto, o passageiro até poderia não embater nem no tablier nem no vidro mas o airbag disparava e o passageiro nele embatia. Sabe-se que estes contêm químicos extremamente perigosos que provocam lesões, designadamente a nível ocular. Neste contexto, a culpa do Réu, responsável pelo acidente, estaria diminuída? Ou, vendo do prisma oposto, o condutor do veículo seria responsável, ainda que parcialmente, pelos danos provocados pelo rebentamento do airbag? Obviamente que não.
18ª - Até podemos aceitar que o pai da Autora tenha alguma responsabilidade pelo facto de permitir que esta circulasse no banco da frente, mas já não se aceita que a esse facto deva ser atribuída uma proporção tão elevada de responsabilidade como a que a sentença fixou, para a produção dos danos sofridos pela sua filha, que sempre ocorreriam com cintos mais eficazes e num veículo “melhor apetrechado”.
19ª - Relevante aqui também relembrar e salientar que o condutor do PM não foi considerado responsável pela produção do acidente, pois que a ele não foram atribuídas culpas a esse nível - vale isto por dizer que se o Réu Município tivesse cumprido com as suas obrigações de sinalizar devidamente o local, o acidente (e consequentemente, os danos), não ocorreria.
20ª - Dito isto, a responsabilidade do pai da Autora para o agravamento dos danos jamais poderá ser computada em mais de 20%, sendo a proporção de 65% de responsabilidade no agravamento dos danos é de uma atrocidade indescritível, além de ser completamente arbitrária, pelo que deve ser reduzida para não mais de 20%.
21ª - O Réu terá de se cifrar nos seguintes montantes e termos:
- dano moral: € 46.400,00 (€ 58.000,00 - 20% = 11.600,00)
- dano patrimonial: € 100.352,00 (€ 125.440,00 - 20% = € 25.088,00)
- e bem ainda o valor correspondente a 80% das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto a cirurgias a que tenha de ser submetida, óculos que tenha de ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver de fazer, deslocações que ainda tiver que efectuar, medicamentos e demais despesas conexas e que sejam consequência do acidente a que se reporta os autos e das lesões que do mesmo resultaram.
22ª - Ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos art°s 607° n°s. 3, 4 e 5 do C. P. Civil e no art° 805°, n° 3 do Cód. Civil, dos quais (de todos) fez uma incorreta interpretação e aplicação, sendo ainda manifesto o erro na apreciação da prova, tudo a determinar os termos do art°. 662° n°s. 1, 2, 3, 4 e 5 do C. P. Civil.
NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, na procedência do presente recurso, revogando a douta Sentença de Primeira Instância e proferindo Acórdão que altere a sentença nos termos preconizados nas precedentes conclusões 2ª, 3ª, 12ª, 20ª e 21ª, V. Exas. Exas farão, como sempre, a habitual J U S T I Ç A (…)”.
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B.. COMPANHIA DE SEGUROS declarou aderir a este recurso jurisdicional “(…) no que concerne à desresponsabilização do condutor do XX-XX-XX, por si segurado (Conclusões 4ª a 20ª) – Artº 634º, nº 2, al. a), e nº 3 do CPC (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência parcial da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir consistem em determinar se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, por “(…) violação dos art°s 607° n°s. 3, 4 e 5 do C. P. Civil e no art° 805°, n° 3 do Cód. Civil, dos quais (de todos) fez uma incorreta interpretação e aplicação, sendo ainda manifesto o erro na apreciação da prova, tudo a determinar os termos do art°. 662° n°s. 1, 2, 3, 4 e 5 do C. P. Civil (…)”.

Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [positivo, negativo e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
Factos provados
A) A Autora nasceu em 05 de junho de 1991;
B) No dia 20 de setembro de 2002, cerca das 21h:30m, o pai da Autora, H., conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XX (de ora em diante designado por PM), do qual era proprietário à data;
C) E transportava consigo a Autora, que seguia à frente, no lugar reservado ao passageiro;
D) Sem o cinto de segurança colocado;
E) Circulavam na Estrada Nacional 328 (EN 328), na freguesia de Castelões, Concelho de Vale de Cambra, no sentido (...) - (...);
F) Seguindo pela respetiva hemi-faixa direita de rodagem;
G) Com as luzes do PM acesas nos médios;
H) E a uma velocidade superior a 40 Km/h;
I) A estrada no local desenvolve-se numa reta, de 102 metros de comprimento, e situada entre duas curvas, ambas para a direita (naquele sentido (...) - (...));
J) É em declive, que é descendente, considerando o aludido sentido de marcha;
K) Tem pavimento asfaltado em bom estado de conservação, com 6,10 metros de largura;
L) E iluminação pública;
M) Dispõe de duas hemifaixas de rodagem e dois sentidos de marcha;
N) Delimitados ao eixo da via por um traço descontínuo pintado no pavimento;
O) A que se seguem passeios para peões, tendo cada um deles a largura de 1,40 metros;
P) Era noite e chovia;
Q) Ao km 1,800, naquela via, encontravam-se os seguintes veículos:
a) Uma máquina industrial (retroescavadora) sem matrícula, imobilizada parcialmente sobre o passeio do lado direito (sentido (...) - (...)), e parcialmente sobre a hemi-faixa direita de rodagem, ocupando nesta 1,10 metros;
b) Um veículo de caixa aberta, de matrícula XX-XX-XX, imobilizado parcialmente sobre o passeio do lado esquerdo (sentido (...) - (...)) e parcialmente sobre a hemi-faixa esquerda de rodagem (mesmo sentido), ocupando nesta, pelo menos, 1 metro;
R) O veículo de caixa aberta encontrava-se com a parte da frente virada para a direção de Sever do Vouga, com os médios ligados e com todas as luzes indicadoras de mudança em funcionamento;
S) Este veículo encontrava-se estacionado do outro lado da estrada, à distância de, pelo menos, três metros daquela máquina, ou seja, mais próximo de Sever do Vouga e, assim, do inicio daquela reta;
T) O Interveniente M. era o condutor/manobrador da máquina industrial sem matrícula que se encontrava estacionada do lado direito (naquele sentido (...) - (...)) da hemi-faixa de rodagem da EN 328, ocupando parcialmente a faixa de rodagem respetiva;
U) E encontrava-se ali a proceder à realização de obras na via pública, concretamente a abertura de uma vala, que o Réu o havia contratado para efectuar;
V) Tendo em vista a reparação de uma rutura existente na tubagem de distribuição de água ao domicílio na freguesia de S. Pedro de Castelões;
X) A reparação obrigou à abertura de valas, junto aos passeios, de ambos os lados da via;
Z) O veículo de caixa aberta era um camião que ali se encontrava para apoio às obras em curso (no qual se encontravam materiais), tendo sido também feito deslocar para aquele local, pelo Réu, para tal efeito;
AA) A máquina industrial (retroescavadora) encontrava-se com a zona da pá virada para a direção de Sever do Vouga;
BB) A uma distância de 64,37 metros do início daquela reta (considerando o sentido Sever do Vouga-Vale de Cambra);
CC) Antes desta máquina (para quem seguia no sentido Sever do Vouga-Vale de Cambra), encontrava-se uma placa vertical de indicação de localidade;
DD) Esta máquina ostentava dois faróis no seu topo que estavam virados para o local onde a máquina estava a proceder às obras (e, assim, direcionados para Vale de Cambra);
EE) Existiam 2 sinais de obras cerca de 500 metros antes do local de embate (sentido (...) - (...)), um de proibição de exceder uma velocidade de 30 km/h e outro de indicação de outros perigos na via;
FF) Nos cerca de 500 metros que medeiam entre o local onde estavam colocados tais sinais e o local das obras existem pelo menos 4 cruzamentos/entroncamentos de estradas que desembocam na EN 328;
GG) Nada existia no local a delimitar o obstáculo ou a zona de obras (pelo menos no sentido (...) - (...)), bem como nas suas imediações, nas direções paralela e perpendicular ao eixo da via;
HH) O pessoal que laborava no local não utilizava vestuário de alta visibilidade;
II) Neste local, a via é marginada por diversos edifícios habitacionais e comerciais, de onde que também é passagem de peões;
JJ) O pai da Autora, nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, ao passar o veículo de caixa aberta identificado na alínea Q) e ao encostar o veículo à direita da via onde circulava, embateu violentamente com a frente, do lado do passageiro, na zona da pá/balde da máquina sem matrícula a que se reporta aquela alínea Q);
KK) Na sequência do acidente supra descrito, a Autora bateu no vidro da frente do veículo PM;
LL) A Autora foi levada para o Centro de Saúde de Vale de Cambra, onde deu entrada pelas 22h01m;
MM) E onde lhe foi diagnosticado “esfacelo facial”, tendo sido encaminhada de urgência para o Hospital de São João da Madeira;
NN) Neste Hospital, fizeram-lhe diversos RX's, designadamente à mandíbula e aos ossos da face, ao crânio, os quais revelaram as seguintes lesões e/ou suspeitas:
- traumatismo craniano,
- feridas graves na face (região malar direita com atingimento da região da órbita direita),
- esfacelo do lábio inferior,
- luxação da mandíbula,
- suspeita de fratura da órbita direita,
- presença de corpo estranho na órbita;
OO) Face a tais lesões, fizeram-lhe curativos e pensos e procederam à redução da luxação da mandíbula;
PP) Após o que a transferiram para o Hospital de São João, no Porto, onde deu entrada pelas 23h41m;
QQ) Tendo sido de imediato vista pelas especialidades de Cirurgia Maxilofacial, Cirurgia Pediátrica, Oftalmologia e Pediatria;
RR) Na cirurgia maxilofacial, foi ordenada a realização de TAC cerebral e TAC facial;
SS) Que revelaram:
- grave traumatismo da face com esfacelo grave do supracílio do olho direito, do dorso do nariz e hemi-face direita,
- traumatismo da mandíbula com desluvamento do fundo anterior;
- presença de 3 corpos estranhos na região da órbita (um do lado interno e dois fragmentos do lado externo da órbita visíveis ao RX);
TT) E determinaram a sujeição da Autora a diversos atos cirúrgicos, sob efeito de anestesia geral;
UU) Mais concretamente, no Serviço de Oftalmologia de Pediatria Cirúrgica:
- sutura de perfuração corneosceral;
- redução de hérnia na íris;
- blefasplastia;
- sutura das feridas da face e pálpebras;
- sutura das feridas do nariz;
- sutura da pele da face
VV) E, na mesma noite e logo após, foi levada para o Serviço de Oftalmologia, onde, na Unidade de Cirurgia Maxilo-facial foi submetida, a correção de vários esfacelos da face e dorso do nariz;
XX) Após o que foi levada para a sala de recobro, onde foi vigiada;
ZZ) E posteriormente levada para o serviço de Oftalmologia, onde ficou internada;
AAA) Com o diagnóstico de perfuração ocular do olho direito e feridas da face;
BBB) A Autora ficou ali internada até ao dia 30.09.2002, data em que lhe foi dada alta hospitalar;
CCC) Com indicação de regressar ao domicílio e aí ficar em repouso absoluto;
DDD) E ainda com a de regressar de imediato ao Hospital caso as dores se intensificassem;
EEE) E, sempre, de continuar a ser seguida em consultas externas das especialidades de Cirurgia Plástica, Oftalmologia e Estomatologia;
FFF) A Autora permaneceu em casa, em repouso absoluto durante cerca de um mês e meio;
GGG) Só após tendo conseguido retomar as aulas;
HHH) Aproveitando o período de férias escolares, a Autora foi novamente internada no Hospital de São João, no Porto, no dia 24.07.2003, a fim de ser submetida a uma cirurgia plástica ao rosto, que tinha como finalidade corrigir as cicatrizes da face com que tinha ficado em resultado do acidente;
III) Tal cirurgia teve lugar no dia 28.07.2003, tendo sido feito extração de corpo estranho (vidro) na região da pálpebra superior esquerda, correção de cicatrizes da face à direita com plastias em Z e dermoabrasão de cicatriz no dorso do nariz;
JJJ) Tal como as anteriores, também esta intervenção cirúrgica decorreu sob efeito de anestesia geral;
KKK) E deixou a Autora crivada de pontos no rosto;
LLL) E depois de crostas que se formaram;
MMM) A Autora continuou a ser seguida nas consultas externas de Cirurgia Plástica;
NNN) No que diz respeito às lesões sofridas nos olhos, além dos atos cirúrgicos supra referidos e das consultas que teve ao longo dos anos, em maio de 2005, a Autora teve de ser submetida a um transplante de córnea do olho direito;
OOO) A qual determinou um internamento de dois dias;
PPP) Seguido de um período de repouso absoluto em casa e em convalescença de uma semana;
QQQ) A Autora foi novamente internada a fim ser submetida a um implante de lente intraocular (destinada a substituir o cristalino) no olho direito;
RRR) Em Julho de 2006, a Autora deu entrada de urgência no Hospital de São João, no Porto, devido à rejeição da córnea, onde foi atendida e medicada;
SSS) Em 2007 a Autora foi de novo internada na mesma Instituição Hospitalar, com vista a ser submetida a operação cirúrgica para correção do estrabismo do olho direito;
TTT) Aquando do acidente a Autora sofreu traumatismo da mandíbula com desluvamento do fundo anterior;
UUU) Em consequência do que o seu maxilar deslocou-se e a boca não fechava;
VVV) O qual foi colocado no sítio certo pelos médicos que ab initio a acompanharam;
XXX) Aquando do acidente, igualmente partiu um dente incisivo, e na altura arrancaram-lhe a raiz, tendo o respetivo espaço ficado ocupado;
ZZZ) Como também a gengiva ficou toda rasgada, os dentes acabaram por se deslocar e ficar todos tortos;
AAAA) Determinando a necessidade da Autora passar a ser seguida também em Estomatologia, começando as consultas em fevereiro de 2004;
BBBB) Nessa altura, o Rx efectuado ao rosto da autora demonstrava “perda de um incisivo com fechamento do espaço. Mordida cruzada entre o bloco pré-molar esquerdo; interposição da língua durante a deglutição”;
CCCC) Razão pela qual foi orientada para a consulta de ortodontia;
DDDD) Onde iniciou tratamento ortodôntico com colocação de aparelho fixo superior;
EEEE) Tendo sido corrigida a mordida cruzada e retirado o aparelho em 2006;
FFFF) Foram depois colocadas goteiras de contenção;
GGGG) E foi explicado à Autora a necessidade de fazer uma deglutição correta;
HHHH) A Autora continuou e continua, até ao presente, a ser seguida em tais consultas de oftalmologia e estomatologia/ortodontia;
IIII) Mas sem possibilidade de recuperação total;
JJJJ) A Autora tem habitualmente dificuldades em focar, durante algum tempo, objetos ou pessoas;
KKKK) Em efectuar serviços de maior pormenor;
LLLL) O que lhe causa dores de cabeça frequentes e intensas;
MMMM) Cerca de 4 anos após o acidente, a Autora começou a sentir as mesmas dificuldades de visão no olho esquerdo;
NNNN) Tendo-lhe sido dito pelos médicos que tal se devia ao facto de ter esforçado demasiado este olho, face às dificuldades do direito;
OOOO) Atualmente (e para o futuro), as dificuldades visuais da Autora revelam-se a nível de ambos os olhos;
PPPP) As lesões sofridas ao nível dos olhos obrigam a Autora a andar sempre de óculos de sol, graduados, porquanto ficou com muita sensibilidade à luz;
QQQQ) De tal forma que, caso não os use, passado 5 minutos está a lacrimejar, porque não aguenta a luminosidade;
RRRR) Devido às lesões sofridas na zona da boca, dentes e maxilares, a Autora sente dificuldades à mastigação;
SSSS) E tem sensibilidade dentária muito acentuada;
TTTT) A determinada altura, a Autora começou a sofrer de imensa queda de cabelo;
UUUU) Foi-lhe explicado pelos médicos que, mercê das inúmeras anestesias gerais que levou ao longo dos últimos anos, o seu sistema nervoso ficou alterado;
VVVV) O que provocou, provoca e provocará queda de cabelo;
XXXX) Apesar das várias intervenções já realizadas, a Autora mantém ainda hoje o rosto todo marcado por cicatrizes;
ZZZZ) O que constitui acentuado dano estético, especialmente tendo em conta que se situam numa zona particularmente exposta e visível, como é a cara;
AAAAA) Também psicologicamente a Autora ficou muito afetada;
BBBBB) A Autora sofreu um profundo desgosto abatimento psíquico, cansaço físico e uma revolta muito grande, em consequência:
- das inúmeras intervenções cirúrgicas a que foi sujeita;
- das centenas de consultas a que já foi, nas mais variadas especialidades
- da impossibilidade de levar uma vida normal, como qualquer criança tem, numa altura em que as brincadeiras escolares eram o seu dia-a-dia;
- das inúmeras faltas que teve de dar na escola, em virtude das consultas e tratamentos a que tinha e tem de ir, obrigando a um esforço acrescido relativamente aos colegas para recuperar a matéria;
CCCCC) Sente-se injustiçada e impossibilitada de ter uma vida normal;
DDDDD) Antes do acidente a Autora era uma jovem bonita, bem desenvolvida, sociável, sempre pronta para a brincadeira e disponível para ajudar os outros;
EEEEE) Após o acidente, quer por impossibilidade física quer por vergonha, deixou de se relacionar normalmente com as outras pessoas;
FFFFF) Passou a isolar-se;
GGGGG) Durante muito tempo não saía de casa, porque se sentia alvo dos olhares dos outros, por causa do seu rosto retalhado;
HHHHH) Com as lesões sofridas, os tratamentos a que foi e continua a ser submetida, a Autora teve fortes dores;
IIIII) Que ainda tem e sente;
JJJJJ) A Autora ficou afetada de uma desvalorização física permanente, para o exercício da sua atividade profissional e para todo o trabalho em geral, de 30 pontos, sendo 26 pontos correspondentes às sequelas de esfacelo da face, plastia palpebral e das cicatrizes, transplante de córnea, colocação e lente intraocular e correção de estrabismo;
KKKKK) Nos tratamentos que a Autora efetuou, os seus pais despenderam em taxas moderadoras as seguintes quantias:
- em 2004, o montante de €12,30;
- em 2005, o montante de €53,30;
- em 2006, o montante de €108,80;
- em 2007, o montante de €86,00;
- em 2008, o montante de €56,10;
- em 2009, o montante de €42,10;
LLLLL) Em medicação, gastaram, pelo menos, as seguintes quantias:
- em 2002, o montante de €71,23;
- em 2003, o montante de €65,93;
- em 2004, o montante de €12,37;
- em 2005, o montante de €75,38;
- em 2006, o montante de €47,43;
- em 2007, o montante de €243,44;
- em 2008, o montante de €7,50;
MMMMM) E em oftalmologia e oculistas, ao longo dos tempos, montante não inferior a €729,00;
NNNNN) Em consultas e tratamentos de estomatologia, pelo menos, €110,00;
OOOOO) E numa consulta de clínica geral, foi paga a quantia de €40,00;
PPPPP) O condutor do veículo PM não foi o único a utilizar a via naquelas circunstâncias de tempo e lugar, muitos outros o fizeram, nas referidas condições, não havendo, no entanto, registo da ocorrência de qualquer outro acidente enquanto duraram as obras;
QQQQQ) A EN 328 é a única via principal e direta de acesso entre Sever do Vouga e Vale de Cambra, e é a principal via de acesso de Vale de Cambra à A25 (via Sever do Vouga), razão pela qual tem movimento de veículos a qualquer hora do dia e da noite;
RRRRR) A largura do veículo XX-XX-XX (ligeiro de passageiros) é de cerca de 1,70 metros;
SSSSS) O Interveniente M. é, profissionalmente, manobrador de máquinas;
TTTTT) A máquina industrial sem matrícula tinha, à data, a sua responsabilidade por danos causados a terceiros transferida para a Interveniente A. Companhia de Seguros, S.A., através da apólice n° AU 20355507, da qual se retira no n.° 6 das condições especiais, o seguinte: “Esta apólice abrange apenas os acidentes de viação produzidos pela viatura segura quando em trânsito nas vias públicas ficando, portanto, expressamente excluído do âmbito da cobertura do contrato todo e qualquer acidente ocorrido durante a execução de quaisquer trabalhos que lhe sejam inerente.”;
UUUUU) O condutor do veículo PM tinha, à data, a sua responsabilidade por danos causados a terceiros com o aludido veículo transferida para a Interveniente B.. Companhia de Seguros, SA;
VVVVV) Com referência ao acidente a que se reporta os autos foi proferida decisão pelo Tribunal Judicial de Vale de Cambra, no processo de inquérito n.° 404/02.4GAVLC - 2° Juízo, no qual foi proferida decisão de não pronúncia do Interveniente M., por não ter sido apurada qualquer responsabilidade criminal no acidente;
XXXXX) E foi ainda proferida decisão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no processo n.° 1269/07.5BEVIS, na qual foi decidido absolver os aí Réus MUNICÍPIO DE (...); M.; A.. Companhia de Seguros, SA e Fundo de Garantia Automóvel;
ZZZZZ) A Autora, em 08.09.2017, era estudante universitária a frequentar um mestrado em música.
Factos não provados
1.° Que quando o condutor do veículo PM se encontrava a não mais de 10 metros da frente do veículo de matrícula XX-XX-XX (embora na hemi-faixa de rodagem oposta), surgiu súbita e inesperadamente, em sentido contrário ao do XX-XX-XX, ou seja no sentido Vale de Cambra - Sever do Vouga, um veículo ligeiro que não foi possível identificar;
2.° E cujo condutor, que também não foi possível identificar pois que prosseguiu a sua marcha, seguia a não menos de 60 km/h, velocidade excessiva para o local;
3.° Ao aproximar-se do camião XX-XX-XX que ocupava grande parte da hemi-faixa de rodagem por onde este seguia, o aludido condutor abruptamente começou a contornar o mesmo;
4.° E, para o efeito, pisou e transpôs a linha descontínua pintada no eixo da via;
5.° Assim invadindo a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que seguia no sentido (...) - (...);
6.° E por onde naquele momento transitava o XX-XX-XX;
7.° Perante tal veículo a cortar a sua linha de marcha e numa tentativa desesperada de evitar o embate com o veículo desconhecido, o condutor do PM desviou-se o mais que pode para a sua direita;
8.° Só quando se desviou do veículo terceiro, virando o volante para a sua direita, é que o condutor do veículo PM viu a máquina, ainda travou, mas não conseguiu evitar o embate na dita máquina;
9.° O condutor do veículo não identificado não se certificou que podia efectuar a manobra sem perigo ou embaraço para o trânsito;
10.° Não se certificou de que podia realizar a manobra sem perigo de colidir com veículo que transitasse no sentido contrário e sem especialmente se certificar de que a faixa de rodagem se encontrava livre na extensão necessária à realização da manobra com segurança;
11.° E ainda, não cuidou de regular a velocidade a que seguia de acordo com o local em que transitava, ou seja, de noite, com chuva, numa estrada com movimento e marginada por diversos edifícios habitacionais e comerciais;
12.° Que a Autora seguia no veículo PM com o cinto de segurança aplicado à volta do corpo;
13.° O condutor do veículo PM circulava a uma velocidade superior a 60 Km/h;
14.° Que a estrada no local desenvolve-se numa reta, de não mais de 70/80 metros de comprimento;
15.° Que o veículo de caixa aberta só tinha os rodados no passeio e o restante na estrada;
16.° O espaço existente na via entre a máquina e o veículo de caixa aberta era de 2,25 m;
17.° Que a maquina referida em Q), ostentava dois projetores no seu topo e que esta era a única sinalização luminosa que tinha;
18.° Que os dois faróis da máquina estavam virados para o lado contrário ao da estrada, ou seja, estavam virados para a berma;
19.° Que os buracos a cuja abertura se procedia e que são referidos na alínea X) da matéria assente, tinham cerca 1,20 m de profundidade;
20.° Que a largura do veículo XX-XX-XX (ligeiro de passageiros) é de 1,70 m;
21.° Que o local tinha boa visibilidade;
22.° Que a Autora deu entrada no Centro de Saúde de Vale de Cambra entrada pelas 22h01;
23.° A Autora continua a ser seguida nas consultas externas de Cirurgia Plástica;
24. ° Consultas que têm lugar sensivelmente de ano a ano;
25.° A Autora, após o acidente, passou a ver tudo a preto e branco;
26. ° Situação que apenas mudou a partir desta intervenção, pois que com este transplante já passou a ver as cores;
27. ° Que foi em 16 fevereiro de 2006, que a Autora foi internada para ser submetida a um implante de lente intraocular (destinada a substituir o cristalino) no olho direito;
28. ° E que foi operada no dia 20 de fevereiro;
29. ° Durante o pós-operatório, os pontos que havia levado para a fixação da lente soltaram-se;
30. ° Pelo que no dia 23 de fevereiro teve de voltar ao bloco operatório para nova sutura da lente;
31. ° A Autora teve alta hospitalar no dia 24 de fevereiro;
32. ° Com indicação de ficar em casa em repouso absoluto pelo prazo de 15 dias;
33. ° E com a proibição absoluta de retomar as aulas de educação física até ao final do ano letivo em curso;
34. ° Que foi no dia 14 de julho de 2006, que a Autora deu entrada de urgência no Hospital de São João, no Porto, devido à rejeição da córnea, onde foi atendida e medicada;
35. ° Que, no dia 31 de outubro de 2008, foi de novo internada na mesma Instituição Hospitalar, com vista a ser submetida a operação cirúrgica para correção do estrabismo do olho direito;
36. ° E a impedem de se manter de pé;
37. ° Prejudicando de forma grave e irreversível toda a sua orientação e coordenação de movimentos;
38. ° Sendo-lhe necessário com inusitada frequência sentar-se ou apoiar-se em algo para não cair;
39. ° Perde a noção do local onde se encontra;
40. ° Sofre de amnésias frequentes, esquecendo-se de tudo com muita facilidade;
41. ° Devido às lesões sofridas na zona da boca, dentes e maxilares, a Autora não consegue triturar alimentos nem quentes nem frios, pois isso lhe causa dores agudas nas gengivas e dentes;
42. ° Tem de ingerir quase exclusivamente alimentos moles, líquidos e à temperatura ambiente;
43. ° Aquando do acidente a Autora ficou com as pernas presas na frente do veículo PM;
44.° As quais ficaram, embora não tenham sido detetadas fracturas, todas negras, pisadas;
45.° Atualmente, e após a ocorrência, ao mínimo toque que a Autora sofra nas pernas fica logo com hematoma;
46.° Tendo ficado com sensibilidade extrema em ambas as pernas, mais concretamente na zona dos joelhos até aos pés;
47.° A Autora sofreu um profundo desgosto abatimento psíquico, cansaço físico e uma revolta muito grande, em consequência de saber que:
- tinha que continuar para sempre a ser seguida nas várias especialidades de oftalmologia, cirurgia plástica e estomatologia;
- da impossibilidade de praticar educação física;
- que terá de ser submetida a outras cirurgias plásticas (e naturalmente outras anestesias gerais) para tentar minimizar as marcas do acidente;
48. ° A Autora continua a ser seguida em consultas externas da especialidade de Cirurgia Plástica;
49. ° Em virtude do traumatismo craniano sofrido, a Autora tem permanentes e fortes dores de cabeça, tonturas e cefaleias occipitais que se tem vindo a agudizar substancialmente;
50. ° Em medicação, os pais da Autora gastaram, pelo menos, as seguintes quantias:
- em 2002, o montante de €80,82;
- em 2003, o montante de €66,60;
- em 2005, o montante de €79,02;
- em 2007, o montante de €255,59;
51.° Antes do acidente a Autora era uma jovem alta para a idade;
52. ° Que no âmbito da atividade profissional que a Autora pretende seguir, ganharia, a partir dos 24 anos (data em que se prevê venha a concluir a sua formação superior no Conservatório), não menos do que €800,00 mensais;
53.° O Interveniente M. satisfaz as despesas e encargos de habitação, alimentação, vestuário, assistência médica e medicamentosa, luz, água e outras, com os rendimentos da sua atividade profissional.
***

A formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados (expurgados de todos os que continham conclusões, meras repetições ou matéria de direito), além daqueles que já tinham sido fixados em sede de despacho saneador, resulta da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, nos termos que, de seguida, se expõem.
A factualidade constante das alíneas A), KK) a EEE), HHH) a FFFF); HHHH) a IIII), OOOO), RRRR, SSSS), XXXX), ZZZZ), HHHHH), JJJJJ) a OOOOO), TTTTT) a XXXXX), resulta dos documentos juntos aos autos, mais concretamente, documentos n.°s 1, 6 a 103, 105 a 108, 110 a 127, 129 a 142, 144, 145, 147 a 151, 153 a 192, juntos com a petição inicial; documentos n.°s 1 a 3, juntos com a contestação da Interveniente A..; certidão de fls. 574 e ss; relatórios médicos de fls. 995 e 1005; relatório pericial de fls. 1223 e ss; e relatório pericial do IML junto a fls 1371 e ss.
Quanto aos factos constantes das alíneas B), E), F), K) a O), Q) a T), AA), EE), GG), JJ), FFF), JJJJ) a NNNN), PPPP), QQQQ), TTTT), a VVVV), AAAAA) a CCCCC), IIIII) e ZZZZZ), o tribunal formou a sua convicção com base ainda nos referidos documentos, conjugados com o depoimento das testemunhas ouvidas em audiência final, nos termos que infra melhor se explicitam.
Quanto aos factos constantes das alíneas C), D), G), H), J), P), U), V), X), Z), CC), DD), FF), HH), II), GGG), DDDDD), EEEEE), FFFFF), GGGGG), QQQQQ), RRRRR) e SSSSS), a formação da convicção do Tribunal resultou essencialmente do depoimento das indicadas testemunhas, nos termos infra também explicitados.
Assim, a testemunha M., prestou um depoimento que, no essencial, se mostrou credível e explicou os motivos que determinaram a sua intervenção naquele local; que aquela via é a única e principal de acesso a Vale de Cambra; que passavam muitos veículos; que existiam edifícios habitacionais e de comércio de um lado e do outro; que o embate do veículo foi com a pá da máquina (esclarecendo que estava a manobrar a máquina e que, por isso, não estava atento ao trânsito e que quando ouviu o embate, olhou para trás, e viu que o veículo tinha ali batido); a iluminação da máquina, ao explicitar, face a alguma confusão suscitada quanto ao número de faróis da máquina, que eram os normais deste tipo de máquina, esclarecendo que eram seis, quatro para andar na estrada e dois para trabalhar, confirmando que os dois destinados a trabalhar estariam direcionados para o local onde se trabalhava (o que permitiu ao Tribunal perceber que estariam quatro faróis virados para Vale de Cambra e os outros dois - que se julga serem os correspondentes às luzes de travagem - na traseira da máquina, onde se situa a pá e, assim, virados para Sever do Vouga); a inexistência de mecos no local; que existia pelo menos um entroncamento antes da reta; a existência de sinais para quem seguia no sentido Sever do Vouga/Vale de Cambra (pois quando questionado porque é que se lembrava da existência destes sinais referiu, com total espontaneidade, que tinha chegado com a máquina vindo dessa direção e que os tinha visto); a inexistência de quaisquer outros acidentes durante o período em que ali esteve.
No que respeita a esta testemunha, o Tribunal desvalorizou, no entanto, algumas afirmações que fez, pelos motivos que de seguida se expõe. Assim:
No que respeita ao facto da máquina ocupar apenas ocupar 30 cm da via, tal afirmação, além de não se mostrar desinteressada do contexto em que se verifica a dinâmica do acidente (onde o facto da máquina se encontrar a ocupar a via assume particular relevância), não se mostra sequer adequada à dimensão da máquina, da qual a testemunha é conhecedora e à afirmação de que ocuparia uma parte da via, pois nesse caso seria natural que a testemunha não percecionasse sequer qualquer ocupação da via.
No que respeita ao facto dos trabalhadores da Câmara usarem coletes refletores, pois questionado novamente sobre se achava que tinham ou não tinham, já respondeu que tinha sido há muito tempo e que não se lembrava bem (tal como já tinha respondido quando questionado se, do outro lado da via, era um veículo da Câmara que estava estacionado - facto este que entendemos que não é razoável que a testemunha também desconhecesse e/ou não se recordasse).
Também não foi valorizada a afirmação que fez quanto à existência de sinais 50 a 100 mts antes de máquina, o número de sinais existentes (que referiu serem 4) e que tinham sido colocados pelos funcionários da Câmara (nomeadamente, porque justificou este conhecimento com o facto de ter ido lá ver), pois mostrou-se pouco credível com o enquadramento que fez quanto à forma e tempo em que tinha chegado ao local depois de ter sido aí chamado, entrando mesmo em contradição quando, posteriormente, no que respeita à sinalização existente, afirmou que sabia da sua existência porque veio daquela direção Sever do Vouga/Vale de Cambra e os tinha visto (criando apenas o Tribunal a convicção de que a testemunha teria visto alguma sinalização, no percurso que fez para aquele local - o que se mostra confirmado pelo teor do documento n.° 2).
Também quanto à existência de um pirilampo na máquina, o Tribunal desvalorizou esta referência da testemunha, pois apenas referiu que achava que tinha. Ora, sendo o proprietário da máquina e atentas as circunstâncias do acidente, seria razoável e adequado que, a existir o referido pirilampo, não tivesse qualquer dúvida quanto à sua existência.
A testemunha J., à data dos factos Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...) e cujo depoimento se revelou credível e desinteressado, confirmou o motivo pelo qual aquela máquina estava ali a trabalhar (justificando, ainda, que tinham poucos equipamentos e que, por isso, recorriam a máquinas de aluguer). No que respeita à situação dos veículos, confirmou, no essencial, o que consta do documento n.° 2, junto com a petição inicial, apesar de ter referido que quando lá passou já seria entre as 23:00h e as 24:00h; disse ainda que não se lembrava da existência de sinalização luminosa, referindo, nesta parte, com espontaneidade, que achava que a Câmara nem tinha este tipo de sinalização, esclarecendo, ainda, que o habitual naquelas situações era colocado um triângulo.
A testemunha H., pai da Autora e condutor do veículo PM, prestou um depoimento que, apesar de interessado, se mostrou credível no que respeita às circunstâncias em que ocorreu o acidente, na parte em que confirmou que levava a filha no lado do passageiro à frente (referindo que o fez porque ela tinha altura e porque tinha a parte de traz do veículo ocupada, sendo que era a primeira vez que o fazia); que foi surpreendido pelas luzes do camião que se encontrava do outro lado da estrada; que era um percurso habitual porque era o percurso para o trabalho; que era uma estrada com trânsito com casas dos dois lados; que a via tinha descida ligeira e que seguia no sentido de Vale de Cambra, vindo de Sever do Vouga; que levava os médios ligados e com tempo para chegar ao trabalho e deixar a Autora nos ensaios para onde ia; os tratamentos pelos quais a Autora passou; que suportaram as despesas correspondentes; a queda de cabelo da Autora; o apoio que teve dos colegas para conseguir passar de ano, apesar das faltas à escola; a alteração que a Autora sofreu depois do acidente.
No que respeita às circunstâncias do acidente o Tribunal desvalorizou o depoimento desta testemunha no que respeita à velocidade a que circulava, quando referiu que ia a apenas 30/40 Km/h, pois quando confrontado sobre se sabia o que seria conduzir a essa velocidade, referiu que poderia ir a 40 Km e qualquer coisa, reiterando, porém, que ia com calma e com tempo.
Assim, o Tribunal criou a convicção de que o veículo PM seguiria a velocidade superior a 40Km/h, no entanto, não tendo sido possível apurar qual seria essa velocidade, também não foi possível concluir que seguisse a mais de 60Km/h (motivo pelo qual esta factualidade não foi considerada provada).
Com efeito, conjugado o depoimento desta testemunha com o depoimento das várias testemunhas que, inquiridas quanto a este facto, referiram o veículo PM circulava normalmente, sem excesso de velocidade (tendo inclusivamente a testemunha D., que prestou um depoimento muito coerente e credível, referido que se fosse a mais velocidade a Autora teria sido cuspida do veículo, pois não se verificou qualquer travagem); a análise das distâncias e posições dos veículos constantes do documento n.° 2, junto com a petição inicial; a ausência de qualquer travagem; o facto do condutor do veículo ter conseguido sair do veículo sem lesões, tudo indicia que não teria sido uma colisão com um grande impacto (o que sempre ocorreria caso circulasse a velocidade superior aos indicados 60 Km/h).
Por outro lado, apesar da testemunha ter referido que a filha levava cinto e que inclusivamente o desapertou para a tirar de lá, o Tribunal não valorizou esta parte do seu depoimento, por confronto com o depoimento das testemunhas D. e A..
Assim, a testemunha D. que, como se disse, prestou um depoimento muito credível, com grande espontaneidade e pormenor, afirmou que tinha sido ele a tirar a Autora do veículo (o que foi confirmado pela testemunha A.) e inclusivamente que teve que o fazer do lado do condutor, pois a porta do outro lado, na sequência do embate, não abria, quando, pelo contrário, o pai da Autora não soube explicitar bem os momentos que ocorreram depois do acidente, tendo referido, de forma contraditória, que se preocupou com a filha; que saiu do veículo; que não se apercebeu do estado da filha de imediato; que tirou a filha e que foi à volta para o fazer e que teve dificuldade em tirar o cinto.
Por outro lado, quanto ao facto de ter sido surpreendido por um veículo que quase lhe terá batido, o Tribunal apesar de não ter criado convicção quanto a esta concreta circunstância, criou plena convicção de que a testemunha foi surpreendida por aquela máquina, nomeadamente, pela sua extensão.
Com efeito, mostra-se absolutamente razoável esta versão, pois se a testemunha, no momento em que passava junto ao veículo de caixa aberta estacionado do outro lado da via e com as luzes dos médios ligados e os quatro piscas (com efeito, esta proximidade resulta expressa no documento n.° 2, a distância entre a traseira do veículo PM e o camião estacionado na outra via era de apenas 3 metros), centrava a sua atenção nesse obstáculo, que conduzindo necessariamente a um estreitamento da faixa de rodagem o obrigava a encostar o seu veículo mais à direita da via onde circulava, é adequado que não se aperceba do prolongamento da pá da máquina na via (que se encontrava junto ao chão e, assim, em local pouco visível) e, assim, que não tenha tido tempo de travar ou de se desviar.
É que além da razoabilidade quanto à verificação destas circunstâncias, que a análise daquele documento n.° 2 corrobora, a testemunha usou expressões que demonstraram a credibilidade do seu depoimento quanto à surpresa que teve ao deparar-se com a máquina e na sua atenção no veiculo de caixa aberta que avistou do outro lado da estrada logo que entrou naquela reta, por ter os faróis e as luzes de mudança de direção a funcionar em simultâneo, na sua direção.
Por outro lado, a razoabilidade do relato da testemunha é ainda coerente com a pouca iluminação da máquina (do lado de Sever do Vouga, pois apenas tinha os faróis traseiros nesta direção e, como Mta resulta do depoimento do próprio condutor desta máquina, os faróis da máquina que iluminavam os trabalhos e a estrada estariam direcionados para Vale de Cambra), bem como da falta de iluminação pública deste lado da via (na verdade, as testemunhas referiram que a iluminação pública se situava do outro lado da via), o que, inclusivamente, motivou ainda o Tribunal a considerar não provada a alegação do Réu quanto à boa visibilidade do local.
As testemunhas M., mãe da Autora; A. e A., amigos da Autora; M., prima da Autora; e, M., tia da Autora, prestaram depoimentos credíveis e desinteressados, confirmando a factualidade dada como provada e que se reporta aos tratamentos e sofrimento da Autora, em virtude do acidente e das consequências que resultaram do mesmo; a queda de cabelo; a necessidade de usar óculos escuros; o apoio que lhe foi prestado pelos colegas e pela tia para conseguir passar de ano, apesar das faltas à escola; a alteração de vida que a Autora sofreu por causa do acidente.
No que respeita às testemunhas P.; C.; J., funcionários da Câmara Municipal de (...), o Tribunal não valorizou o depoimento destas testemunhas no que respeita à dinâmica do acidente, nem à sinalização existente no local, pois apesar da existência de um lapso de tempo muito grande entre os factos e a sua inquirição, todas referiram de forma repetitiva e absolutamente irrepreensível os vários tipos de sinais colocados, em detrimento de outros pormenores relacionados com o acidente em relação aos quais não souberam responder, afirmando que teria passado já muito tempo.
Assim, o Tribunal formou apenas a convicção de que teria sido colocada alguma sinalização (foi credível, por exemplo, a testemunha J., quando já no fim do seu depoimento referiu que colocavam sinalização para se protegerem, porque estão no local a trabalhar), mas apenas aquela que foi mencionada no documento n° 2, junto com a petição inicial - cuja credibilidade foi corroborada pelo depoimento prestado pelos agentes da GNR que se deslocaram ao local.
O depoimento destas testemunhas também não foi suficiente para criar a convicção do Tribunal quanto à existência de um pirilampo na máquina (o que não tinha sido confirmado pelo seu proprietário, pessoa que seria mais conhecedora das suas características) e dos coletes refletores (que não foi corroborado pelas demais testemunhas ali presentes junto ao café, cujos depoimentos se revelaram mais coerentes e desinteressados).
Com efeito, foi manifesta a preocupação das testemunhas em relação ao acidente (como aliás referiram, tendo inclusivamente a testemunha C. confirmado claramente esta preocupação e a testemunha P. dito que até se tinha preocupado em mostrar onde estavam os sinais aos agentes da GNR que se deslocaram ao local), que o Tribunal não pôde deixar de entender também como uma preocupação quanto à sua eventual responsabilidade nas circunstâncias do acidente, o que naturalmente condiciona os respetivos depoimentos.
No entanto, quanto ao momento do acidente, também as testemunhas P. e J., tendo confirmado que iniciaram os trabalhos ainda de dia, explicaram que no momento do acidente estavam a trabalhar dentro do buraco que tinha sido aberto do outro lado da via (sentido Vale de Cambra - Sever do Vouga) e a testemunha C. referiu que não assistiu ao acidente pois estava a descarregar material do outro lado da via.
Por outro lado, o depoimento das testemunhas S., H., A. e, com especial relevância, de D., foram essenciais para o Tribunal formar a sua convicção quanto às circunstâncias em que ocorreu o acidente, nomeadamente, a velocidade do veículo PM; a existência de trânsito na outra faixa de via onde circulava o veículo PM, no momento em que este passou pelo camião; a inexistência de cinto colocado sobre a Autora; o local do embate e a forma como o mesmo ocorreu; a inexistência de sinalização no local; de coletes refletores; a existência de uma placa junto à máquina; a chuva e que aquele veículo da caixa aberta não estaria ali há mais de dez minutos (o que, face ao manifesto encurtamento das vias, resultante da forma como a máquina e o camião se encontravam parados, justificaria que o trânsito tivesse fluído até aquele momento sem quaisquer problemas).
É que estas testemunhas, que se encontravam no café ou junto ao café (que se situava do outro lado da via onde ocorreu o acidente, no sentido Vale de Cambra-Sever do Vouga mas em frente àquele local), além de terem prestado um depoimento coerente, pois relataram o que viram com a razoabilidade que o lapso de tempo já decorrido permitiria, explicaram ainda o motivo porque estavam atentas à estrada, tendo sido inequívoco para o Tribunal o seu desinteresse perante o objeto do litigio, bem como a manifesta vontade de colaborem no sentido de relataram com a maior fiabilidade o que viram naquele dia.
Por outro lado, as testemunhas L. e R., agentes da GNR que se deslocaram a local, permitiram ao Tribunal corroborar a informação vertida no documento n.° 1, seja quanto à sinalização existente, nos termos supra referidos e ainda quanto à localização dos veículos intervenientes no acidente, bem como do veículo de caixa aberta ali identificado.
A testemunha J., perito averiguador, foi relevante para confirmar a factualidade vertida na alínea T), atenta a razão de ciência invocada para o seu conhecimento e a credibilidade com que prestou o seu depoimento.
O documento n.° 2, junto com a petição inicial e cujo teor a testemunha L. confirmou integralmente, permitiu ainda ao Tribunal criar a convicção quanto ao facto do veículo de caixa aberta referido na alínea Q), ocupar a via em, pelo menos, 1 metro, atenta a sua disposição naquele esboço em confronto com a disposição da máquina também ali identificada e a largura da faixa de rodagem que ocupava; a distância entre a traseira deste e o veículo PM; e a largura da faixa de rodagem naquele local.
Por último, quanto aos factos constantes das alíneas I) e BB), resultam da análise efetuada daquele local, nos termos expressos na ata de fls 1523 e ss, conjugado, no que respeita à alínea I), com o depoimento das testemunhas que, inquiridas quanto a esta matéria, confirmaram, sem exceção, que aquela reta se situava entre duas curvas, ambas para a direita.
Por último, e quanto aos factos não provados (1.° a 53.°), resultam de não ter sido apresentada prova documental ou testemunhal suficiente para criar a convicção do Tribunal da sua existência. Na verdade, as testemunhas ouvidas em sede de audiência final, nada disseram ou esclareceram relativamente àquela factualidade, não tendo sido juntos aos autos quaisquer outros documentos que à mesma se reportassem e que permitissem ao Tribunal criar a convicção da sua existência (nomeadamente, pelos motivos supra também explicitados na fundamentação quanto à factualidade dada como provada) (…)”.
*

III.2 - DO DIREITO
*
A Autora, aqui Recorrente, intentou a presente ação peticionando o provimento do presente meio processual por forma a serem os Réus condenados a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 147.466,93 e ainda as importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença em função da incapacidade parcial permanente que lhe for fixada, cirurgias que tenha de ser submetida, óculos que tenha de ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver que fazer, deslocações que tenha de efectuar, medicamentos que necessite e demais despesas conexas.

Na perspetiva em que a presente ação vem proposta, e para o que ora nos interessa, o Réu MUNICÍPIO DE (...) é civilmente responsável pelo pagamento dos danos emergentes do acidente automóvel que teve lugar no dia 20 de setembro de 2002, cerca das 21h30, na Estrada Nacional 328 [EN 328], na freguesia de (…), no sentido (...) - (...), com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XX, conduzido pelo pai da Autora, por omissão dos deveres de sinalização das obras que decorriam naquele local, bem como da máquina que ali se encontrava a trabalhar na via pública.

Estamos, portanto, perante uma ação de efetivação de responsabilidade civil extracontratual decorrente de um evento estradal, na sequência do qual subsistiram danos patrimoniais e não patrimoniais para a Autora, que a mesma pretende ver reparados.

O T.A.F. de Aveiro, como sabemos, julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu MUNICÍPIO DE (...) a pagar à Autora a quantia (i) de € 43,904,00, a título de compensação por danos patrimoniais; (ii) a quantia de €10,500,00, a título de compensação por danos não patrimoniais; (iii) e ainda o montante correspondente a 35% das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto a cirurgias a que a Autora tenha de ser submetida, óculos que tenha que ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver que fazer, deslocações que ainda tiver que efectuar, medicamentos e demais despesas conexas e que sejam consequência do acidente a que se reporta os autos e das lesões que do mesmo resultaram, mais absolvendo o Réu do peticionado.

Examinadas as conclusões apostas no recurso interposto pela Autora, nos termos em que as mesmas se encontram transcritas no ponto I) do presente Acórdão, vemos nelas a necessidade de responder às seguintes questões:

I. Em primeiro lugar, determinar se a sentença recorrida omitiu [ou não] no dispositivo a condenação do Réu no pagamento de juros até efetivo e integral pagamento.
II. Em segundo lugar, indagar se assiste razão à Autora no tocante ao imputado erro de julgamento da matéria de facto relacionado com a aquisição processual de que a Autora circulava sem o cinto de segurança colocado.
III. De igual modo, e em terceiro lugar, apurar se é [ou não] justa e equitativa a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais no montante de € 30,000,00.
IV. Em quatro lugar, e em último lugar, verificar se resulta desproporcional a computação da responsabilidade do pai da Autora para o agravamento dos danos em 65%, devendo ser reduzida para 20%.

Vejamos detalhadamente cada destes pontos.

I. Sobre o primeiro ponto, importa que se comece por sublinhar que, previamente à subida dos autos recursivos, o Tribunal a quo emanou despacho do seguinte teor: ”(…)
Requerimento de interposição de recurso de fls. 1611 e ss: A Recorrente no recurso que apresenta invoca a existência de um lapso manifesto, alegando, para tanto, que constando da sua fundamentação a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia global de €54 404,00, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano, conforme peticionado, a verdade é que esta condenação não foi transportada para o dispositivo.
Vejamos.
Apesar de, em regra, se esgotar o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa com a prolação da sentença, admite a própria lei exceções a este princípio (artigo 613.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
E entre tais exceções temos a retificação de erros materiais (cfr. artigo 614.°, n.° 1 do Código de Processo Civil).
Vejamos, por isso.
Na sentença proferida nos presentes autos, efetivamente, foi decidido a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia global de €54 404,00, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano, conforme peticionado, a verdade é que esta condenação não foi transportada para o dispositivo.
Assim, nesta parte padece a referida sentença de erro material manifesto, pois atenta a referida fundamentação no dispositivo da sentença deveria ter sido feito constar aquela condenação.
Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 614.°, n.° 1 e 3, do Código de Processo Civil, procedo à retificação da sentença proferida nos presentes autos, nos
seguintes termos:
Em “III- Decisão”, onde se lê: “Pelo exposto supra, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) condeno o Réu a pagar à Autora €43 904,00 (quarenta e três mil novecentos e quatro Euros), a título de compensação por danos patrimoniais;
b) condeno o Réu a pagar à Autora €10 500,00 (dez mil e quinhentos Euros), a título de compensação por danos não patrimoniais;
c) condeno o Réu a pagar à Autora o correspondente a 35% das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto a cirurgias a que tenha de ser submetida, óculos que tenha que ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver que fazer, deslocações que ainda tiver que efectuar, medicamentos e demais despesas conexas e que sejam consequência do acidente a que se reporta os autos e das lesões que do mesmo resultaram.
b) absolvo o Réu do demais peticionado.”
Deve ler-se: “Pelo exposto supra, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) condeno o Réu a pagar à Autora €43 904,00 (quarenta e três mil novecentos e quatro Euros), a título de compensação por danos patrimoniais, quantia esta acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação para a presente ação, até integral e efetivo pagamento.
b) condeno o Réu a pagar à Autora €10 500,00 (dez mil e quinhentos Euros), a título de compensação por danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação para a presente ação, até integral e efetivo pagamento.
c) condeno o Réu a pagar à Autora o correspondente a 35% das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto a cirurgias a que tenha de ser submetida, óculos que tenha que ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver que fazer, deslocações que ainda tiver que efectuar, medicamentos e demais despesas conexas e que sejam consequência do acidente a que se reporta os autos e das lesões que do mesmo resultaram.
b) absolvo o Réu do demais peticionado.”
D. N (…)”.

Do que se vem de transcrever grassa à evidência que o Tribunal a quo ponderou a pretensão da Recorrente no sentido da colmatação da falta de condenação do Réu no pagamento de juros até efetivo e integral pagamento em sede de dispositivo, tendo-lhe dado inteira satisfação.

De tal resulta prejudicado o conhecimento da primeira questão decidenda, pois que esta é relativa à omissão no dispositivo a condenação do Réu no pagamento de juros até efetivo e integral pagamento, que, fruto do supra aludido despacho, deixou de subsistir.
Nesta conformidade, dela se não toma conhecimento.

II. Dissolvida esta questão, vejamos agora se saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pela Recorrente.
Vejamos.
A lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria de facto, exige, desde logo, o cumprimento do ónus processual preconizado no artigo 640º do CPC.

De facto, e no que concerne à sua legal admissibilidade, ressuma com evidência do preceituado no nº. 2 do artigo 640º do CPC que, “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 04.12.2015, no processo nº. 418/12.6BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:”(…)
Como resulta do art.º 640, nºs. 1, b) e 2, a), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar (dá-se aqui uma “ênfase redundante” nas palavras de Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, 5º edição, pág. 167), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Tem por objectivo responsabilizar as partes (princípio da auto-responsabilidade das partes), vedando-lhes a impugnação a decisão da matéria de facto como uma mera manifestação de inconformismo infundado – cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, Almedina, p. 159 – bem como garantir, para além do contraditório, a cooperação processual entre as partes e o Tribunal.
Cfr. Ac. RL, de 26-03-2015, proc. nº 183/13.0TBPTS.L1-2 [destaque nosso]:
«(…) o art. 640.º do CPC fixa o ónus de alegação a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto.
Desse ónus, consta, designadamente, a especificação obrigatória dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640.º, n.º 1, do CPC).
O estabelecimento desse ónus de alegação destina-se, fundamentalmente, a proporcionar o efetivo contraditório da parte contrária e, por outro lado, a facilitar a compreensão e decisão da impugnação pela Relação, que pode modificar a decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC.
O incumprimento de tal ónus de alegação implica, sem mais, a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art. 640.º, n.º 1, do CPC).».

Conforme se sumaria no Ac. deste TCAN, de 22-05-2015, proc. nº 132/10.7BEPNF [destaque nosso]:
I) – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente: (i) sob pena de rejeição, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (ii) sob pena de imediata rejeição na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados.
De igual forma no Ac. deste TCAN, de 28-02-2014, proc. nº 00048/10.7BEBRG [destaque nosso]:
I. Resulta do art. 685.º-B do CPC que quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição do recurso, não só os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.
Igualmente no Ac. deste TCAN, de 22-10-2015, proc. nº 1369/04.3BEPRT, se lembra [destaque nosso]:
«Como já salientámos em casos idênticos (v. Acórdão do TCAN, de 22.05.2015, P. 1224/06.2BEPRT), as competências dos Tribunais Centrais Administrativos em sede de intervenção na decisão da matéria de facto encontram-se reguladas, por força da remissão do artigo 140.º do CPTA, nos artigos 640.º e 662.º do CPC/2013, que acolheram um regime que, de um lado, assume a alteração da matéria de facto como função normal da 2.ª instância e, do outro, não permite recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas admite a possibilidade de revisão de “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente” (v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 2014, 130). Neste contexto, recai sobre o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, por um lado, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, por outro, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos que entende que deviam ter sido dados como provados ou não provados, incluindo a indicação exata das passagens da gravação, no caso de depoimentos gravados (artigo 640.º do CPC) (…)”.

Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no recentíssimo Acórdão deste T.C.A.N. de 17.01.2020 [processo n.º 141/09.9BEPNF], consultável em www.dgsi.pt:

“(…) Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 155 sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.
É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”(…)”.

Mas o quadro legal aplicável não se basta com tal cumprimento deste ónus processual, exigindo ainda que a decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só possa ser alterada pelo Tribunal Superior nos casos estabelecidos no art.º 662º do Código de Processo Civil, ou seja, “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem solução diversa.” [cfr. nº.1].

Na interpretação deste preceito, e dos que lhe antecederam no tempo, decidiu-se no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte editado em 11.02.2011, no Procº. n.º 00218/08BEBRG: “1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.

Posição que se desenvolveu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.10.2011, no Procº. n.º 01559/05BEPRT, que: “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados. XX. É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos. XXI. Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. XXII. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.

E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.09.2013, no processo nº 00802/07.7 BEVIS:” (…) “Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho (…)”.
(…)

Em sentido idêntico se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
- Proc. nº 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012:
“1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
- E proc. nº 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013:
“2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.”
(…)”.

Deste modo, à luz de tudo o quanto se vem de expender, haverá que se entender que a lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria de facto, exige que o Tribunal Superior seja confrontado com (i) os concretos pontos que, no entender do Recorrente, se mostram como incorretamente julgados; (i.1) a indicação do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida; (i.2) a definição da decisão que, no entender daquele, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e a (i.3) expressa de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, e, bem assim, uma vez ultrapassado este crivo processual, com (ii) a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto.

Cientes do que se vem de expor, importa agora analisar a situação sob apreciação aferindo do cumprimento do ónus processual supra sintetizados, e, mostrando-se necessário, do acerto da matéria de facto sob impugnação.

E, nesse domínio, dir-se-á que a Recorrente faz expressa referência aos pontos de facto que, no seu entender, se mostram como incorretamente julgados, motivando, na exigência de lei, tal entendimento, ou seja, com definição do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida, que define objetivamente, e com expressa de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

O que serve para concluir que a Recorrente cumpre adequadamente o ónus de impugnação preconizado no nº. 2 do artigo 640º do C.P.C.

Por sua vez, e no que tange ao acerto [ou desacerto] da matéria de facto sob impugnação, cabe notar que a Recorrente coloca em causa, por via da prova testemunhal, que o Tribunal a quo tenha dado como provado o tecido fáctico vertido na alínea D) do probatório coligido nos autos, ou seja, que a Autora [seguia no lugar à frente, no lugar reservado ao passageiro] sem o cinto de segurança colocado.

Efetivamente, a Recorrente coloca em crise a aquisição processual por parte do Tribunal a desta realidade [sem o cinto colocado], considerando o teor dos depoimentos prestados por (i) H., (ii) A. e (iii) D. sobre a matéria em questão, todos eles, no seu entender, perentórios a afirmar que a Autora levava o cinto de segurança colocado.

Esta alegação, todavia, não corporiza a realidade emergente do processo.

Sendo apodítico que o erro de julgamento da matéria vem equacionado exclusivamente quanto aos depoimentos prestados (i) H., (ii) A. e (iii) D., importa, contudo, assinalar que as únicas testemunhas que verificaram diretamente a colocação [ou não] do cinto foram o (i) condutor do veículo, pai da Autora, de seu nome, H., e a (ii) pessoa que retirou a Autora da viatura sinistrada logo após a ocorrência do acidente, de seu nome, D..

Ora, se o pai H. foi perentório a afirmar que a Autora trazia o cinto colocado, já a testemunha D., que, reitere-se, retirou a Autora do veículo sinistrado, claramente assinalou realidade contrária, isto é, que a Autora não trazia o cinto colocado.

Estamos, portanto, perante duas posições divergentes sobre a mesma materialidade.

Como é sabido, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita [cfr. artigo 414º do C.P.C.].

Assim sendo, nos termos desta normação, propendemos para o sentido acolhido pelo Tribunal a quo.

Naturalmente, poder-se-á objetar, como perspetiva o Recorrente, que o depoimento prestado pelo pai da Autora é corroborado também pelo depoimento prestado por A., o que justifica a modificabilidade do tecido fáctico nos termos pretendidos pela Recorrente.

Ocorre, porém, que este depoimento em concreto não habilita este Tribunal a concluir, com a segurança e a certeza exigíveis, pela demonstração que a Autora circulava efetivamente com o cinto de segurança colocado.

Na verdade, conforme resulta cristalino do seu depoimento, a testemunha visada não retirou a Autora do carro após o acidente, tendo apenas presenciado determinada factualidade verificada após a retirada da Autora do carro, o que basta para motivar a desconsideração do dito depoimento no contexto global da aquisição da convicção do Tribunal a quo relativamente ao tecido fáctico a provar.

Acresce que o mesmo mostra-se eivado de inconsistências e mesmo de contradições e, por isso, não demonstrou possuir capacidade para corroborar o depoimento prestado pelo pai da Autora.

De facto, percorrido o depoimento prestado pela testemunha A., logo se constata que esta começa por afirmar inicialmente que a Autora levava cinto de segurança colocado, o que fundou na evidência de que “(…) ele estava lá, esticado (…)”.
Contudo, quando instado se “(…) viu se ela levava cinto ou não? (…)”, afirmou já que “Não”.
Por sua vez, quando questionado com a questão de saber se o cinto “(…) Vinha largo?”, o mesmo referiu “(…) É. Mas vinha colocado (…)”.
Todavia, quando confrontado com a questão “(…) O senhor sabe? O senhor disse há bocado que não sabe (…)”, o mesmo referiu “(…) Eu não tenho a certeza (…)”.
As apontadas incongruências concatenadas com a falta de participação direta na dinâmica de retirada da Autora da viatura sinistrada logo após o acidente mais do que justificam a convicção negativa no que tange à demonstração da realidade visada.

Donde se capta que a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo apresenta-se racional, resultando das regras comuns da lógica.

De tudo o quanto vem de se expor deriva, naturalmente, que não se antolha a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto, tanto mais que a Mmª Senhora Juíza a quo especificou os meios de prova que serviram de suporte à concreta decisão sobre a matéria de facto e fundamentou adequadamente, essa decisão, não se vislumbrando quaisquer erros ou contradições na motivação da dita decisão da matéria de facto.

Nestes termos, improcede o invocado erro de julgamento da matéria de facto, que assim se mantém inalterada.

III. No que se refere à terceira questão, impõe-se apurar se se é [ou não] justa e equitativa a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais no montante de € 30,000,00.

De facto, a Recorrente entende ser deficitário o montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo, por isso, este ser aumentado para € 58,000,00.

Falece-lhe, porém, razão.

A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, sendo que na indemnização pelo dano não patrimonial o "pretium doloris" deve ser fixado de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida.

Para enquadrar esta matéria, e o mais que se impõe depois discutir, está assente que, em consequência do acidentes dos autos:
(i) a Autora sofreu grave traumatismo da face com esfacelo grave do supracílio do olho direito, do dorso do nariz e hemi-face direita; traumatismo da mandíbula com desluvamento do fundo anterior; presença de 3 corpos estranhos na região da órbita (um do lado interno e dois fragmentos do lado externo da órbita visíveis ao RX, o que motivou a realização de diversas cirurgias sob o efeito de anestesia geral; esteve internada no Hospital de São João no Porto cerca de 1 mês e 10 dias, sendo que, após este período de internamento, regressou a casa, tendo sido submetido a novo internamento de cerca 5 dias com vista à realização de nova cirurgia plástica ao rosto, ao que se seguiram novos internamentos com vista a mais novas cirurgias de transplante de córnea do olho direito; de implante de lente intraocular no olho direito; e de correção do estrabismo do olho direito, continuando a ser seguida em consultas externas das especialidades de Cirurgia Plástica, Oftalmologia e Estomatologia, verificando-se que, em virtude do acidente, a Autora tem dificuldades em focar, durante algum tempo, objetos ou pessoas, o que lhe causa dores de cabeça frequentes e intensas;
(ii) A Autora é obrigada a andar sempre de óculos de sol, graduados, porquanto ficou com muita sensibilidade à luz; que, mercê das inúmeras anestesias gerais que levou ao longo dos últimos anos, o seu sistema nervoso ficou alterado, o que provocou, provoca e provocará queda de cabelo; que mantém ainda hoje um rosto todo marcado por cicatrizes;
(iii) A Autora sofreu um profundo desgosto abatimento psíquico, cansaço físico e uma revolta muito grande, sentindo-se injustiçada e impossibilitada de ter uma vida normal; deixou de se relacionar normalmente com as outras pessoas, passando a isolar-se, porque se sentia alvo dos olhares dos outros, por causa do seu rosto retalhado;
(iv) A Autora teve fortes dores, que ainda tem e sente e que ficou com de uma desvalorização física permanente, para o exercício da sua atividade profissional e para todo o trabalho em geral, de 30 pontos, sendo 26 pontos correspondentes às sequelas de esfacelo da face, plastia palpebral e das cicatrizes, transplante de córnea, colocação e lente intraocular e correção de estrabismo.

Neste contexto, e perante o quadro factual traçado, é apodíctico dizer-se que os danos não patrimoniais apontados são merecedores da tutela do direito, tanto mais que a Recorrente nem sequer discute tal asserção, antes insurgindo quanto ao valor da indemnização fixada em 1ª instância neste domínio.

Porém, é nosso entendimento que tal juízo, caracterizado em função do tecido tático apurado nos autos e dos ditames da lei, mostra-se suficientemente ponderado, e resulta ajustado.

Na verdade, ante o circunstancialismo fáctico apurado nos autos, a atender e tendo em conta, designadamente, a experiência traumática e perturbadora que a Autora sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, os períodos de convalescença e os tratamentos a que teve de se submeter, e ainda o dano estético fixado em 4/7 e o quantum doloris de grau 5/7 [cfr. relatório pericial de avaliação de dano corporal junto aos autos], afigura-se-nos adequada e equitativa a fixação de indemnização no valor de € 30.000,00, a titulo de danos não patrimoniais.

Não se descortina, portanto, qualquer necessidade de rever o julgamento do Tribunal a quo operado no domínio em análise, que se assim se mantém integralmente.

IV. Resta-nos, portanto, a questão de saber se resulta desproporcional a computação da responsabilidade do pai da Autora para o agravamento dos danos em 65%, devendo ser reduzida para 20%.
A este propósito, e no que concerne ao direito, discorreu-se em 1ª instância o seguinte: “(…)
Pelo exposto, atenta a dinâmica do acidente e o referido circunstancialismo que contribuiu para a sua produção, temos como certo que a causa do mesmo se ficou a dever à falta de sinalização daqueles obstáculos na via, inexistindo qualquer irregularidade na condução do veículo PM que possa interferir neste processo causal.
Diferente é já a contribuição do condutor do veículo PM para o agravamento dos danos, quando permitiu que a Autora seguisse no lugar do passageiro, à frente e sem cinto de segurança colocado, concluindo-se pela existência de uma concorrência de culpas entre este e o Réu (concorrência, pois o agravamento dos danos sofridos pela Autora também são imputados ao Réu a titulo de causalidade adequada pois não ocorreram devido a circunstâncias alheias ao processo causal, resultando, pelo contrário, daquele mesmo processo).
Na verdade, resulta da factualidade assente qua a Autora tinha 11 anos e seguia à frente no lugar do passageiro e sem cinto de segurança, tendo batido contra o vidro da frente da viatura e que grave traumatismo da face com esfacelo grave do supracílio do olho direito, do dorso do nariz e hemi-face direita, traumatismo da mandíbula com desluvamento do fundo anterior; presença de 3 corpos estranhos na região da órbita e que determinaram a sujeição da Autora a diversos atos cirúrgicos, sob efeito de anestesia geral, nomeadamente, sutura de perfuração corneosceral, redução de hérnia na íris; blefasplastia; sutura das feridas da face e pálpebras; sutura das feridas do nariz; que a Autora foi ainda submetida a cirurgias para corrigir as cicatrizes da face com que tinha ficou em resultado do acidente; tendo sofrido lesões nos olhos, que além dos atos cirúrgicos referidos e das consultas que teve ao longo dos anos, determinaram ainda um transplante de córnea do olho direito, continuando, até ao presente, a ser seguida em consultas de oftalmologia e estomatologia/ortodontia mas sem possibilidade de recuperação total (factos assentes nas alíneas kk) a iiii)).
Assim, é de concluir que se a Autora não fosse no lugar do passageiro ou, pelo menos, se aí seguisse com o cinto colocado, não teria batido contra o vidro do veículo e, assim, as lesões que se vieram a apurar, nomeadamente, de foro oftalmológico, conforme infra melhor se especificará.
Ora, considerando que a culpa no agravamento dos danos é imputável ao condutor do PM e que este é o pai da Autora, à data menor, a prova desta culpa releva para os efeitos previstos no artigo 570.° do Código Civil, por força do disposto no artigo 571.°, do mesmo Código, e determina a redução da indemnização a que a Autora teria direito, se não fosse a concorrência da culpa do seu representante no agravamento daqueles danos
(…)”
Assim, quanto à amplitude dos danos causados pelo acidente, considerando a factualidade que resulta provada e que acima se elencou e, em particular, a desvalorização física permanente sofrida pela Autora em consequência do acidente e a percentagem que corresponde às sequelas de esfacelo da face, plastia palpebral e das cicatrizes, transplante de córnea, colocação e lente intraocular e correção de estrabismo, conclui-se que houve uma contribuição do condutor do veículo PM no agravamento daqueles danos, que se estima em 65%, pelo que, nos termos do indicado artigo 570.°, n.° 1, do Código Civil, a obrigação de indemnizar do Réu deve ser reduzida nessa proporção, ficando o Réu obrigado a pagar à Autora a quantia de €43 904,00, a título de danos patrimoniais e a quantia de €10 500,00 a título de danos não patrimoniais (…)”.

Conforme emerge da fundamentação de direito que se vem transcrever, o Tribunal recorreu a um juízo de equidade assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso para graduar em 65% da responsabilidade do condutor do veículo PM no agravamento dos danos.

Nestes casos, isto é, nos casos em que o Tribunal a quo se socorre de juízos de equidade para determinar se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, entendemos que o Tribunal Superior só deve intervir quando tais juízos se revelem, de forma patente, em colisão com critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados em circunstâncias semelhantes, o que manifestamente, sucede no caso.
Com efeito, a graduação em 65% da responsabilidade do condutor do veículo no agravamento dos danos, afigura-se-nos manifestamente excessiva em face de critérios jurisprudenciais seguidos em situações semelhantes, que situaram antes a graduação na ordem dos 10% a 25%.
Neste sentido, podem ver-se, de entre outros, os seguintes Acórdãos:

(i) do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.15.2015, tirado no processo nº. 744/14.0TBVIS.C1:“(…) A conduta ilícita e culposa do lesado que é transportado no veículo sem que tivesse colocado o cinto de segurança tem toda a aptidão para contribuir para o agravamento dos danos sofridos em caso de acidente, justificando-se, por isso, que essa conduta seja valorada, ao abrigo do disposto no art. 570º do CC, para reduzir, em 15%, o valor da indemnização a que tenha direito pelos danos que sofreu em consequência de um embate frontal do veículo onde seguia (…)”[destaque nosso].

(ii) do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02.15.2018, tirado no processo nº. 3037/15.1T8VCT.G1:” (…) O entendimento do tribunal a quo no sentido de a indemnização a fixar à autora dever ser reduzida em 15%, a semelhança do que foi considerado no ac. de 3.03.2009 do Supremo Tribunal de Justiça (www.dgsi.pt, proc. nº 09A009) parece-nos conforme à lei. E, na verdade, olhando à contribuição de cada um dos intervenientes para o dano concretamente sofrido, a culpa da autora revela-se significativamente inferior à de cada um dos condutores dos veículos, responsáveis pela ocorrência do acidente. E, efetivamente, como se refere na sentença recorrida “Como ali se escreveu, “a intensidade da culpa – vale por dizer, a gravidade do juízo de censura ético-jurídico a formular – é incomparavelmente maior quando se aprecia sob esta perspetiva o comportamento do condutor do veículo (...). E isto porque foi ele, e só ele, que (…) deu causa ao acidente; sem tal conduta ilícita e culposa o autor não teria sofrido quaisquer danos, quer usasse, quer não usasse o cinto de segurança na ocasião do acidente. É diminuta, neste contexto, a sua culpa, também porque ela se limita, na realidade, à falta do cinto de segurança, que podia e devia ter colocado (…). Certa e segura é, de qualquer modo, a con­tribuição causal do facto culposo do lesado, não para a produção, mas apenas para o apro­fun­damento das lesões, circunstância que também não pode deixar de ser sopesada na avaliação global das condutas de lesante e lesado para que a lei aponta. Em face do que antecede, entende-se que a indemnização a arbitrar ao autor deve ser reduzida em 15%, por aplicação do disposto no art.º 570º, nº 1, do CC. (…) ”[destaque nosso].

(iii) do Tribunal da Relação do Porto, de 14.03.2016, tirado no processo nº. 424/13.3T2AVR.P1. “(…) A este nível o tribunal recorrido fixou em 10% a percentagem daquela culpa. Deste valor discorda o FGA no recurso que interpôs, propugnando que tal percentagem devia ser fixada em 30%.[10] Alega a este respeito, que no caso concreto, o grau de exposição voluntária ao risco foi excessivo, superando a gravidade média inerente à conduta de não utilização do cinto de segurança, pois que, se tratava de um carro sem capota e numa via rodoviária destinada a circulação em grande velocidade. Não se discorda deste entendimento. Porém, importa sopesar, como já acima se referiu, que o juízo de censura que está subjacente é diminuto, já que ele apenas releva na ponderação do agravamento dos danos e nada mais que isso. Se o acidente não se tivesse produzido não haveria danos, independentemente de qualquer das circunstâncias referidas e da não colocação do cinto de segurança. Parece-nos, assim, que a percentagem de 10% fixada pelo tribunal recorrido se mostra justa e equilibrada, não se divisando razões ponderosas que nos levem a alterar o assim decidido (…)” [destaque nosso].

(iv) do Tribunal da Relação do Porto, de 30.06.2014, tirado no processo nº. 1805/08.0TBVLG.P1: “(…) b) À redução da indemnização em 15% do valor dos danos a apurar por culpa do lesado nos termos do disposto no artº 570º do CCivil. Decorre da factualidade apurada que à data do acidente, o autor B… viajava no veículo automóvel como passageiro sem haver colocado o cinto de segurança (ponto 53 dos factos provados). O Mmº Juiz a quo tendo entendido que a não colocação do cinto de segurança por parte do autor constituía uma omissão culposa e “se traduziu indiscutivelmente numa conduta criadora de perigo para os seus próprios interesses, nessa medida se podendo falar em exposição descuidada e injustificada ao perigo de sofrer um dano”, muito embora não tivesse concorrido para o despiste do veículo, limitou a redução da responsabilidade da ré, ora recorrente por concurso de culpa do lesado, a 15%. A ré recorrente sustenta que, a parcela de responsabilidade a atribuir ao lesado não deve ser inferior a 50%, a fim de reduzir a indemnização, ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 570º do CCivil. Vejamos. Tendo em conta a factualidade provada respeitante a esta matéria, verificamos que tendo o A. sido projetado do habitáculo do veículo (ponto 13) e que os restantes 4 ocupantes do mesmo veículo permaneceram no seu interior apenas tendo sofrido ferimentos ligeiros, dado terem colocados os respetivos cintos de segurança (pontos 51 e 52), conclui-se que essa falta contribuiu para o agravamento do dano causado pelo acidente. Esta omissão de cuidado é claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância do cuidado e diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocada na situação da lesado, sendo do conhecimento geral que é perigoso fazer-se transportar num veículo automóvel sem ter o cinto de segurança colocado [neste sentido, vide o Ac. do STJ de 21/02/2013 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), disponível em www.dgsi.pt]. Ainda secundando o vertido neste mencionado Ac. do STJ, dir-se-á que “É indiscutível que a falta de colocação do cinto de segurança – cuja obrigatoriedade protege, em primeiro lugar, o próprio passageiro, mas tem igualmente em vista o interesse público de minorar as consequências dos acidentes de viação e as suas repercussões, por exemplo, no sistema de saúde, e não só –, no sentido do artigo 563º do Código Civil, não é causa adequada do acidente e, portanto do dano; não se pode falar, assim, de uma situação de concorrência de causas do dano.” O artº 563º do CCivil prevê ao consagrar a teoria da causalidade adequada que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Portanto o que aqui interessa aferir do ponto de vista da contribuição de cada um para o dano concretamente sofrido, é a respetiva culpa. In casu, é óbvio que a culpa do condutor do veículo que se despistou - único responsável pela produção do acidente - é incomparavelmente maior do que a do autor que seguia como passageiro no veículo sem ter colocado o cinto de segurança, em nada tendo contribuído para a produção daquele evento, ou seja, caso não tivesse ocorrido tal conduta ilícita e culposa por parte do condutor do veículo, o autor não teria sofrido quaisquer danos, usando ou não cinto de segurança. A culpa do autor circunscreve-se, assim, à falta de colocação de cinto de segurança, que devia ter colocado sendo, por isso, reduzida no contexto causal do acidente. No entanto, não há dúvida que a sua conduta - o não uso de cinto de segurança – potenciou o agravamento das lesões sofridas, tanto mais que todos os outros ocupantes do veículo sofreram lesões ligeiras ao usarem cinto de segurança e não terem saído do habitáculo da viatura.
Assim, tendo em conta o reduzido grau de gravidade da culpa do autor mas também o circunstancialismo supra apontado, entende-se alterar a indemnização a arbitrar ao autor, a qual deve ser reduzida em 25%, por aplicação do disposto no artº 570º, nº 1 do CCivil (…)” [destaque nosso].

(v) do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.03.2009, tirado no processo nº. 09A0009:”(…) Provando-se que as lesões sofridas pelo autor se agravaram por viajar deitado no banco de trás, que se encontrava rebatido, a dormitar e sem o cinto de segurança posto, ignorando-se, todavia, o peso relativo de cada um destes fatores em tal agrava­mento e, bem assim, a medida, o grau deste, a indemnização a fixar deverá ser reduzida em 15%, por aplicação do disposto no artº 570º, nº 1, do CC (…)” [destaque nosso].

(vi) do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.10.2018, tirado no processo nº. 1295/11.0TBMCN.P1.S2:”(…) Aqui chegados, coloca-se agora a questão da redução de 20% operada pelo Tribunal da Relação, ao considerar que o sinistrado, por não ter utilizado o cinto de segurança, contribuiu para o agravamento dos danos, nos termos do art.º 570.º do CC. (…) Está, pois, provado que o falecido KK, no momento do acidente, não utilizava o cinto de segurança, o que constitui uma manifesta infração às normas estradais aplicáveis e que aquele não podia nem devia ignorar. Dessa infração torna-se precípua a censurabilidade de tal conduta e portanto provada a culpa do infrator, nos termos e para os efeitos do art.º 572.º do CC. Nessas circunstâncias, caberia às A.A. provar alguma causa excludente da culpa, como aquela que insinuam, mas que não resulta dos factos provados. Com efeito, do facto de o veículo transportar passageiros acima da lotação permitida, desconhecendo-se, como se desconhece, em que lugar o sinistrado seguia, não se pode concluir que não lhe seja imputável aquela infração omissiva. Relativamente ao grau de contribuição desse facto para a produção ou agravamento das lesões sofridas por KK, é matéria de facto assente pelas instâncias - o que este tribunal de revista tem de acatar - que a falta de uso do cinto de segurança só contribuiu para o agravamento dos danos, que não para a produção do acidente, restando ponderar, dentro dos limites tidos por provados, qual o grau dessa contribuição. Sucede que dos ocupantes da viatura só dois sofreram a morte: RR e KK; os outros sofreram ferimentos, sendo que os que levavam cinto de segurança só tiveram ligeiras contusões. Porém, daí não se pode retirar, sem mais, a ilação de que a morte daqueles dois ocupantes se deveu fundamentalmente ao facto de não usarem o cinto de segurança, já que os demais que também não traziam cinto de segurança só tiveram ferimentos. Assim, dentro desses limites e do que, a partir deles, é possível sopesar em sede de equidade, não se tem por desajustada a redução de 20% operada pelo Tribunal da Relação (…)” [destaque nosso].

Reiterando toda esta linha jurisprudencial, entendemos que a ponderação casuística das circunstâncias pertinentes resultantes do provado que desenham a especificidade do caso concreto no sentido da graduação fixada em 65% da responsabilidade do condutor do veículo no agravamento dos danos não se mostra bem realizada, impondo-se a sua revisão por forma a tal graduação situar-se antes na grandeza dos 20%, por se esta reputar inteiramente ajustada às particularidades do caso concreto à luz da jurisprudência que se vem de enunciar.

Deve, portanto, ser alterada a decisão recorrida na parte em que opera a graduação da responsabilidade do condutor em 65%, sendo esta reduzida antes para 20%, mantendo-se quanto ao demais integralmente como decidido.

Procedem, portanto, nesta parte, os recursos jurisdicionais interpostos nos autos, impondo-se, por isso, a substituição das condenações determinadas na alíneas a), b) e c) do dispositivo da sentença recorrida pela condenação do Réu a pagar à Autora (i) a quantia única de € 124,352,00 [€ 125,440,00 (danos patrimoniais) + € 30,000,00 (danos não patrimoniais) - €31,088,00 (20% de € 155,440,00)] cento e vinte e quatro mil trezentos e cinquenta e dois euros], a título de compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como (ii) o montante correspondente a 80% das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto a cirurgias a que Autora tenha de ser submetida, óculos que tenha que ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver que fazer, deslocações que ainda tiver que efectuar, medicamentos e demais despesas conexas e que sejam consequência do acidente a que se reporta os autos e das lesões que do mesmo resultaram.

Ao que se provirá no dispositivo.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PARCIALMENTE PROVIMENTO aos recursos jurisdicionais “sub judice”, e, consequentemente, substituir as condenações determinadas na alíneas a), b) e c) do dispositivo da sentença recorrida pela condenação do Réu a pagar à Autora:

(i) a quantia única de € 124,352,00 [€ 125,440,00 (danos patrimoniais) + € 30,000,00 (danos não patrimoniais) - €31,088,00 (20% de € 155,440,00)], a título de compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como,

(ii) o montante correspondente a 80% das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto a cirurgias a que a Autora tenha de ser submetida, óculos que tenha que ir mudando ao longo da vida, tratamentos que ainda tiver que fazer, deslocações que ainda tiver que efectuar, medicamentos e demais despesas conexas e que sejam consequência do acidente a que se reporta os autos e das lesões que do mesmo resultaram.
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Custas do recurso pela Recorrente e Recorrido, na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 05 de fevereiro de 2021,


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro